A publicação do “Guia de consenso sobre boas práticas nos cuidados de fim de vida”1das Sociedades Espanhola e Portuguesa de Medicina Interna é um avanço significativo para a nossa especialidade, para os doentes e para a sociedade. A tradução portuguesa do consenso é inovadora dado ser uma tomada de posição conjunta sobre a responsabilidade dos Internistas para com os doentes que seguramente vão morrer aos seus cuidados. Coloca definitivamente de parte a medicina derrotista, na qual os doentes na iminência de morrer eram “território de ninguém” e a quem nada mais havia a fazer. Investimo-nos de vontade em cuidar destas pessoas, com a certeza de que os seus cuidados podem, como nas restantes áreas do saber médico, ser estruturados e a qualidade do serviço prestado auditada.
Dedicar tempo e atenção àqueles que certamente não vão curar e aplicar o nosso esforço àqueles que estão na iminência da morte é certamente oportunidade cimeira para exercício humanizante da Medicina. Identificar a síndrome de morte iminente, estratificar as necessidades dos doentes, desenvolver um plano de cuidados individualizado são momentos de reconciliação da Medicina atual com a sua motivação ancestral que constitui o esteio do nosso profissionalismo.
Sendo um consenso, traduz a aproximação possível à uniformização dos princípios de cuidados destes doentes. É um documento importante porque aponta para o que contribui para a qualidade assistencial a esta população frágil. Apesar deste vital contributo, não se progride na forma como se organizam, na prática, os cuidados em situação de morte iminente.
Salientamos duas ideias que nos parecem muito relevantes para o bom entendimento do texto e para a adequação dos nossos cuidados:
(1) um doente em fim de vida pode não estar em morte iminente, embora frequentemente (e de forma errada) estes termos são usados como equivalentes. A síndroma da morte iminente corresponde à última fase do percurso de fim vida de uma pessoa. Embora os princípios dos cuidados sejam sobreponíveis (controlo de sintomas, comunicação, envolvimento da família e trabalho em equipa), os objetivos específicos podem ser bem diferentes dado que o momento que vivem é completamente díspar na fisiopatologia, vivência atual e enquadramento futuro;
(2) é prática comum considerar que o momento ideal para solicitar apoio de uma equipa de cuidados paliativos é o momento da morte ou quando a doença atingiu um estado avançado, inexorável e com mau prognostico. Trata-se de uma versão obsoleta do conhecimento. Em bom rigor científico e para que se maximize os seus benefícios, os princípios de atuação dos cuidados paliativos devem ser incorporados precocemente no percurso da doença, sempre indexado ao sofrimento ou à complexidade da condição clínica, conforme sustenta aNational Coalition for Hospice and Palliative Care Clinical Practice Guidelines for Quality Palliative Care.2
A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, numa iniciativa conjunta do NEBio e NEMPal, em articulação com aInternational Collaborative for the Best Care of the Dying Person(da qual a Equipa de Acompanhamento, Suporte e Paliação do Hospital da Luz - Arrábida é representante em Portugal), vai desenvolver o Projeto MiMI (Morte iminente em Medicina Interna). Pretende identificar de forma transversal a tipologia de cuidados prestados a estes doentes (através da promoção deone-day survey) e caracterizar as necessidades formativas das equipas de Medicina Interna (médicos e enfermeiros) através de umfocus group. Pretendemos ainda a validação de um instrumento de avaliação inicial e de monitorização do bem-estar do doente em morte iminente.
O objetivo final será a criação de umcurriculumque corresponda às necessidades das profissionais de saúde da Medicina Interna e operacionalizá-lo num programa formativo esclarecedor, conciso e prático. Assim avança a ciência em Portugal.