Caro Editor,
O artigo de revisão de Martins de Brito, Bertão & Freire1 faz uma revisão detalhada (e muito útil) sobre vias alternativas à via oral em Cuidados Paliativos, sublinhando o seu uso em domicílio. Neste contexto, penso que será importante destacar mais alguns pontos que a experiência prática de alternar entre o ambiente hospitalar e a comunidade me permitem reconhecer e, assim, enriquecer de alguma forma o trabalho notável desta revisão.
Estas vias não são um “exclusivo” do domicílio, sendo essencialmente alternativas à via oral, a via preferencial, e ganhando por isso maior importância na comunidade, uma vez que o ambiente é diferente do hospitalar (relembremo-nos que os doentes estão a ser cuidados, maioritariamente, no seu domicílio) e as ferramentas disponíveis são normalmente mais limitadas, sendo essencial optimizar as vias utilizadas para obtenção de um melhor controlo sintomático.2
No contexto da comunidade, o privilégio da via oral alia-se frequentemente ao uso precoce da via transmucosa oral (nos fármacos e nas situações em que tal é possível), dado que a facilidade de adesão e o baixo grau de desconforto associado são em tudo sobreponíveis, com alguma vantagem em termos de rapidez de absorção e com uma vantagem ainda mais significativa - o trabalho de preparação e antecipação para eventual perda parcial e/ou intermitente de via oral.
Este trabalho de antecipação2 é ainda mais fundamental na gestão de caso no domicílio, tendo em conta as limitações já mencionadas e a necessidade de prevenir sofrimento desnecessário.3 Além disso, a habitual situação de doença muito avançada (frequentemente em situações de últimas semanas ou dias de vida) na qual os doentes são referenciados para apoio por Cuidados Paliativos,4 um atraso que por si só já coloca em causa a sua qualidade de vida, torna o trabalho de antecipação de agravamento e/ou do momento de fim de vida uma situação emergente e necessária, sendo que a escolha da via de administração ideal e o planeamento de alternativas viáveis para aquela situação é um pequeno mas importante passo.
Importa salientar que a verdadeira “via alternativa” no domicílio é a via subcutânea, pois é a que permite controlo sintomático mais eficaz em sintomas refractários/situações de crise e, sobretudo, é aquela que permite gerir os sintomas no momento de últimos dias/horas de vida. Perante o momento de agonia, além de conseguir ultrapassar a indisponibilidade da via oral5 e as limitações de outras vias, a via subcutânea permite a antecipação sob a forma de bólus e/ou perfusão contínua, o que, juntamente, com o estabelecer e explicar de um plano de cuidados, tranquiliza os cuidadores.5 A importância do uso desta via no domicílio espelha-se então na possibilidade de manter o doente confortável e com sintomas controlados no seu domicílio, nas situações que mais facilmente poderiam desencadear uma ida ao serviço de urgência e o retorno a um ambiente mais propenso a medidas inapropriadas4 e a maior sofrimento.