A Revista Sisyphus se constrói como um espaço de discussões sobre aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais, históricos, curriculares e organizacionais relacionados à educação. A partir das premissas orientadoras sobre Educação XXI, a ter como problemas centrais a qualidade da aprendizagem e a inclusão, e as Forças de Mudança em Educação, que pautam questões a respeito do desenvolvimento profissional nas profissões relacionadas à educação, assim como os processos e os efeitos da participação docente na governança dos sistemas de ensino, a revista se consolida. Dessa maneira, esse ambiente editorial possibilita discussões como as promovidas nesta Edição Especial, com a temática Cenários de Pesquisas em Educação Especial e Inclusiva, composta por estudos que viabilizam a compreensão desse contexto específico de forma ampla, a considerar sempre o direito a uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade.
As políticas de Educação Especial e de Educação Inclusiva há tempos são discutidas em congressos, colóquios, assim como em produção de periódicos, em vários países. No entanto, ao considerar a inclusão da pessoa com deficiência no ensino regular, ainda há barreiras que impedem que tal ação se efetive. Dentre essas, destacam-se a necessidade de formação de professores para o ensino especializado, por meio de práticas que realmente promovam a inclusão; a utilização de encaminhamentos metodológicos inadequados; o desconhecimento sobre como realizar as adaptações curriculares, entre outras.
A inclusão da pessoa com deficiência é realizada nas escolas de ensino regular, espaço onde o aluno apropria-se do conhecimento, a possibilitar-lhe uma vida social mais autônoma. Uma das formas desse acesso é por meio do uso de tecnologias como abordagens de mediação pedagógica, para amparar o processo de ensino e aprendizagem, especialmente do estudante com deficiência. Entre os anos de 2020 e 2021, com as necessidades de distanciamento social, ocasionadas no contexto da pandemia da COVID-19, as escolas foram fechadas temporariamente. Nesse sentido, o ensino remoto tornou-se a alternativa encontrada para que o aluno continuasse acessando o conteúdo escolar, com o uso de ferramentas tecnológicas como possibilidade de acesso. Tal alteração no ensino trouxe impactos aos alunos, especialmente àqueles com deficiências. Segundo o Instituto Rodrigo Mendes,
A repentina transformação trouxe impactos mais severos às pessoas socialmente mais vulneráveis, e pode acabar por aprofundar o contexto de desigualdade já existente. No contexto brasileiro, podemos observar disparidades no acesso à Internet, na oportunidade de aquisição de habilidades digitais e na acessibilidade a equipamentos. Muitas crianças brasileiras sequer possuem um lugar adequado para estudar em suas casas, enquanto grande parte dos professores brasileiros não tem conhecimento técnico ou pedagógico para a implementação do ensino online e não são incentivados a fazê-lo. (Instituto Rodrigo Mendes, 2020, pp. 5-6)
Esse cenário se agrava ao se observar que as matrículas de alunos público-alvo da Educação Especial, na Educação Básica, vêm apresentando crescimento, mesmo durante o período pandêmico, com exceção do Ensino Fundamental que, em 2022, apresentou uma redução de aproximadamente 6,4% de matrículas, em relação a 2021 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep, 2022).
Portanto, o desenvolvimento de estudos que contribuam para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem desse público, seja na modalidade remota ou presencial, se faz de extrema importância e urgência. Mesmo estando em situação de inclusão, os alunos com deficiência acabam por não participar do processo de ensino e aprendizagem, isto é, frequentam o ensino regular, porém, ao mesmo tempo, não lhes são dadas as condições necessárias para sua efetiva inclusão no mundo do conhecimento escolar.
À medida que nossa atenção está voltada para a sala de aula como um espaço de possibilidades e de garantia de um ensino de qualidade para todos os estudantes, é necessário se pensar nas adaptações curriculares imprescindíveis para atender às especificidades dos estudantes público-alvo da Educação Especial (Da Silva, Shimazaki, & Da Silva Dessbesel, 2018a). A sociedade se transformou e com ela foram ampliados os recursos disponíveis para serem implementados na sala de aula. De modo paralelo, as tecnologias apresentam-se como aliadas na aprendizagem, uma vez que contemplam um rol de possibilidades para o contexto educacional (Da Silva et al., 2018a).
Nesse sentido, esta edição especial apresenta um panorama de pesquisas que abordam discussões sobre os Cenários de Pesquisas em Educação Especial e Inclusiva. Este número especial, composto por nove artigos, expõe um conjunto de pesquisas sobre desafios para a disseminação e a efetivação de políticas públicas, a formação continuada de professores para atuação numa perspectiva inclusiva, as contribuições da utilização de recursos tecnológicos educacionais como possibilidade de inovação pedagógica, entre outros. Tais pesquisas aguçam reflexões sobre os cenários de investigações em Educação Especial e Inclusiva para o processo de ensino e aprendizagem da pessoa com deficiência, que são apresentadas na sequência.
A partir de um cenário internacional, González Román e Martínez Pérez fornecem, em “Enseñanza de las Ciencias Naturales para la Inclusión: Un Análisis Bibliométrico de Literatura Especializada”, um panorama inicial das pesquisas em Educação Especial e Inclusiva no ensino de Ciências, na Colômbia. De acordo com os autores, evidencia-se uma tendência de pesquisas com aspectos sensoriais e o uso de ferramentas tecnológicas, enquanto estudos que envolvam aspectos motores e cognitivos são praticamente inexistentes. Os pesquisadores destacam que é necessário promover uma formação docente em uma perspectiva da articulação entre a Educação Especial e Inclusiva e a Educação em Ciências Naturais.
No Brasil, o cenário também apresenta uma preocupação com aspectos tecnológicos associado à Educação Especial e Inclusiva, como as autoras Takinaga e Manrique exploram em “O Uso da Tecnologia e suas Contribuições para a Formação Integral do Aluno com Transtorno do Espectro Autista e do Aluno com Deficiência Intelectual nas aulas de Matemática”, a sinalizar que o uso de tecnologias contribui para a construção de práticas não homogeneizadoras, a atender as particularidades dos alunos e proporcionar uma aprendizagem coletiva.
A corroborar as pesquisas anteriores, Oliveira e Pletsch, em “Por uma Ciência do Humano: A Linguagem de Computação em uma Perpectiva Inclusiva”, apresentam um estudo sobre a interação/colaboração entre crianças com e sem deficiência com a linguagem de computação em uma perspectiva inclusiva. As autoras destacam que a linguagem computacional proporciona a constituição de signos em sujeitos, por meio da interação linguagem de computação/sujeito e entre os sujeitos e seus pares, sendo que tais interações atuam como fontes de aprendizagem e desenvolvimento.
A pesquisa “An Assistive Computer Technology Implementation Program for Students with Cerebral Palsy”, de Lourenço e Mendes, apresenta resultados relativos a um programa de treinamento em serviço com tecnologia assistiva computacional para profissionais da escola, destinado a estudantes com paralisia cerebral. Os autores apontam como resultados que o programa colaborativo permite que professores, funcionários da escola e alunos façam uso dessa tecnologia, ressaltando que a natureza colaborativa do programa foi de suma importância.
Os estudos já indicados apresentam como a inclusão escolar ocorre, da mesma forma como também eclodem os imensos desafios que se apresentam, bem como as vantagens do uso de tecnologias em salas de aulas para o aluno com deficiência, sendo que sua adoção como ferramenta pedagógica, pelo emprego das chamadas Tecnologias Assistivas (TA), mostra-se ainda mais desejável e promissora. Nesse caso, seu principal objetivo é funcionar como um recurso auxiliar no processo de ensino e aprendizagem junto à mediação da pessoa com deficiência, por meio de produtos, metodologias e práticas que promovam a adaptação das atividades pedagógicas, a aumentar a autonomia, a interação e a qualidade do aprendizado do aluno.
Outro aspecto que merece destaque é sobre os recursos necessários para se realizar avaliações em larga escala, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Rocha, Oliveira e Torres investigam tais aspectos em “Análise dos Recursos Solicitados para Atendimento Especializado e/ou Específico no Exame Nacional do Ensino Médio: Série Histórica (2016-2020)”. Os autores apontam que há uma diminuição no quantitativo de candidatos público-alvo da Educação Especial, alguns recursos são escassos, como macas e computadores, enquanto sala de fácil acesso e auxílio de transcrição apresentam-se em grandes quantidades. Também destacam que os resultados indicam que é possível o atendimento às especificidades dos sujeitos público-alvo da Educação Especial em avaliações como o ENEM.
Por sua vez, Mainardes e Casagrande, em “O Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) e a Diferenciação Curricular: Contribuições para a Efetivação da Inclusão Escolar”, exploram as inter-relações entre o Desenho Universal para Aprendizagem e a diferenciação curricular e pedagógica, a indicar que essa abordagem promoveria um ambiente de aprendizagem mais acessível para todos e que as estratégias de diferenciação seriam utilizadas dentro do Desenho Universal para a Aprendizagem.
Nesse caminho, observa-se a importância da inclusão no campo educacional das diferentes deficiências, como os artigos a seguir abordam. Hoffmann, Groenwald e Geller, em “Inclusão Cognitiva nos Campos Conceituais Aditivo e Multiplicativo de um Estudante Cego”, investigam uma intervenção pedagógica com um estudante cego ao longo de três semestres, apontando que o sujeito compreendia o conceito de número e, ao longo da intervenção, passa a organizar esquemas para soluções de problemas envolvendo estruturas aditivas e multiplicativas. Os autores concluem que a utilização de uma sequência didática contribuiria para o processo de desenvolvimento de noções matemáticas, respeitando o ritmo de aprendizagem dos estudantes.
Outro aspecto investigado é o transtorno de espectro autista, apresentado por Moura e Camargo, em “Experiências Sensoriais em Pessoas com Autismo e o Ensino de Ciências”, ao abordar as contribuições de materiais multissensoriais no desenvolvimento de estudantes com autismo em aulas de Ciências. Os resultados apontaram que os materiais empregados contribuíram para o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes, ao promover habilidades sociais e psicomotoras.
Assim, tão importante quanto promover um ensino inclusivo e de qualidade a esse público, está a formação docente para que se efetive tais ideais, como é apresentado no artigo de Mamcasz-Viginheski, Silva e Shimazaki, intitulado “Aspectos da formação continuada de professores atuantes na educação da pessoa com deficiência intelectual”. As autoras investigam a formação continuada de um grupo de nove professoras, a apontar a precariedade na formação docente para o ensino de Matemática e a necessidade da continuidade dessa formação.
Concebemos que uma formação docente inicial pode fornecer conhecimentos acerca da inclusão de pessoas com deficiência de forma que os futuros docentes reflitam sobre suas práticas pedagógicas frente às diferenças, aproximando-se de uma prática verdadeiramente inclusiva (Da Silva, Mamcasz-Viginheski, & Shimazaki, 2018b). Além disso, ela proporciona o ensino de diferentes conceitos, como, por exemplo, os matemáticos, de forma que contribuam para o desenvolvimento de estudantes com deficiência por meio de diferentes estratégias metodológicas, configurando-se em ações que permitam a efetivação de uma escola com perspectivas inclusivas (Noronha, da Silva, & Shimazaki, 2021).
Este dossiê, dentre as várias contribuições que oportuniza, possibilita avanços na compreensão do cenário das pesquisas sobre Educação Especial e Inclusiva, a envolver diferentes países, como Colômbia, Brasil e Portugal. Para tanto, desejamos uma ótima leitura a todos e todas!