INTRODUÇÃO
Com o crescimento exponencial da população idosa, as síndromes geriátricas têm sido um tópico cada vez mais investigado por grupos de especialistas em todo o mundo. A sarcopenia é um distúrbio muscular esquelético generalizado e progressivo caracterizada pela redução gradual da massa muscular, da força e função muscular (1). Os mecanismos envolvidos na etiologia desta síndrome são múltiplos, dentre eles estão a diminuição da síntese proteica, proteólise, exposição ao stress oxidativo, elevação dos mediadores inflamatórios, redução da função neuromuscular e alterações metabólicas e nutricionais (2). Doenças crónicas, inatividade física e malnutrição podem contribuir para o aparecimento da sarcopenia em indivíduos em idades precoces, mas ela é observada principalmente com o processo de envelhecimento. O seu desenvolvimento está associado a um amplo espectro de alterações desfavoráveis relacionados com pior qualidade de vida, dentre redução da mobilidade física e cognitiva, aumento da dependência, risco acrescido de ocorrência de quedas e fraturas, diabetes mellitus e morte (3, 4).
Dependendo dos critérios de diagnósticos utilizados, a prevalência de sarcopenia varia de 5 a 13% nos idosos com 60 a 70 anos, de 7,5% a 10% nos idosos entre 70 e 80 anos e 11 a 50% nos idosos com mais de 80 anos. Neste contexto, a Organização Mundial da Saúde estima que a população afetada pela sarcopenia atualmente é de 50 milhões e prevê que esse número ultrapasse 200 milhões nos próximos 40 anos (5, 6). Estudos científicos (7, 8) evidenciaram que a presença de sarcopenia está associada a um risco acrescido de admissões hospitalares e resultados desfavoráveis, além de internamentos prolongados e maior risco de morbilidade e mortalidade. O internamento hospitalizar representa um evento stressante e pode acarretar consequências negativas acrescidas ao idoso como comprometimento cognitivo, declínio funcional devido à ingestão energética reduzida, diminuição da atividade física ou repouso prolongado no leito, situações de depressão e isolamento social.
Neste cenário, a identificação precoce da sarcopenia na admissão hospitalar é essencial, visto que alguns fatores de risco estão presentes e pode ser importante para evitar a progressão da sarcopenia. Devido à limitação de dados sobre a prevalência de sarcopenia em doentes idosos hospitalizados, o objetivo do presente estudo foi apresentar uma análise sintetizada dos resultados de estudos epidemiológicos de base populacional, realizados em diferentes países, sobre a prevalência de sarcopenia em idosos conforme o critério de diagnóstico adotado.
METODOLOGIA
O levantamento bibliográfico foi realizado na base de dados eletrónica PubMed entre julho e agosto de 2020. A pesquisa foi realizada utilizando os descritores “sarcopenia” AND “hospitalized” AND “prevalence” em simultâneo para uma pesquisa mais direcionada. A Figura 1 detalha o fluxograma de seleção dos artigos pesquisados neste estudo. Foram incluídos artigos publicados na língua inglesa e portuguesa realizados em idosos hospitalizados (>60 anos). Os estudos de meta-análise, artigos de revisão e os que envolviam investigação fora do ambiente hospitalar foram excluídos.
RESULTADOS
A partir da base eletrónica de dados PubMed e da pesquisa dos descritores utilizados, foram recuperados 1592 artigos publicados entre 2015 e 2020. Foram adicionados filtros para direcionar a pesquisa (idade, idioma, período de publicação, população humana e tipos de estudos). Obtiveram-se 110 artigos e após análise do título e resumo, selecionou-se 55 artigos. Por meio da leitura do texto completo, elegeu-se 19 artigos que contemplavam integralmente a temática do estudo. Na sequência da análise crítica dos estudos selecionados, os artigos foram sistematizados numa tabela no Microsoft Excel® 2019 e categorizados consoante o título do estudo, local de internamento hospitalar, autores, país, tamanho da amostra, algoritmo utilizado para diagnóstico da sarcopenia e a prevalência encontrada. A Tabela 1 apresenta a sistematização dos artigos mencionados.
Destes estudos, a maioria - 16 estudos, basearam-se nos critérios diagnósticos do European Working Group on Sarcopenia in Older People em sua primeira versão, de 2010 - doravante denominado EWGSOP (5), três estudos utilizaram sua versão mais atualizada, de 2019 - EWGSOP-2 (2), e quatro artigos compararam diferentes recomendações diagnósticas para a mesma população de estudo com o objetivo de avaliar a prevalência de sarcopenia e a existência de concordâncias entre as diretrizes.
ANÁLISE CRÍTICA
Os autores Sipers et al. (9) verificaram que a prevalência de sarcopenia é altamente dependente dos critérios diagnósticos utilizados. Os pesquisadores utilizaram quatro critérios de diagnóstico distintos: EWGSOP, International Working Group on Sarcopenia (IWGS), Special Interest Group of Sarcopenia, Cachexia and Wasting Disorders (SIG), Foundation for the National Institutes of Health (FNIH) e obtiveram uma ampla variação nos resultados, de 27% a 73%. Para além disso, verificaram que os critérios da EWGSOP e FNIH foram associados até 4,3 vezes maior probabilidade de morte em comparação com doentes não sarcopénicos, em 2 anos.
Do mesmo modo, Ha et al. (10) avaliaram a prevalência de risco de sarcopenia em idosos que sofreram fratura da anca utilizando o questionário SARC-F (11) e compararam os resultados com os critérios diagnósticos europeus de 2010 e 2019 (EWGSOP e EWGSOP2, respetivamente), AWGS (Asian Working Group for Sarcopenia) e IWGS. O objetivo do estudo era verificar a validade do SARC-F para rastreio de sarcopenia, pois esta ferramenta é recomendada para rastreio pelo EWGSOP-2. Neste estudo a velocidade de marcha não pôde ser realizada nos doentes, no entanto a massa muscular e a força foram os alvos utilizados para o diagnóstico de sarcopenia nesta população. Os pesquisadores classificaram os indivíduos com pontuação SARC-F maior que 4 pontos como sarcopénicos, e obtiveram uma prevalência de 63,5%. Nos demais critérios de diagnóstico utilizados no estudo,
* N: Número de Indivíduos
AWGS: Asian Working Group for Sarcopenia
EWGSOP: European Working Group on Sarcopenia on Older People, 2010
EWGSOP-2: European Working Group on Sarcopenia on Older People, 2019
IWGS: International Working Group on Sarcopenia
SIG: Special Interest Group of Sarcopenia, Cachexia and Wasting Disorders
FNIH: Foundation for the National Institutes of Health
BIA: Análise de Impedância Bioelétrica
DXA: Dual-Energy X-Ray Absorptiometry
FPM: Força de Preensão Manual
IMME: Índice de Massa Muscular Esquelética
MAMC: Mid-Arm Muscle Circumference
NMS: New Mobility Score
SPPB: Short Physical Performance Battery
TUG: Timed Up and Go
a prevalência foi de 43,1% (EWGSOP), 56,9% (EWGSOP-2), 40,3% (AWGS) e 59,7% (IWGS 59,7%). Concluíram os pesquisadores que o questionário SARC-F é uma boa ferramenta de triagem, ratificando a recomendação do EWGSOP-2, pois possui sensibilidade significativa para detetar risco de sarcopénia em indivíduos idosos hospitalizados que sofreram fraturas de anca, variando no estudo de 71,6 a 95,3% consoante o algoritmo.
As fraturas de anca têm impacto importante na vida dos idosos, pois mais de 40% não conseguirão recuperar o estado funcional prévio à fratura. Nesse sentido, foi realizada uma investigação por Malafarina et al. (12) com o objetivo de determinar a prevalência de sarcopenia na admissão de utentes idosos na Unidade de Reabilitação Pós-Aguda baseado nos critérios da EWGSOP. Os investigadores encontraram uma prevalência de 31%, os quais apresentaram menor índice de Massa Corporal (IMC), maior fator de necrose tumoral- alfa (TNF-α), menor força de preensão manual (FPM), baixo índice de massa muscular esquelética (SMI) e menor velocidade de marcha. Após um período médio de acompanhamento de 3,9 ± 2,1 anos, 114 doentes (61%) morreram e destes, 60,5% eram sarcopénicos vs. 39,5% não sarcopénicos.
Ainda no que concerne à fratura da anca, Steihaug et al. (13) também verificaram uma prevalência de sarcopenia similar (38%). A população avaliada teve sua mobilidade reduzida em 54% um ano após a ocorrência da fratura. Entretanto, os autores afirmam que ao contrário do expectável, tal redução na mobilidade não está associada à sarcopenia. Uma investigação dirigida em Portugal (14) utilizando três diferentes critérios de diagnóstico de sarcopenia em adultos - Jansenn et al. 2002 (15), Jansenn et al. 2004 (16) - critério adoptado pelo EWGSOP - e Landi et al. (17), observou uma prevalência de sarcopenia em idosos de, respetivamente, 35,7%, 37,3%, e 7,2%. Os fatores associados à sarcopenia foram sexo masculino, idade ≥65 anos, dependência moderada ou grave, estar malnutrido e internado.
Nesse contexto, Otten et al. (18) conduziram um estudo na Alemanha, que abrangeu 439 idosos com diagnóstico de doença tumoral sólida ou hematológica de qualquer tipo ou estádio e avaliaram a prevalência de sarcopenia baseada nos critérios da EWGSOP. Dos 27,1% com sarcopenia, 63,9% apresentaram doença avançada e a maioria (69,2%) estavam a realizar tratamento oncológico, sendo a quimioterapia o mais comum. O tratamento instituído não diferiu entre os doentes com e sem sarcopenia. No entanto, mais da metade dos indivíduos com sarcopenia (52,5%) morreram no espaço de um ano em comparação aos que não tinham sarcopenia (35,1%).
Já Pourhassan et al. (19), analisaram uma população de idosos em enfermaria geriátrica aguda e verificaram uma prevalência de sarcopenia de 25,3%. Os doentes sarcopénicos que, na admissão, tinham maior dependência de terceiros para executar tarefas do quotidiano (conforme avaliado pelo Índice de Barthel), a sarcopenia foi o preditor de mortalidade a 1 ano mais relevante, independentemente da idade e de outras variáveis clínicas. Ao comparar os doentes com maior dependência, com sarcopenia e sem sarcopénia, verificou-se que os primeiros apresentavam um risco de mortalidade superior (3,63 vezes). Atmis et al. (20) encontraram uma prevalência de sarcopenia (com ou sem obesidade) de 32,5% e 29,1%. de acordo com o EWGSOP e o EWGSOP-2, respetivamente. Os autores verificaram que a concordância entre as duas versões do consenso europeu foi de 96,6%. Não houve diferença na mortalidade após 2 anos entre o grupo sarcopénico e o grupo com obesidade sarcopénica.
Tendo em conta que a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma doença heterogénea, a presença de malnutrição e/ou sarcopenia pode repercutir em consequências clínicas importantes para a estratificação e tratamento da doença. Blasio et al. (21) verificaram uma prevalência de sarcopenia de 24% e malnutrição em 19,8% dos idosos admitidos na Unidade Medicina Respiratória e Reabilitação Pulmonar. Cerri et al. (22) na sua avaliação encontraram resultados semelhante. Dos idosos internados na Unidade Geriátrica Aguda 21,4% apresentavam sarcopenia, entretanto, 50% foram diagnosticados como malnutridos. A malnutrição também é uma síndrome geriátrica comum e foi reconhecida como um fator de risco para sarcopenia que frequentemente coexistem. Em contrapartida, Sánchez-Rodriguez et al. (23) encontraram prevalência superior de sarcopenia (37,5%) e 19,3% foram considerados malnutridos. Ambos os estudos utilizaram as diretrizes da EWGSOP para diagnóstico da sarcopenia. Martinez et al. (24) também encontraram a prevalência de 21,8% de sarcopenia (1 em cada 5 idosos) e 41,7% sarcopenia grave. A avaliação ocorreu em múltiplas clínicas de internamento, com predomínio de doentes clínicos, como cardiopatia, pneumonia e infeções cutâneas (59,1%). Na comparação entre os grupos, os idosos com sarcopenia apresentaram menor função cognitiva e maiores valores do Índice Charlson, para avaliação de comorbidades.
Yürüyen et al. (25), utilizando os critérios da EWGSOP, verificaram uma prevalência de 33% de sarcopenia e 30,4% de sarcopenia severa. Procuraram também analisar ferramentas de avaliação de risco nutricional para prever a sarcopenia em indivíduos hospitalizados. Das avaliadas, a Mini Nutritional Assessment Short-Form (MNA-SF) foi a que mais se relacionou com a presença de sarcopenia e o Malnutrition Universal Screening Tool (MUST) foi o melhor preditor de internamento prolongado (especificidade de 86%).
Indivíduos portadores de Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) apresentam maior risco de desenvolvimento de sarcopenia. Evidências apontam para que uma hiperglicemia crónica aumenta a acumulação de produtos finais de glicação avançada (AGEs) nos músculos e cartilagens, causando rigidez e redução da função muscular. Nesse intuito, Cui et al. (26) encontraram uma prevalência de 28,8% de sarcopenia em indivíduos com DM2 com tendência a aumentar com a idade principalmente em homens. Os participantes que tinham mais de 20 anos de DM2 tiveram uma prevalência significativamente maior de sarcopenia. Os autores relatam que este estudo mostrou que a insulina em jejum foi menor no grupo com sarcopenia, sugerindo que a redução da secreção endógena de insulina pode estar associada à sarcopenia. Afirmam que a maior duração da diabetes está relacionada com pior função das células β pancreáticas em idosos, o que pode levar a falha no estímulo da síntese de proteínas musculares e favorecer o desenvolvimento da sarcopenia. No estudo de Hao et al. (27) encontrou-se uma prevalência de sarcopenia de 31%, baseado no algoritmo da AWGS, ou seja, um em cada três doentes tinham sarcopenia. Os autores relatam uma prevalência mais elevada para o sexo feminino (44% vs. 26%) e associação inversa desta com a realização de atividade física ≥30 minutos/dia (61% sem sarcopenia vs. 44% com sarcopenia). A polimedicação, o tabagismo e o comprometimento cognitivo foram associados positivamente à sarcopenia. Por outro lado, o IMC foi associado negativamente. O estudo conduzido por Jacobsen et al. (28) mostrou resultados de prevalência semelhantes. Os autores adotaram a EWGSOP para diagnóstico da sarcopenia. O estudo revelou uma prevalência de 30%, dos quais, 17,5% tinham sarcopenia grave. A investigação também encontrou uma alta prevalência de malnutrição, com um em cada dois indivíduos em risco de malnutrição e um em cada quatro com malnutrição segundo a classificação do Mini Nutritional Assessment.
Um estudo elaborado a partir do projeto do Grupo de Trabalho Italiano em Sarcopenia - Tratamento e Nutrição (GLISTEN) (7) encontrou uma prevalência de sarcopenia na admissão hospitalar de 34,7%, com forte aumento com o avanço da idade. Observaram ainda que os doentes sarcopénicos tinham idade mais avançada, menor IMC, demência, maior número de erros avaliado pelo Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ) maior prevalência de incapacidade grave em atividades de vida diária (AVD).
Uma pesquisa elaborada na Austrália (29), mostrou que a sarcopenia estava presente em 40% e também obtiveram uma forte relação com a dependência em AVDs e nos instrumentais (AIVDs). Os autores relatam que os doentes sarcopénicos foram estatisticamente mais propensos a morrer nos 12 meses após o internamento. Em outro estudo (30), os investigadores encontraram uma prevalência de 64,6% dos quais 70,3% foram classificados como sarcopenia severa. Na análise, verificou-se que a sarcopenia foi mais prevalente no sexo masculino (76%). Os autores inferem que a elevada prevalência de sarcopenia é recorrente na população estudada e que tal fato pode ser justificado pela inflamação crónica que contribui para o desenvolvimento da resistência à insulina.
CONCLUSÕES
Nesta análise da prevalência de sarcopenia em idosos em internamento hospitalar mostra que o diagnóstico variou amplamente entre os estudos, de 7,2% a 73%. Essas variações podem estarem relacionadas com as características das populações estudadas, diferenças demográficas, aos critérios diagnósticos e aos métodos aplicados para avaliar a massa, força e função muscular esquelética.
Como alguns autores destacaram, a malnutrição pode ser um fator de risco para a sarcopenia e, além disso, a associação de ambas está relacionada com um pior prognóstico e desfechos clínicos negativos, além de um maior tempo de internamento hospitalar. Nesse sentido, reforça-se a importância de se incluir na avaliação do estado nutricional, como procedimento de rotina na admissão hospitalar, a avaliação não só da presença de malnutrição, mas também da sarcopenia.
A sarcopenia é uma síndrome geriátrica reversível. Este estudo reforça que é necessário explorar a prevalência da sarcopenia e os fatores a ela associados, que podem ajudar na identificação e intervenção precoce. É importante desenvolver políticas de saúde para prevenção da sarcopenia e desenvolver protocolos de intervenção para prevenir/ minimizar as perdas de massa magra, função e força muscular na população idosa, em internamento hospitalar.