INTRODUÇÃO
A COVID-19 é uma infeção causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), identificada em dezembro de 2019 em Wuhan, na China (1, 2). A apresentação clínica da doença varia desde assintomática a infeção severa, com um quadro respiratório grave, podendo causar danos sistémicos severos e falência de múltiplos órgãos (1, 2).
O prognóstico na COVID-19 relaciona-se com o risco de progressão para as formas mais severas e fatais da doença para o qual a identificação de fatores de risco contribuem para otimizar o cuidado na gestão da infeção (3). As pessoas idosas e/ou com comorbilidades apresentam risco elevado na infeção pelo novo coronavírus, sendo que, os institucionalizados são mais suscetíveis de contrair a infeção devido a facilidade na transmissão, propagação e controlo de surtos (2-4). As estruturas residenciais para idosos têm sido severamente afetadas na Europa, com as mortes entre residentes a representarem 37 a 66% do total de mortes relacionadas com a COVID-19 (4). Na inexistência de uma cura ou tratamento eficaz conhecido, todas as potenciais terapêuticas, intervenções mitigadoras e estratégias de prevenção que possam reduzir a incidência ou gravidade da infeção são de extrema importância, especialmente nesta população mais vulnerável (2, 5-7). A nutrição é um importante modulador de saúde e de bem-estar em pessoas idosas, sendo um potencial fator na abordagem da COVID-19, mas que ainda requer alguma investigação (5-7). No entanto, os indivíduos de elevado risco de outcomes clínicos adversos na infeção COVID-19 coincidem com aqueles em risco desnutrição ou desnutridos (5). A desnutrição caracteriza-se pela alteração da composição corporal e diminuição da funcionalidade física e mental resultante de baixa ingestão alimentar, de doença (com/sem situação de inflamação) e/ou de idade avançada, tendo um impacto negativo no prognóstico perante a doença (8). Valmorbida, E. et al. (9) demonstraram que a presença de desnutrição na admissão dos idosos em estruturas residenciais influência substancialmente a necessidade de internamento e a mortalidade a curto e médio prazo. Por outro lado, a intervenção nutricional contribui para uma reabilitação mais rápida, menor tempo de internamento e menor mortalidade (10). A infeção pelo SARS-Cov-2 para além do quadro inflamatório, pode ser acompanhada por sintomatologia que afeta a ingestão e absorção de nutrientes (náuseas, vómitos e diarreia) sendo reiterada a importância de se assegurar o bom estado nutricional dos idosos, corrigir carências nutricionais e garantir a ingestão alimentar recomendada de nutrientes com benefício potencial (5-8, 11, 12). Por outro lado, a desnutrição e a ingestão alimentar têm um papel importante na patogenia da fragilidade e da sarcopenia, sendo também frequentes em idosos institucionalizados (12, 13). A fragilidade é um estado de vulnerabilidade, que limita a capacidade de resistência após um evento stressante e está intimamente relacionado com a sarcopenia. Definida como a perda da massa muscular, da força e da função, a sarcopenia, por sua vez, pode afetar negativamente a função respiratória (12, 13). A presença de fragilidade e sarcopenia também influenciam negativamente o estado nutricional, tornando- se um “ciclo vicioso”, debilitante e potencialmente fatal se não forem considerados atempadamente (12, 13). A desnutrição, fragilidade e sarcopenia, tanto na prevenção como no tratamento, beneficiam da intervenção nutricional, diminuindo, entre outros, o risco de morbilidade e mortalidade (12, 13).
Assim, a desnutrição, a fragilidade e a sarcopenia são problemas comuns na população idosa institucionalizada, apresentam consequências negativas noutras doenças, podendo estar presentes antes da eventual infeção COVID-19. No entanto, desconhece-se a relação que estas têm na evolução da recente pandemia que tanto tem fustigado os idosos, particularmente em estruturas residenciais. Conhecer as possíveis implicações da desnutrição, fragilidade e sarcopenia na progressão para as formas mais severas e fatais da infeção pelo SARS-CoV-2 seriam úteis para orientar a avaliação e intervenção nutricional o mais precocemente possível, de forma a minimizar a vulnerabilidade desta população. Deste modo, e com a finalidade de mapear sistematicamente a informação nesta área, bem como identificar as lacunas existentes no conhecimento e fundamentar ações e políticas em saúde, foi realizada a presente revisão de escopo, sendo formulada a questão: “Qual a evidência existente acerca da desnutrição, fragilidade e sarcopenia como factor prognóstico da COVID-19 em idosos institucionalizados”?
METODOLOGIA
Entre 28 de agosto e 10 de outubro de 2020, procedeu-se a uma pesquisa de artigos originais de acordo com a metodologia PRISMA- ScR (14), através da opção Clinical Queries- Clinical Study Categories da base de dados electrónica Pubmed, com aplicação dos filtros “prognosis” e “narrow”.
Foram critérios de inclusão as publicações posteriores a dezembro de 2019, em seres humanos, com resumo e texto completo disponíveis em língua inglesa, espanhola ou portuguesa. Foram excluídos os artigos de revisão, meta-análises, casos únicos reportados e artigos de opinião. Após análise do título e resumo foram eliminados os artigos considerados irrelevantes para a temática de estudo, sendo incluídos na análise aqueles que após leitura completa do artigo a amostra incluísse idosos e/ou residências geriátricas e reportasse outcomes pertinentes no âmbito da pesquisa.
De acordo com os critérios de elegibilidade e de estratégia de pesquisa definidos, não se obtiveram resultados para responder de forma direta à pergunta de investigação inicial “Qual o prognóstico dos idosos institucionalizados com desnutrição, fragilidade e sarcopenia na COVID-19?”, para o qual foram utilizados os termos MeSH na expressão de pesquisa: “covid 19 AND nursing homes AND malnutrition AND frailty AND sarcopenia”. De igual modo, não se obtiveram resultados quando reformulada a pergunta de investigação para “Qual o prognóstico da COVID-19 em idosos institucionalizados com: a) desnutrição; b) fragilidade; c) sarcopenia. Assim, e para uma visão mais pormenorizada da evolução da infeção pelo novo coronavírus nas estruturas residenciais para idosos, e que se considerou que forneciam informações importantes para a revisão, redefiniram-se as seguintes perguntas de investigação: “Qual o prognóstico da COVID-19: a) nas estruturas residenciais (covid-19 AND nursing homes); b) na desnutrição (covid-19 AND malnutrition); c) na fragilidade (covid-19 AND frailty); d) na sarcopenia (covid-19 AND sarcopenia).
A pesquisa e seleção dos estudos foi efetuada por um dos revisores e verificada por um segundo revisor. Os dados dos estudos analisados foram extraídos para uma tabela do Microsoft Excell® e mapeados de acordo com: autores, tipo de estudo, duração, objetivo, amostra, métodos e resultados. Os estudos incluídos na revisão foram publicados entre 30 de maio e 22 de setembro de 2020.
RESULTADOS
O fluxograma PRISMA (15) do processo de pesquisa e seleção de literatura encontra-se descrito na Figura 1. No total, identificaram-se 96 potenciais resultados, dos quais, 35 resultantes da pesquisa “covid-19 AND nursing homes”, 22 com a expressão “covid-19 AND malnutrition”, 34 resultaram de “covid-19 AND frailty” e 5 de “covid-19 AND sarcopenia”. Após aplicação dos filtros (título, resumo, texto completo, tipo de publicação e idioma), originaram 70 resultados. Posteriormente à análise do título e resumo elegeram-se 23 artigos,
(1) Confirmado por reação em cadeia da polimerase (PCR)
(2) Confirmado por reação em cadeia da polimerase (PCR) e com pneumonia
(3) Confirmado por reação em cadeia da polimerase (PCR) ou por diagnóstico clínico (sinais, sintomas ou radiologia)
(4) Confirmado por reação em cadeia da polimerase (PCR) ou teste serológico
GNRI: Geriatric Nutritional Risk Index
MNA-SF: Mini Nutrition Assessment-short form
MUST: Malnutrition Universal Screening Tool
NRI: Nutrition Risk Index
NRS: Nutrition Risk Screening 2002
sendo selecionados 14 estudos após leitura do texto completo. Destes, 3 analisaram o prognóstico da COVID-19 nas estruturas residenciais para idosos (Tabela 1), 2 investigaram a progressão da COVID-19 em idosos com desnutrição e 9 com fragilidade (Tabela 2). A maioria dos estudos analisados eram retrospetivos, realizados numa única instituição, num curto espaço temporal, com amostras reduzidas e incluíam casos mais severos da infeção, sem comparação com as formas mais ligeiras. Para além disso, os estudos analisados apresentaram uma grande heterogeneidade, nomeadamente: a) na definição de caso confirmado de COVID-19; b) na classificação de idade idosa; c) nos preditores de complicações da doença incluídos; d) nos outcomes avaliados, sendo em muitos deles, a mortalidade o principal outcome avaliado.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Figueiredo, A. et al. (16) ao analisarem as diferenças na evolução da COVID-19 nas comunidades autónomas de Espanha, verificaram uma associação entre a taxa de incidência mais elevada de COVID-19 e um maior risco de mortalidade onde existia uma maior proporção de residências para idosos. A dificuldade de realização de testes no período em estudo é uma das limitações apontadas pelos autores (16), no entanto, a elevada mortalidade demonstra a vulnerabilidade da população institucionalizada. Por sua vez, Stall, N. et al. (17) constataram que o risco de surto de COVID-19 em estruturas residenciais para idosos estava associado à incidência na região envolvente, ao número total de residentes e à antiguidade das instalações. Estes resultados demonstram que os funcionários, possivelmente, assintomáticos e em espaços que não permitem o distanciamento podem ser um vetor de transmissão e propagação do vírus SARS-CoV-2 (17). De referir, que nos idosos dependentes nas atividades de vida diária, para a qual a desnutrição, fragilidade e sarcopenia contribuem, a Garibaldi, aproximação e o contacto físico são inevitáveis na prestação de cuidados, podendo favorecer o contágio. Garibaldi, B. et al. (18) verificaram que 21% dos doentes hospitalizados por COVID-19 eram oriundos de estruturas residenciais para idosos e que 50% da mortalidade correspondia a essa população.
Dada a elevada taxa de mortalidade hospitalar e prevalência de desnutrição, fragilidade e sarcopenia da população institucionalizada optou-se por incluir estudos que relacionassem a presença destas condições com o prognóstico da COVID-19 em idosos hospitalizados. Liu et al. (19) demonstraram que o Nutrition Risk Screening 2002, o Mini Nutrition Assessment-Short Form e o Nutrition Risk Index foram eficazes na predição de piores outcomes clínicos hospitalares em idosos, ao contrário do Malnutrition Universal Screening Tool. Os doentes em risco nutricional apresentavam maior tempo de internamento, custos, perda de peso, severidade da doença e menor apetite (19). Também Recinella, G. et al. (20) verificaram que a avaliação do estado nutricional avaliado através do Geriatric Nutritional Risk Index é um preditor independente de mortalidade hospitalar. Embora as amostras sejam reduzidas, a identificação do risco nutricional é de extrema importância na população idosa em geral, sendo sempre uma mais valia aplicar estas ferramentas em idosos com COVID-19 de forma a orientar a intervenção nutricional. Quanto à fragilidade, Ma, Y. et al. (21) verificaram uma associação com a gravidade da COVID-19 em idosos hospitalizados, sugerindo que é um melhor indicador da mortalidade em idosos com COVID-19 do que a presença de comorbilidades. No entanto, a amostra apenas incluiu casos severos de infeção o que pode interferir com os resultados. Os resultados de outros estudos analisados indicam que a idade (23), as comorbilidades (23) e a gravidade da infeção (23, 24), ao contrário da fragilidade, aumentam o risco de morte por COVID-19. Por outro lado,
Cobos-Siles M. et al. (25) ao avaliarem a associação entre a COVID-19 e a morte por causa específica, verificaram que 80% das mortes estavam relacionadas com complicações da própria infeção e que a idade, comorbilidades, fragilidade e dependência foram associadas a outras causas de morte não relacionadas com complicações da COVID-19. Nestes, em que a causa de morte não foi relacionada com complicações da COVID-19, a fragilidade (moderada/severa) representou a maior parte das mortes (90%) (25).
Shi, S. et al. (29) numa amostra de idosos institucionalizados, verificaram que o aumento de fragilidade estava relacionado com a mortalidade. Verificaram que em idosos frágeis, 45,5% eram assintomáticos. Os sintomas eram semelhantes de acordo com o estado de fragilidade, sendo os mais comuns a tosse, febre, vómitos, anorexia e diarreia (29). Dada a elevada prevalência de fragilidade nestes idosos e, a presença de sintomatologia na forma mais ligeira da infeção por COVID-19 se poder confundir com características comuns na idade, pode ter levado ao não rastreamento da doença e consequentemente haver um agravamento da condição clínica que originou o falecimento nas instituições.
Embora a maioria dos estudos analisados se tenham desenvolvido em ambiente hospitalar e não se possam generalizar os resultados para outras populações, revelaram a importância de se considerar a fragilidade na COVID-19 nas estruturas residenciais, em combinação com outras medidas.
Relativamente à sarcopenia, não se obtiveram resultados, no entanto, a fragilidade e a sarcopenia parecem ter uma sobreposição significativa na componente física (12). Sendo a sarcopenia uma doença muscular, prevalente em idosos institucionalizados e com impacto nas doenças respiratórias, seria importante aprofundar o impacto desta em idosos com COVID-19 em estruturas residenciais.
A presente revisão apresenta algumas limitações metodológicas, nomeadamente, no que respeita às fontes de informação. O facto da pesquisa se ter limitado a uma base de dados, de não se terem verificado as listas de artigos relevantes e ausência de verificação manual, pode ter limitado a identificação dos estudos pertinentes à revisão. Por se tratar de uma temática recente e em constante atualização, a inclusão da grey literature poderia ter dado um importante contributo. Ainda que a aplicação do filtro “narrow” tenha permitido localizar citações mais precisas e relevantes, também poderá ter condicionado o número de estudos analisados.
CONCLUSÕES
Embora escasseie evidência científica que relacione a desnutrição, a fragilidade e a sarcopenia no prognóstico da infeção pelo SARSCoV-2 em estruturas residenciais para idosos, os resultados desta revisão confirmam a vulnerabilidade desta população, verificando-se elevadas taxas de mortalidade por COVID-19. Para além disso, é conhecida a tendência que os idosos em estruturas residenciais têm para apresentar deterioração do estado nutricional e funcional, que podem ter consequências negativas se não forem consideradas atempada e adequadamente. Dada a importância do rastreio e intervenção nutricional prévia à infeção, as estruturas residenciais para idosos deveriam ter nutricionistas que organizassem um plano de cuidados de forma a avaliar e monitorizar o estado nutricional, a fragilidade e a sarcopenia. A vulnerabilidade multifatorial dos idosos em estruturas residenciais e a complexidade da infeção pelo SARSCoV-2 revelam ainda a necessidade emergente de investigações mais aprofundadas e multidisciplinares, nas quais a nutrição deve ser incluída.