Introdução
A infeção pelo vírus da hepatite C (VHC) constitui um fator de risco independente para acidente vascular cerebral. (1 Os mecanismos fisiopatológicos incluem a indução de alterações metabólicas (diabetes/ insulinorresistência) e dano endotelial por via imunomediada, lesão vírica direta e/ou níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias. (1,2 Além disso, a evolução para cirrose associa-se a distúrbios da coagulação e das plaquetas que podem potenciar o risco hemorrágico. (2
Caso Clínico
Homem, 53 anos; doença hepática crónica por hepatite C não tratada (genótipo 3a; RNA-3436 UI/mL) e etilismo prévio. Admitido por prostração, afasia e hemiparésia direita com 4 dias de evolução. Ao exame objetivo, apresentava-se apirético, normotenso e normocárdico; lentificado, com resposta verbal escassa e ininteligível, desvio cefálico e do olhar conjugado em levoversão, hemianópsia homónima direita à ameaça e hemiparésia direita com plegia do membro superior; incapaz de colaborar em provas sensitivas e discriminativas corticais. Tomografia computorizada (TC) cerebral (Fig. 1) revelou hemorragia parietal esquerda subaguda com discreto halo de edema circundante, sem efeito de massa significativo. Analiticamente sem elevação dos parâmetros inflamatórios, função renal normal, plaquetas-98 000/μL, INR-2.0; VIH não reativo. Repetiu TC 4 dias depois com redução do tamanho do hematoma. Pela localização atípica, realizou ressonância magnética (Fig. 2) que excluiu malformação/ fístula arteriovenosa subjacente. A resolução plena da lesão excluiu definitivamente as hipóteses de lesão tumoral ou infeção. Evolução favorável com melhoria progressiva dos défices neurológicos; referenciado para consulta de Neurologia/ Doenças cerebrovasculares.
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Figura 1 Corte axial de tomografia computorizada a revelar hematoma subcortical parietal pós-central esquerdo, medindo cerca de 41 mm de maior diâmetro, associado a edema perilesional e efeito de massa diminuto.
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Figura 2 Cortes de ressonância magnética a mostrar hematoma cortico-subcortical frontoparietal esquerdo, apresentando hipersinal espontâneo em T1 (a-coronal, b-sagital e c-axial) e sinal heterogéneo em T2 (d-coronal e e-sagital) e FLAIR (f-axial). A lesão exerce efeito de massa, mas sem desvio das estruturas da linha média; não evidencia restrição à difusão, nem captação anómala de gadolínio.
Conclusão
A inflamação persistente provocada pelo VHC aumenta a fragilidade da vasculatura cerebral, podendo originar hemorragias espontâneas. (2 Por vezes, a localização é atípica, tornando o diagnóstico diferencial mais abrangente.
Visto que os níveis de RNA do vírus correlacionam-se com a mortalidade por causas cerebrovasculares, o tratamento é fundamental. (1 A erradicação viral bem-sucedida está associada à redução da incidência e gravidade da maioria das manifestações extra-hepáticas causadas pela infeção por VHC. 3