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Análise Psicológica
versión impresa ISSN 0870-8231versión On-line ISSN 1646-6020
Aná. Psicológica vol.36 no.4 Lisboa dic. 2018
https://doi.org/10.14417/ap.1420
Desenvolvimento positivo dos jovens: Estudo exploratório realizado com estudantes portugueses
Youth positive development: An exploratory study carried out with Portuguese students
Jorge Luís Esperança1, Cláudia Dias1, Robert John Brustad2, António Manuel Fonseca1
1CIFI2D, Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Porto, Portugal
2School of Sport and Exercise Science. University of Northern Colorado, Greeley, USA
RESUMO
Este estudo teve por objetivo procurar perceber como se situam os jovens portugueses relativamente a alguns parâmetros que têm sido associados com o desenvolvimento positivo dos jovens. Para o efeito, foi considerado o modelo dos 5C’s (Lerner et al., 2005), nomeadamente no que concerne à sua proposta de avaliação. Novecentos e sete alunos portugueses, de ambos os sexos e com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos preencheram o PYDp/red (Esperança, Dias, Brustad, & Fonseca, 2017), a versão portuguesa do Measure of PYD (Lerner et al., 2005). Os resultados permitiram constatar que os jovens apresentavam resultados mais elevados nas questões que se prendiam com o autoconceito e com uma visão positiva das suas próprias ações, demonstrando valores menos elevados no respeito pelas regras sociais e padrões corretos de comportamento, bem como na compreensão pelos outros e nos vínculos positivos. Constatou-se ainda que as raparigas apresentavam resultados médios mais elevados do que os rapazes, mas apenas se verificavam diferenças estatisticamente significativas na dimensão caráter. No que concerne à idade, existiam diferenças acentuadas nos resultados, sendo os resultados inferiores, em todas as dimensões, nos jovens que se encontravam no final da puberdade, comparativamente aos de outras faixas etárias.
Palavras-chave: Desenvolvimento positivo, Jovens portugueses, Sexo, Idade.
ABSTRACT
The objective of this study was to understand how Portuguese young people are located in relation to some parameters that have been associated with young people’s positive development. For this purpose, the model of the 5C’s was considered (Lerner et al., 2005), in particular regarding to its evaluation proposal. Nine hundred and seven Portuguese students of both genders and between the ages of 12 and 15 completed PYDp/red (Esperança, Dias, Brustad, & Fonseca, 2017; the Portuguese version of the Measure of PYD). The results showed that young people had higher results in self-concept issues and a positive view of their own actions, showing lower values in respect of social rules and correct patterns of behaviour girls and boys, but there were only statistically significant differences in the character dimension. As far as age was concerned, there were relevant different results, with the results being lower, in all dimensions, in the young people who were at the end of puberty in comparison with other age groups.
Key words: Positive development, Portuguese young people, Gender, Age.
Introdução
O desenvolvimento positivo dos jovens (DPJ) constitui uma nova perspetiva de encarar a adolescência, sugerindo que todos os jovens encerram em si as potencialidades necessárias para um desenvolvimento positivo, saudável e de sucesso (Lerner et al., 2005). Especificamente, o DPJ procura intervir junto dos jovens com especial enfoque nas suas características positivas tais como competências intelectuais e físicas, capacidade de relacionamento ou altruísmo, prevenindo fatores de risco tais como falta de suporte familiar, fraco rendimento escolar ou baixa autoestima.
Esta perspetiva deu origem a um vasto campo de investigação, cujo evidente incremento de publicações na literatura especializada comprova a pertinência desta área no estudo do desenvolvimento dos jovens (Damon & Lerner, 2006). De uma forma geral, os estudos sobre intervenções no campo do DPJ dão conta de resultados animadores, visto que, com o decorrer da participação em programas de DPJ devidamente estruturados, os jovens parecem, invariavelmente, revelar um desenvolvimento das suas características positivas enquanto diminuem os seus comportamentos de risco. Contudo, em três grandes revisões de literatura efetuadas neste âmbito, os seus autores (i.e., Catalano, Berglund, Ryan, Lonczak, & Hawkins, 1999; National Research Council and Institute of Medicine, 2002; Roth, Brooks-Gunn, Murray, & Foster, 1998), afirmaram que, apesar do aumento de pesquisas e intervenções, por questões de definição e de metodologia, a compreensão exata de como se desenvolve o DPJ permanece limitada.
Na generalidade, as propostas para abordar o DPJ basearam-se na premissa de que o desenvolvimento das competências cognitivas, académicas, sociais e emocionais é uma tarefa fundamental na adolescência (Weissberg & O’Brien, 2004). Em paralelo, existem modelos que preveem a aprendizagem social e emocional, nomeadamente através do desenvolvimento da autoconsciência, da consciência social, da autogestão, da tomada de decisão responsável e das capacidades de relacionamento (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning, 2011). Com efeito, na literatura são várias as referências relativas a diferentes modelos (e.g., Taking Personal and Social Responsibility, ver Hellison, 1995; Forty Development Assets, ver Benson, Leffert, Scales, & Blyth, 1998; Life Skills Transfer, ver Weiss, Bolter, & Kipp, 2014), mas não foi ainda encontrado um que reúna consensualidade generalizada entre os investigadores. Ainda assim, entre todos os modelos, um dos que mais se destaca e mais consensos reúne é o proposto por Lerner et al. (2005), conhecido como o modelo dos 5 C’s, que prevê analisar o DPJ através de cinco caraterísticas: Caráter, Competência, Cuidado/Atenção, Conexão e Confiança. Este modelo preconiza o desenvolvimento do potencial dos jovens através de intervenções específicas que não visem apenas a prevenção e eliminação de comportamentos de risco mas que essencialmente promovam o desenvolvimento de caraterísticas saudáveis ou de sucesso, que os seus autores identificaram como sendo os 5 C’s.
De um modo geral, nos vários modelos, o sucesso do desenvolvimento dos jovens é avaliado pelo incremento de comportamentos positivos (e.g., satisfação com a vida, autodeterminação, sucesso escolar) conjuntamente com a diminuição de comportamentos de risco (e.g., delinquência, violência, consumo de substâncias ilícitas). Além disso, diferentes investigadores têm proposto instrumentos que procuram avaliar os conceitos subjacentes ao desenvolvimento positivo. Todavia, entre os instrumentos de avaliação que têm sido propostos (e.g., Positive Youth Development Inventory – Arnold, Nott, & Meinhold, 2012; Rochester Evaluation of Asset Development for Youth – Klein et al., 2006; Youth Experience Survey – Hansen & Larson, 2005), nenhum parece assentar numa robustez concetual tão sólida como o Measure of PYD (Lerner et al., 2005), o qual permite aferir a operacionalização do modelo dos 5 C’s e deriva das anteriores propostas de Benson et al., (1998), Harter, (1983) e Small e Rogers, (1995). O Measure of PYD tem originado sucessivos estudos, não só por parte dos seus autores (estudos esses desenvolvidos no âmbito da 4-H, organização americana para a promoção do DPJ), mas também por parte de outros investigadores (e.g., Jones, Dunn, Holt, Sullivan, & Bloom, 2011; Phelps et al., 2009). Estas investigações têm comprovado o potencial deste instrumento enquanto ferramenta para avaliar o DPJ. Por sua vez, Esperança et al. (2017) desenvolveram uma versão que deriva do Measure of PYD (i.e., o PYDp/red), a qual demonstrou possuir as necessárias propriedades psicométricas para a sua aplicação nos países da lusofonia.
Refira-se ainda que a investigação realizada neste âmbito é quase exclusivamente proveniente de países de expressão inglesa e, segundo Conway, Heary e Hogan (2015), existe um reconhecimento crescente da necessidade de informações de DPJ em diferentes contextos. No que concerne aos países de expressão portuguesa, os estudos desenvolvidos em Portugal (e.g., Correia, 2007; Nogueira, 2011; Regueiras, 2006) e no Brasil (e.g., várias intervenções dinamizadas pelo Instituto Ayrton Senna no âmbito do seu Programa Educação pelo Desporto) incidiram sobretudo no modelo Taking Personal and Social Responsability (TPSR; Hellison, 1995), não tendo sido encontrado nenhum que se tenha baseado no modelo dos 5 C’s e recorrido ao Measure of PYD como ferramenta de avaliação.
Importa ainda sublinhar que os estudos mencionados anteriormente, de uma forma geral, demonstraram a eficácia e utilidade das intervenções deste âmbito em países lusófonos, salientando-se a aceitação e recetividade dos jovens, professores e instituições, o que vem conferir a pertinência deste campo de investigação também nestes países.
Adicionalmente, importará salientar que, não obstante investigações anteriores contemplando alguns construtos que compõem o DPJ terem encontrado diferenças quando estudada a variável sexo (e.g., autoconceito mais elevado nos rapazes; empatia mais elevada nas raparigas) e idade (e.g., satisfação com a vida mais elevada nos jovens mais novos), são ainda escassos os estudos que examinem as diferenças no desenvolvimento positivo nestas duas variáveis, razão pela qual, segundo Shek, Sun e Ma (2014), seria interessante estudar esta lacuna. A este respeito, acrescente-se que a adolescência envolve uma série de transformações físicas, emocionais, cognitivas e sociais, sendo neste período que ocorre a puberdade e os jovens partem para a construção da sua identidade. Além disso, é durante a adolescência, uma fase repleta de mudanças interiores, que os jovens acabam por estar expostos a vários fatores de mudança do meio que os rodeia (e.g., mudança de ciclo escolar, muitas vezes acompanhada de mudança da própria escola, com toda a alteração de relações que tal implica).
Face ao anteriormente exposto, este estudo teve como objetivo perceber quais os domínios em que os jovens estão mais ou menos desenvolvidos relativamente aos 5 C’s, analisando os dados em função do sexo e da idade.
Método
Amostra
A amostra deste estudo resultou do recurso à técnica não-probabilística de amostragem intencional a qual incluiu 907 jovens de escolas de ensino público de várias regiões geográficas de Portugal (e.g., Aveiro, Porto, Vale de Cambra, Viseu), de ambos os sexos (471 rapazes) e com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos (M=13.43 e DP=1.12), tendo como traço comum a frequência do ensino básico regular.
Considerando os objetivos anteriormente apresentados, foram constituídos dois escalões etários: escalão 1 – 12/13 anos (214 rapazes, 234 raparigas) e escalão 2 – 14/15 anos (257 rapazes e 202 raparigas).
Instrumento
Para avaliar o DPJ dos jovens lusos foi utilizado o PYDp/red cujos principais indicadores psicométricos são: χ2=907.08; df=393; χ2/df=2.30; NNFI=.91; CFI=.95; RMSEA=.051; SRMR=.059. Adicionalmente, os valores da consistência interna, nas diferentes dimensões, são: Competência=.79; Confiança=.82; Conexão=.65; Caráter=.71; Cuidado e atenção=.73. Este instrumento é a versão reduzida do PYDp que, por sua vez, é a versão portuguesa do Measure of PYD (Lerner et al., 2005). Importará considerar que na versão original, desenvolvida por Lerner et al. (2005), os indicadores psicométricos disponibilizados foram os seguintes: χ2=552; df=134; χ2/df=4.119; NNFI=.98; CFI=.99; RMSEA=.043.
O PYDp/red é constituído por 30 itens, divididos equitativamente por cinco subescalas: caráter (respeito pelas regras sociais e culturais, possuir padrões corretos de comportamento e senso de moralidade e integridade; e.g., “Dizer a verdade mesmo quando não é fácil), cuidado (sentido de simpatia e empatia pelos outros; “Tenho pena das pessoas que não têm o que eu tenho”), conexão (vínculos positivos com pessoas e instituições que se refletem em trocas bidirecionais entre o indivíduo e seus pares, família, escola e comunidade em que ambas as partes contribuem para a relação; e.g. “Na minha família sinto-me útil e importante”), confiança (sentido interno de autoestima e autoeficácia geral positivo; uma opinião própria global em oposição ao domínio das crenças específicas; “No geral estou contente comigo mesmo”) e competência (visão positiva das próprias ações em áreas específicas, incluindo o domínio social, académico, cognitivo e profissional; “A alguns jovens o corpo agrada-lhes tal como é”). Os itens são avaliados numa escala de Likert, através da qual os sujeitos especificam o nível de concordância com o modo como cada afirmação se aplica a eles, tendo como opção de resposta quatro possibilidades entre 1 (Nada Importante) e 4 (Muito Importante), ou semelhantes opções, sempre entre 1 e 4, de acordo com a adaptação da resposta à pergunta (e.g., 1 – Eu sou Completamente Diferente ou 4 – Eu sou Exatamente Assim).
Procedimentos
O questionário foi aplicado aos jovens pelos seus professores em situação similar à de um teste escrito de avaliação, numa aula com a duração de 45 minutos. Os professores transmitiram as informações necessárias aos jovens para que estes pudessem preencher o questionário sem dúvidas e de acordo com o protocolo de aplicação previamente estabelecido. Para a aplicação do questionário foram ainda recolhidas as devidas autorizações por parte das direções das várias escolas e, além disso, os jovens foram esclarecidos do caráter voluntário do preenchimento do questionário e da sua finalidade.
O tratamento estatístico foi efetuado no programa Statistical Package for Social Science – SPSS 19.0 – Windows. Recorreu-se à estatística descritiva com cálculo das médias, frequências e percentagens, tendo também sido utilizado o teste t para localização das diferenças significativas. O nível de significância foi estabelecido em p<.05.
Resultados
Níveis globais de desenvolvimento positivo
Como referido inicialmente, o primeiro objetivo deste estudo foi avaliar o desenvolvimento positivo dos jovens portugueses, considerando, para o efeito, os diferentes domínios sugeridos no modelo que serviu de base a esta pesquisa. Em conformidade, os resultados globais (i.e., média±desvio-padrão) encontrados em cada uma das cinco dimensões foram os seguintes: Caráter 2.4±.47; Cuidado 2.17±.61; Conexão 2.16±.58; Confiança 2.64±.59 e Competência 2.69±.58. Ou seja, a dimensão que apresentou o resultado mais baixo foi a Conexão, enquanto a Competência apresentou o resultado mais elevado.
Análise por sexo
Quando se compararam rapazes e raparigas, apenas foi constatada uma diferença estatisticamente significativa, na dimensão Caráter, em favor das raparigas. Adicionalmente, estas também apresentavam resultados médios mais elevados do que os rapazes no Cuidado e Conexão, tendo o contrário ocorrido nas dimensões Confiança e Competência; todavia, estas diferenças não eram estatisticamente significativas (Quadro 1).
Análise por idade
Através da consulta ao Quadro 2, pode constatar-se que os valores das cinco dimensões de desenvolvimento positivo avaliadas eram inferiores nos jovens mais velhos, tendo sido encontradas diferenças estatisticamente significativas nas dimensões Conexão e Competência.
Análise por sexo e idade
Em virtude de a análise aos dados globais ter revelado a existência de diferenças estatisticamente significativas em três das cinco dimensões (i.e., Caráter no que concerne à comparação dos sexos e Conexão e Competência quando se compararam os escalões etários), procedeu-se à comparação em função do sexo e da idade cumulativamente, conforme o disposto no Quadro 3.
A análise dos resultados evidenciou duas diferenças com significado estatístico. Com efeito, na dimensão Caráter, em ambos os escalões etários, as raparigas exibiam valores significativamente mais elevados do que os rapazes. Adicionalmente constatou-se que, nos dois sexos, os valores médios dos 5 C’s eram inferiores no segundo escalão etário comparativamente ao primeiro.
Discussão
Partindo do modelo concetual proposto por Lerner et al. (2005), o propósito desta investigação foi o de avaliar o desenvolvimento positivo de jovens portugueses, analisando as dimensões propostas por aquele autor (i.e., Caráter, Cuidado, Conexão, Confiança e Competência).
Pelo facto de não se encontrarem disponíveis resultados de estudos que tenham adotado o mesmo modelo de avaliação, não é possível efetuar comparações diretas entre os resultados do presente estudo com os de outros. Ainda assim, uma vez que o DPJ é um construto que engloba muitos outros que vêm sendo estudados à luz da psicologia há muito tempo, acreditamos que a comparação parcelar dos resultados das dimensões consideradas neste estudo com os resultados dessas investigações anteriores possibilitará estabelecer paralelos e interpretar melhor as caraterísticas dos jovens portugueses nos domínios abordados. Nessa medida, considerando a definição de Lerner et al. (2005) para cada uma das cinco dimensões, será de observar alguma da investigação anterior na qual foram estudados os construtos devidamente enquadrados.
Um primeiro dado que importa realçar prende-se com o facto de os jovens evidenciarem níveis mais elevados nas questões que se prendem com o autoconceito e opiniões próprias (e.g., uma visão positiva das suas próprias ações) e menos elevados no que respeita às questões ligadas ao respeito pelas regras sociais e padrões corretos de comportamento, bem como à compreensão pelos outros e aos vínculos positivos. Neste contexto, e atendendo que a satisfação dos jovens com as suas vidas decorre de um julgamento com base nos seus próprios critérios, estando, portanto, muito relacionada com o autoconceito e opiniões pessoais, podemos afirmar que os resultados da nossa investigação vão ao encontro das constatações de alguns estudos internacionais (e.g., Pavot & Diener, 1993) e nacionais (e.g., Alves, 2008; Esperança, 2005; Moraes, Corte-Real, Dias, & Fonseca, 2009), nos quais se constatou que os jovens apresentavam valores elevados de satisfação com as suas vidas. Por outro lado, sobre a satisfação dos jovens com as suas vidas, Matos (2016) afirmou recentemente que os jovens portugueses baixaram consideravelmente os seus índices nos últimos anos, encontrando-se entre os últimos lugares de todos os jovens pertencentes aos 40 países que integraram o seu estudo. Todavia, importa ter presente que, segundo a autora, a última crise económica que se fez sentir em Portugal pode ajudar a explicar este cenário.
Adicionalmente, tendo em linha de conta que os comportamentos de saúde estão englobados no respeito pelas regras sociais e padrões corretos de comportamento, os resultados do presente estudo, nomeadamente no que respeita à dimensão Caráter, parecem estar parcialmente em consonância com os de Balaguer e Castillo (2002) e com outros realizados em Portugal (e.g., Corte-Real, 2006; Esperança, 2005), os quais constataram que um elevado número de jovens incorre em comportamentos que colocam em risco a sua saúde (e.g., alimentação não saudável, consumo de tabaco e álcool, inatividade física). Ainda sobre este assunto, Matos (2016) sublinha que alguns dos comportamentos de risco se mantêm entre os jovens portugueses e que se assistiu a um aumento do fenómeno de bullying, o que parece indiciar a crescente falta de vínculos positivos com os pares, falta de respeito pelas regras sociais e padrões corretos de comportamento e, também, falta de sentido de compreensão e empatia pelos outros, o que também encontra paralelo nos nossos resultados.
Quando se analisaram as diferenças em função do sexo, constatou-se que as raparigas apresentavam resultados significativamente mais elevados do que os rapazes no Caráter, o que parece indiciar que elas possuíam uma perceção significativamente mais elevada do que os rapazes no que se refere à correção do seu padrão de comportamentos. De um modo global, estes resultados estão em consonância com investigações anteriores que estabeleceram comparações entre rapazes e raparigas. Lerner et al. (2005) e Phelps et al. (2009), por exemplo, encontraram níveis de DPJ mais elevados nas raparigas e Harter (1999) constatou que os rapazes tendiam a apresentar um autoconceito, sobretudo físico, mais elevado. Finalmente, refira-se que também McMullin e Cairnay (2004) referiram que diferenças de sexo têm sido consistentemente encontradas com vantagem para as raparigas quando analisada a empatia e com vantagem para os rapazes quando analisada a autoestima, o que está em consonância com os resultados do nosso estudo. De acordo com O’Beaglaoich, Sarma e Morrison (2013), um fator que pode ajudar a explicar estes resultados é precisamente a perceção dos adolescentes sobre o papel de género, sendo de realçar a importância do papel que a masculinidade desempenha ao nível da inibição da expressão emocional dos jovens (e.g., a empatia). Aparentemente, a perceção que os rapazes possuem sobre a masculinidade prende-se mais com as suas competências e menos com ligações emocionais. Pelo contrário, as raparigas, aparentemente, percecionam o papel da feminilidade mais ligado aos vínculos emocionais.
No que concerne ao panorama português, estes resultados também estão em consonância com o que referiu Matos (2016) acerca das diferenças entre jovens dos dois sexos, nomeadamente que as raparigas têm quase sempre pior perceção da sua competência e são mais propensas a relatarem saúde irregular, múltiplas queixas e menor satisfação com a vida. A autora referiu mesmo que, em Portugal, como no resto do mundo, as raparigas estão a suscitar preocupações crescentes aos peritos da OMS. No mesmo sentido, Alves (2008), Esperança (2005) e Paupério, Corte-Real, Dias, Corredeira e Fonseca (2013) constataram que os rapazes apresentavam valores médios de satisfação com a vida consistentemente superiores aos das raparigas. Adicionalmente, Esperança (2005) e Corte-Real (2006) constataram que embora os rapazes apresentassem maiores níveis de prática desportiva, as raparigas apresentavam mais comportamentos saudáveis (e.g., maior consumo de alimentos saudáveis e menor consumo de alimentos não saudáveis, de álcool e de tabaco).
Quando analisada a idade, verificou-se que o final da puberdade (fase da adolescência que ocorre por volta dos 13 anos) aparece associado aos resultados médios mais baixos em todas as dimensões, tendo sido encontradas diferenças significativas no Cuidado e Competência. De um modo geral, estes resultados apontam no sentido contrário aos de Harter (1999) e aos de Marsh (1989), os quais constataram que a autoestima vai aumentando nas diferentes fases da adolescência. Contudo, Harter (2003) refere que, além dessa constatação não ser consensual, é necessária investigação adicional, pois a adolescência é uma fase muito complexa no que concerne às autoavaliações. No panorama português, também não se verificam consensos. Feliciano e Afonso (2012), por exemplo, encontraram resultados que corroboraram os de Harter (1999), enquanto Antunes et al. (2006) encontraram evidências em sentido contrário. Os nossos resultados são consonantes com os de Alves (2008), Esperança (2005) e Paupério et al. (2013), que constataram que a satisfação dos jovens com as suas vidas era menor nos mais velhos. Na mesma linha, Matos (2016) referiu que os jovens portugueses mais velhos apresentavam níveis de satisfação com a vida menores do que os mais novos. No que concerne aos comportamentos, quer a nível internacional (e.g., Balaguer & Castillo, 2002) quer em Portugal (e.g., Corte-Real, 2006; Esperança, 2005), diversos estudos constataram que os jovens mais velhos apresentavam mais comportamentos de risco para a saúde (e.g., consumos de álcool e tabaco, alimentação não saudável), o que parece ser consonante com os resultados mencionados anteriormente.
Quando analisado o sexo cumulativamente com a idade, verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre rapazes e raparigas na dimensão Caráter. Com efeito, nos dois escalões etários, os resultados das raparigas, naquela dimensão, eram significativamente superiores aos dos rapazes. De notar que, em todas as dimensões, os resultados dos jovens mais velhos, de ambos os sexos, eram menores. Ou seja, mais uma vez, constatámos que a literatura relativa à investigação anterior acompanha os resultados do nosso estudo, não deixando de ser curioso constatar e alertar para o facto de o resultado global de DPJ (i.e., a soma dos resultados das cinco dimensões) ser menor naquela que é supostamente a fase mais importante das suas vidas (i.e., final da adolescência/entrada na adultez), a qual implica um quadro de diferentes interações na comunidade onde os jovens se inserem.
Conclusão
De um modo geral, os jovens portugueses parecem estar mais desenvolvidos nas questões que se prendem com o autoconceito e opiniões pessoais, incluindo uma visão positiva das suas próprias ações, enquanto o respeito pelas regras, as ligações que estabelecem com a família, com os pares ou com a escola e o sentido de compreensão e empatia que nutrem pelos outros estão entre as caraterísticas que deverão ser alvo de maior consideração.
Os resultados deste estudo estão de acordo com os resultados de outros estudos, quando constataram que as raparigas reportavam resultados de DPJ mais elevados do que os rapazes e também que os jovens mais novos tinham, igualmente, resultados mais elevados do que os mais velhos. Importará realçar que as principais diferenças encontradas, no que concerne às cinco dimensões, não se verificaram tanto ao nível do sexo mas mais ao nível da idade, evidenciando que a fase final da puberdade carece de especial atenção, porquanto era nessa faixa etária que os jovens apresentavam os resultados mais baixos.
Este estudo encerra algumas limitações, nomeadamente no que concerne à amostra e à impossibilidade de comparação de resultados provenientes de igual processo de avaliação. No futuro, seria conveniente reforçar a representatividade da amostra tendo em linha de conta outras variáveis sociodemográficas (e.g., procurar que a proveniência dos participantes seja oriunda de mais localizações geográficas do espaço da Lusofonia). Paralelamente, também seria oportuna investigação adicional no sentido de se proceder à recolha de informação, por forma a constituir-se uma baseline de dados referentes aos jovens lusos nas diversas dimensões; tal procedimento possibilitaria novos estudos, por ventura de caráter longitudinal, e comparações futuras entre resultados provenientes de avaliações similares. Por fim, a realização deste estudo vem reforçar a importância de se desenvolver investigação adicional que objetive a aferição do DPJ considerando os fatores que mais contribuem para o seu sucesso, tendo em vista melhorar a perceção dos mecanismos através dos quais se processa o DPJ.
Referências
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A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Jorge Luís Esperança, CIFI2D, Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, R. Dr. Plácido da Costa 91, 4200-450 Porto, Portugal. E-mail: jesperanca@gmail.com
Submissão: 26/05/2017 Aceitação: 30/11/2017