INTRODUÇÃO
Em Portugal, a principal área de produção de pêssego localiza-se na região da Beira Interior (1803 ha), que corresponde a 48% da área nacional (3757 ha) (INE, 2021). É na região da Beira Interior que se encontra o melhor know-how sobre a cultura, existindo a única indicação geográfica protegida de pêssego do país - IGP pêssego da Cova da Beira. Existe investimento em novos pomares (Lopes et al., 2018), capacidade técnica e de aconselhamento técnico disponibilizado por duas fortes Associações de Produtores - APPIZÊZERE e AAPIM, mão-de-obra assalariada com conhecimento da cultura, circuitos de comercialização fortes (Alberto, 2017), alicerçados numa vasta rede de frio que é não só disponibilizada por Organizações de Produtores, como Cerfundão e Soc. Agrícola Qta de Lamaçais, como por produtores individuais (Nunes, 2013) e ainda uma rede de I&D consolidada da qual faz parte o Instituto Politécnico de Castelo Branco / Escola Superior Agrária, as Associações de Produtores e Organizações de Produtores atrás referidas, a Universidade da Beira Interior, o Centro de Apoio Tecnológico Agro Alimentar (CATAA) e o Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional - Centro de Competências (COTHN-CC) que, conjuntamente com a rede de produtores, tem contribuído para a aquisição de divulgação de conhecimento na cultura (Simões et al., 2016).
À semelhança de outras culturas frutícolas, para que a produção de pêssego seja rentável existe uma necessidade de obter produções elevadas de modo a compensar o baixo preço pago ao produtor. Tal exige uma otimização da gestão dos fatores de produção entre os quais se inclui a manutenção do solo e a fertilização. No âmbito da manutenção do solo, a técnica de destroçamento da lenha de poda e de enrelvamento da entrelinha são consideradas como positivas quer na redução da erosão quer no aumento do teor em matéria orgânica do solo (Tworkoski & Glenn, 2008) refletindo-se na melhoria da sua fertilidade e, portanto, na maior disponibilidade de nutrientes para as plantas. A fertilização é uma operação cultural que tem baixo peso nos custos do processo produtivo, aproximadamente 8% do custo total de produção quando consideramos cultivares de estação (Dias et al., 2017; Amaral et al., 2019), o que pode conduzir a excessos de fertilização. Contudo, o estado de nutrição dos pomares, em conjunto com a rega, é determinante para o equilíbrio das plantas, para o seu vigor e produção (Rufat et al., 2010) e também para a resistência a pragas ou doenças (Huber & Thompson, 2007). Para avaliar o estado de nutrição utiliza-se maioritariamente a análise foliar, existindo valores de referência que ajudam a interpretar esses resultados, Assim, neste estudo apresenta-se uma análise global do estado de nutrição dos pomares de pessegueiros da região da Beira Interior com base num conjunto de 28 Unidades de Observação instaladas em pomares de pessegueiros e monitorizadas desde a instalação dos pomares, e que poderá permitir aferir práticas de fertilização utilizadas na região da Beira Interior.
MATERIAL E MÉTODOS
A cultura do pessegueiro, pelo seu carácter plurianual, requer e usufrui de práticas de fertilização e manutenção do solo que têm efeito para além do ciclo vegetativo em que são realizadas. Para estudar o efeito da atividade de produção de pêssegos na fertilidade do solo está a decorrer o projeto MoMOPP (Monitorização da Matéria Orgânica em Pomares de Pessegueiro), o qual se iniciou com o acompanhamento de 31 pomares de pessegueiros, instalados em 2018, na região da Beira Interior. Em cada pomar foram marcadas 10 plantas que constituem a Unidade de Observação (UO), de acordo com a metodologia referida por Simões et al. (2020). Estas UO, localizadas a norte e a sul da serra da Gardunha (Figuras 1 e 2), constituem-se como uma base de monitorização dos pomares de pessegueiro na região da Beira Interior.
Após instalação dos pomares foram colhidas amostras de terra, na linha e entrelinha, em pontos georreferenciados e analisadas no Laboratório de Solos e Fertilidade da Escola Superior Agrária de Castelo Branco, de acordo com as metodologias descritas no Quadro 1.
Parâmetro | Método | Unidades |
Matéria orgânica (oxidável) | Walkley e Black | % |
pH (H2O) | Potenciómetro | |
Fósforo assimilável (P2O5) | Método Égnér et al. (extração) doseamento espectrofotometria de absorção molecular | mg.kg-1 |
Potássio assimilável (K2O) | Método Égnér et al. (extração) doseamento Fotometria de Chama | mg.kg-1 |
Condutividade elétrica (1:2) | Condutivímetro | dS.m-1 |
Micronutrientes e metais pesados: Zn, Cu, Mn, Cr, Cd, Ni e Pb | Solução molar de acetato de amónio tamponizado a pH 7,0, doseamento em absorção atómica | mg.kg-1 |
No final de cada ciclo vegetativo foi avaliado o crescimento das plantas, através da medição do perímetro do tronco a aproximadamente 10 cm acima da zona de enxertia, desde a instalação dos pomares (2018). Para minimizar os erros desta avaliação, todas as árvores da UO foram pintadas no local da medição (Figura 3). As medições foram realizadas no final de cada ciclo vegetativo, no repouso invernal, entre dezembro e fevereiro e, a partir dos valores obtidos para o perímetro do tronco, foi possível determinar a Área de Secção de Tronco (AST).
Ao 3º ciclo vegetativo foram colhidas amostras de folhas para avaliar o estado de nutrição. A colheita de folhas foi realizada em julho de 2020, aproximadamente 110 a 120 dias após a plena floração (DAPF), correspondendo a 10 folhas por planta, colhidas no terço médio do lançamento do ano, preferencialmente em ramos sem antecipadas e percorrendo os 4 quadrantes da copa de cada árvore. As análises foram realizadas no EOR - Laboratório de Análises Químicas, Lda e no Laboratório de Solos e Fertilidade da Escola Superior Agrária de Castelo Branco, de acordo com as metodologias descritas no Quadro 2.
PARÂMETROS | UNIDADES | MÉTODO ANALÍTICO | |
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Humidade | % | Método Interno (Método Gravimétrico) | |
Azoto Total | % | Método Kjeldahl (Modificado) | |
Cálcio, Magnésio e Potássio Totais | % | Método de extração com Ácido Clorídrico (20 % v/v) e Doseamento por Espectrofotometria de Absorção Atómica | |
Cobre, Zinco, Manganês, Ferro, | mg.kg-1 | Método de extração com Ácido Clorídrico (20 % v/v) e Doseamento por Espectrofotometria de Absorção Atómica | |
Fósforo Total | % | Método de extração com Ácido Clorídrico (20 % v/v) e Doseamento por Espectrofotometria de Absorção Molecular (Colorimetria) | |
Boro Total | mg.kg-1 | Método de extração com Ácido Sulfúrico (0,36 N) e Doseamento por Espectrofotometria de Absorção Molecular (Azomethine-H) |
Com base no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS versão 21), utilizou-se a Análise de Componentes Principais para correlacionar o crescimento das plantas com o seu estado de nutrição que foi avaliado através do teor foliar em nutrientes.
RESULTADOS
No conjunto das 31 Unidades de Observações monitorizadas, 10% foram abandonadas até ao 3º ciclo vegetativo, em virtude da elevada mortalidade das plantas pela presença de sintomas de cancro bacteriano, ficando apenas 28. Este resultado indica graves problemas ao nível da qualidade das plantas utilizadas, e também é um indicador da severidade da doença na região, tal como referido por Luz (2018).
O solo caracteriza-se por um valor médio de pH de 6,3 (± 0,6) na linha, ou seja, um pH ligeiramente ácido (Quadro 3), o que indica uma prática de correção da acidez do solo, pois maioritariamente os solos da região são ácidos (IA, 1998). Observa-se também um pH mais elevado que 5,68, que foi o valor médio obtido num estudo realizado em 2006 em 117 pomares desta região (Simões et al., 2008).
linha | pH | MO (%) | P2O5 (mg.kg-1) | K2O (mg.kg-1) | CE (dS.m-1) |
---|---|---|---|---|---|
Média | 6,3 | 2,9 | 202,9 | 406,7 | 0,165 |
Min | 5,0 | 0,4 | 24,3 | 71,6 | 0,030 |
Max | 7,5 | 9,7 | 757,6 | 1307,2 | 0,558 |
Desv. Padrão | 0,6 | 1,6 | 133,6 | 252,9 | 0,111 |
Coef. Variação (%) | 9,5 | 55,2 | 65,8 | 62,2 | 67,3 |
N=28
A média do teor de matéria orgânica (MO) foi de 2,9% (Quadro 3). Este resultado indica uma situação mais favorável do que a observada em 2006 (Simões et al., 2008), onde se refere um teor médio de MO de 1,5%. Ainda relativamente à MO pôde observar-se um conjunto de pomares com teores elevados (32%) e muito elevados (4%) (Figura 4), provavelmente devido à incorporação de maiores quantidades de estrume na linha de plantação. Mais de 50% dos pomares apresentam um teor de MO>2%, mas verifica-se uma grande variabilidade com coeficientes de variação de 55%.
Na linha das plantas a média do teor de P2O5 foi de 203 mg.kg-1 e K2O foi de 407 mg.kg-1, o que indica valores médios acima de 200 mg.kg-1, ou seja, no nível muito alto (LQARS, 2006), observando-se mais de 70% dos pomares com teores de P2O5 alto e muito alto, e 86% dos pomares com teor de K2O na classe de fertilidade muito alto (Figura 4).
A condutividade elétrica é muito baixa não se constituindo como um fator negativo, pois 100% dos pomares apresentam uma média inferior ao limite de 2 dSm-1 referido como o limite acima do qual algumas plantas (consideradas muito sensíveis) podem ser afetadas (LQARS, 2006). Os micronutrientes Cu, Zn e Mn apresentam-se maioritariamente em teores muito altos (Figura 3). O Fe apresenta-se em teores muito baixos na totalidade dos pomares, embora não tenham sido observados na região sintomas de deficiência deste nutriente.
Relativamente ao estado de nutrição dos pomares verifica-se que os teores médios de nutrientes se encontram sempre dentro do intervalo de referência (Quadro 4), mas o coeficiente de variação (CV) é muito elevado para o Zn e Mn com valores de 145 % e 67 % respetivamente, e de 38 % para o P2O5 e K2O.
UO | N (%) | P (%) | K (%) | Ca (%) | Mg (%) | Cu (mg.kg-1) | Fe (mg.kg-1) | Mn (mg.kg-1) | Zn (mg.kg-1) | B (mg.kg-1) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | 2,77 | 0,29 | 2,89 | 2,30 | 0,47 | 7,67 | 70,75 | 90,21 | 22,79 | 32,44 |
Máximo | 3,50 | 0,52 | 5,33 | 3,65 | 0,66 | 12,22 | 115,00 | 268,78 | 155,00 | 44,00 |
Minímo | 1,84 | 0,14 | 1,71 | 1,32 | 0,25 | 4,00 | 45,36 | 28,00 | 5,00 | 22,42 |
Desvio padrão | 0,48 | 0,11 | 1,11 | 0,64 | 0,10 | 2,75 | 14,60 | 60,62 | 33,06 | 5,48 |
Coef. Variação (%) | 17 | 38 | 38 | 28 | 21 | 36 | 21 | 67 | 145 | 17 |
Valores de referência(1) | 2,10-3,00 | 0,14-0,30 | 2,00-3,50 | 1,50-2,70 | 0,30-0,80 | 5 a 16 | >60 | >30 | 15 a 50 | 20 a 60 |
N= 28
*1)- LQARS (2006)
Para melhor perceção do estado de nutrição do conjunto dos pomares e das relações entre nutrientes e variáveis de crescimento, foi realizada a distribuição percentual dos pomares de acordo com a classificação relativa a cada nutriente e uma Análise de Componentes Principais (ACP, Figuras 5 e 6).
No que respeita ao teor foliar de N observaram-se 18% de pomares com teores baixos, 52% com teores dentro do intervalo de referência e 40% de pomares com teores elevados. A ACP indicou uma correlação forte e positiva entre o teor de N e a AST. Foram também encontradas correlações positivas entre esse elemento e o Zn e Fe.
No que respeita ao teor foliar de P, apenas se observaram 8% de pomares com teor abaixo dos valores de referência e 44% dos pomares apresentaram teores elevados. Este elemento aparece positivamente associado ao Ca, Cu, K e, em menor grau, ao Mg. Por outro lado, verificou-se uma relação negativa entre o P e os teores de Fe e Zn.
O resultado mais surpreendente foi a presença de 45% de pomares com teor foliar de K abaixo do intervalo de referência. Tendo em consideração que os solos apresentam maioritariamente níveis elevados de K (Quadro 3), não seria expectável que se observasse quase metade dos pomares com teores foliares de K baixo. Simultaneamente, observa-se apenas 7% de pomares com teores foliares de Ca com nível abaixo dos valores de referência, estando 73% dos pomares com teores dentro do intervalo de referência e 20% com teor de Ca elevado. Provavelmente, este resultado está associado a uma prática recente (últimos 4 a 5 anos) utilizada pelos produtores de pêssego da região (informação pessoal), de frequentes aplicações foliares de Ca durante o desenvolvimento dos frutos, uma vez que o solo é maioritariamente pobre em Ca e em Mg. Sendo o Ca muito pouco móvel na planta, o aumento das aplicações foliares deste elemento poderá conduzir a teores foliares mais elevados e a algum desequilíbrio relativamente ao teor foliar de K apesar de os 2 elementos surgirem positivamente associados no diagrama da Figura 6.
O teor de Mg encontra-se dentro do intervalo de referência para 95% dos pomares, o que poderá ser um indicador de uma fertilização mais cuidada neste nutriente, uma vez que há um aconselhamento para a sua aplicação em casos de solos de textura grosseira e maioritariamente ácidos, tendo sido obtido para a mesma região da Beira Interior uma relação altamente significativa entre a produção comercial e o teor foliar de Mg (Simões, 2008).
Os resultados da análise foliar indicam deficiência em Zn em 50% dos pomares, o que está de acordo com os valores referidos por Simões (2008), para um conjunto de 10 pomares da cultivar Rich Lady monitorizados durante 3 ciclos vegetativos. Estes teores foliares baixos de Zn sugerem que esta deficiência possa ocorrer devido a interação negativa entre o P e o Zn observada em diversas culturas tais como cereais e pomares (Li et al. 2003; Ova et al., 2015) e que também é sugerida pela ACP (Figura 6) apesar de não ser tão notória quanto, por exemplo, a relação negativa entre o P e o Fe.
A interação P-Zn pode ser devida a condições de limitação na absorção de Zn pela própria planta ou a um decréscimo em Zn biodisponível no solo. No primeiro caso o efeito de níveis elevados de P no solo induzindo a uma diminuição da colonização das raízes com micorrizas pode ocasionar uma diminuição na absorção de Zn (Ova et al., 2015). Pode também ocorrer um aumento na fixação do Zn na parede celular ao nível das raízes induzida por níveis elevados de P diminuindo a translocação do Zn para a parte aérea da planta (Marschner, 2012). No solo, a capacidade de adsorção de Zn está muito relacionada com a adsorção de fosfato nos óxidos de ferro verificando-se a formação de complexos P-Zn não só nessas superfícies coloidais minerais como também em coloides orgânicos (Pérez-Novo et al., 2011).
O B é o único nutriente que está dentro do intervalo de referência para todos os pomares monitorizados. Através da ACP (Figura 6) verifica-se que teores elevados de B estão associados a menor valor de AST. Verifica-se ainda uma relação negativa entre o teor desse elemento e os teores de N, Mn e Mg.
CONCLUSÕES
O presente estudo constitui-se como uma amostra dos pomares de pessegueiro da região da Beira Interior, permitindo avaliar o estado de nutrição relativamente ao 3º ciclo vegetativo. Como aspetos mais significativos observou-se que 45% dos pomares apresentaram teores foliares de K inferiores ao intervalo de referência apesar de 90% dos solos terem níveis de K na classe de fertilidade muito alta (valores de K2O superiores a 200 mg.kg-1). Observou-se ainda que o teor foliar em Zn se encontrava em níveis inferiores ao intervalo de referência em 50% dos pomares, embora no solo o Zn se encontre na classe de fertilidade muito alto, o que poderá ser devido a um desequilíbrio na absorção de Zn motivada por teores elevados em P no solo. Os resultados apresentados permitem concluir ser necessário dispensar mais atenção a uma fertilização equilibrada bem como à monitorização do estado nutritivo destes pomares desde a sua instalação nomeadamente nos nutrientes K, P e Zn.