INTRODUÇÃO
A área da cultura do milho forrageiro, em São Miguel-Região Autónoma dos Açores (RAA), era em 2019 de 7.733 hectares. A fertilização tradicional consiste na aplicação de adubos NPK e de chorumes das explorações leiteiras e a preparação do solo na lavoura com charrua à profundidade de 30/35cm, seguida de destorroamento e uniformização do terreno com fresagem e sementeira com semeador de precisão. No segundo ano, a lavoura foi substituída pela subsolagem (Oliveira, 2020).
As alterações no perfil cultural do solo foram analisadas, bem como o padrão de distribuição das unidades morfológicas (UM), (ver Figura 1), ricas em restolhos orgânicos (RO) e no substrato orgânico (SO). Ao longo de dois ciclos culturais, monitorizou-se o rendimento em matéria verde (MV) da cultura do milho e os teores em carbono total (Ct), nutrientes NPK e pH do solo, nos tratamentos A (TA) e B (TB), tendo o TA recebido fertilização mineral complementada com chorume e o TB substrato orgânico (SO).
MATERIAIS E MÉTODOS
No Quadro 1, apresenta-se a variedade do milho forrageiro e os quantitativos de fertilizantes minerais e orgânicos aplicados. O SO é um produto de origem vegetal compostado.
O terreno de morfologia convexa, com declive longitudinal de 10 a 15%, foi dividido em dois blocos, cada um com quatro sub-parcelas, com 50m no sentido S-N e 15m no W-E.
A morfologia do perfil cultural foi caraterizada e identificadas as unidades morfológicas com significado nas alterações provocadas pelas alfaias agrícolas. Foram descritas as unidades: TE- material terroso sem vestígios de restolhos orgânicos; TERO - material terroso com concentração de RO; TESO - material terroso com concentração elevada de SO.
Pelo método da abertura do perfil, foram colhidas amostras de solo, com incidência nos 10cm centrais de Ap1 (0-15/17cm) e Ap2 (15/17-30/35cm), ao longo de dois ciclos culturais e analisadas as variáveis químicas do solo (Quadro 1). Para quantificação da biomassa forrageira verde, foram aleatoriamente selecionados 8 pontos por tratamento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A qualidade do SO, analítica e biológica estudada por Cruz (2013), e em experimentação de campo por (Pacheco & Teixeira, 2016) é indiscutível, bem como a elevada afinidade e estimulação dos sistemas radiculares na presença de volumes de terra com muito elevada concentração. As incertezas residiam na resiliência e taxas de decomposição do SO no solo, e na satisfação das exigências em azoto, nos picos de maior procura da cultura do milho forrageiro.
A análise morfológica do perfil cultural (Figura 1), revelou-nos que a distribuição do SO em Ap1 era fraca, mas regular e uniforme e no Ap2 o SO concentrava-se em unidades morfológicas distribuídas de modo sistemático em bandas inclinadas e bolsas maiores, na proporção de cerca 50:50 entre as unidades TESO e TE, no TB. No TA a proporção entre as TE e as TERO é cerca de 70:30. O contraste entre as unidades identificadas, nos teores das variáveis químicas do solo é muito forte. As diferenças, na profundidade 7-35cm, em Ct, entre a TERO e a TE do TA, é de 10g/kg e entre a TESO e a TE do TB de 54g/kg. O acréscimo em Ct influência positiva e significativamente os teores em NPK e o pH.
As datas de colheita e os teores totais em Ct e Nt e teores em P e K assimiláveis, são apresentados nos Quadros 2 e 3. Os valores do pH do solo não são apresentados.
Da análise dos teores em Ct ressalta que Ap2 apresenta teores significativamente mais elevados do que Ap1. A diferença entre TA e TB é de 4,75g/kg em Ap1, de 16,63g/kg no Ap2 e de 10,69g/kg na espessura média de 20cm. Os teores médios em Ct, no intervalo de 98 dias, apresentam um ligeiro abaixamento em ambos os horizontes do TA e Ap1 do TB, enquanto o Ap2 do TB apresenta um acréscimo muito significativo. A diferença média entre TB e TA é de 16,14g/kg, o TA em média decresceu -1,58g/kg e o TB em média cresceu 3,38g/kg. Os valores de Ct registados 358 dias após a colheita anterior, cresceram no Ap1 e decresceram no Ap2 do TA, e o TB cresceu tanto em Ap1 como em Ap2, com um acréscimo médio de 4,15g/kg. No intervalo de 462 dias, verifica-se que o TA apresenta flutuações entre Ap1 e Ap2, mas em média a tendência é decrescente (-1,51g/kg), enquanto no TB a tendência é crescente em Ap1 e Ap2, com um acréscimo médio de 4,03g/kg. No TA as perdas de MO, por decomposição, são ligeiramente superiores aos ganhos, enquanto no TB os ganhos em MO são muito superiores às perdas, perpetuando a influência positiva do SO por muitos ciclos culturais, contrariando as expetativas iniciais.
Quanto ao Nt, os tratamentos TA e TB apresentam teores no início semelhantes, mas progressivamente o TB aumenta a diferença positiva relativamente a TA. Em síntese, a cultura do milho forrageiro, em ambos os ciclos, dispôs de níveis de Nt altos no TA e muito altos no TB.
Quanto ao P, os tratamentos TA e TB apresentam teores elevados no início, mas muito elevados no Ap2 do TB. Em média, o TB apresenta cerca do dobro do TA. No intervalo de 98 dias, os teores em P continuam elevados no TA e Ap1 do TB, mas em média o TB apresenta cerca do triplo comparativamente a TA. No intervalo de 462 dias, os teores são muito elevados no TA, mas muito superiores no TB. Em média, a diferença entre TB e TA é de 227mg/kg e o acréscimo do TB, comparativamente à colheita anterior, é de 136,5 mg/kg. A cultura do milho dispôs de muito elevado conforto em P em ambos os tratamentos, sendo os teores no 2º ciclo cultural excessivos. Verifica-se ainda que no TB os acréscimos em P, à medida que o tempo progride, é muito significativo.
Quanto ao K, os teores são muito elevados em TA e TB ao longo dos dois ciclos culturais, mas cerca de 3,5 vezes mais no TB. Em média o TA não apresenta variação significativa entre datas, mas no TB os teores crescem 1,3 vezes mais em 98 dias, retrocedendo para o valor inicial ao fim de 462 dias. A cultura do milho forrageiro, em ambos os ciclos culturais, dispôs de muito elevado conforto em K no TA e conforto excessivo no TB. Quanto à variável pH do solo verifica-se que o SO proporcionou um acréscimo progressivo muito significativo tendendo o pH do solo para a neutralidade.
Analisando os dados biométricos da cultura do milho forrageiro (Quadro 4), verifica-se que o rendimento em MV foi muito baixo no 1º ciclo, sendo a diferença média entre TB e TA de 4,7t/ha, e alto no 2º ano, sendo a diferença entre TB e TA de 9,8t/ha, diferenças essas explicadas pela baixa precipitação total (117mm) ocorrida no 1º ano, contra 259,5mm no 2º ciclo.
Ano | 2020: LimaGrainFAO400 | 2021: LimaGrainFAO500 | |||
Tratamento | A | B | A | B | |
Fertilização | Modalidade | NPK/ kgha-1 | NPK/ kgha-1 | NPK/ kgha-1 | NPK/ kgha-1 |
Mineral | Fundo(1) | 70:26:0 | 140:24:58 | ||
Cobertura(2) | 105:0:0 | ||||
Localizada (3) | 35:27:35 | 35:27:35 | |||
Orgânica | 63:7:54(1) | 400 t ≈220t seco (2) | |||
Mineral + orgânica | 238:33:54 | 93:16:98 (3) | 175:51:93 | 35:27:35 |
*1) Chorume exploração leiteira - NPK: 2,1:0,23:1,8 kg/m3;
*2) Substrato orgânico (SO-MUSAMI) - NPK: 11,8:2,1:12,4 kg/t;
*3) Considerando uma taxa de decomposição de 3,59 % em 4 meses.
Horizonte | Tratamento | N | Ct (g/kg) | Nt (g/kg) | ||||
30 jun/20 | 7 out/20 | 1 out/21 | 30 jun/20 | 7 out/20 | 1 out/21 | |||
Ap1 (5-15 cm) | A | 8 | 27,0 ± 3,6 | 25,4 ± 3,6 | 29,3 ± 2,6 | 2,5 ± 0,4 | 2,0 ± 0,4 | 2,5±0,8 |
B | 8 | 31,8 ± 3,6 | 30,5 ± 5,0 | 43,9 ± 9,9 | 2,3 ± 0,5 | 2,2 ± 0,3 | 3,3±1,2 | |
Ap2 (20-30 cm) | A | 8 | 32,0 ± 4,9 | 30,6 ± 5,0 | 26,9 ± 2,9 | 2,4 ± 0,2 | 1,9 ± 0,1 | 2,1±0,3 |
B | 8 | 48,6 ± 4,9 | 57,6 ± 12,7 | 52,7 ± 7,5 | 2,5 ± 0,3 | 2,4 ± 0,4 | 3,8±1,0 | |
Média (E=20 cm) | A | 8 | 29,6 ± 4,7 | 278,0 ± 4,9 | 28,1 ± 3,0 | 2,4 ± 0,3 | 1,9 ± 0,3 | 2,3 ± 0,6 |
B | 8 | 40,3 ± 9,5 | 44,1 ± 16,3 | 48,3 ± 9,8 | 2,4 ± 0,4 | 2,3 ± 0,3 | 3,5 ± 1,1 |
Horizonte | Tratamento | N | P (mg/kg) | K (mg/kg) | ||||
30 jun/20 | 7 out/20 | 1 out/21 | 30 jun/20 | 7 out/20 | 1 out/21 | |||
Ap1 (5-15 cm) | A | 8 | 68± 15 | 70 ± 24 | 172 ± 55 | 210 ± 75 | 305 ± 166 | 295± 51 |
B | 8 | 85± 48 | 89± 51 | 297 ± 144 | 388 ± 170 | 634± 376 | 738± 232 | |
Ap2 (20-30 cm) | A | 8 | 96 ± 37 | 81± 13 | 115 ± 49 | 32 ± 11 | 195 ± 84 | 160± 38 |
B | 8 | 248 ± 59 | 380 ± 214 | 445 ± 150 | 1280 ± 467 | 1496± 730 | 890± 242 | |
Média (E=20 cm) | A | 8 | 82± 30 | 76 ± 19 | 144 ± 60 | 265 ± 105 | 250± 135 | 227± 81 |
B | 8 | 167± 96 | 234 ± 206 | 371 ± 165 | 834 ± 554 | 1066± 694 | 814± 249 |
CONCLUSÕES
Conclui-se que a mobilização do solo com charrua de aiveca distribui os RO e o SO, localizados sobre a superfície do terreno, segundo um padrão determinístico e sistemático, na forma de bandas inclinadas e bolsas. O contraste entre as unidades morfológicas de elevada concentração em RO e SO e as formadas só por terra (TE), nos teores em carbono e nutrientes, é muito forte, bem como na distribuição radicular do milho forrageiro. O conforto nutricional da cultura, em ambos os ciclos, foi elevado no TA e muito elevado no TB. O rendimento em matéria verde foi significativamente mais elevado no TB, mais alto no 2º ano do que no 1º, este fortemente afetado pelo muito elevado défice hídrico.