Introdução
A segurança do doente e a qualidade dos cuidados de saúde prestados à população mundial têm sido melhorados através da implementação de diretrizes baseadas em evidência com eficácia comprovada (Organização Mundial de Saúde, 2017).
Os cuidados de enfermagem omissos (CEO) são cuidados que embora necessários, são omitidos ou atrasados na prática diária do enfermeiro, transformando-os num privilegiado indicador de qualidade dos cuidados de enfermagem e segurança do doente (Kalisch, 2015).
Da literatura internacional ressaltam os serviços dedicados à pessoa com doença oncológica como um contexto protetor da incidência de CEO comparativamente às outras unidades hospitalares, motivo pelo qual se descurou a análise deste fenómeno, naqueles contextos, nos últimos anos (Jones et al., 2015).
Poucos estudos têm sido publicados sobre a caracterização dos CEO em unidades oncológicas, e em menor número, avaliado a perceção dos enfermeiros acerca desta problemática (Villamin et al., 2018).
A identificação contextual dos CEO é fundamental para a implementação de medidas corretivas que reestruturem os serviços de enfermagem, por forma a minimizar este problema, potencializar a segurança do doente e a qualidade dos cuidados prestados (Smith et al., 2017). Assim, com este estudo pretende-se identificar os CEO percecionados pelos enfermeiros de um hospital de oncologia.
Enquadramento
Em 2006, surgiu na literatura o primeiro estudo que abordou intencionalmente a problemática dos CEO. Nesse estudo, os autores definiram cuidados de enfermagem omissos como um resultado multifatorial que incorria na omissão da totalidade ou em parte de algumas atividades de enfermagem (Dehghan-Nayeri et al., 2018).
Os cuidados de enfermagem menos priorizados e omitidos estão relacionados com os cuidados instrumentais, a componente prática do cuidar: o levante terapêutico e a deambulação, os posicionamentos, a alimentação do doente, os cuidados de higiene corporal e oral e a higienização das mãos (Jones et al., 2015).
A dimensão relacional do cuidar é também referida como alvo da omissão de cuidados, sendo reportada a prestação de apoio emocional, a comunicação com o doente e o ensino ao doente e família, como cuidados frequentemente preteridos (McMullen et al., 2017).
Assim, constata-se que os cuidados básicos e os relacionados com as intervenções autónomas do enfermeiro são os cuidados, mais referenciados como omissos em detrimento das intervenções interdependentes, embora estas também sejam reportadas como omissas, nomeadamente a monitorização dos sinais vitais e da glicémia capilar e a administração de terapêutica até 30 minutos após a sua prescrição (Jones et al., 2015).
O planeamento e a atualização do processo de enfermagem, assim como a documentação dos cuidados, foram também cuidados desconsiderados na prática clínica (Lake et al., 2016).
A opção pela omissão de determinado cuidado pode acarretar complicações ao doente, comprometendo a sua segurança, como a limitação funcional do doente, aumento dos riscos de lesões por pressão e/ou infeções associadas aos cuidados de saúde, complicações após a alta e consequente readmissão, aumento do tempo de internamento, com custos associados, e aumento da taxa de mortalidade (Recio-Saucedo et al., 2018).
Questão de Investigação
Quais são os CEO percecionados pelos enfermeiros de um hospital de oncologia?
Metodologia
Estudo descritivo de natureza qualitativa assente em alguns pressupostos do estudo de caso. Obteve parecer favorável da comissão de investigação e ética da unidade de saúde em estudo.
A população foi constituída pelos enfermeiros que exerciam a sua atividade em unidades de internamento de especialidades médicas, há mais de 1 ano, numa instituição de saúde de oncologia.
A técnica de amostragem utilizada foi a amostra de meio (Poupart et al., 2008), sendo a amostra constituída por 10 enfermeiros selecionados intencionalmente pela maior acessibilidade ao investigador.
Foi elaborado um questionário de autorresposta para caracterização sociodemográfica e profissional dos participantes e um guião de entrevista semiestruturada.
A recolha de dados realizou-se de 5 de setembro a 9 de outubro de 2018, após solicitação e obtenção do consentimento informado, livre e esclarecido dos participantes. As entrevistas tiveram uma duração média de 50 minutos e decorreram em local, dia e hora acordada entre o investigador e o participante, mediante as preferências e os requisitos necessários à sua consecução.
Após a realização de cada entrevista, os dados recolhidos, gravados em áudio, foram transcritos e analisados segundo a técnica de análise de conteúdo de Bardin (2016), seguindo as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados (inferência e interpretação). Os dados constantes do questionário foram tratados através de análise estatística descritiva.
Foram assegurados os princípios éticos inerentes à natureza desta investigação: o respeito pelo exercício à autodeterminação - obtido consentimento informado dos participantes; o direito de desistir da investigação sem dano ou prejuízo; e o respeito pela confidencialidade e anonimato dos informantes, codificando as entrevistas pela sua ordem de execução (de E1 a E10), foi assegurada a destruição das gravações efetuadas, bem como das transcrições integrais das entrevistas, do consentimento e dos questionários preenchidos.
Resultados
Os participantes do estudo eram maioritariamente do sexo feminino (80%). A média de idades foi de 37,9 anos com desvio-padrão (DP) de 6,33 anos, com mínimo e máximo de 27 e 49 anos. O tempo médio de exercício profissional foi de 14,9 anos (DP = 6,03), com mínimo e máximo de 4 e 23 anos. Relativamente às habilitações académicas, 20% têm um mestrado e 20% dos enfermeiros reportaram deter o título de enfermeiro especialista atribuído pela Ordem dos Enfermeiros. Em média, os enfermeiros exerciam funções nos serviços há 11,9 anos (DP = 5,5) com mínimo e máximo de 2 e 17 anos. Da amostra, 100% exerciam a sua atividade por turnos e 70% revelaram trabalhar, em média, mais 5 horas por semana relativamente às horas contratualizadas.
Do processo da análise de conteúdo apurou-se como categoria central Cuidados de enfermagem omissos, sendo constituída por três subcategorias: Definição, Impacto e Tipologia, esquematizados na Figura 1.
Para os participantes, a Definição de CEO diz respeito aos cuidados de enfermagem que, por diversos fatores, não são executados na totalidade ou em parte, como salientam “tornam-se omissos na prática, mas estavam planeados para serem feitos para que a prática fosse de qualidade” (E5; E9). Os participantes referem a não avaliação da sua realização ou a não documentação dos cuidados como parte integrante da omissão, a qual pode ser intencional:
são cuidados de enfermagem que deveriam ser executados por terem sido planeados para que fossem feitos, mas que deixamos por fazer de forma consciente ou inconsciente e que podem ter sido deixados por fazer na totalidade, ou só em parte. (E5; E9)
Esta problemática, na opinião dos participantes, acarreta implicações para os diferentes agentes de cuidado. O Impacto pode ser analisado nas vertentes do doente/família, do enfermeiro e da profissão.
Respeitante ao doente e família, a não execução dos cuidados planeados ou a não realização de acordo com as necessidades identificadas e as boas práticas incorre num “potencial agravamento do estado de saúde do doente” (E6) e consequentemente prejuízo para a família.
Ao nível do enfermeiro, os cuidados de enfermagem ao não serem prestados em segurança e ao não responderem às necessidades individuais dos doentes acarretam problemas de consciência, pois estes ajuízam a necessidade da sua execução, no entanto, devido à ausência de recursos disponíveis não são realizados.
Os CEO trazem riscos. E o risco não é só clínico . . . é também profissional uma vez que o enfermeiro tem ética e consciência . . . e se se interessa pela sua profissão e tem caráter enquanto pessoa acho que não fica bem com a sua consciência, quando devia ter feito e não fez... e para o doente sabemos implica um CEO. (E10)
Ao nível da profissão, se a qualidade dos cuidados for prejudicada, a visão da sociedade face aos cuidados prestados pelos enfermeiros e, consequentemente, da profissão é negativa, implicando “o enfermeiro, a equipa e a profissão” (E4).
Quanto à Tipologia dos cuidados de enfermagem identificados como omissos, os enfermeiros reportaram os cuidados relacionados com a dimensão afetiva/relacional do cuidar, como comunicar com o doente e família e ensino ao doente e família e as atividades de suporte à prestação de cuidados, como documentar os cuidados de enfermagem ou elaborar ou atualizar planos de cuidados (PC).
A componente técnica é reportada como uma dimensão onde ocorrem CEO, nomeadamente, os cuidados de higiene oral, cuidados de higiene corporal, posicionamentos, levante e deambulação e alimentação; por último, e no âmbito das atividades interdependentes, surgem como CEO monitorização de sinais vitais/glicémia capilar, identificação e administração da terapêutica até 30 minutos após a sua prescrição e cuidados de manutenção com dispositivos médicos.
Segundo os informantes, comunicar com o doente e família é um CEO e tal acontece devido à indisponibilidade multicausal que condiciona a sua prestação, bem como, à invisibilidade da sua concretização e consequente dificuldade de julgamento pelo outro. A este nível, os enfermeiros referem executar procedimentos técnicos sem informar e capacitar previamente o doente para o cuidado a prestar, “às vezes só executamos os procedimentos e não explicamos o que vamos fazer” (E8), não é negociada a prestação de cuidados, e quando a comunicação existe, é considerada mínima, unidirecional ou com possibilidade de respostas curtas com o objetivo de maximizar o tempo do profissional: “A comunicação ao doente e à família é o que ninguém vê e é o que fica por fazer” (E1; E4; E6); “cingimo-nos à comunicação mínima e necessária com o doente: comunicação unidirecional ou bidirecional, caso queiras obter alguma informação e tens um questionamento simples e direto, porque não podes perder tempo e tens que passar para o seguinte” (E7).
Na opinião dos enfermeiros, o ensino ao doente e família é considerado CEO, não porque não seja executado, mas porque as condições de aprendizagem em que é realizado não são as adequadas, dada a falta de tempo para esclarecimento de dúvidas, validação e/ou reforço da informação transmitida, o que é perturbador da qualidade do cuidado prestado:
muitas vezes até arranjas aquele bocadinho de tempo para ensinar o doente, mas da informação que lhe deste, ele vai apreender metade ou, se calhar nada do que lhe disseste. E muitas vezes falta o tempo para reforçar isso ao longo do internamento. Foram feitos e pronto, já foram. Muitas vezes fazemos porque sabes que tens que o fazer, que é importante para o doente, mas é a despachar . . . não omites, mas não o fazes de forma correta. (E4)
Os enfermeiros revelaram ainda que quando esta atividade é devidamente realizada, ela pode comprometer o desenvolvimento de outras intervenções pelo tempo despendido na sua efetivação.
Reconheceram que, por vezes, realizam as atividades pelo doente, não potenciando a sua autonomia quando este ainda tem condições para as realizar: “É mais rápido ser eu a fazer do que dar ao doente para fazer” (E3).
Ainda relativamente aos CEO, os entrevistados admitem que o processo de transição do hospital para casa pode ficar comprometido, quando “não integram a família no contexto, dos cuidados” (E7), quando não capacitam a família/cuidador informal para o papel de cuidador. Consideraram que no processo de transição deveriam prescrever determinados cuidados para minimizar a possibilidade da sua não realização e de estes se transformaram em CEO, “para não ser um CEO no domicílio” (E5).
Ainda a este respeito, referem que se capacitassem a família/cuidador informal para alguns cuidados durante o internamento do doente, libertá-los-ia (aos profissionais) para a execução de outros cuidados e, simultaneamente, estariam a preparar a família/cuidador informal para o processo de cuidar no domicílio.
Documentar os cuidados de enfermagem é percecionado pelos enfermeiros entrevistados como uma atividade que consome muito tempo. Os enfermeiros privilegiam o contacto direto com o doente e, por isso, é reportado como a última coisa que fazem. E, apesar de reconhecerem a importância da correta documentação dos cuidados, os registos são, por vezes, deixados de serem realizados: “os registos são a última coisa que faço. Se tiver que abdicar de alguma coisa será, com certeza, dos registos de enfermagem” (E4).
Os enfermeiros entrevistados identificaram como complexo o registo em diferentes plataformas informáticas e consideraram que a não documentação dos cuidados não traz implicações imediatas no estado de saúde do doente, como mencionam “os registos não implicam no doente imediatamente . . . Poderão prejudicá-los a longo prazo, mas a curto prazo não o implica” (E10). Outros há que referem que realizam os registos por uma questão de proteção legal, “faço-os [registos] para minha proteção porque nós sabemos que são importantes e que temos de os fazer, não deixaria de os fazer por uma questão de proteção legal” (E4).
Relativamente ao elaborar ou atualizar PC, para os enfermeiros entrevistados esta não é uma prioridade major, embora reconheçam que a não atualização pode pôr “em causa a qualidade dos cuidados e a eficácia das intervenções” (E1). O planeamento dos cuidados para as 24h é entendido como uma obrigação administrativa consumidora de tempo útil sem tradução prática, sem adequação nas dotações, nem nos rácios enfermeiro-doente, mediante a transposição em horas de cuidados necessárias. Como mencionam, “A atualização do PC não é uma prioridade de topo, ou é?” (E1; E2; E4) e “em termos da atualização do PC, o que vês é que andas a fazer e não tens feedback nenhum: aquilo até pode dar 100h negativas que o rácio vai ser sempre o mesmo” (E7).
Reportando os cuidados de higiene como CEO, é a higiene oral que frequentemente “é deixada para segundo plano” (E7), ainda que considerem este cuidado como fundamental, em especial nos doentes com tumores da cabeça e pescoço, como aludem “deixamos por fazer os cuidados à boca, que deveriam ser fundamentais no nosso serviço” (E5). Esta omissão acontece sobretudo no período de trabalho da tarde porque “nas tardes, há pouco tempo para os executar” (E5), e este é um cuidado que consome tempo, particularmente em doentes que não colaboram ou que não pretendem higienizar a sua boca diariamente e após as refeições: “a higiene oral podes demorar num doente 5 ou 10 minutos” (E7).
Relativamente aos cuidados de higiene corporal, os participantes deixam antever que “há muitos enfermeiros que não acompanham os seus doentes no banho” (E10). Com a necessidade de redefinir as suas atividades, consideram que omitem os cuidados de higiene, ainda que admitam que são criticados por essa decisão, como mencionam “mais rapidamente sou capaz de deixar um banho por dar do que ensinar alguém que precise de ser ensinada: mas vejo que sou criticada por isso” (E3). No entanto, outros enfermeiros também referem que tentam nunca deixar de realizar os cuidados de higiene, realizando cuidados de higiene parciais de forma a garantir o mínimo de conforto ao doente: “deixo as higienes gerais: identifico os doentes para os quais isso seria algo imprescindível e passaria os restantes a higiene parcial” (E5); “a higiene tento fazer . . . Nem que faça só uma higiene parcial . . . para que o doente esteja minimamente confortável” (E9).
Os posicionamentos e a sua alternância são considerados CEO pelos participantes na medida em que referem que os posicionamentos registados não são efetivamente executados por considerarem que o doente tem equipamentos adaptativos promotores da prevenção de lesões por pressão ou por decidirem deliberadamente respeitar o sono e o repouso do doente, não o acordando para o posicionarem entendendo a omissão como para benefício do doente: “a alternância de posicionamentos não é cumprida: seguimos uma sequência de posicionamentos que na realidade não são praticados; registamos posicionamentos sem alternar os decúbitos” (E1); “os posicionamentos e a sua alternância são prevaricados pela existência de colchões viscoelásticos e por vezes, os doentes não são tão posicionados quanto deviam . . . precisavam de mais” (E7; E10); “se o doente está a dormir eu não o acordo . . . e é em benefício do doente” (E3; E9).
Para os entrevistados, o levante e deambulação são também reportados como CEO. Consideram importante levantar o doente “para promover a sua independência, mas não o fazemos . . . não temos tempo!” (E1). A falta de reconhecimento e valorização pelas chefias relativamente a este cuidado, a disponibilidade de tempo e as condições físicas dos enfermeiros, são algumas das razões para a sua não realização como expressam nos excertos que se seguem: “Porque é que vou andar com o doente 0,5km no corredor, se vai dar ao mesmo?! O reconhecimento que vou ter é o mesmo . . . Há pessoas que pensam um bocado assim. Deixa-me estar aqui sentado.” (E4); “Se tiver dores na coluna, não vou levantar o doente, não é! E é um CEO.” (E10).
Ainda relativamente a este cuidado, há omissão quando este cuidado é realizado, mas não é documentado, ou pelo contrário não é executado, ainda que previsto, e é documentado como tendo sido realizado: “Às vezes levantas os doentes e os registos dizem que está em decúbito dorsal e o contrário também é verdade” (E2).
A alimentação é identificada como cuidado omisso e preterido pelos enfermeiros em detrimento da realização de outras atividades. Como referem os enfermeiros “não dão a alimentação aos doentes” (E10) ou ainda não os incentivam a alimentarem-se: “deixamos a alimentação para os auxiliares . . . assim podemos fazer outras coisas” (E3); “não incentivamos os doentes a que comam a ceia . . . e é tão omisso que nem existe nas nossas predefinições o horário de alimentar-se às 22h” (E5).
Admitem que dão “pouca água aos doentes . . . hidratamo-los pouco. Já reparei em copos não usados ou garrafas com o mesmo volume de água de um dia para o outro” (E9).
Também a monitorização de sinais vitais/glicémia capilar é referida pelos enfermeiros entrevistados como um CEO. É o juízo que fazem sobre a necessidade de avaliar determinado parâmetro que determina a sua execução. Assim, face à carga de trabalho prevista para o turno e à avaliação do doente, decidem se avaliam ou não os sinais vitais e que parâmetro/s avaliam.
No entanto, realçam que há colegas que avaliam os sinais vitais em todos os turnos, mesmo quando o doente está estável, outros que registam um valor sem que tenham avaliado, quer sejam os sinais vitais ou a glicémia capilar e “às vezes não se avalia com medo do resultado que vamos ter porque podemos ter de desencadear outras ações que ainda darão mais trabalho” (E10).
Relativamente à avaliação da dor, referem que este é um sinal vital que privilegiam, embora reconheçam que nem sempre o fazem corretamente ao não pedirem ao doente para quantificar a sua dor, numa escala de 0 a 10, como indicam “Não andamos a perguntar ao doente . . . pelo menos não ouço, nem o faço . . . «de 0 a 10 qual é a sua dor?», operacionalizamos mal a dor apesar de termos escalas” (E6).
A identificação e administração da terapêutica até 30 minutos após a sua prescrição surge como CEO quando a terapêutica não é administrada no horário prescrito. Como referem “nós muitas vezes alteramos o horário [de administração de terapêutica] para conforto do doente e para nossa conveniência” (E3; E8).
Reportam ainda que este CEO pode surgir quando o enfermeiro utiliza o plano terapêutico que pode estar desatualizado relativamente à prescrição online, quando a terapêutica administrada não é identificada ou quando não capacitam o doente para a tomada de decisão sobre a administração da terapêutica: “Muitas vezes não há identificação da terapêutica administrada em perfusão” (E1); “muitas pessoas baseiam-se na preparação de terapêutica num cardex impresso que pode estar desatualizado” (E6); “até nos esquecemos que o doente pode recusar a terapêutica que muitas vezes administramos sem explicar o que é ou para que serve” (E6).
Também os cuidados de manutenção com dispositivos médicos são referidos como CEO pela não otimização do dispositivo médico ou pelo desconhecimento no seu manuseio. Este cuidado ao não ser planeado não vai ser executado e, quando têm dispositivos novos, que habitualmente não são usados na unidade, a falta de formação ou de conhecimentos sobre os mesmos pode levar a dificuldades em trabalhar com eles: “cuidados com os dispositivos médicos na generalidade que nós muitas vezes nem nos apercebemos que devíamos de fazer essa planificação e ficam por prestar e eu próprio . . . também me acontece: cateteres, sondas, traqueostomias” (E6).
“E muitas vezes temos dispositivos novos, por exemplo drenos torácicos, sistemas de drenagem novos e não sabemos trabalhar com eles” (E9).
Discussão
Os enfermeiros definem CEO como cuidados de enfermagem planeados que não são executados, parcialmente ou na totalidade, por várias razões e, considerando a definição de Jones et al. (2015) para os CEO, é possível afirmar que os participantes revelaram conhecer a problemática em estudo.
Neste estudo foi possível identificar os cuidados omitidos na prática pelos enfermeiros. Os cuidados de enfermagem referidos como omissos foram: alimentação; cuidados de higiene corporal, incluindo a higiene oral; posicionamentos; levante e deambulação; documentar os cuidados de enfermagem; elaborar ou atualizar PC; ensino ao doente e família; comunicar com o doente e família; documentar os cuidados de enfermagem; e monitorização de sinais vitais/glicémia capilar. Estes cuidados encontram expressão internacional em estudos compilados na revisão integrativa da literatura de Jones et al. (2015) e nacional nos estudos de Braga et al. (2018).
Os cuidados de manutenção com os dispositivos médicos e a identificação da terapêutica prescrita, de acordo com a literatura consultada, é a primeira vez que aparecem referenciados como CEO, permitindo a aquisição de novos contributos para mapear a problemática dos CEO.
O facto de se ter usado como instrumento de colheita de dados a entrevista semiestruturada permitiu a possibilidade de explorar a temática em maior profundidade, relativamente às metodologias utilizadas nos estudos de natureza quantitativa, desvelou uma omissão de cuidados mais diversificada, corroborando as afirmações de Reham et al. (2017) quando referem a existência de diferenças significativas quando se analisa a problemática dos CEO com diferentes desenhos de investigação e se usam diferentes instrumentos de colheita de dados (Dehghan-Nayeri et al., 2018).
Os enfermeiros reconhecem que os cuidados omissos têm impacto no doente, no enfermeiro e na profissão, provocando um potencial agravamento do estado do doente (infeções associadas aos cuidados de saúde, lesões por pressão ou imobilidade), problemas de consciência no enfermeiro ou visão negativa da profissão pela sociedade.
Estes impactos já haviam sido reportados na revisão de literatura realizada por Recio-Saucedo et al. (2018), ao salientarem os CEO como promotores de maiores taxas de mortalidade, infeções, quedas, bem como mais complicações após a alta e menor satisfação dos doentes com os cuidados prestados e, consequentemente, comprometedores do bem-estar do enfermeiro e da visão da enfermagem na sociedade.
Os CEO podem comprometer a segurança do doente não só durante o processo de hospitalização, mas também no domicílio ao não serem desenvolvidos pela família (Azevedo & Sousa, 2012).
Na realidade, quando se analisam os CEO reportados pelos enfermeiros, percebe-se que a dimensão ética dos cuidados está comprometida, pois o enfermeiro tem o dever moral de prestar cuidados seguros, de qualidade, de proteger a pessoa do dano. De acordo com Vryonides et al. (2016), o clima ético de uma instituição pode influenciar a capacidade do enfermeiro de sustentar a sua identidade moral.
Para Kearns (2019), a tomada de decisão que conduz o enfermeiro à omissão de qualquer cuidado deve ser objeto de uma cuidada reflexão; a responsabilidade ética pode, ou não, recair no enfermeiro dependendo da razão que subjaz essa omissão.
A identificação dos CEO é um passo importante no desvelar do conhecimento sobre este fenómeno. É importante que sejam desenvolvidos estudos que conduzam à mudança das práticas, com amostras mais representativas para se obter a máxima informação sobre a problemática e que recorram a outras fontes de informação (sistemas informáticos, doentes ou outros), de forma a permitir o cruzamento de dados obtidos de diversos intervenientes no processo de cuidar, e de diferentes técnicas de recolha de dados, nomeadamente a observação dos cuidados prestados.
É imperioso analisar o ambiente da prática de enfermagem, as variáveis de estrutura (recursos materiais e humanos, características do ambiente físico, organização dos serviços) e de processo (aspetos técnicos de diagnóstico e terapêutica, relação entre profissionais e doentes, comportamentos e ética inerentes) que podem conduzir à omissão de cuidados (Smith et al., 2017).
Conclusão
Com esta investigação foi possível identificar os CEO que, na perceção dos enfermeiros, são omissos no exercício da sua profissão, no contexto analisado.
Esta omissão é condizente com a literatura, e abrange tanto o campo de atuação autónomo como o interdependente.
Nas atividades autónomas, foram reportados o comunicar com o doente e família, o ensino ao doente e família, o documentar os cuidados de enfermagem, o elaborar ou atualizar planos de cuidados, a alimentação, os cuidados de higiene oral, os cuidados de higiene corporal, os posicionamentos e o levante e deambulação como CEO.
No âmbito das atividades interdependentes, surgiram como CEO a monitorização de sinais vitais/glicémia capilar, a identificação e administração da terapêutica até 30 minutos após a sua prescrição e os cuidados de manutenção com dispositivos médicos.
A identificação da terapêutica prescrita em perfusão e os cuidados de manutenção com os dispositivos médicos, considerando o conhecimento detido pelos investigadores e a pesquisa bibliográfica realizada, foram referidos pela primeira vez como CEO.
Após ser mapeada a problemática dos CEO, obteve-se um conhecimento contextual, tornando-se, em si, relevante para que se investigue quais as razões subjacentes à omissão destes cuidados por forma a garantir que os padrões básicos de cuidados de enfermagem são cumpridos. Assim, será possível reduzir a incidência dos CEO, garantir a melhoria da qualidade dos cuidados prestados e melhorar a satisfação de todos os intervenientes no processo de cuidar.
O desenvolvimento de investigações de natureza qualitativa, em contextos exclusivamente oncológicos seria profícuo para melhor caracterizar esta problemática em ambientes outrora preteridos da análise internacional.