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Psicologia

versión impresa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.14 no.2 Lisboa jul. 2000

 

Diferenças desenvolvimentais entre estudantes que solicitam e não solicitam apoio psicológico/psiquiátrico

Developmental differences among students who seek and do not seek psychological/psychiatric support

 

Graça Figueiredo Dias*; Anne Marie Fontaine**

*Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade Nova de Lisboa

**Faculdade de Psicologia e Ciência» da Educação. Universidade do Porto.

 


RESUMO

A construção da autonomia, a capacidade para estabelecer relações amorosas, a consolidação da auto-estima são tarefas desenvolvimentais do fim da adolescência e início da idade adulta. Às dificuldades na resolução destas tarefas está frequentemente associado o humor depressivo. Este estudo analisa as diferenças entre jovens que solicitaram ou que não solicitaram apoio psicológico/psiquiátrico no último ano, no grau de resolução daquelas tarefas e no nível de humor depressivo. Para tal, duas escalas de avaliação da construção da autonomia, três escalas de avaliação da capacidade para estabelecer relações amorosas, todas construídas pelos autores, bem como a escala de auto-estima global de Rosenberg e a escala de depressão de Zung foram aplicadas a uma amostra de 525 estudantes de diversos estabelecimentos de Ensino Superior de Lisboa. Os resultados mostram a existência de diferenças significativas em todas aquelas variáveis. Sào analisadas as implicações para a intervenção psicológica com estudantes universitários.

Palavras-chave Aconselhamento; desenvolvimento; estudantes universitários.


ABSTRACT

The construction of autonomy, the capacity to establish love relationships, and self-esteem consolidation arc late adolescents' and young adults' developmental tasks. This study analyses differences between young people having and not having sought psychological/psychiatric support within the last year, with respect to their degree of resolution of those tasks, and to their depressive mood level. With this purpose, two scales evaluating autonomy construction and three scales evaluating the capacity to establish love relationships, developed by the authors, as well as Rosenberg's global self-esteem scale and Zung's depression scale were applied to a sample of 525 university students from different higher education establishments in Lisbon. The results show the existence of significant differences in all such variables. The implications for psychological intervention with university students are studied.


 

Introdução

No fim da adolescência e início da idade adulta o jovem defronta-se com uma série de tarefas psicológicas normativas, de entre as quais de destacam, no referencial psicodinàmico, a construção da autonomia, a capacidade para estabelecer relações heterossexuais estáveis numa relação de amor, a consolidação da auto-estima. Convergentemente, as preocupações que os estudantes trazem para o aconselhamento psicológico enquadram-se frequentemente naquelas problemáticas desenvolvimentais. Perguntávamo-nos até que ponto essas preocupações seriam comuns à generalidade da população universitária, de que modo estariam associadas entre si e ao mal-estar psicológico dos jovens. Esta foi a questão de partida de um estudo empírico mais vasto que se debruçou sobre o processo do desenvolvimento diferencial de diversas tarefas psicológicas, sobre a relação entre si destas tarefas, e sobre a sua associação com o humor depressivo.

Na perspectiva psicodinãmica, levar a cabo as tarefas psicológicas acima referidas pressupõe uma reorganização da personalidade que se processa ao longo da adolescência e que pode ser conceptualizada como um segundo processo de separação-individualização (Blos, 1979). Segundo processo, por referência a um primeiro processo de separação que ocorre na infância (Mahler, Pine & Bergman, 1975), desde uma fase de relação simbiótica do bebé com a mãe, até uma fase em que a criança adquire uma independência em relação à presença física da mãe, porque a internalizou. Separação, por corresponder a uma desidealização da imagem infantil dos pais, a uma maior independência e diferenciação de si em relação aos pais reais, a um abandono das fantasias e expectativas infantis sobre si próprio. Individualização, porque, simultaneamente à separação, se vai processando uma afirmação daquilo que aquele indivíduo separado é. À individualização corresponde assim a construção da autonomia.

A construção da autonomia compreende várias facetas entre as quais salientamos, no referencial psicodinâmico, as seguintes: a intemalização de um sistema pessoal abstracto de valores; a capacidade de assumir responsabilidades e tomar decisões sem depender demasiadamente da aprovação e expectativas exteriores; a capacidade de projectar realisticamente o futuro; a capacidade de maior aceitação realística dos pais como indivíduos também com defeitos e vulnerabilidades.

A capacidade para estabelecer relações heterossexuais estáveis, outra tarefa do fim da adolescência, surge na sequência do desenvolvimento psicossexual do jovem. Na conceptualização de Blos (1979) e autores afins (e.g. Cordeiro, 1988), ela pressupõe a resolução com sucesso do processo de separação-individualização, no decurso do qual o adolescente se toma capaz de uma percepção mais realista de si próprio e dos outros. Aquela capacidade requer ainda a integração da sexualidade na personalidade, ou seja, que o adolescente se aceite sem receio como indivíduo com desejo sexual e seja capaz de experienciar esse desejo numa relação de amor com o sexo oposto. Para experienciar a sexualidade numa relação de intimidade, o jovem tem que ultrapassar a ansiedade relativamente à intimidade com um membro do outro sexo (Sullivan, 1953), por receio de desaprovação, crítica ou rejeição por parte do outro. A capacidade para a interacção amorosa compreende pois, também, várias facetas: a integração da sexualidade na personalidade; a capacidade de não idealizar excessivamente o outro; a confiança em si próprio como atraente e digno de amor; o não recear tomar-se demasiado dependente e/ou perder a sua identidade numa relação de intimidade; o desenvolvimento da iniciativa.

A consolidação da auto-estima é outra tarefa do fim da adolescência. Ela pode ser perspectivada como consequência da resolução do segundo processo de separação-individualização, visto que, ao longo deste processo, a desidealização do self e dos objectos permite, não só a intemalização de instâncias avaliadoras e de ideais abstractos, mas ainda a construção de um conceito de si próprio mais realista. A consolidação da auto-estima pode também ser perspectivada como associada à experiência da consolidação do self que, segundo Kohut (1987), se processa na fase final da adolescência. A esta consolidação corresponde o adolescente pôr de lado a sua grandiosidade infantil, e ter ambições realistas que possam ser confirmadas pelo desenvolvimento dos seus talentos e aptidões. O desenvolvimento cognitivo desta fase facilita este processo, na medida em que o jovem se pode avaliar de uma forma mais diferenciada, complexa e integrada (Harter, 1983; Rosenberg, 1979).

As vicissitudes na resolução das tarefas normativas acima referidas podem ser acompanhadas de momentos depressivos (Cordeiro, 1988; Dias & Vicente, 1984; Kohut, 1987; Laufer, 1972, 1974; Laufer & Laufer, 1984; Marcelli, 1990; Marcelli & Braconnier, 1984). Além disso, a reorganização da personalidade que ocorre no fim da adolescência pode fazer emergir vulnerabilidades do desenvolvimento anterior (Blos, 1979; Kohut, 1987), que até aí tinham passado despercebidas porque o adolescente vivia num contexto mais securizante, tanto pela maior protecção parental como pelas menores exigências sociais. Contudo, a fase final da adolescência é também uma idade propícia para efectuar mudanças reparadoras, devido ao maior desenvolvimento cognitivo do indivíduo e às novas oportunidades sociais que se lhe oferecem (Blos, 1979; Bowlby, 1988; Erikson, 1968; Sullivan, 1953). Esta possibilidade é facilitada se a moratória psicossocial a que corresponde o fim da adolescência decorrer no contexto de uma moratória institucionalizada que permita ao jovem a experimentação de opções e a reflexão sobre si próprio, como é o caso dos jovens universitários.

Com o estudo que a seguir se relata sobre as diferenças entre estudantes que tenham ou não consultado um técnico de saúde mental, pretendeu-se averiguar se as dificuldades de carácter psicológico que levam um jovem a procurar ajuda se traduzem em dificuldades na resolução de certas tarefas desenvolvimentais próprias desta faixa etária. A investigação teórica e empírica sugere que, frequentemente, os jovens que recorrem à ajuda psicológica e psiquiátrica não estão doentes no sentido psiquiátrico do termo, mas debatem-se com as tarefas desenvolvimentais do jovem adulto, nomeadamente a construção da autonomia e o encontro do par amoroso. Por outro lado, para os jovens que estejam de facto doentes, é expectável que a patologia psiquiátrica afecte negativamente o bem-estar psicológico e a resolução das tarefas desenvolvimentais sobre as quais se debruça este estudo. Esperava-se, portanto, que os sujeitos que consultaram um psiquiatra ou um psicólogo nos últimos meses apresentassem, em média, valores menos elevados, não só de bem-estar psicológico, mas também de desenvolvimento da autonomia e da capacidade para a interacção amorosa, do que os que não consultaram.

Referimos anteriormente que a construção da autonomia c a capacidade para a interacção amorosa compreendem múltiplas facetas. Estas facetas são também patentes na diversidade de preocupações no âmbito daquelas tarefas que são mencionadas nas sessões de aconselhamento. Decidiu-se por isso construir dois instrumentos que abrangessem diferentes aspectos tanto da construção da autonomia como da capacidade para a interacção amorosa, consubstanciados quer na literatura quer na experiência clínica, adequados a jovens universitários portugueses.

Metodologia

Instrumentos

Neste estudo, considera-se construção da autonomia o desenvolvimento da capacidade de o indivíduo se sentir uma pessoa individualizada, capaz de conduzir e perspectivar a sua vida, com sentido de responsabilidade e segundo os seus próprios valores, sem demasiada dependência da aprovação e das expectativas dos outros. A capacidade para a interacção amorosa refere-se à confiança no estabelecer de uma relação heterossexual de amor sem receio da sexualidade ou da intimidade com o outro. O bem-estar psicológico é definido pelo nível da auto-estima global e do humor depressivo. A auto-estima global é assim encarada, quer como indicador da tarefa desenvolvimental consolidação da auto-estima, quer como um indicador mais geral de bem-estar psicológico. A auto-estima global refere-se ao sentimento de o indivíduo se considerar globalmente como uma pessoa de valor e estar satisfeito consigo próprio. O humor depressivo refere-se à ocorrência dos sintomas mais característicos das perturbações depressivas, isto é, perturbações afectivas comuns (por exemplo, a tristeza), desordens fisiológicas (por exemplo, alterações do sono), perturbações psicomotoras (por exemplo, agitação), distúrbios psicológicos (por exemplo, dificuldade em tomar decisões).

Para avaliar a auto-estima foi utilizada a Escala de Auto-Estima Global de Ro-senberg. Esta escala aprecia a experiência fenomenológica de valor que a pessoa atribui globalmente a si mesma (e.g. "globalmente estou satisfeito comigo próprio"; "por vezes penso que nada valho"). Este instrumento (com apenas 10 itens) com comprovada validade de construto (Rosenberg, 1965,1979,1985) e consistência interna, apresentou neste estudo um alfa de Cronbach de 0,87.

Para avaliar o humor depressivo seleccionou-se a Escala da Depressão de Zung. Este instrumento, com 20 itens (e.g. "sinto-me embaixo, triste e abatido"; "continuo a gostar de cumprir as tarefas habituais"), é considerado adequado para a avaliação daquela variável e tem a vantagem de ser breve e de formato simples (Diegas & Cardoso, 1986).

Para a avaliação da autonomia e da capacidade para a interacção amorosa desenvolvam-se dois instrumentos, o Questionário de Autonomia (QA; Dias & Fontaine, no prelo) e o Questionário de Interacção Amorosa (QIA; Dias & Fontaine, 1997), para o que se partiu de um leque alargado de construtos, correspondentes a preocupações veiculadas pelos estudantes em aconselhamento psicológico nos domínios da autonomia e das relações amorosas, e consubstanciados como importantes pela literatura. Neste estudo utilizou-se, para avaliar a autonomia, as escalas do QA Autonomia Relacional (e.g. "não tomo uma decisão importante sem ter a aprovação dos outros"; "sou muito influenciável nas minhas opiniões") e Capacidade de Projecção no Futuro (e.g. "geralmente aquilo que quero ser parece-me inantingível"; "sinto-me confuso(a) quando penso no meu futuro"). A constatação da importância destas dimensões subjacentes à construção da autonomia está em consonância com várias teorias do desenvolvimento adolescente, não só psicodinâmicas como as de Blos, Erikson, Kohut, mas também cognitivas como a de Piaget, e ainda com trabalhos de índole mais empírica. As escalas de Autonomia Relacional e de Capacidade de Projecção no Futuro evidenciaram neste estudo consistências internas, avaliadas pelo coeficiente alfa de Cronbach, respectivamente de 0,81 e de 0,79.

Para avaliar a interacção amorosa, utilizaram-se as seguintes escalas do QIA: Auto-Estima da Imagem Sexuada (e.g. “por vezes acho que nenhum homem (mulher) se vai interessar por mim"; “sinto-me tão atraente quanto a maioria das/os minhas/meus colegas"); a Segurança e Independência no Relacionamento Amoroso (e.g. "num envolvimento amoroso não me tomo demasiado dependente"; “sinto-me imediatamente ameaçada/o quando outra/o mulher/homem se interessa pelo/a homem/mulher com quem namoro/ando"); a Capacidade de Iniciativa (e.g. “quando gosto de um/a homem/mulher tento conquistá-lo/a"; "prefiro afastar-me quando outras/os mulheres/homens se interessam pelo/a homem/mulher de quem gosto"). As consistências internas destas escalas, avaliadas pelo coeficiente alfa de Cronbach, variaram neste estudo entre 0,82 e 0,88. A relevância destas escalas está de acordo com várias teorias do desenvolvimento adolescente, especialmente as de Blos, Erikson, Sullivan, Bowlby, bem como com a generalidade da investigação empírica sobre o amor, realizada quer no referencial de Erikson quer no referencial de Bowlby.

Note-se que ambos os instrumentos, QA e QIA, revelaram boa validade de construto em estudos preliminares (Dias & Fontaine, 1997, no prelo). Por exemplo, os jovens com bons resultados escolares têm significativamente valores mais elevados na escala de projecção no futuro do que aqueles que têm maus resultados escolares; os homens têm uma autonomia relacional e uma capacidade de iniciativa significativamente superiores às das mulheres; os jovens que já namoraram têm valores significativamente superiores de autonomia relacional, auto-estima da imagem sexuada e da capacidade de iniciativa do que os jovens que nunca namoraram.

Amostra e procedimento

Os instrumentos e um questionário com informações gerais foram passados colectivamente em sala de aula. Numa das questões que constavam das Informações Gerais perguntava-se aos estudantes se no último ano tinham consultado um médico, psicólogo ou outro técnico de saúde e pedia-se que indicassem a especialidade. Antes da passagem dos instrumentos reiterava-se aos estudantes a total confidencialidade e o anonimato das respostas e explicava-se tratar-se de uma investigação sobre algumas características de personalidade do jovem adulto, não havendo respostas certas ou erradas, pois todas elas traduziam a maneira de ser dos jovens. Pedia-se que fossem sinceros e honestos nas suas respostas para que a informação recolhida fosse fidedigna. Insistia-se no carácter de voluntariado da colaboração, pelo que qualquer estudante podia abandonar a sala antes ou durante a passagem dos instrumentos, sendo os seus questionários anulados. Pretendia-se com todo este procedimento, e também pelo facto de não se explicitarem objectivos específicos da investigação (e.g. o estudo da autonomia e da interacção amorosa), minimizar os processos defensivos dos jovens.

Os instrumentos foram passados nas seguintes escolas superiores de Lisboa: Faculdade de Ciências e Tecnologia (cursos de Eng.a Geológica, Química Aplicada, Eng.a Informática, Eng.a do Ambiente, Eng.a de Produção Industrial); Faculdade de Letras (curso de Línguas e Literaturas Modernas); Faculdade de Medicina; Faculdade de Ciências (várias licenciaturas do Ramo Educacional e Biologia — ramo científico); Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (cursos de Máquinas, Electrónica e Telecomunicações, Construção Civil, Sistemas de Potência); Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (cursos de Sociologia e Gestão); e Escola Superior de Enfermagem de S. Vicente de Paula.

A amostra compreendeu 525 estudantes de idade média 22,13 anos (DP=2,97), 254 do sexo masculino (pertencendo 132 a um nível socioeconómico baixo ou médio-inferior, e 122 a um nível médio, médio-superior ou alto), e 271 do sexo feminino (156 do nível socioeconómico baixo ou médio-inferior, e 115 do nível médio, médio-superior ou alto). O nível socioeconómico foi avaliado a partir do nível de estudos e profissional dos progenitores.

Resultados

Considerando as correlações existentes entre as duas escalas da autonomia, bem como entre as três escalas da interacção amorosa, foram sempre previamente realizadas análises de variância multivariada, que permitiram assegurar a existência de diferenças significativas entre grupos, quando se consideraram em conjunto, respectivamente, as duas variáveis de autonomia e as três variáveis de interacção amorosa, controlando a sobreposição do poder explicativo das diferentes escalas. De facto, as análises multivariadas da variância assinalaram um efeito significativo do factor consulta de um psicólogo/psiquiatra, quer para as variáveis de autonomia (F=6,3, p<0,001), quer para as variáveis de interacção amorosa (F=5,34, p<0,001).

As diferenças existentes entre estudantes que consultaram ou não um psiquiatra ou psicólogo nos últimos 12 meses foram depois determinadas através da análise de variância unifactorial, para cada uma daquelas variáveis, bem como para as variáveis auto-estima e depressão. Os resultados, médias e desvios-padrão são apresentadas no quadro 1.

A análise deste quadro permite concluir que os estudantes que afirmam ter consultado um técnico de saúde mental nos últimos doze meses diferenciam-se significativamente dos outros estudantes por: (i) terem menor autonomia relacional e menor capacidade de projecção no futuro; (ii) terem uma auto-estima da imagem sexuada mais baixa, menor segurança e menor iniciativa; e (iii) terem uma auto-estima global menor e estarem mais deprimidos.

As correlações entre as escalas de autonomia e de interacção amorosa e as escalas de bem-estar psicológico são indicadas no quadro 2.

Verifica-se assim que todas as variáveis desenvolvimentais utilizadas estão associadas de uma forma moderada e positiva com o bem-estar psicológico.

Conclusão

As diferenças encontradas entre estudantes que consultaram ou não um técnico de saúde mental nos últimos 12 meses, no que diz respeito aos valores da auto-estima global e da depressão, estão de acordo com a nossa hipótese de que o primei ro grupo de estudantes seria o que revelaria menor bem-estar psicológico. Quanto às diferenças encontradas na autonomia e na capacidade para a interacção amorosa, elas podem ser interpretadas pelo menos de duas maneiras, visto o sentido das influências não ser unívoco. Por um lado, o jovem que sinta mal-estar psicológico, em particular que esteja deprimido, ou que tenha problemas suficientemente importantes para consultar um psicólogo/psiquiatra, pode não conseguir desenvolver adequadamente a sua autonomia e a sua capacidade para estabelecer relações amorosas. Por outro lado, o jovem que não consegue lidar convenientemente com estas tarefas do desenvolvimento, as quais correspondem a necessidades pessoais e a expectativas sociais, pode deprimir-se, sentir mal-estar psicológico e necessidade de ser ajudado. A nossa experiência clínica sugere, de facto, que grande parte das queixas e do mal-estar psicológico dos jovens que recorrem à consulta psicológica se podem inscrever num registo de "dificuldades de desenvolvimento", nomeadamente associadas à construção da autonomia e à capacidade de estabelecer relações amorosas estáveis, e podem ser resolvidas nesse contexto.

Os resultados obtidos neste estudo sobre a associação entre as variáveis desenvolvimentais e o bem-estar psicológico vêm também realçar a importância, para aquele bem-estar, das problemáticas associadas à construção da autonomia e à capacidade para estabelecer relações amorosas. Este facto tem implicações para a prática clínica, em especial para o aconselhamento psicológico de estudantes universitários. Certos jovens podem ter mais dificuldade em lidar com aquelas problemáticas no presente, devido a uma história passada com mais vicissitudes negativas ou devido a uma personalidade mais vulnerável. Contudo, são as oportunidades propiciadas pelos anos passados na universidade que facilitarão também aos jovens, em princípio, a ocorrência de mudanças reparadoras de vulnerabilidades do seu desenvolvimento anterior. De facto, a entrada para a universidade pode fazer emergir processos do desenvolvimento deficitários, que até aí tinham passado despercebidos pela menor exigência de autonomia e de trabalho, e pelo ambiente mais securizante, menos impessoal, em que vivia o adolescente. Estes processos deficitários têm então uma oportunidade ideal de ser resolvidos, na medida em que o jovem está já, naturalmente, numa fase de reorganização do self, que a universidade propicia uma moratória institucionalizada que lhe permite oportunidade de reflexão e experimentação de opções, e que todo este processo é facilitado pelo desenvolvimento cognitivo do jovem.

Considera-se que perspectivar o aconselhamento no "aqui e agora", com referência às dificuldades no passado pela sua repercussão no presente, nomeadamente nas dificuldades desenvolvimentais da adultícia, parece uma abordagem adequada num serviço institucionalizado, cujo apoio só pode portanto ter uma duração limitada. E está-se convicto de que essa abordagem permite alcançar resultados positivos junto de uma faixa etária em que a personalidade não está ainda consolidada e as escolhas de vida estão em aberto (Dias, 1994/95).

 

Referências

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