Vivemos o tempo presente como um tempo de transição. No campo da educação, instituições e comportamentos rotinizados são postos em causa, sendo evidentes as tensões entre os princípios e valores fundadores do projeto educativo moderno e os juízos avaliativos sobre a sua concretização e as suas consequências. As críticas ao atual momento da educação visam as suas múltiplas facetas - políticas, organizacionais e práticas -, sendo as críticas conduzidas a partir de pontos de vista tão diversos que as soluções propostas nos orientam para futuros muito distintos. O debate sobre o destino do modelo escolar é um excelente revelador dessa enorme incerteza: propõem-se múltiplas vias para a “reescolarização” ou a “desescolarização” da sociedade e confrontam-se visões sobre a educação, entendendo-a ora como uma trajetória personalizada de aprendizagem, ora como um caminho de partilha de aprendizagens e narrativas comuns.
Importa, assim, pensar sobre a encruzilhada a que chegou a educação contemporânea, os seus objetivos, os seus processos, os seus efeitos e beneficiários; uma encruzilhada onde se encontram todas as insatisfações e, também, todas as divergências quanto ao diagnóstico do presente e à perspetivação do futuro. Ora, nas sociedades democráticas, a comunicação e o debate informado são respostas necessárias para viver os tempos de transição e as suas incertezas; e o mundo académico tem a responsabilidade de participar na dinamização dessas formas de ação pública. É tendo como referência este cenário desafiante que organizámos o presente número da revista Sisyphus dedicado ao tema “Pensar a educação em tempos de transição”.
O conjunto de 10 artigos incluídos no dossier que toma como central o referido tema pode ser dividido em quatro grandes eixos temáticos, o primeiro de entre eles dedicado às práticas de inclusão em contextos formais e não formais de educação, o que pressupõe a consideração da inclusão como um dos mais decisivos desafios com que se confrontam os sistemas educativos atuais.
O artigo de Martins, Oliveira e Marchão debruça-se sobre a inclusão escolar e social de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Começando por definir os conceitos centrais do estudo - inclusão e vulnerabilidade - as autoras constatam, a partir da análise da literatura e de relatórios nacionais e internacionais, que existe uma relação estreita entre a condição de vulnerabilidade e situações de insucesso, estigma ou exclusão escolar e social. Na parte final do artigo as autoras refletem sobre quais os aspetos da organização escolar e das práticas pedagógicas dos professores que poderão ser facilitadores da inclusão das referidas crianças e jovens, acabando por subscrever três das propostas presentes na literatura: a aprendizagem cooperativa e as tutorias entre pares; o co-teaching ou team-teaching; e a diferenciação pedagógica.
O artigo de Almeida apresenta como propósito conhecer o acompanhamento de proximidade realizado pelos Técnicos de Intervenção Local (TIL) no âmbito de uma medida educativa de promoção da inclusão e da equidade no contexto escolar, o Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF). A autora pretende compreender em que medida a intervenção desses técnicos facilita a ligação entre a escola, a família e os parceiros sociais criando condições para a inclusão escolar e social dos jovens “em fim de linha” na escola. A partir de um conjunto de entrevistas realizadas a TIL de turmas PIEF, a autora procura conhecer as perceções por eles construídas em relação ao programa e aos seus próprios atos e práticas profissionais. O modelo de intervenção desenvolvido, que a autora considera de enorme importância, assenta numa perspetiva ecológica e inter/multicultural, para além de interdisciplinar, e dirige-se a uma grande diversidade de crianças e jovens.
O artigo de Castanheira, Jardim e Oliveira é dedicado ao estudo do suporte social como fator de inclusão dos estudantes em mobilidade Erasmus, um tema escassamente investigado. Em particular, os autores procuraram saber se as dificuldades sentidas pelos estudantes em mobilidade estão associadas à falta de suporte social e quais as dimensões desse suporte que mais interferem com o processo de adaptação ao novo contexto. Para tal, realizaram uma investigação empírica quantitativa e de caráter exploratório com uma amostra de 413 estudantes de instituições portuguesas do ensino superior com recurso a dois instrumentos: uma Escala de Satisfação com o Suporte Social e um questionário socio académico. No final, os autores consideram ter encontrado uma relação entre as dificuldades percecionadas pelos estudantes e o maior ou menor suporte social com que se confrontaram com implicações na escolha do local e da língua que lhe está associada.
O artigo de Neto abre o segundo eixo temático deste dossier - melhorar a aprendizagem em sociedades tecnologicamente avançadas - e é dedicado a um tema de grande originalidade ao colocar em diálogo a dança, a coreografia e a educação pela arte. O autor propõe-se como objetivo pensar a criação coreográfica contemporânea tal como se expressa no terreno educativo, o que implica colocar o olhar investigativo num ponto de interseção entre as práticas artísticas e as práticas educativas, entre o professor-coreógrafo e o estudante-intérprete.
O artigo de Rauch e Dulle tem como propósito analisar a trajetória de um conjunto amplo das chamadas ECOLOG-schools, com base num questionário (survey) enviado para os seus dirigentes. As ECOLOG schools constituem uma rede de escolas austríacas que têm por base um programa assente no desenvolvimento sustentável. Esse conjunto de escolas procurou integrar uma abordagem ecológica na sua vida quotidiana. O estudo intentou sistematizar um conjunto de medidas para apoiar essa rede de escolas. Na ótica dos autores, os resultados mostram que os princípios do programa ECOLOG foram implementados por meio de ações ambientalmente conscientes, tendo os alunos interiorizado novas formas de pensar e de trabalhar; há, no entanto, espaço, segundo referem, para a introdução de algumas melhorias, designadamente no que diz respeito à colaboração com entidades parceiras.
O artigo de Neves, Boaventura e Galvão parte do conceito de ciência cidadã, entendida como uma prática científica com grande potencial para o estudo e a preservação da biodiversidade num contexto marcado pelas alterações climáticas. O objetivo foi compreender as perceções de professores do 1º ciclo sobre as potencialidades e os constrangimentos associados à sua participação, e dos seus alunos, num projeto neste âmbito com uma abordagem investigativa. Foi usada uma metodologia mista e participaram 7 professores do 4º ano. Segundo os autores, a investigação confirmou a importância da inclusão da ciência cidadã em contexto escolar pelas competências que são desenvolvidas tanto pelos professores como pelos alunos.
O artigo de Lindblad e Pettersson integra o terceiro eixo temático em que assentou a organização deste número da revista - regulação da educação, autonomia e accountability. Na tentativa de apreenderem formas de interação entre ciência e sociedade, os autores procuraram analisar o fator relevância nas conclusões de publicações científicas. O campo selecionado foi o referente aos ILSA - avaliações internacionais em grande escala (como o PISA). As bases de dados Scopus e Web of Science foram usadas para a seleção de um vasto conjunto de artigos avaliados por pares e que incluíam comparações empíricas entre dois ou mais países. As suas conclusões vão no sentido de que foi estudado principalmente o desempenho dos alunos, tendo sido prestada pouca atenção ao impacto das avaliações nas mudanças educacionais; as conclusões mais relevantes desses artigos tinham como destinatários os decisores políticos, o que permite constatar o forte compromisso social das pesquisas no campo das avaliações internacionais em larga escala.
O quarto e último eixo temático - modelos de formação e desenvolvimento profissional na educação - incorpora o contributo de três artigos. O primeiro de entre eles, da autoria de Tomkelski e Baptista, tem por objetivo analisar os conhecimentos didáticos dos professores de Física sobre o uso das Múltiplas Representações no ensino da Lei de Ohm, tendo por referência o conceito de Pedagogical Content Knowledge. Recorreu-se, para esse efeito, a um estudo de aula envolvendo 4 professores de escolas públicas brasileiras do chamado Ensino Médio. As conclusões vão no sentido de que a ênfase nas Múltiplas Representações favorece, em várias dimensões, o ensino do tópico, tendo os professores encorajado os alunos a integrarem as Múltiplas Representações no processo de aprendizagem.
O artigo de Maknamara insere-se no campo das pesquisas (auto)biográficas e respetivo contributo para a formação de professores. O autor, inspirando-se em Foucault, propõe-se compreender os processos de subjetivação desenvolvidos ao longo de uma pesquisa (auto)biográfica com professores de ciências. Para tal, analisou narrativas (auto)biográficas inseridas em 3 teses de doutoramento, constatando que o professor de ciências que emerge dessas narrativas é um sujeito que ocupa múltiplas posições, entre elas as de aprendente, consciente, esperançoso, resiliente, mediador, messiânico e investigador inovador, o que, segundo o autor, revela novas articulações entre a investigação (auto)biográfica e o ensino, em particular tendo como foco a inovação pedagógica.
O último artigo, da autoria de Firmino, Longo, Simões, Valentim e Marques, toma como objeto de estudo os estudantes de enfermagem. O objetivo dos autores é analisar as perceções desses estudantes em relação ao contributo da formação pedagógica para a aprendizagem na prevenção da sintomatologia musculosquelética. Tratou-se de um estudo qualitativo, interpretativo e exploratório que recorreu a um grupo focal constituído por 6 estudantes de enfermagem. A análise de conteúdo efetuada permitiu constatar que a formação pedagógica foi considerada pelos estudantes como crucial no que se refere ao seu investimento pessoal e académico.