Introdução
A sociedade global é palco de entrelaçamentos culturais, religiosos, económicos e políticos onde a mobilidade, seja ela física ou virtual, é o fator mais potenciador de uma convivência multicultural. Neste sentido, a União Europeia (UE), ciente da necessidade de uma convivência sã entre os vários povos e culturas, tem dedicado uma particular atenção à formação académica dos seus jovens, pautada por um crescente investimento na promoção da cidadania, das liberdades fundamentais, da tolerância e da não discriminação (European Commission, 2021a). Do seu vasto número de programas, damos aqui particular destaque ao programa de mobilidade estudantil ERASMUS.
Experiências em ERASMUS
O programa ERASMUS foi criado pela União Europeia como o aglutinador de outros programas de intercâmbio avulsos existentes na Europa no final do século XX de que o Join Study Programmes é exemplo incontornável (Calvo, 2017). Para ultrapassar questões como a equivalência de graus académicos e curriculares em 1999, fruto do Tratado de Bolonha, foram introduzidos os ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System), mecanismo capaz de uniformizar e garantir o reconhecimento académico no espaço europeu (Maiworm, 2001; Teichler, 2003).
Ao longo dos seus 35 anos de existência, o programa ERASMUS tem-se pautado por ações em vários eixos como o ensino escolar, o ensino e formação profissional, superior, educação de adultos e desporto onde a inclusão e integração fazem parte dos seus objetivos específicos como forma de preparação de cidadãos europeus e globais (European Commission, 2021b). Os países aderentes ao ERASMUS já não se confinam somente à Europa. Hoje a Comunidade Europeia tem acordos com variados países aproximando-se de um programa global que dá especial atenção à diversidade, à inclusão e à preparação dos seus cidadãos para uma sociedade tecnológica e digital. Algo já contemplado no Tratado de Bolonha onde é salientado que a educação em contexto de Ensino Superior Europeu contemple as novas tecnologias de educação no processo de ensino e aprendizagem (Pereira et al., 2017). O sucesso do ERASMUS está associado a uma forte adesão dos estudantes que encontram neste programa diversas variáveis motivadoras, como o turismo académico, a qualidade da oferta formativa, a empregabilidade, mas também uma experiência única no seu processo de desenvolvimento.
Para além da estrutura formativa, funcionamento e das formalidades processuais em ERASMUS, importa, no entanto, realçar as experiências vivenciadas, as relações interpessoais que permitem, para além do desenvolvimento das soft skills, o reforço das amizades e a importância do suporte social, tão importantes para a saúde e bem-estar em situação de mobilidade (Pawlak et al., 2020). Tal adaptação depende quer das exigências ou fatores académicos, quer dos fatores não académicos ou de variáveis psicossociais.
Transição e adaptação do estudante
A adaptação e transição do estudante, que sai do seu país para estudar numa universidade estrangeira (estudantes outgoing), tem aspetos comuns ao processo de transição do ensino secundário para o ensino universitário que, na maior parte dos casos, envolve mudança de casa e autonomia, experimentando o jovem novas vivências e desafios. Estes processos de mudança estão estudados por Tinto (1987) e Pascarella (1985) como Desafios Psicossociais da transição e adaptação que alertam para o processo de adaptação nas dimensões estudadas, por esses autores, que dão particular relevo às dimensões sociais, desenvolvimentais e contextuais.
Outros investigadores (Arnett, 2007; Astin, 1984; Chickering & Reisser, 1993) salientam a importância deste processo de passagem à vida adulta denominando-a como adultez emergente ou in between, pela sua situação de transição onde o Suporte Social é um fator facilitador de bem-estar (Monteiro et al., 2012). O estudante, enquanto jovem adulto emergente, passa por sucessivas “transformações” conducentes à sua própria identidade, tornando-se mais autónomo da esfera familiar e com crescente interesse da comunidade científica.
De entre as teorias explicativas do desenvolvimento psicossocial do jovem estudante sobressaem as de Chickering e Reisser (1993) que dedicam atenção a esta fase de prolongamento de ensino que se baseia em fatores e vetores sendo que, cada um deles, influencia negativa ou positivamente o vetor seguinte. Os vetores de desenvolvimento do jovem adulto apontados pelos autores são: (i) tornar-se independente, (ii) dominar as emoções, (iii) desenvolver a autonomia, (iv) estabelecer a identidade, (v) promover as relações interpessoais, (vi) desenvolver valores e ideias e (vii) promover a sua integridade pessoal e social. Com base neste processo construtivista do desenvolvimento do jovem estudante, também Pereira e colaboradores (2012) salientam a importância dos fatores pessoais e interpessoais sociais e culturais no processo complexo e multidimensional do desenvolvimento do jovem adulto.
Embora o programa ERASMUS tenha vertentes para todas as idades, é na faixa dos 18 - 25 anos que recai a maior adesão à mobilidade estudantil. Esta forte adesão dos estudantes do Ensino Superior ao programa ERASMUS faz com que alguns vetores anteriormente enumerados sejam potenciados face a uma estadia longe da esfera familiar onde o desenvolvimento da autonomia, o controlo das emoções e as relações interpessoais são exacerbadas.
Suporte social
Da rede de apoio a que um indivíduo pode recorrer em momentos de necessidade e/ou dificuldade, emerge o conceito de Suporte Social, que permite uma melhor convivência e superação de adversidades. Sarason et al. (1983) definem Suporte Social como a existência ou disponibilidade de pessoas em que se pode confiar e se preocupam connosco.
No que concerne ao Suporte Social, a literatura (Pereira et al., 2012), aponta-nos para a importância do apoio de pares (peer counselling), pois, neste contexto estudantil, o estudante procura mais facilmente os seus colegas para partilhar os seus problemas de (in)sucesso escolar e afetivos do que as estruturas de apoio formal e especializado. O Suporte Social poderá ser entendido como âncora de apoio ao equilíbrio emocional, contribuindo assim para o bem-estar pessoal e social do aluno. O Suporte Social tem sido considerado como um buffer effect (amortecedor) para combater o stress e a solidão (Ferraz & Pereira, 2002; Pereira & Williams, 2001).
Embora exista literatura que se debruce sobre o Suporte Social na vida académica, nomeadamente na transição e adaptação ao Ensino Superior (Jardim, 2007, 2010; Pereira et al., 2021; Soares, Pereira, & Canavarro, 2010; Soares, Pinheiro, & Canavarro, 2016; Valente & Lourenço, 2020), encontramos uma lacuna no que concerne a estudos que se debrucem sobre o Suporte Social dos alunos em contexto de mobilidade ERASMUS. Assim, o presente trabalho pretende contribuir para um melhor conhecimento sobre a adaptação e o bem-estar dos estudantes universitários em ERASMUS. Salientam-se os motivos relevantes para a escolha do destino e as dificuldades percecionadas em ERASMUS. A relação entre o Suporte Social com as amizades em situação de ERASMUS, bem como a relação entre o Suporte Social e o rendimento académico são também enfatizados neste estudo.
Método
Amostra
Este estudo contou com 1398 respostas de alunos de estabelecimentos de ensino superior portugueses, das quais tivemos de descartar 985 por não estarem completas, ficando assim a amostra com 413 respostas válidas. A idade média é de 24,3 anos (DP= 8,69), numa faixa etária compreendida entre os 18 e os 64 anos de idade. Para a caracterização da amostra recorreu-se ao questionário socioacadémico com variáveis como o género, idade, curso que frequenta e nacionalidade. Compreendem 295 (71,4%) estudantes do género feminino e 118 (28,6%) do masculino. São maioritariamente de nacionalidade portuguesa (92,3%) e frequentam o ensino público 392 (94,9%). Em termos de ensino, 17 (4,1%) frequentam um curso profissional (cursos ministrados maioritariamente por Institutos Politécnicos), 263 (63,7%) um curso de licenciatura, 105 (25,4%) um mestrado, 25 (6,1%) um curso de doutoramento e 3 (0,7%) um curso de pós-doutoramento. Relativamente à situação laboral 26,4% (109) são trabalhadores-estudantes. Relativamente à situação no programa de mobilidade ERASMUS, 11 (2,7%), estão em mobilidade, 66 (16%) já estiveram, 170 (41,2%) pretendem fazê-lo num futuro ano letivo e 166 (40,2%) não pretendem ou não podem fazer ERASMUS. Usando um intervalo de confiança de 95% e uma margem de erro de 5% encontramos uma amostra mínima de 385 para que esta se possa considerar representativa da população estudantil matriculada no ano 2021 no Ensino Superior que, segundo a PORDATA era de 411.995 alunos, demonstrando assim que o número de respostas válidas está em conformidade com a definição de Joseph Hair et al. (2014), para análises de fatores. Todos estes dados fazem parte de um projeto mais abrangente onde são descritas com maior pormenor todas as etapas da metodologia (Castanheira, 2022).
Instrumentos
Para além do questionário socioacadémico que caracteriza a população do nosso estudo, utilizámos o instrumento validado por Pais Ribeiro (1999), denominado Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS). Este instrumento avalia a saúde, bem-estar e qualidade de vida (Pais-Ribeiro, 1999) e é composto por quatro dimensões: “satisfação com as amizades”, “intimidade”, “satisfação com a família” e “atividades sociais” com um total de 15 itens. A solução fatorial inclui 4 fatores que explicam 63,1% da variância total com uma consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,85. O primeiro fator intitulado “satisfação com amigos” (35% da variância total) tem uma consistência interna de 0,83 e é composto por 5 itens; o segundo, com 4 itens, denominado “intimidade”, tem uma consistência interna de 0,74 e explica 12,1% da variância total. O terceiro fator apelidado “satisfação com a família” é composto por 3 itens e tem uma consistência interna de 0,74 e explica 8,7% da variância total. Por último, o quarto fator explica 7,3% da variância total e tem uma consistência interna de 0,74 foi denominado de “atividades sociais”. É uma escala do tipo Likert com cinco opções de resposta “Concordo totalmente”, “Concordo na maior parte”, “Nem concordo nem discordo”, “Discordo a maior parte” e “Discordo totalmente”.
O questionário socioacadémico, por nós construído, identifica as características sociodemográficas e académicas, bem como as suas perceções, vivências, desejos e experiências, sobre aspetos do programa ERASMUS. É um instrumento constituído por questões estruturadas, dicotómicas e mutuamente exclusivas, onde estão presentes, entre outras, a idade, o género, o estado civil e a nacionalidade. A vertente académica deste questionário é dividida em dois grandes grupos. O primeiro caracteriza o estudante, identificando o curso que frequenta, a sua situação face ao programa ERASMUS e também é constituído por questões dicotómicas e mutuamente exclusivas. O segundo aborda questões associadas à autoperceção do rendimento escolar, razões de escolha do destino de ERASMUS e dificuldades que são necessárias superar para uma integração no campus, escola e país de acolhimento. São constituídos por um conjunto de questões suportadas por uma escala do tipo Likert de cinco opções de respostas que variam de “Concordo completamente” a “Discordo completamente”. De forma a garantir a validade de conteúdos, os itens foram avaliados e corrigidos por um conjunto de três peritos nas áreas da Educação, Psicologia, Empreendedorismo e Gestão, havendo entre eles uma concordância superior a 95%.
Procedimentos
Foram contactadas todas as Instituições de Ensino Superior portuguesas constantes na base de dados da Direção Geral do Ensino Superior (184 Politécnicos e 134 Universidades), no sentido de disseminarem pela sua comunidade discente a bateria de questionários por nós enviada. Esta foi alojada, de uma forma digital, nos servidores da Universidade Aberta e foram suportados pelo software LimeSurvey (Versão 2.06). Os alunos foram convidados a responder de uma forma voluntária e livre. Foi garantido o anonimato e cumprida legislação vigente que regula a proteção de dados pessoais, como o recomendado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2012) e o RGPD (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, 2016). Foi também autorizado o uso da escala ESSS por parte do autor da versão portuguesa (Pais-Ribeiro, 1999), bem como obtivemos parecer favorável da Universidade Aberta no que concerne aos procedimentos éticos inerentes a este tipo de investigação científica. A opção de pesquisa através de questionários online prendeu-se com coincidência (primeiro trimestre de 2021) com a pandemia gerada pela doença COVID-19, onde as universidades e politécnicos adotaram, no sistema de docência, investigação e administração, planos de contingência orientados pela Direção Geral da Saúde. Estes planos de contingência determinaram a suspensão de toda a atividade letiva presencial, substituindo-a por meios digitais promotores de ensino a distância o que nos orientou, de uma metodologia inicialmente prevista de entrevistas presenciais, para uma pesquisa suportada em meios telemáticos.
Resultados
Escolha do destino ERASMUS
As razões apontadas pelos estudantes que aderiram ao nosso estudo, no que concerne à razão da escolha do destino ERASMUS, por ordem decrescente de importância, foram as seguintes: “Turismo” (5,90%); “Conselho de colegas” (5,81%); “Clima” (5,80%); “Vida afetiva” (5,78%); “Língua” (5,52%); “Conselho dos pais” (5,41%); “Status social” (5,37%); “Segurança face à pandemia COVID-19” (5,34%); “Custo de vida” (5,21%); “Qualidade educativa” (5,10%); “Empregabilidade” (4,86%); “Novos amigos” (4,66%); “Conselho de professores” (4,64%); “Contraste cultural” (4,50%); “Cidade de acolhimento” (4,49%); “Currículo” (4,44%); “Proximidade geográfica” (4,41%); “Vida social” (4,34%); “Facilidade de obtenção de ECTS” (4,28%) e “Estabelecimento de ensino” (4,15%).
País de destino e duração do ERASMUS
Analisando a frequência do item escolha do “País de destino”, onde também foram incluídos os países parceiros da União Europeia no que concerne ao programa de mobilidade ERASMUS, encontrámos: Itália com 16,95% (N=70), Espanha com 16,46% (N=68), Reino Unido com 15,25% (N=63), Alemanha com 6% (N=25), Polónia com 5,57% (N=23), França com 5,23% (N=22), Países Baixos com 5,08% (N=21), Noruega com 2,66% (N=11). Todos os outros países apresentam uma percentagem de escolha inferior a 2%.
Relativamente à duração do período letivo em mobilidade, 96 (23,24%) indicaram a sua preferência por um trimestre, 249 (60,29%) por um semestre e 68 (16,46%) por um ano letivo.
Relação entre a escolha ERASMUS e o suporte social
Correlacionámos todas as variáveis obtidas, utilizando Coeficiente de Correlação de Pearson que averigua se duas (ou mais) variáveis intervalares estão associadas. Das correlações encontradas destacamos que o Suporte Social Total se relaciona com o “estabelecimento de ensino” e o “conselho dos colegas” (Tabela 1).
Aprofundámos a relação das várias dimensões do Suporte Social com as razões que influenciam a escolha do local de ERASMUS (Tabela 1). Relativamente à “satisfação com amizades” encontrámos corelações com a “Qualidade de oferta educativa”, “Segurança face à pandemia COVID-19” e conselho de colegas, professores e pais. No que concerne à “Intimidade” observamos correlação positiva com o “Curriculum”, “Estabelecimento de ensino”, a “Língua”, o “Conselho dos colegas” e o “Conselho de professores”. Não encontrámos qualquer relação com a dimensão “Satisfação familiar”. A “Atividade social” relaciona-se negativamente com razões “Turísticas”, “Novos amigos”, “Empregabilidade” e “Vida social”.
Dimensões | Suporte Social Total | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Razões de escolha | Satisfação com amizades | Intimidade | Satisfação familiar | Atividade social | ||||
Turísticas | 0, 082 | 0,031 | 0,013 | -0,178** | 0,002 | |||
Conselho colegas | 0,163** | 0,127** | 0,053 | -0,024 | 0,103* | |||
Clima | 0,044 | 0,078 | -0,022 | -0,014 | 0,027 | |||
Vida afetiva | 0,063 | -0,036 | 0,063 | -0,046 | 0,038 | |||
Língua | 0,042 | 0,099* | -0,055 | 0,013 | 0,042 | |||
Conselho dos pais | 0,101* | 0,110* | 0,059 | -0,023 | 0,072 | |||
Status social | 0,017 | -0,013 | 0,012 | -0,135** | -0,041 | |||
Segurança face pandemia COVID-19 | 0,116* | 0,040 | 0,030 | -0,056 | 0,042 | |||
Custo vida | 0,062 | 0,047 | 0,014 | -0,065 | 0,024 | |||
Qualidade oferta educativa | 0,119* | 0,050 | 0,025 | -0,072 | 0,060 | |||
Empregabilidade | 0,040 | 0,001 | 0,028 | -0,103* | -0,016 | |||
Novos amigos | 0,082 | 0,004 | 0,069 | -0,110* | 0,031 | |||
Conselho de professores | 0,105* | 0,184** | 0,087 | -0,114* | 0,075 | |||
Contraste cultural | 0,022 | -0,043 | -0,020 | -0,048 | -0,010 | |||
Cidade acolhimento | 0,060 | 0,068 | -0,015 | -0,066 | 0,027 | |||
Curriculum | 0,070 | 0,104* | 0,054 | -0,002 | 0,084 | |||
Proximidade geográfica | 0,052 | 0,029 | 0,081 | 0,010 | 0,057 | |||
Vida social | 0,035 | 0,023 | 0,014 | -0,117* | -0,013 | |||
Facilidade obtenção ECTS | 0,050 | 0,057 | 0,038 | 0,024 | 0,051 | |||
Estabelecimento de Ensino | 0,094 | 0,136** | 0,050 | -0,006 | 0,104* |
Nota: **p <0,01, *p < 0,05
Dificuldades associadas ao ERASMUS
No que concerne às dificuldades percecionadas em fazer ERASMUS, as respostas dos inquiridos, por ordem decrescente de importância, foram as seguintes: “Económicas”, “Receio face à pandemia COVID-19”, “Língua”, “Afetivas”, “Familiares” e “Institucionais”. Esta ordenação teve como referência o grau de importância dado por cada inquirido aos respetivos itens (Tabela 2).
Dimensões | Total | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Dificuldades | Satisfação com amizades | Intimidade | Satisfação familiar | Atividade social | |||||
Económicas | -0,044 | -0,040 | -0,036 | -0,007 | -0,038 | ||||
Receio COVID-19 | -0,039 | 0,031 | 0,011 | -0,055 | -0,004 | ||||
Língua | -0,112* | -0,086 | -0,110* | -0,041 | -0,121* | ||||
Afetivas | -0,019 | -0,021 | 0,105* | 0,049 | 0,051 | ||||
Familiares | -0,005 | 0,008 | 0,124* | 0,083 | 0,074 | ||||
Institucionais | 0,894 | -0,051 | -0,023 | 0,038 | 0,006 |
Nota: *p < 0,05
Das dificuldades associadas ao programa ERASMUS (linguísticas, económicas, familiares, afetivas, institucionais e receio face à COVID-19), apenas a dificuldade associada à língua está negativamente correlacionada com o Suporte Social dos estudantes (r = 0,121, p = 0,014), o que traduz que uma menor dificuldade na língua está associada a um maior Suporte Social.
Não se encontrou qualquer correlação entre as dificuldades económicas (r = -0,038, p = 0,442), familiares (r =0,074, p = 0,131), afetivas (r = 0,051, p = 0,229), institucionais (r = 0,006, p = 0,897), receio face à COVID-19 (r = -0,004, p = 0,927) e o Suporte Social Total (Tabela 3).
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Dificuldade na língua | 1 | 0,138** | 0,209** | 0,207** | 0,213** | 0,206** | -0,121* |
Dificuldades económicas | 1 | 0,283** | 0,180** | 0,162** | 0,196** | -0,038 | |
Dificuldades familiares | 1 | 0,596** | 0,259** | 0,199** | 0,074 | ||
Dificuldades afetivas | 1 | 0,309** | 0,282** | 0,051 | |||
Dificuldades institucionais | 1 | 0,308** | 0,006 | ||||
Dificuldades/receio à COVID-19 | 1 | -0,004 | |||||
Suporte Social | 1 | ||||||
M | 3,05 | 3,88 | 2,98 | 3,12 | 2,94 | 3,70 | 49,10 |
DP | 1,16 | 0,962 | 1,18 | 1,13 | 1,04 | 1,22 | 7,11 |
Nota: **p<0,01, *p<0,05
Relação entre a satisfação com amizades e situação de ERASMUS
Foram encontradas diferenças significativas ao nível da subescala satisfação com amizades em função da situação face ao ERASMUS (estou em mobilidade ERASMUS /já fiz ERASMUS, pretendo fazer ERASMUS noutro ano letivo e não pretendo ou não posso fazer ERASMUS), F (2,410) = 3,30, p = 0,038. O teste Post-Hoc de Gabriel revelou que os alunos que estão em mobilidade ou que já fizeram ERASMUS, isto é, que têm experiência ERASMUS, relatam maior satisfação com amizades do que os alunos que não pretendem ou não podem fazer ERASMUS (Tabela 4).
Situação face ao ERASMUS | ||||
---|---|---|---|---|
Com experiência | Pretende fazer | Não pretende/não pode fazer | ||
(N=77) | (N=170) | (N=166) | ||
Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | F (2,410) | |
Satisfação com amizades (score total) | 18,59 (2,88) | 17,68 (3,65) | 17,34 (3,66) | 3,30* |
Nota: *p <0,05
Há diferenças significativas ao nível da subescala “atividades sociais” em função da situação face ao ERASMUS (estou em mobilidade ERASMUS/já fiz ERASMUS, pretendo fazer ERASMUS noutro ano letivo e não pretendo ou não posso fazer ERASMUS), F (2,410) = 4,58, p = 0,011. O teste Post-Hoc de Gabriel revelou que os alunos que não pretendem ou não podem fazer ERASMUS relatam maior nível de atividades sociais do que os alunos que pretendem fazer ERASMUS noutro ano letivo (Tabela 5).
Situação face ao ERASMUS | ||||
---|---|---|---|---|
Com experiência | Pretende fazer | Não pretende/ não pode fazer | ||
(N=77) | (N=170) | (N=166) | ||
Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | F (2,410) | |
Atividades Sociais (score total) | 6,77 (2,10) | 6,15 (2,25) | 6,87 (2,44) | 4,58** |
Nota: **p < 0,01
Não há diferenças significativas ao nível da situação face ao ERASMUS (estou em mobilidade ERASMUS/já fiz ERASMUS, pretendo fazer ERASMUS noutro ano letivo e não pretendo ou não posso fazer ERASMUS) em função da intimidade, F (2,410) = 2,71, p = 0,067, da satisfação com a família, F (2,410) = 0,877, p = 0,417 e do Suporte Social, F (2,410) = 2,54, p = 0,080.
Relação entre o rendimento escolar e o Suporte Social
Encontrámos uma correlação, estatisticamente significativa, entre o rendimento escolar percecionado pelo aluno e o Suporte Social. Assim, considera-se que um melhor rendimento escolar está associado a maior Suporte Social (Tabela 6).
Discussão
Procurámos, neste estudo, encontrar uma relação fundamentada entre as dificuldades percecionadas pelos alunos do Ensino Superior face ao programa de mobilidade ERASMUS e o Suporte Social, bem como a sua relação com os fatores de escolha do local de destino. Também fizeram parte das questões de investigação, explicar quais são as dimensões do Suporte Social que interferem na adaptação e inclusão do estudante e ERASMUS.
A forte adesão dos alunos ao estudo desta temática (N=1.398), traduzida pela grande dimensão da amostra global que obtivemos, foi para nós muito gratificante e traduz o esforço de colaboração dos Estabelecimentos de Ensino com nosso estudo, num período tão difícil de confinamento obrigatório causado pelo surto pandémico gerado pela COVID-19.
No que concerne às razões que determinariam o destino ERASMUS (Tabela 1), verificámos um predomínio do “Turismo”, “Conselhos dos colegas, o “Clima” e a “Vida afetiva” sendo por último a “Facilidade de obtenção de ECTS” e o “Estabelecimento de Ensino”. Autores como David Cairns (2017) advogam o desperdício de tempo e de recursos que o programa de mobilidade ERASMUS toma, pois, o motivo de adesão a esta mobilidade passa tão somente por decisões de caráter lúdico. Esta dimensão lúdica do programa ERASMUS deverá ser entendida como turismo cultural e académico como advogado por Marin-Pantelescu et al. (2022), vetor alicerçado na Declaração de Sorbonne de 1998 (Rich, 2009), que preconiza a mobilidade do estudante como um provedor de intercâmbio cultural. Assim, o facto de o turismo estar em primeiro lugar nas razões de escolha, poder-se-á explicar pela similaridade à postura do turista do século XXI que deixa de ter um papel contemplativo sobre o destino turístico e pretende experiências que o complementem, fazendo jus aos objetivos de criação de um Cidadão Europeu (Calvo, 2013; Cavalcanti et al., 2012; Jorge et al., 2016; Lourenço et al. 2018; Padrão et al., 2012).
O apoio dos pares, aqui explicitado pelo Conselho dos Colegas, vai ao encontro dos investigadores que salientam a importância do peer counselling no processo de apoio, equilíbrio e bem-estar do estudante (European Comission, 2021b; Ferraz & Pereira, 2002; Pereira et al., 2012; Soares et al., 2016).
Relativamente ao país escolhido para fazer ERASMUS existe uma clara preferência por países latinos e de proximidade geográfica com o país de origem do estudante. De notar também a existência de uma coincidência dos países de destino com a sua oferta e vocação turística, espalhadas nos relatórios da Eurostat sobre destinos turísticos europeus (EUROSTAT, 2023) indo também ao encontro dos estudos de Lesjaket al. (2015) e de Benedito e Infante (2019).
A literatura que aborda a relação do Suporte Social e a escolha do destino do ERASMUS é atualmente reduzida e a publicada aborda, maioritariamente, o Suporte Social e a adaptação do aluno ao Ensino Superior (Pascarella, 1985; Pereira et al., 2012; Tinto, 1987). No nosso estudo verificámos que o Suporte Social, de uma forma geral, relacionava-se com razões de “Turismo”, “Conselho dos colegas”, “Língua”, “Conselho dos pais”, “Segurança face ao COVID-19”, “Qualidade de oferta educativa”, “Empregabilidade”, “Novos amigos”, “Conselho de professores”, “Curriculum”, “Vida social” e “Estabelecimento de ensino” (Tabela 1).
Assim, quanto maior a atividade social maior a valorização das ofertas turísticas o que vai ao encontro dos estudos de Lesjak e colaboradores (2015), como anteriormente referido, que sugerem que o destino escolhido pelo estudante está relacionado com a oferta turística e também com o desejo de crescimento profissional e pessoal que encontra eco na correlação negativa, deste estudo, entre a Atividade Social e “Empregabilidade” (quanto maior o Atividade Social menor expressão tem a “empregabilidade” como razão de escolha do destino ERASMUS).
Verificámos também que o Suporte Social se relaciona com o Estabelecimento de Ensino e Conselho de Colegas reforçando que, quanto maior o Suporte Social Total, maior a valorização do Estabelecimento de Ensino e Conselho de Colegas. Por analogia com os projetos de mobilidade ERASMUS KA1 (Os projetos visam a afirmação das instituições em contextos internacionais de educação ou formação), verificámos que quanto maior o Suporte Social oferecido pelo estabelecimento de ensino maior é a satisfação do participante. Assim, o Suporte Social prestado aos alunos poderá ser uma das razões mais válidas para a satisfação dos estudantes (Erasmusplus-it, 2017).
No que concerne às dimensões como o Suporte Social, satisfação com amizades e familiares, verificou-se uma relação entre o conselho dos pais, professores e amigos (Tabela 1) evidenciando assim a importância das relações com os pares e família. Esta evidência vem de encontro aos estudos de Kumar et al. (2012), que se debruçam sobre o Suporte Social de voluntários e a perceção da saúde num estudo que envolveu 139 países. Nesse estudo foi evidenciado que a autoavaliação da saúde estava diretamente relacionada com o Suporte Social vindo de amigos e familiares. Estes dados, apesar de reduzidos, realçam a importância que o Suporte Social tem numa situação de mobilidade.
Relativamente às dificuldades associadas ao programa ERASMUS (Tabela 2), verificámos que quanto maior o Suporte Social menor é a dificuldade com a língua. Esta relação poderá ser explicada pela mitigação das dificuldades linguísticas por via do apoio sentido no Suporte Social ou, por um lado oposto, a dificuldade de comunicação poderá fazer diminuir a amplitude do Suporte Social experimentado.
Por outro lado, a dificuldade associada à língua poderá estar relacionada com a formação deficiente de aprendizagem de língua estrangeira em Portugal (92,3% dos estudantes que responderam aos nossos questionários são de nacionalidade portuguesa). Os dados apontados pela União Europeia colocam os portugueses como aqueles que apresentam um menor número de línguas estrangeiras aprendidas por aluno no ensino secundário, quando comparados com os outros países da União Europeia (European Union, 2023). Esta dificuldade poderá também influenciar a escolha do país de acolhimento.
Destacamos o facto que o ensino da língua inglesa tem merecido uma particular atenção por parte dos Estabelecimentos de Ensino Superior portugueses, consubstanciada na criação de Unidades Curriculares obrigatórias ou em cursos livres de línguas que oferecem estudos complementares aos estudantes incoming e consequentemente potenciam a sua inclusão no campus e no país (Barbosa & Freitas, 2021). No entanto, a dificuldade linguística poderá ter duas dimensões: a língua falada no campus e a utilizada no processo educativo e, dentro desta última, ainda poderemos acentuar a especificidade da linguagem académica. As universidades europeias têm aderido ao programa EMI (English Medium Instruction) (Doiz & Lasagabaster, 2020; Taquini et al., 2017) definido como “O uso da língua inglesa para ensinar disciplinas académicas em países ou jurisdições onde a primeira língua (L1) da maioria da população não é o inglês” (Dearden, 2015). As dificuldades linguísticas apontadas corroboram o descrito na literatura (Cairns, 2018; Gabriels & Benke-Aberg, 2020; Peter & Kata, 2018), que poderá explicar, também, a correlação entre a língua e o Suporte Social.
Os estudantes que têm experiência ERASMUS, isto é, aqueles que estavam em ERASMUS ou que já tinham tido essa experiência, apresentam um maior nível de satisfação com as amizades (Tabela 4). Esta relação poderá ser explicada por uma das seguintes hipóteses: (i) a satisfação com as amizades foi um potenciador da adesão ao programa ERASMUS; ou (ii) ter tido experiência ERASMUS fez aumentar a sua satisfação com as amizades. Em ambos os casos, como refere Bryla (2015), no seu estudo efetuado com estudantes que haviam feito ERASMUS 5 a 6 anos antes, o efeito do programa de mobilidade traduziu-se muito positivamente na conquista de novas amizades e no aumento da autoconfiança, sabendo que as amizades são evidência da inclusão e integração no meio.
Por outro lado, os estudantes que não podem ou não pretendem fazer ERASMUS revelam maior atividade social, o que poderá ser explicado pelo nível de satisfação com as suas atividades sociais que poderão tolher uma necessidade ou desejo de estudar num país estrangeiro. Contudo, e atendendo que os nossos questionários foram disseminados em pleno confinamento motivado pela pandemia COVID-19, os nossos resultados poderão estar influenciados por esse facto, pelo que serão necessários mais estudos versando este tema num contexto não pandémico.
No que concerne ao rendimento escolar, verificou-se uma relação positiva entre o Suporte Social e o rendimento escolar (Tabela 6). Assim, quanto maior Suporte Social, maior rendimento escolar. A perceção dos recursos e adaptação dos alunos (estudantes com maior Suporte Social têm maior adaptação à universidade) promovem a integração e uma maior realização (Cutrona et al., 1994; Pawlak et al., 2020).
Todos os resultados do presente estudo apontam para a importância do Suporte Social na escolha e nas dificuldades percecionadas pelos estudantes, influenciando assim a adaptabilidade dos jovens aos desafios gerados pelo ERASMUS, tal como o apontado nos estudos realizados por Berger et al. (2019). Também poderão contribuir para uma melhor compreensão e acompanhamento dos alunos em mobilidade ERASMUS facilitando a inclusão social e a sua adaptação, indo, assim, ao encontro dos anseios e recomendações da União Europeia espelhados no 2021 annual work programme “Erasmus+”: the Union Programme for Education, Training, Youth and Sport (European Comission, 2021a) onde é apontada a inclusão como um objetivo determinante para o desenvolvimento do Cidadão Europeu e elemento chave para o desenvolvimento económico da Europa cumprindo assim os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável emanados pelas Nações Unidas (United Nations, 2015).
Considerações finais
Encontrámos neste estudo uma relação entre as dificuldades percecionadas pelos alunos do Ensino Superior, o programa ERASMUS e o Suporte Social, bem como a sua relação com os fatores de escolha do local de destino. O Suporte Social revelou-se particularmente importante na perceção do rendimento escolar, na valorização do Estabelecimento de Ensino, como na valorização da cidade destino. Salientamos que o Suporte Social potencia a relação interpares favorecendo uma maior inclusão estudantil. A barreira linguística, fator de relevo no processo inclusivo, é evidenciada pelos estudantes que percecionam um menor Suporte Social e uma menor adesão ao programa ERASMUS.
Conscientes das limitações inerentes a este estudo, realça-se o facto de se tratar de um estudo transversal e da situação pandémica e confinamento causado pelo COVID-19, experienciados aquando da resposta aos questionários.
São escassos os estudos que relacionam o programa ERASMUS e o Suporte Social do estudante do Ensino Superior. Assim emerge a necessidade de novos e complementares estudos para uma melhor compreensão desta temática. São sugeridas investigações futuras que poderão abordar a comparação dos estudantes outgoing e incoming, as razões de escolha do destino e dificuldades percecionadas na experimentação deste programa de mobilidade.