Introdução
As atividades antropogénicas estão ligadas a fenómenos negativos no planeta Terra, como o caso das alterações climáticas (Gibson & Venkateswar, 2015). Para os ecossistemas marinhos, as alterações climáticas estão associadas ao aumento da temperatura da água do mar, acidificação e desoxigenação (Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2014; Levin & Le Bris, 2015), que estão relacionadas com mudanças na distribuição e abundância das espécies, especialmente a uma escala biogeográfica (Foden et al., 2019; Helmuth et al., 2006; Mieszkowska, 2009). Sendo as alterações climáticas um dos problemas atuais da sociedade, é essencial dotar os alunos de competências necessárias, para que estes se tornem cidadãos ativos, cientificamente informados e que participem democraticamente na resolução de problemas da sociedade (Hazelkorn et al., 2015; Reis, 2013; United Nations Educational Scientific and Cultural Organization (UNESCO), 2015, 2021). Para tal, é necessário proporcionar aos alunos situações de aprendizagem que contemplem situações de discussão, tomada de decisão, desempenho de papéis diferentes, argumentação, explicação e interpretação, permitindo que estes compreendam a importância da ciência nas suas vidas e, consequentemente, a importância de aprender sobre ciência. Esta perspetiva implica o envolvimento dos alunos em atividades de natureza investigativa, Inquiry-Based Science Education (IBSE), sobre contextos reais e com aplicação prática (Bybee, 2002; Riga et al., 2017), promovendo situações de aprendizagem facilitadoras do desenvolvimento de competências, tais como o pensamento crítico e a resolução de problemas, a capacidade de comunicação e de argumentação, o saber tecnológico e técnico e a capacidade de aprender tanto de forma individual como colaborativa, áreas de competências essas cuja a aprendizagem pelos alunos é essencial até ao final da escolaridade obrigatória, segundo o documento Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (Martins et al., 2017). Apesar de estarem amplamente documentados os resultados positivos desta metodologia no desenvolvimento de competências por parte dos alunos, muitos professores optam por não seguir uma abordagem IBSE, devido a diversos fatores, tais como, a necessidade de cumprir o extenso programa curricular, insegurança por falta de conhecimento da metodologia e por falta também de conhecimento acerca de assuntos científicos atuais (Bryan, 2012; Rocard et al., 2007).
Assim, é necessário envolver os professores em novas abordagens de ensino e aprendizagem, promovendo a reflexão sobre as suas práticas e conceções, motivando-os e levando-os a adotar novas estratégias de ensino (Galvão, Reis, Freire, & Almeida, 2011; Reis, 2014; Van Driel et al., 2001; Witz & Lee, 2009).
A ciência cidadã, i.e., o envolvimento dos cidadãos no processo de investigação científica, surge como como uma prática com enorme potencial, tanto em estudos de monitorização da biodiversidade num contexto de alterações climáticas (Vye et al., 2020), como também na área da educação em ciência, promovendo a aprendizagem de conteúdos científicos específicos, o desenvolvimento de determinadas competências, nomeadamente o pensamento crítico, raciocínio e resolução de problemas, relacionamento interpessoal, trabalho cooperativo e capacidade de comunicação (Bonney et al., 2009; Carson et al., 2021; Hiller & Kitsantas, 2014; Jenkins, 1999; Jordan et al., 2015; Lewis & Carson, 2021). Além disso, a participação em projetos de ciência cidadã modifica positivamente a perceção dos alunos sobre ciência, promovendo a compreensão da ciência e o desenvolvimento de motivação e interesse dos alunos pelas áreas STEM (Science, Tecnology, Engineering and Mathematics) (López-Redondo et al., 2018; Saunders et al., 2018; Wallace & Bodzin, 2017). Desta forma, a integração de projetos de ciência cidadã no ensino das ciências pode contribuir para a educação sobre as alterações climáticas (Groulx et al., 2017) desde o 1.º Ciclo do Ensino Básico (Boaventura et al., 2021).
Uma vez mais, os professores têm um papel fulcral na implementação de novas abordagens de ensino e aprendizagem, como é o caso da ciência cidadã. Segundo Kloetzer et al. (2021) em projetos de ciência cidadã, os professores desempenham diversos papeis, desde motivadores, a facilitadores e a participantes.
Diante o exposto, o presente estudo teve como objetivo compreender as perceções dos professores sobre a contribuição da ciência cidadã para a educação em alterações climáticas e responder às seguintes questões de investigação:
Qual a perceção dos professores sobre que competências desenvolveram os alunos na participação em projetos de ciência cidadã?
Qual a perceção dos professores sobre a sua participação em projetos de ciência cidadã?
Educação em Ciência
Devido às constantes mudanças sociais, políticas, ambientais e ao desenvolvimento sem precedentes da ciência e tecnologia, a Escola deve acompanhar essas mudanças, promovendo a cooperação entre diversos agentes locais para a resolução de problemas sociocientíficos (Hazelkorn et al., 2015; National Research Council (NRC), 1996). Para que a educação em ciência promova a própria compreensão da ciência e o desenvolvimento de um conjunto diversificado de competências necessárias para a resolução de problemas emergentes, é necessário envolver os alunos em atividades de natureza investigativa (IBSE) (ALL European Academies (ALLEA), 2012; Areepattamannil et al., 2020; Bevins & Price, 2016; Constantinou et al., 2018; Gillies & Nichols, 2015). Desta forma, o envolvimento ativo dos alunos na construção das suas próprias aprendizagens promove o desenvolvimento de competências destes, indo ao encontro das orientações nacionais e internacionais que o ensino das ciências deve seguir uma abordagem indutiva (Fensham, 2022; UNESCO, 2021). Um estudo com alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico referiu que, após a participação dos alunos em atividades de natureza investigativa sobre as alterações climáticas, estes aumentaram o seu conhecimento científico em relação aos efeitos das alterações climáticas nos oceanos, como também desenvolveram determinadas capacidades, tais como, a capacidade de formular previsões, de observação, de usar corretamente linguagem científica, de comunicação e argumentação (Boaventura et al., 2020).
Contudo, os professores optam ainda por ensinar ciências segundo uma abordagem tradicional, em que são apresentados aos alunos os conceitos, a sua lógica e aplicabilidade através de exemplos, devido à necessidade de cumprir o extenso programa curricular, insegurança por falta de conhecimento da metodologia, a falta de conhecimento acerca de assuntos científicos atuais e devido às suas próprias conceções sobre ensino e sobre ciência (Bryan, 2012; Strat et al., 2023). Para além disso, especialmente os professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico apresentam uma maior resistência à implementação de novas práticas (Zion et al., 2007), devido não só à falta de confiança nas suas competências (Crawford, 2007), como também devido à falta de apoio disponibilizado pelas escolas às ciências comparativamente a outras áreas, nomeadamente a matemática e a leitura e escrita (Banilower et al., 2013). Desta forma, é essencial o envolvimento dos professores no desenvolvimento de novas estratégias de ensino e aprendizagem e de novos materiais, de forma a operacionalizar as recomendações para a educação em ciência (Aksela, 2010; Osborne, 2003; Schleider, 2012).
Por outro lado, a formação específica pode contribuir para que os professores alterem as suas estratégias associadas a um ensino tradicional. Um bom exemplo foi o do projeto internacional Popularity and Relevance of Science Education for Scientific Literacy (PARSEL), que não forneceu apenas aos professores os materiais e as atividades prontos a usar, mas fez com que os próprios se apropriassem das novas práticas e das mudanças sugeridas (Galvão, Reis, Freire, & Faria, 2011). A par da formação específica contínua, a formação inicial de professores deve promover o envolvimento dos futuros professores em situações reais, promovendo a reflexão e contribuindo para a formação de professores reflexivos e críticos (Galvão et al., 2018), de forma a adaptarem as estratégias de ensino às orientações curriculares (García-Ruiz et al., 2022).
Alterações climáticas e educação
A principal causa das alterações climáticas é a emissão antropogénica de gases de efeito de estufa (GEE) para a atmosfera (IPCC, 2014). Este processo da alteração da atmosfera, pode ser explicado através o do fenómeno do efeito de estufa, que não permite que o calor gerado pela absorção da radiação infravermelha, seja dissipado para a atmosfera (Baird & Cann, 2005; IPCC, 2014). As alterações climáticas têm causado diversos impactos adversos a nível ambiental e humano, para além da variabilidade climática (IPCC, 2022). Nos ecossistemas marinhos, as alterações climáticas estão associadas a alterações da temperatura, estratificação, entrada de nutrientes, teor de oxigénio, acidificação, causando diversos impactos na biodiversidade marinha (Doney et al., 2012; Orr et al., 2005). Como resposta, observam-se mudanças nos padrões de distribuição das espécies, especialmente em uma escala biogeográfica (Helmuth et al., 2006). Desde há muito tempo que se investiga a influência das flutuações climáticas nos padrões de distribuição das espécies (Southward et al., 1995), tendo-se observado alterações (Firth & Hawkins, 2011; Hawkins et al., 2009), como documentadas no nordeste do Atlântico (revisto em Hawkins et al., 2019). Assim sendo, a monitorização a longo prazo é essencial para compreender o impacto das alterações climáticas nos ecossistemas marinhos (Doney et al., 2012).
A educação é extremamente importante para combater as alterações climáticas, através de medidas de adaptação e mitigação, promovendo a capacidade de adaptação dos sistemas educativos a problemas atuais e criando sociedades resilientes (Anderson, 2010; Léna, 2009; Mallon, 2015). A educação em alterações climáticas deve focar-se em conceitos científicos sobre esta temática e o seu impacto no planeta Terra. Para além disso, deve ser promovido o desenvolvimento de determinadas capacidades, tais como, o questionamento, o raciocínio, a resolução de problemas, o pensamento crítico e a tomada de decisão, enfatizando a dimensão das atitudes através do papel ativo que cada cidadão pode assumir no combate às alterações climáticas (Burke et al., 2018; Spence & Pidgeon, 2010; Stevenson et al., 2017; Tolppanen & Aksela, 2018). Desta forma, a escola tem um papel importante tanto na mitigação como na adaptação de comportamentos (Reimers, 2021). Por exemplo, num programa de Educação em contexto não formal, em alterações climáticas sobre as emissões de CO2, os participantes começaram a tomar decisões tendo em vista a diminuição da sua pegada carbónica (Cordero et al., 2020).
Diversos autores defendem que a educação em alterações climáticas deve seguir uma abordagem multidisciplinar e transdisciplinar, promover valores e focar no conhecimento científico e também na sua natureza como uma questão social e científica (Anderson, 2012; Reis & Ballinger, 2020; Sellmann & Bogner, 2013; Stevenson et al., 2017).
Os professores devem ter um papel de destaque na educação dos seus alunos sobre esta temática com recurso a formação contínua específica sobre o tema. Assim, o professor tem um papel essencial na educação em alterações climáticas (Anderson, 2012; InterAcademyPartnership (IAP), 2017). Contudo, os professores têm demonstrado ao longo dos anos determinados constrangimentos sobre o ensino em alterações climáticas, devido à complexidade do tema, da falta de conhecimento científico e competências necessárias para ensinar os seus alunos sobre esta temática (Boon, 2016; Plutzer & Hannah, 2018). Um relatório apresentado em maio de 2020 pela ALLEA Science Education working group (ALLEA, 2020) revela que apenas 25% das iniciativas analisadas incluíram atividades para alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico e apenas 17 em 67 iniciativas é que contemplavam uma componente de desenvolvimento profissional para os professores. No que diz respeito aos conteúdos abordados, a maioria das iniciativas incide apenas nas causas das alterações climáticas. Muitos professores revelam também preocupação sobre a falta de oportunidades no currículo para abordarem esta temática.
Ciência cidadã
A ciência cidadã é o envolvimento de não cientistas no processo de investigação científica, desde a formulação de questões, à recolha, análise e interpretação dos dados até à disseminação dos resultados (Miller-Rushing et al., 2012).
Os projetos de ciência cidadã podem ser categorizados de acordo com o nível de envolvimento dos participantes ou de acordo com o contexto que estão inseridos e o tipo de público (Bonney et al., 2009; Haklay, 2013, 2018; Van Noordwijk et al., 2021). Para Bonney et al. (2009) os projetos de ciência cidadã podem ser divididos em projetos contributivos, colaborativos e de cocriação. Nos projetos contributivos, os participantes contribuem apenas no processo de recolha de dados em projetos desenhados por cientistas. Já nos colaborativos, apesar de os cientistas desenharem o projeto, os participantes participam tanto na recolha dos dados como na sua análise e interpretação dos dados. Por último, nos projetos de cocriação, tanto os cientistas como os participantes trabalham cooperativamente nas diversas fases da investigação científica, incluindo a formulação do problema de investigação.
A ciência cidadã, pode ter um importante contributo em projetos de monitorização e conservação da biodiversidade, em termos da recolha e análise de dados de larga escala sobre abundância e distribuição das espécies, suportando investigações sobre alterações climáticas e perda de biodiversidade (Chandler et al., 2017; Danielsen et al., 2005; Danielsen et al., 2010; Dickinson et al., 2010; Hyder et al., 2017; Kallimanis et al., 2017; McKinley et al., 2017; Pocock et al., 2017). Igualmente, tem sido reconhecido o grande potencial da ciência cidadã em contexto escolar devido à sua abordagem transdisciplinar e capacidade de integração de diversas disciplinas num só projeto (Pykett et al., 2020; Tauginienė et al., 2020). Estudos demonstram que, após participarem num projeto de ciência cidadã, os alunos aumentaram o conhecimento científico e desenvolveram diversas capacidades, atitudes e valores (Ballard et al., 2017; Bates et al., 2015; Saunders et al., 2018; Wallace & Bodzin, 2017). Um estudo realizado em Portugal com alunos do 4.º e 5.º anos do Ensino Básico relevou que a ciência cidadã pode ter um importante papel na educação em alterações climáticas (Boaventura et al., 2021).
Os professores têm um papel fundamental na implementação de projetos de ciência cidadã nas escolas, uma vez que eles atuam como participantes, motivadores e facilitadores (Kloetzer et al., 2021). Contudo, os professores relatam alguns constrangimentos para implementarem projetos desta natureza, especialmente devido à falta de confiança na sua literacia científica e aos obstáculos que enfrentam para cumprir os programas curriculares e as diretrizes escolares (Jenkins et al., 2015; Walker et al., 2015). Desta forma, programas de formação profissional dos professores sobre a prática de ciência cidadã facilitariam a inclusão desta prática em atividades escolares, contribuindo para a motivação de professores e alunos (Scheuch et al., 2018).
Metodologia
Dada a natureza das questões de investigação, neste estudo optou-se por uma metodologia de investigação de métodos mistos, que combina tanto métodos quantitativos como qualitativos, possibilitando uma melhor compreensão do estudo em causa (Creswell, 2009; Creswell & Plano Clark, 2007). Foi criado, desenvolvido e implementado um módulo de ensino com base no modelo dos 7E (Reis & Marques, 2016) com recurso à prática da ciência cidadã sobre a problemática das alterações climáticas. O módulo foi constituído por 10 atividades diferentes implementadas em dois anos letivos (2020/2021 e 2021/2022). Este módulo teve como principal objetivo a familiarização por parte dos alunos acerca do conceito de alterações climáticas, respetivas causas e consequências e o conceito de ciência cidadã, através de atividades de natureza investigativa (IBSE) e foi construído tendo em conta as orientações das Aprendizagens Essenciais para o 4.º ano do 1.º Ciclo do Ensino do Ensino Básico na área do Estudo do Meio (Ministério da Educação (ME), 2018). Numa perspetiva de ciência cidadã, num primeiro ano letivo (2020/2021) o projeto seguiu uma abordagem colaborativa, em que os alunos participaram em diversas etapas, nomeadamente na recolha de dados, tratamento e análise e comunicação dos resultados à comunidade. Nesta abordagem, os professores acompanharam os alunos nas diversas etapas dando o apoio necessário no decorrer das atividades e os investigadores participaram pontualmente na fase seguinte à recolha dos dados, sendo um projeto com um cariz mais educativo.
Já na segunda parte do módulo, no ano letivo de 2021/2022, o projeto seguiu uma abordagem de cocriação, permitindo que alunos, professores e investigadores trabalhassem cooperativamente na estruturação de um projeto de ciência cidadã de monitorização das espécies da zona entremarés, que fosse adequado tanto à comunidade educativa como também à comunidade científica. Neste projeto foi utilizada a plataforma de ciência cidadã Biodiversity4all1 através da aplicação iNaturalist. A plataforma Biodiversity4all tem como objetivo aumentar o conhecimento sobre a biodiversidade nacional e envolver o maior número de pessoas possíveis na monitorização da biodiversidade local (Tiago, 2017) e encontra-se associada à rede iNaturalist2. No ano letivo 2020/2021 foram implementadas as primeiras 8 aulas do módulo entre os meses de outubro de 2020 e junho de 2021. No ano letivo seguinte, foram implementadas aulas 9 e 10 do módulo entre os meses de outubro e novembro de 2021. A tabela 1 apresenta uma síntese do módulo de ensino, tendo em conta as fases do modelo de ensino dos 7E, os objetivos de cada atividade do módulo e as respetivas estratégias.
Ano letivo 2020/2021 | |||
Aula | Fase | Objetivo | Estratégias |
1 | Engage/Motivação | Motivar os alunos e identificar as suas conceções alternativas | Visionamento de um vídeo Auscultação: questionar os alunos e propor que estes expressem as suas ideias através de esquemas ou textos Brainstorming: análise e discussão dos mapas de conceitos elaborados |
2 | Explore/Exploração | Explorar a temática e construir conhecimento sobre alterações climáticas, ciência cidadã e envolvimento da comunidade em problemas da sociedade | Compilação e seleção da informação a pesquisar Elaboração de um trabalho de acordo com a pesquisa realizada Brainstorming: análise e discussão dos trabalhos elaborados |
3 | Explain/Explicação | Partilhar o conhecimento construído Relacionar a importância da monitorização de espécies com as alterações climáticas | Auscultação de dúvidas Apresentação de PowerPoint sobre o conceito de alterações climáticas, causas e consequências Dinamização de um jogo de tabuleiro sobre as alterações climáticas |
4 | Aprender a identificar as espécies da zona entremarés e preparar a saída de campo | Dinamização de um jogo sobre a identificação das espécies da zona entremarés Comparação das características das diferentes espécies com recurso a imagens e modelos | |
5 | Aprender a utilizar a plataforma de ciência cidadã Biodiversity4all através da aplicação iNaturalist | Apresentação de PowerPoint sobre as características e funcionalidades da plataforma Biodiversity4all e da aplicação iNaturalist Simulação de uma saída de campo para a utilização da aplicação iNaturalist | |
6 | Elaborate/Ampliação | Recolher dados das espécies da zona entremarés | Saída de campo a uma praia rochosa As turmas divididas em grupos registaram com um tablet na aplicação iNaturalist um determinado conjunto de espécies da zona entremarés |
7 | Exchange/Partilha | Analisar e interpretar dados Planear a apresentação dos seus resultados | Construção de gráficos com os dados recolhidos na saída de campo e comparação com os resultados das outras turmas Conversa com um investigador da área das ciências do mar |
8 | Exchange/Partilha Empowerment/Ativismo | Apresentar o projeto e os resultados obtidos à turma de 3.º ano e convidá-los a participar no próximo ano letivo | Apresentação do projeto e dos resultados obtidos à comunidade escolar |
Ano letivo 2021/2022 | |||
9 | Engage/Motivação Explore/Exploração | Motivar os alunos para continuarem a desenvolver o projeto negociando com estes o modo como poderá ser implementado Explorar a temática e começar a planear um projeto de ciência cidadã de cocriação | Atividade de jogo de papéis: proporcionou aos alunos a oportunidade de em grupo refletirem sobre como estruturam e desenvolvem um projeto de ciência cidadã envolvendo diversos agentes |
10 | Exchange/Partilha Empowerment/Ativismo | Apresentação das propostas de estruturação e organização de um projeto de ciência cidadã de cocriação Definição dos passos seguintes | Apresentação das conclusões geradas através da atividade de jogo de papéis Estruturação, em cada turma, de um projeto de ciência cidadã de cocriação sobre a monitorização das espécies da zona entremarés |
Evaluate/Avaliação | Presente em todas as aulas e fases do módulo de ensino, através da aplicação de diversos instrumentos e técnicas de recolha de dados |
Participantes
Participaram nos anos letivos de 2020/2021 e 2021/2022, 7 professores de 10 turmas do 4.º ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico de 5 escolas (3 da rede privada e 2 da rede pública) das regiões de Matosinhos, Lisboa e Faro. Nas escolas da rede privada foi o mesmo professor que lecionou as turmas do 4.º ano em ambos os anos letivos. Neste estudo os professores foram designados de acordo com o que está representado na tabela 2.
Turma s | Professores Ano letivo 2020/2021 | Turma s | Professores Ano letivo 2021/2022 | ||
T1 | P1 | T6 | P6 | ||
T2 | P2 | T7 | P2 | ||
T3 | P3 | T8 | P7 | ||
T4 | P4 | T9 | P4 | ||
T5 | P5 | T10 | P5 |
Dos professores envolvidos, cinco são do género feminino e dois do género masculino. Todos os professores lecionavam há mais de 20 anos, e apenas um deles concluiu o Mestrado. Participaram também nesta investigação, 3 investigadores da área das ciências do mar.
Desenvolvimento do estudo com os participantes
No início de cada ano letivo foi realizada uma reunião com os professores titulares de cada turma, com o objetivo de envolver os professores na construção e implementação do módulo. Foi criada uma sala no Google Classroom onde foi feita a partilha com os professores de todos os materiais e recursos de apoio a cada aula do módulo.
No ano letivo de 2020/2021, as aulas foram orientadas pela investigadora, sendo que o professor desempenhou um papel fundamental de acompanhamento, especialmente nas tarefas que os alunos tinham de realizar ao longo do projeto. Os três investigadores da área das ciências do mar, após a saída de campo, conversaram com professores e alunos de cada turma, com objetivo de lhes dar um feedback sobre os dados recolhidos e analisados por estes e esclarecer dúvidas. No ano letivo de 2021/2022, as aulas foram orientadas pela investigadora. No final, alunos, professores e investigadores trabalharam cooperativamente na criação, estruturação e implementação de um projeto de ciência cidadã com uma abordagem de cocriação sobre a monitorização das espécies da zona entremarés. Contudo, apenas a turma T7 do professor P2 conseguiu implementar, no ano letivo de 2021/2022, o projeto de ciência cidadã com uma abordagem de cocriação.
Recolha de dados
Tendo em conta as questões de investigação utilizaram-se as seguintes técnicas e instrumentos de recolha de dados: inquéritos por questionário e entrevista semiestruturada aos professores e grelhas de observação preenchidas pelos professores em cada aula do módulo de ensino (Cohen et al., 2007; Hill & Andrew, 2000; van Campenhoudt et al., 2019).
Inquérito por questionário
Aos professores designados por P1, P2, P3, P4 e P5 foi enviado por o email um link do Google forms com o inquérito por questionário no início do ano letivo de 2020/2021. Os professores P6 e P7 receberam o mesmo inquérito por questionário por email, no início do ano letivo de 2021/2022. Este questionário teve como finalidade investigar as perceções dos professores, antes do início do estudo, acerca da implementação de atividades de natureza investigativa (IBSE) com recurso à ciência cidadã sobre a temática das alterações climáticas. Este foi dividido em 4 blocos de questões. O primeiro bloco de questões recaiu sobre a identificação pessoal do professor, bem como o seu percurso profissional e académico. O segundo bloco foi constituído por 5 questões que visaram identificar as perceções dos professores sobre as potencialidades e constrangimentos da metodologia de ensino e aprendizagem IBSE. O terceiro bloco, constituído por 4 questões, tinha a finalidade de investigar as perceções dos professores sobre a prática da ciência cidadã e os seus benefícios e limitações, e o último bloco, sobre as alterações climáticas, constituído por 4 questões, visaram identificar as perceções dos professores sobre o ensino das alterações climáticas em contexto escolar.
Foi ainda elaborado outro questionário com o objetivo de identificar as perceções dos professores sobre as potencialidades e constrangimentos na organização e implementação de um projeto de ciência cidadã de cocriação. Este foi divido em 2 blocos de questões: 1) módulo de ensino; e 2) projetos de ciência cidadã de cocriação. O primeiro bloco de questões foi constituído por 4 questões que visaram identificar as perceções dos professores sobre o módulo de ensino implementado no ano letivo de 2021/2022. O segundo bloco, constituído por 3 questões, tinha como objetivo identificar as perceções dos professores sobre as potencialidades e constrangimentos na criação, estruturação e implementação de um projeto de ciência cidadã de cocriação. Este foi aplicado no final do ano letivo 2021/2022 aos professores P6, P2, P7, P4 e P5, através de email com um link do Google forms. Ao professor (P2), que realizou com a sua turma a ação de ciência cidadã de cocriação, foi aplicado um inquérito por questionário após a ação com o intuito de avaliar as suas perceções sobre as potencialidades de projetos de ciência cidadã com esta abordagem e os constrangimentos sentidos. Este inquérito por questionário foi constituído por 10 questões e foi enviado ao professor através de email com um link do Google forms.
Ambos os inquéritos por questionário foram validados por investigadores da área da educação em ciências. Após essa validação, o inquérito foi aplicado a uma amostra com as mesmas características da amostra do estudo e com as condições idênticas à da aplicação final, pedindo aos participantes que, caso tivessem dúvidas ou outros comentários, o exprimissem oralmente ou por escrito.
Inquérito por entrevista semiestruturada
No final das atividades previstas no ano letivo de 2020/2021, os professores P1, P2, P3, P4 e P5 realizaram uma entrevista por videoconferência através do Zoom. Esta entrevista permitiu não só identificar as perceções dos professores sobre as potencialidades e limitações de atividades investigativas (IBSE) com recurso à prática de ciência cidadã após participarem no módulo de ensino e confrontar com as suas perceções iniciais recolhidas no inquérito por questionário, como, também, pretendeu averiguar a opinião dos professores sobre as atividades implementadas no decorrer do módulo.
Todas as entrevistas foram gravadas para posterior transcrição, garantindo as questões de confidencialidade.
Análise dos dados
Nos inquéritos por questionário, para tratamento dos dados das questões de resposta fechada, realizou-se a análise das frequências de cada resposta com recurso ao SPSS (versão 27). Para a análise das questões de resposta aberta procedeu-se à análise de conteúdo das mesmas. Para o tratamento dos dados provenientes da transcrição das entrevistas procedeu-se à análise de conteúdo, com recurso ao software N-Vivo (versão 12). A análise teve em consideração as categorias definidas à priori tendo como base o guião de entrevista e também categorias que emergiram no decorrer da análise (tabela 3).
Os dados provenientes das grelhas de observação foram analisados de forma a apurar a moda de cada turma em cada descritor.
Categorias | Descritores | ||
Avaliação geral do módulo de ensino | Importância da reunião prévia antes do início do módulo | Adequação das atividades ao currículo escolar do 4.º ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico | Constrangimentos provocados pela COVID-19 |
Avaliação sobre abordagem IBSE e ciência cidadã | Potencialidades e constrangimentos da metodologia de ensino e aprendizagem IBSE | Potencialidades e constrangimentos da ciência cidadã em contexto escolar | |
Avaliação sobre o desenvolvimento de competências, atitudes e valores nos alunos | Competências desenvolvidas pelos alunos no decorrer do módulo de ensino | Atitudes e valores desenvolvidos pelos alunos no decorrer do módulo de ensino | Quais as atividades que contribuíram mais para o desenvolvimento de competências, atitudes e valores nos alunos |
Avaliação do envolvimento do professor | Reflexão do professor sobre o seu próprio envolvimento no módulo de ensino | Potencialidades e constrangimentos da participação de professores num módulo desta tipologia |
Resultados
Os resultados recolhidos através dos questionários, da entrevista semiestruturada e das grelhas de observação, foram analisados e apresentados de acordo com as questões de investigação definidas inicialmente.
Perceção dos professores sobre as competências desenvolvidas pelos alunos
Durante a entrevista, todos os professores mencionaram que os alunos aumentaram o seu conhecimento científico, devido à tipologia do módulo de ensino e às estratégias aplicadas,
A vários níveis, ao nível das estratégias, além de eles trabalharem uma outra dinâmica diferente. O facto de estarem envolvidos no projeto sobre aquela temática, que tinha aquele objetivo final e todo o encadeamento que houve. (P2) Devido às estratégias implementadas, ao esclarecimento de dúvidas sobre a confusão de ideias (…) fez com que os conceitos ficassem bem definidos. Por isso, sem dúvida que eles ficaram com mais conhecimento científico (P5)
Contudo, um professor (P1) referiu que apesar de os seus alunos terem aumentado o seu conhecimento científico, na sua opinião os conceitos não ficaram muito bem consolidados,
Eu acho que sim. Embora não tivessem ficado muito consolidados. Se tivéssemos num ano diferente em que não tivéssemos aquele confinamento e se tivéssemos tido mais tempo, se calhar eu tinha conseguido dar mais continuidade nas minhas aulas (…) e foi uma continuação de um 3.º ano que já foi atípico e que ficaram aprendizagens para recuperar. (P1)
Quando questionados sobre que conteúdos foram mais bem aprendidos pelos alunos durante o projeto, dois professores referiram o conceito de alterações climáticas (P2, P5), três afirmaram que foram as causas e consequências das alterações climáticas (P2, P4, P5) e dois mencionaram a identificação das espécies da zona entremarés (P1, P3),
O conceito das alterações climáticas e das causas e das consequências. (P2) (...) eu fiquei surpreendida com a capacidade que eles tiveram de reter o nome de todas as espécies e sabiam distinguir muito bem. (P1)
Relativamente aos valores e atitudes desenvolvidos pelos alunos, todos os professores referiram um aumento consciencialização e sensibilização destes para a necessidade de proteção do ambiente devido à problemática das alterações climáticas. Um professor (P5), mencionou ainda que os seus alunos desenvolveram a curiosidade pelo que observam,
Tomaram realmente consciência da importância das alterações climáticas e de todas estas dinâmicas. (P2) A curiosidade, ficaram mais atentos cada vez que vão à praia e a sensibilização. (P5)
Tal como indicado nas entrevistas, no inquérito por questionário aplicado no final do ano letivo de 2021/2022 todos os professores (P2, P4, P5) assinalaram que seus alunos desenvolveram competências nas áreas da informação e comunicação, do pensamento crítico e pensamento criativo, do relacionamento interpessoal, desenvolvimento pessoal e autonomia e no saber científico, técnico e tecnológico. Sobre quais os conhecimentos que os seus alunos aprenderam ao longo do projeto, todos os professores foram unânimes ao considerar a identificação das espécies da zona entremarés. Um professor refere ainda o efeito das alterações climáticas nas espécies da zona entremarés (P2) e outro refere ainda que os seus alunos aprenderam como podem ajudar a estudar o efeito das alterações climáticas nas espécies da zona entremarés (P4).
Para o professor (P2), que estruturou, criou e implementou um projeto de ciência cidadã de cocriação com a sua turma, os seus alunos desenvolveram competências nas áreas do bem-estar, saúde e ambiente, do saber científico, técnico e tecnológico, do pensamento crítico e pensamento criativo, do relacionamento interpessoal e do desenvolvimento pessoal e autonomia.
Analisando as grelhas de observação preenchidas pelos professores no ano letivo 2020/2021, para os professores, a maioria dos grupos das suas turmas compreendeu os conteúdos abordados ao longo do projeto, conseguindo articular e relacionar os diferentes conceitos. Também, de acordo com estes, os seus alunos apresentaram um discurso articulado e coerente, recorrendo a uma linguagem científica correta. Por outro lado, já desde o início do projeto, segundo a opinião dos professores, a maioria dos grupos foi também capaz de trabalhar colaborativamente e de realizar as tarefas propostas em cada atividade, revelando curiosidade pelo observaram ao longo do projeto.
Já no ano letivo de 2021/2022, de acordo com a análise das grelhas de observação, a maioria dos grupos nas turmas demonstrou compreender os conceitos abordados, integrando diversas informações na criação, estruturação e planificação do projeto de ciência cidadã. No que diz respeito à área de competência da comunicação, para os professores, a generalidade dos grupos em cada turma apresentou um discurso razoavelmente bem articulado e coerente e com uma linguagem científica. Segundo os professores, em quase todos os grupos na maioria das turmas, todos os elementos cooperaram no desenvolvimento das tarefas, revelando curiosidade pelo que observavam e compreensão pelos conceitos abordados.
Potencialidades e constrangimentos da participação de alunos e professores em projetos de ciência cidadã
O inquérito por questionário aplicado no início de cada ano letivo foi respondido por seis professores (P1, P2, P3, P4, P5, P7). No que respeita às conceções dos professores sobre ciência cidadã, três professores (P2, P3, P5) definem ciência cidadã como o envolvimento de cidadãos em atividades científicas. Um professor (P4), refere que a ciência cidadã é a partilha de conhecimentos e resultados por parte dos cidadãos, e um outro professor (P1) refere que é uma ciência que permite que os cidadãos se tornem mais conscientes. Por último, um professor (P7) respondeu que não se sentia capacitado para responder a esta questão, por falta de conhecimento. Necessário salientar que nenhum professor tinha participado anteriormente em algum projeto de ciência cidadã. Relativamente à adequação das atividades de ciência cidadã ao currículo escolar do programa do estudo do meio do 4.º ano, quatro professores assinalaram a opção “concordo”, um professor assinalou a opção “concordo completamente” e um outro professor a opção “não concordo nem discordo”.
Sobre quais são as potencialidades da participação dos alunos em ações de ciência cidadã, todos os professores assinalaram o aumento do interesse dos alunos por áreas das ciências e tecnologia e o incremento do contacto direto com a natureza. Por outro lado, apenas dois professores assinalaram como potencialidade a interpretação de dados de investigações científicas (P1, P4) e divulgação dos resultados obtidos em ações de ciência cidadã à comunidade (P1, P4).
Os constrangimentos de tempo (P2, P3, P4, P5, P7), a pouca informação sobre projetos de ciência cidadã (P2, P3, P4, P5, P7) e a falta de orientação das entidades que promovem projetos de ciência cidadã (P2, P4, P5, P7), foram as principais dificuldades indicadas pelos professores para a participação com a sua turma em ações de ciência cidadã. Um professor (P1) referiu ainda a pandemia COVID-19 como uma dificuldade para participar com os alunos em atividades desta tipologia. De salientar que nenhum professor assinalou como dificuldade a adequação de ações de ciência cidadã ao currículo do 4.º ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico.
No decorrer da entrevista semiestruturada, apenas um professor (P4) referiu que mantem a mesma perceção da do início do módulo de ensino, “penso que seja uma ciência baseada na participação consciente dos cidadãos que partilham os seus conhecimentos e apresentam resultados.” (P4). Já um professor (P1) mencionou que acrescentava que ciência cidadã pressupõe uma investigação e uma ação concreta “e talvez lhe acrescentasse, que eles aprenderam que não é só conhecer, mas também agir. Existe uma parte de investigação-ação” (P1). Já outro professor (P2), alterou a sua ideia pré-concebida que as crianças não podiam desempenhar o papel de investigadores “a parte de termos crianças a participar em projetos desta natureza” (P2). Também, outro professor (P3) mencionou que, após a sua participação, percebeu que ciência cidadã não é apenas a participação dos cidadãos em projetos, mas sim a colaboração numa investigação “acrescentava que é a colaboração em uma investigação, em que os alunos recolheram dados que vão ser usados por alguém (…) e ter algum tipo de resposta.” (P3). Por último, outro professor (P5) referiu que para ele ciência cidadã não é apenas a colaboração de atividades em investigação científica, mas a contribuição com algo concreto e real “acrescentava ainda que o facto de se ajudar de algum modo na investigação científica.” (P5)
Nenhum professor indicou alguma desvantagem na participação dos seus alunos em projetos de ciência cidadã. Um professor ressalvou (P2) que a ciência cidadã, permitiu que os seus alunos sentissem que estão a contribuir para uma investigação com algo em concreto “há uma série de vantagens. Além de eles perceberem, que podem ter um papel preponderante em tudo isto que estivemos a trabalhar (…) eles conseguem perceber que podem ajudar de forma mais objetiva.” (P2). Já outros três professores (P3, P4, P5) defenderam que a grande vantagem da participação dos seus alunos em um projeto de ciência cidadã, foi sobretudo o aumento da consciência e da sensibilização para a problemática das alterações climáticas,
Foi eles ficarem mais despertos para questões ambientais. E conseguiram extrapolar isso para outras áreas. (P3) Toda a questão de sensibilizarem outras pessoas para impacto das alterações climáticas nos oceanos. (P5)
Para além disso, um professor (P3) também mencionou como grande vantagem do envolvimento dos alunos em ciência cidadã o desenvolvimento de competências por parte destes: “projetos com esta abordagem sem dúvida que são uma mais-valia para o desenvolvimento de competências nos alunos.” (P3).
Todos os professores concordaram que os alunos podem estar envolvidos em qualquer etapa do processo de investigação científica, desde a formulação da questão de investigação até à comunicação dos resultados à comunidade escolar e local.
Eu acho que podem estar incluídos em todas as etapas, desde a recolha ao desenho de um projeto. Podem ajudar a recolher dados (…) na interpretação, porque podemos usar a matemática para a construção de gráficos e tabelas. E depois, também na apresentação dos resultados, porque esta turma sabe trabalhar bem com as ferramentas informáticas. Também podem levantar hipóteses e traçar objetivos. (P5)
Todavia, dois professores (P1, P3) ressalvam a necessidade de adaptar os objetivos e linguagem, para que os alunos estejam envolvidos em todas as etapas,
Agora, precisam é de muita orientação, não podemos querer que eles estejam muito autónomos (…) mas se forem bem orientados eles conseguem levantar hipóteses, pensar em objetivos e depois verificar e tratar os dados. (P1) Eu penso que é possível essas etapas todas a partir até de um 1.º ano, tudo depende da forma como as questões são abordadas, os conteúdos expostos e da linguagem (P3)
Sobre como é que participação no projeto contribuiu para a prática letiva dos professores, três professores (P2, P3, P5) referiram ao nível do conhecimento científico “aprendi muita coisa e vou usar muito do que aprendi no futuro” (P5). Aliás, um professor (P3) alerta para a necessidade de os professores terem mais formações em áreas científicas, “o que a mim me faz falta é a parte do conhecimento mais científico. É preciso ter formações mais pontuais.” (P3). Dois professores (P4, P5) referiram que no futuro vão dinamizar com as suas turmas jogos com a mesma abordagem dos do projeto e dois professores (P1, P5) também mencionaram que no futuro pretendem utilizar a plataforma de ciência cidadã Biodiversity4all através da aplicação iNaturalist. Para além disso, um outro professor (P2) mencionou que no futuro irá utilizar a ciência cidadã para abordar temas científicos mais complexos, “vai ajudar com certeza em vários aspetos. Um deles é realmente percebermos que podemos abordar determinadas dinâmicas, que às vezes para nós pensamos que são demasiado complexas” (P2).
Ainda no decorrer da entrevista, todos os professores demonstraram interesse de no futuro continuar a participar com as suas turmas em projetos de ciência cidadã. Quando questionados sobre que áreas, dois professores (P1, P2) afirmaram que gostavam de abordar as espécies invasoras nas dunas devido à zona onde se localizam. Também, dois professores (P1, P3) referiram que gostariam de participar em projetos de ciência cidadã ligados à monitorização de aves costeiras. Por outro lado, um outro professor (P4) referiu que gostaria de participar com as suas turmas em projetos de ciência cidadã que envolvessem uma parte mais experimental.
No final do ano letivo de 2021/2022, três professores (P2, P4, P5) responderam ao inquérito por questionário sobre ao estruturação e implementação de um projeto de ciência cidadã. Dois professores (P4, P5) responderam que não conseguiram criar, estruturar e implementar o projeto de ciência cidadã, devido a problemas de foro pessoal e devido à extensão do currículo e à falta de apoio da comunidade local, nomeadamente da autarquia, para implementação do projeto,
Além da falta de tempo útil, uma vez que os programas a cumprir são extensos também a falta de apoio por parte da comunidade, nomeadamente da autarquia, no que diz respeito a tudo o que envolve a deslocação e as saídas de campo (autocarros). (P5) Infelizmente tive um problema de saúde que não me deixou terminar este projeto. (P4)
Já o professor (P2), que criou, estruturou e implementou o projeto de ciência cidadã de monitorização das espécies da zona entremarés, referiu que este teve como principal vantagem proporcionar aos alunos o contacto direto com as espécies da zona entremarés na saída de campo. Por outro lado, como principal dificuldade o professor referiu a identificação de algumas das espécies: “vantagens: saída de campo (contacto direto e exploração/identificação das espécies na zona entremarés). Limitações: dificuldades na identificação de algumas das espécies.” (P2).
Discussão
Segundo a perceção dos professores, a participação dos seus alunos no módulo de ensino promoveu o aumento do seu conhecimento científico, nomeadamente o conceito de alterações climáticas, causas e consequências das alterações climáticas, identificação das espécies da zona entremarés e como podem participar em projetos de investigação científica. Também os professores reconheceram que os seus alunos desenvolveram diversas capacidades em diversas áreas de competência, nomeadamente na área de informação e comunicação, raciocínio e resolução de problemas, pensamento crítico e criativo, relacionamento interpessoal e desenvolvimento pessoal e autonomia, como também ficaram mais conscientes e sensibilizados para a problemática das alterações climáticas, corroborando diversos estudos (Ballard et al., 2017; Bates et al., 2015; Harlin et al., 2018; Hiller & Kitsantas, 2014; López-Iñesta et al., 2022).
Desta forma, a participação de alunos em projetos de ciência cidadã, é uma oportunidade para estes explorarem diferentes formas de atividades de aprendizagem baseadas em questionamento através, não só da sua participação, mas também da contribuição em autênticas atividades de investigação (Roche et al., 2020), motivando-os para o seu processo de ensino e aprendizagem (Harlin et al., 2018). Assim, a ciência cidadã deve ser integrada na educação formal e fazer parte do dia a dia dos alunos em sala de aula (Araújo et al., 2022a, 2022b), sendo uma oportunidade única de alcançar diversas secções da sociedade (Ruiz-Mallén et al., 2016).
Após a sua participação no projeto, a maioria dos professores alterou a sua perceção sobre o conceito de ciência cidadã. Estes reconheceram sobretudo que não é apenas a contribuição, mas sim a colaboração em investigação com o intuito de responder a um problema real e socialmente relevante e que alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico podem participar em projetos desta natureza. Todos os professores concordam que projetos de ciência cidadã são adequados ao currículo escolar e não identificaram nenhuma desvantagem na participação dos seus alunos em projetos desta tipologia. Professores de todos os níveis de ensino reconhecem as potencialidades e benefícios da incorporação de projetos de ciência cidadã nas atividades letivas (Vance-Chalcraft et al., 2022). Falta de tempo, pouca informação sobre projetos de ciência cidadã e falta de orientação e comunicação de entidades que promovem os projetos foram os principais constrangimentos mencionados pelos professores para a participação com as suas turmas em projetos desta natureza. Estas limitações foram também encontradas noutras investigações (Araújo et al., 2022a; Prendergast et al., 2022; Soanes et al., 2020). Também a falta de orientação, de conhecimento e de confiança, são constrangimentos mencionados pelos professores para a implementação em sala de aula de projetos de ciência (Jenkins et al., 2015; Kelemen-Finan & Dedova, 2014; Shah & Martinez, 2016). Para colmatar esses constrangimentos é necessário não só promover a formação dos professores (Kloetzer et al., 2021; Zoellick et al., 2012) como também ao desenhar um projeto de ciência cidadã em contexto escolar é necessário ter em consideração as orientações curriculares (Makuch & Aczel, 2018; Vohland et al., 2021).
Os professores reconheceram que a sua participação no módulo de ensino e na criação, estruturação e implementação de um projeto de ciência cidadã contribuiu para a sua prática letiva, nomeadamente para a incorporação de novas tecnologias em sala de aula como também na promoção de interdisciplinaridade e trabalho colaborativo. Com efeito, os projetos de ciência cidadã são também uma forma de promover o desenvolvimento profissional dos professores (Araújo et al., 2022a). Mas, para que tal aconteça, é essencial que os professores se sintam apoiados (Harlin et al., 2018) e que sejam disponibilizados, a estes, materiais e recursos didáticos de apoio com a informação científica necessária e que estes estejam adequados e interligados ao currículo escolar (Kloetzer et al., 2021). Sobre o nível de envolvimento que alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico podem ter em projetos de ciência cidadã, todos os professores concordam que podem participar em todas as fases da investigação científica, isto é, projetos com uma abordagem de cocriação, desde que os objetivos do projeto sejam adequados à faixa etária dos alunos. Apesar de projetos de ciência cidadã de cocriação serem ainda uma exceção em contexto escolar (Lüsse et al., 2022; Pizzolato & Tsuji, 2022), especialmente em projetos ligados ao ambiente (Gignac et al., 2022), aqueles que promovam o envolvimento dos alunos em todas as fases do projeto de investigação são particularmente promissores no desenvolvimento de competências por parte destes (Aivelo & Huovelin, 2020; Lüsse et al., 2022). Projetos com esta tipologia são uma mudança de paradigma no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que os alunos não são apenas meros consumidores, mas sim agentes ativos no seu próprio processo de aprendizagem, ao participarem ativamente em todas as fases do processo de investigação científica (Roche et al., 2020). De acordo com Rögele et al. (2022), projetos de cocriação permitem que os participantes tenham uma melhor compreensão dos temas abordados e uma maior capacidade de raciocínio e resolução de problemas, como também de pensamento crítico. Projetos de ciência cidadã com uma abordagem de cocriação são uma excelente oportunidade para envolver não só os alunos em todas as etapas do processo de investigação, mas também permitem que os professores se envolvam desde início, contribuindo não apenas para que os objetivos científicos do projeto sejam atingidos como também para os objetivos educacionais (Kelemen-Finan et al., 2018).
Esta investigação reforçou a importância da incorporação de projetos de ciência cidadã com uma abordagem investigativa (IBSE) em contexto escolar tanto no desenvolvimento de competências nos alunos como também dos professores. Ao promover o envolvimento dos professores, desde a criação até à implementação, permite balancear tanto os resultados científicos como os resultados educacionais, indo ao encontro das orientações curriculares.
Tratando-se de um estudo que envolvia a implementação de um módulo de ensino em dez turmas de cinco escolas diferentes, a pandemia causada pela COVID-19 foi uma das limitações do estudo, nomeadamente na implementação de um projeto de ciência cidadã de cocriação no ano letivo de 2021/2022.
Futuras investigações podem ser direcionadas para a promoção de projetos de co-criação com uma abordagem investigativa, que aprofundem não apenas as necessidades educativas e científicas, mas também as necessidades locais, sendo necessário criar mais recursos e materiais didáticos em português, que suportem e motivem os professores a incorporar a ciência cidadã em sala de aula, uma vez que materiais noutra língua podem ser um entrave à implementação deste tipo de projetos.