A dificuldade que diferentes estudos centrados nos elementos socioprofissionais do jornalismo revelam em equipará-lo a outras profissões modelares (Waisbord, 2013) - como a medicina ou a advocacia - é sintomática das especificidades do seu ethos, mas deixa também transparecer o quadro de ambiguidades e de tensões que marca o processo de consolidação da identidade coletiva dos jornalistas. A par de perspetivas que relevam a incapacidade, ou mesmo a impossibilidade, de o jornalismo satisfazer os traços que tradicionalmente definem as profissões liberais (Tumber & Prentoulis, 2005; Tunstall, 1971; Witschge & Nyrgen, 2009), visões mais focadas na dimensão histórica ou cultural da profissionalização da produção noticiosa tendem a sublinhar, desde logo, a eclosão tardia deste processo (Banning, 1999; Moore, 2019), ou as indefinições e conflitos que o caraterizam (Chalaby, 2003; Neveu, 2005). Este segundo âmbito não poderá ser desligado do paradoxo matricial que resulta da industrialização da imprensa e da integração dos jornalistas enquanto trabalhadores assalariados, dando origem a um conflito entre a representação subjetiva dos jornalistas relativamente à sua atividade e as condições objetivas do seu trabalho (Høyer & Lauk, 2016). Um reflexo desta “contradição do profissional proletário” - recuperando o conceito de Kaul (1986, p. 49) - é patente numa reorganização das relações de classe no jornalismo e numa transição gradual dos jornalistas de um modelo associativo para um paradigma sindical, tendo em perspetiva combater a proletarização da atividade e articular modos de representação e de defesa coletiva dos direitos laborais (Le Cam, 2020). Neste âmbito, e, não obstante, diferentes experiências geográficas, os sindicatos acabaram por assumir um papel central na definição das estratégias de profissionalização dos jornalistas. Com efeito, para lá da representação e ação no domínio laboral, em diferentes países, estas estruturas tomaram nas suas mãos os esforços de estabelecimento das fundações e das fronteiras da profissão, definindo as normas ético-deontológicas da atividade, criando mecanismos de regulação do cumprimento dessas normas ou, até mesmo, arrogando competências formais na organização e controlo dos modos de acesso e de exercício da profissão (Bekken, 2019; Örnebring, 2019). No contexto português, o peso dominante do sindicato na delimitação das condições simbólicas e materiais da atividade é também devedor do modelo corporativista que atravessou o período ditatorial, atribuindo ao então Sindicato Nacional de Jornalistas o monopólio da representação profissional e da regulação do acesso à atividade (Sobreira, 2003; Veríssimo, 2003).
A partir da análise do caso francês do Syndicat National des Journalistes, conclui Camille Dupuy (2016) que as ambivalências intrínsecas à profissão e ao processo de profissionalização do jornalismo, por um lado, e o contexto particular da consolidação da sua organização profissional, por outro, reificaram um modelo sindical distinto da generalidade das atividades. Entre as condicionantes desta singularidade está a captura de um conjunto amplo de exigências de âmbito socioprofissional, contribuindo para um quadro reivindicativo heterogéneo, que extravasa a dimensão laboral e que evidencia bandeiras de luta, nomeadamente, nos domínios da regulação do exercício profissional, da qualidade da informação ou da liberdade de expressão (Dupuy, 2016; Le Cam, 2020). Como o demonstra, a título de exemplo, o conjunto de prioridades e preocupações da Federação Internacional de Jornalistas - que congrega organizações sindicais de todo o mundo -, esta profusão de reivindicações não é um fenómeno restrito ao movimento sindical francês (Bekken, 2019; IFJ, s.d.). Aliás, a leitura transversal das conclusões dos principais encontros internacionais de jornalistas permite também identificar esta profusão e imbricação de preocupações e bandeiras de luta (Nordenstreng et al., 2016).
Com base na análise do conteúdo das resoluções, moções e relatórios finais dos quatro Congressos dos Jornalistas Portugueses (1982, 1986, 1998 e 2017), este estudo assume como objetivo principal mapear as reivindicações dos profissionais portugueses ao longo das últimas quatro décadas. Considerando que esta constitui, ainda, uma área pouco explorada no âmbito dos estudos sobre jornalismo e sobre jornalistas (Le Cam, 2020), esta investigação funda-se na conceção de que a identificação das temáticas que mobilizam os jornalistas, poderá contribuir para uma caraterização mais aprofundada da identidade coletiva destes profissionais.
Desafios do jornalismo português
A frequência com que na literatura emergem referências à “crise do jornalismo” (Alexander et al., 2016) indicia a série de impasses e de adversidades que confrontam a atividade informativa no contexto contemporâneo. Problemas esses que estão longe de se cingir a um esgotamento dos modelos tradicionais de negócio (Villi & Picard, 2019), mas que envolvem igualmente a fragilização das condições laborais e profissionais dos seus praticantes (Cohen, 2015; Reinardy, 2016), ou a erosão do lugar e do papel histórico do jornalismo nas sociedades democráticas (Pickard, 2019). Sobre o contexto português, a literatura compreende já um conjunto considerável de referências que nos ajudam a mapear os desafios e dilemas enfrentados pelos jornalistas ao longo das últimas quatro décadas. A título de exemplo, contributos como os de Garcia & Paquete de Oliveira (1994), Garcia (2009a), Rebelo (2011; 2014), Crespo et al. (2017), Matos et al. (2017), Miranda & Gama (2019) ou Camponez et al. (2020) colaboram num retrato mais aprofundado da recomposição sociográfica da profissão ao longo deste período, assim como na caraterização das condições da incorporação destes jornalistas na atividade. Por seu lado, trabalhos como, por exemplo, os de Traquina (2004). Fidalgo (2008; 2009), Camponez (2011), Miranda (2018) ou Quintanilha (2019) contribuem para uma melhor interpretação dos problemas que circunscrevem a definição da identidade profissional dos jornalistas portugueses, as suas estratégias de organização e de controlo da profissão, ou o seu papel na regulação da qualidade da informação.
Uma dimensão emblemática da conjuntura turbulenta do jornalismo português concerne o seu quadro sociolaboral. Conquanto as respostas ao I e ao II Inquérito aos Jornalistas Portugueses (Garcia, 1997; Garcia & Castro, 1993) indiciem já situações de volubilidade dos vínculos contratuais, os resultados de estudos mais recentes (Camponez, et al., 2020; Crespo et al., 2017; Garcia et al., 2014; Miranda & Gama, 2019) sugerem um alargamento da desestabilização das relações laborais. Para este paradigma, concorre, em grande medida, uma densificação do recurso a lógicas irregulares de prestação de serviços, englobando, nomeadamente, situações de “falso freelancing” (Bibby, 2014; Camponez et al., 2020). Subjacente a este fenómeno pode também situar-se um relativo descontrolo dos processos de acesso à atividade, associado a uma proliferação de cursos superiores de jornalismo e de comunicação social (Pinto, 2004), resultando, por um lado, num amplo “exército industrial de reserva” qualificado e, por outro, na oportunidade do recurso a estágios não remunerados (Graça, 2009). Não obstante a polarização ou fragmentação das condições de inserção dos jornalistas na atividade (Miranda & Gama, 2019), outro elemento intrínseco a este paradigma diz respeito ao declínio do nível remuneratório relativo dos profissionais da informação (Miranda, 2018).
Não eximindo as responsabilidades específicas das empresas de media na geração deste cenário, este não pode ser também desligado dos impactos da reconfiguração da economia global e, sobretudo, de um quadro de profundas disrupções e transformações do ecossistema mediático (Mateo et al., 2010; Quintanilha et al. 2020), os quais tendem a acentuar a incerteza relativamente à sustentabilidade e futuro da atividade, favorecendo a indeterminação e a insegurança entre os próprios profissionais (Franklin, 2017; Quintanilha, 2019). Este contexto participa num movimento de contração do corpo profissional, alicerçado na estagnação, ou mesmo retração, do mercado de emprego, em situações de despedimento ou num crescente abandono (Baptista, 2012; Bastos, 2014; Matos, 2020). Este decréscimo assume particular expressão, quando se verifica que deixou de ser exclusivo dos setores mais envelhecidos, para incluir também as franjas mais jovens da profissão (Rebelo, 2011), o que, em última análise, poderá abrandar, ou mesmo inverter, o conjunto de tendências que marcaram o processo de recomposição das redações portuguesas no período pós-transição democrática: crescimento do número de jornalistas, rejuvenescimento profissional, feminização e aumento da formação (Garcia, 2009b).
A situação de vulnerabilidade do jornalismo português não pode ser igualmente dissociada da erosão do papel do Sindicato dos Jornalistas (SJ) enquanto elemento agregador da classe - resultado não apenas da diminuição do número de associados, mas também da divergência, que atravessa os anos 80 e 90, relativamente ao modelo de controlo profissional. Como sugere Garcia (2009b), várias fragilidades que balizaram a profissionalização do jornalismo português, no último quarto do século XX, são herdeiras do modelo de organização profissional do período ditatorial. Com efeito, a manutenção de responsabilidades formais na organização da profissão (como a emissão de títulos profissionais) na alçada do SJ, após o 25 de Abril, viria a constituir uma fonte de tensão entre os jornalistas - nomeadamente, entre os defensores e os opositores da criação da ordem profissional -, que culminou na declaração de inconstitucionalidade do modelo então vigente e na criação da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). A densificação das competências - por exemplo, em matérias de ética-profissional - deste último organismo, subjacente ao que Camponez (2011) define como uma “juridificação” progressiva da deontologia, abriria uma nova linha de luta entre os jornalistas, contestando a sua existência ou a sua estrutura orgânica (Sousa, 2016).
Por seu lado, também as modificações que, ao longo destes anos, se operaram no edifício regulatório dos media portugueses indiciam um conjunto de adversidades colocadas à consolidação do domínio profissional dos jornalistas. De resto, as reações motivadas pela extinção do Conselho de Imprensa (CI) para dar lugar à Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) e, mais tarde, a substituição desta pela Entidade Reguladora da Comunicação Social prognosticam movimentos de esvaziamento da representação profissional na regulação da informação, assim como de captura estatal e política de competências e do âmbito da intervenção da autorregulação. Este paradigma não pode, contudo, ser separado da incapacidade de o setor - e os profissionais - concretizar efetivos espaços de autorregulação (Serrano, 2010), não obstante, linhas de permanente valorização dos mecanismos de responsabilização da informação.
Os Congressos dos Jornalistas Portugueses
Conquanto as suas teses e conclusões sejam fonte de vários estudos sobre o jornalismo em Portugal, ainda está por se fazer uma historiografia dos Congressos dos Jornalistas Portugueses (CJP).
Subordinado ao tema “Liberdade de expressão, expressão da Liberdade”, o primeiro destes encontros teve lugar em Lisboa, entre os dias 19 e 22 de janeiro de 1982. Então, o regulamento do congresso definia-o como uma “iniciativa do Sindicato dos Jornalistas” com o objetivo de “congregar todos os elementos da classe, sindicalizados ou não, numa discussão alargada dos principais problemas que se deparam ao exercício da profissão” (1CJP, 1982). Não obstante, o patrocínio da organização sindical, a sua organização caberia a uma comissão com “autonomia total” do SJ. Esta desvinculação era reafirmada num outro ponto do regulamento: “O ICJP não tem caráter sindical, embora tal não constitua limitação dos temas a abordar”. As teses apresentadas ao congresso seriam divididas em quatro grandes secções: “Questões gerais sobre o direito à informação e liberdade de informar”; “Exercício do jornalismo em Portugal”; “Questões socioprofissionais”; e “Formas específicas de jornalismo”.
Quatro anos depois (entre 12 e 15 de novembro), e também em Lisboa, o II Congresso dos Jornalistas Portugueses (2CJP) assumiu como tema central a “Deontologia”, ainda que o seu regulamento previsse estar “aberto à apreciação de outras questões que se prendem com o exercício da profissão” (2CJP, 1986). A separação entre a atividade do congresso e o SJ é aprofundada no regulamento deste encontro, quando refere não visar “assumir um caráter sindical nem [se] substituir às atuais formas de organização e decisão dos jornalistas neste campo”. Ao contrário dos restantes encontros, as secções das teses apresentadas ao 2CJP denotam a centralidade das preocupações com a ética profissional: “Deontologia: Abordagem genérica do problema”; “Deontologia: Modos de exercício da profissão e práticas profissionais”; “Deontologia: Incompatibilidades e Código Deontológico”; “Correspondentes portugueses no estrangeiro”; “Ensino do jornalismo, acesso à profissão e formação profissional”; ou “Audiovisuais”. Em termos similares aos documentos anteriores, a autonomia do encontro voltaria a ser sublinhada no regulamento do congresso de 1998, o qual teve lugar em Lisboa - entre 26 de fevereiro e 1 de março (3CJP, 1998). A amplitude do tema central do congresso - “O que é ser jornalista, hoje” - reflete-se na diversidade das secções que compreendem as teses do encontro: “Questões técnico-profissionais”; “Ética e deontologia”; “Autonomia, identidades e práticas jornalísticas”; ou “Enquadramento legal e laboral”.
Após um hiato de 19 anos, o 4CJP - que teve lugar em Lisboa, entre 12 e 15 janeiro -, foi promovido por três entidades distintas: SJ, Clube dos Jornalistas e Casa da Imprensa.
Subordinado ao tema “Afirmar o jornalismo”, o encontro compreendeu sete sessões principais: “O estado do jornalismo”; “Ensino, acesso à profissão e formação profissional”; “Regulação, ética e deontologia”; “Condições de trabalho dos jornalistas”; “A viabilidade económica e os desafios do jornalismo”; “O jornalismo de proximidade e a profissão fora dos grandes centros”; e “Afirmar o jornalismo: Independência e credibilidade” (4CJP, 2018).
Muito embora cada CJP tenha os seus momentos ou iniciativas específicas (como debates, exposições ou concertos), o modelo nuclear da organização é relativamente transversal aos quatro encontros. A participação é aberta a jornalistas, convidados, titulares de cartão de equiparado, estudantes, professores e académicos. No entanto, apenas detentores de carteira profissional e de título provisório têm pleno direito a apresentar comunicações, intervir nos debates, submeter moções e votar. Paralelamente à resolução final (e eventuais propostas de alteração), também as moções apresentadas são objeto de votação pelos congressistas. As decisões, comunicações e outros documentos são reunidos nos respetivos livros de atas dos encontros.
O número de referências aos CJP no âmbito dos estudos do jornalismo, assim como a sua menção em documentos e publicações de âmbito profissional, refletem a relevância que estes momentos de discussão coletiva assumem - os quais, como sublinha Fernandes (2013), estão longe de se esgotar nos dias do encontro. No entanto, importará observar que estes espaços são circunscritos a uma franja do universo profissional. Como exemplo, de acordo com os dados da organização do último encontro (Ferreira, 2017), entre as cerca de 800 pessoas que participaram na iniciativa, 496 eram jornalistas. Por outro lado, e como o indiciam diferentes comunicações ao 4CJP, as decisões emanadas dos encontros nem sempre acabam por se materializar.
Metodologia
Não obstante, o domínio dos estudos sobre jornalismo em Portugal compreenda já um amplo e diversificado conjunto de investigações sobre a história da sua profissionalização, evidencia-se uma lacuna no conhecimento mais sistematizado sobre as linhas de exigência da classe. Esta investigação visou colmatar esse vazio, através de uma análise e caraterização mais aprofundada das reivindicações expostas nos CJP.
Como se refere previamente, todos os congressos deram origem a livros de teses e conclusões. Ainda que com diferentes designações e com extensões distintas, as quatro obras incluem secções específicas referentes às conclusões ou resoluções finais dos encontros, moções ou propostas apresentadas aos congressos, e as sínteses ou relatórios das discussões. Estes documentos foram classificados de acordo com três categorias: “Resolução final”; “Moções” e “Relatório-síntese”. O corpus de análise do presente estudo compreende estes diferentes documentos. Na Tabela 1, procura-se sistematizar os textos analisados, identificando a sua designação original e, no caso das moções, o número de textos considerados na análise.
1. Embora o regulamento do 3.º CJP preveja a possibilidade de apresentação de propostas ou moções, o livro de conclusões do congresso não compreende esta tipologia de textos. O autor contactou membros da comissão organizadora, no sentido de confirmar a ausência de apresentação de moções no encontro.
2. Não foram consideradas as moções chumbadas em congresso (n=4).
Fonte: Dados recolhidos pelo autor
No sentido de responder às questões da pesquisa, a investigação envolveu a articulação de uma abordagem convencional da análise de conteúdo qualitativa (Hsieh and Shannon, 2005; Renz et al., 2018; Zhang & Wildemuth, 2009) com pressupostos da análise de conteúdo quantitativa (Olienik, 2011; Rourke & Anderson, 2004). Esta abordagem compreendeu duas etapas distintas.
Com base nos procedimentos sugeridos por Renz et al. (2018), Mayring (2014) e Elo et al. (2014), a primeira fase envolveu a leitura repetida dos documentos numa procura de obter imersão e entendimento geral dos dispositivos, seguida de novas leituras com o intuito de identificar unidades de sentido. Nesta análise, foram identificadas 425 referências a reivindicações. Estes códigos, após serem reanalisados, foram agrupados em 35 categorias (14 da quais incluem subcategorias). Por sua vez, estas categorias podem ser delimitadas em seis grandes dimensões: “Condições laborais”; “Regulação e organização da profissão”; “Regulação da qualidade da informação”; “Deveres e compromissos dos jornalistas”; “Direitos dos jornalistas”; e “Enquadramentos específicos do jornalismo e dos jornalistas na atividade profissional”. Estas dimensões sustentam a estruturação da exposição dos resultados abaixo apresentada, onde se procura aprofundar o significado de cada categoria, com recurso a transcrições e descrições mais detalhadas. No sentido de simplificar a leitura, a referência aos documentos será sintetizada de acordo com a seguinte codificação: “Resolução final” (Res); “Moções” (Mo); e “Relatório-síntese” (Rel), a que se junta o número do respetivo congresso.
A segunda etapa envolveu pressupostos da análise de conteúdo quantitativa assistida por computador (MAXQDA18), no sentido de reconfirmar e assinalar referências às categorias identificadas nos documentos analisados.
Reivindicações presentes nas conclusões dos quatro CJP
Como referido, as reivindicações identificadas foram agrupadas em seis grandes dimensões. Nesta secção, os resultados são apresentados de acordo com essas dimensões.
No seguimento do contexto apresentado anteriormente, torna-se expectável que os elementos que circunscrevem a situação laboral dos jornalistas portugueses sejam objeto de discussão nas diferentes reuniões. Conquanto a evocação destas questões seja relativamente transversal aos quatro momentos de debate, é sobretudo nas duas últimas reuniões que se desvendam propostas e exigências concretas sobre os modos de inserção dos jornalistas na atividade. Este quadro de reivindicações pode ser repartido em cinco grandes dimensões: vínculo, remuneração, segurança social, fiscalização das condições laborais, desemprego e despedimentos.
As preocupações com o vínculo laboral surgem, desde logo, em manifestações mais genéricas, como, por exemplo, na determinação da classe para “combater firmemente os contratos a prazo e outras formas mais ou menos camufladas de exploração de jornalistas” (Rel_I) ou na afirmação da “absoluta necessidade de os jornalistas terem uma ligação contratual digna com as empresas para que trabalham” (Rel_III). Especialmente no 4CJP, emerge um conjunto de resoluções particulares sobre os profissionais em situações anómalas de contratação com base na prestação de serviços ou em “recibos verdes”, que, paralelamente à denúncia e a votos de solidariedade para com os jornalistas precários, reclamam a integração dos “falsos” recibos verdes nos quadros das empresas ou a divulgação, por parte das administrações, do número exato de jornalistas em situação laboral irregular (Mo_IV). Se, em 1986, se exige que “o acesso [...] ao estágio deixe de depender de um vínculo” (Res_II), a partir do 3CJP, as referências a este modelo de enquadramento dos jornalistas na redação prendem-se sobretudo com a denúncia da exploração do trabalho dos estagiários “utilizados por muitas empresas como autênticas
«galinhas dos ovos de ouro»” (Rel_III), visando contestar “os estágios profissionais fora dos quadros legais” (Rel_IV) ou apelando à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) “para acabar com os falsos estágios” (Res_IV). Propostas mais singulares exigem que os estágios curriculares sejam objeto de protocolo entre os media e as instituições de ensino, com depósito na CCPJ e na ACT, ou que este período de estágio seja considerado para a obtenção do título profissional (Mo_IV).
A par de reivindicações mais amplas, referentes ao imperativo de “elevar o nível [...] de remuneração” (Rel_I) ou às “insuficientes condições de remuneração” (Rel_II) dos jornalistas portugueses, no 4CJP são votadas exigências específicas tendo em vista a “adoção de tabelas de retribuições mínimas para colaborações em regime de prestação de serviços” ou de “uma tabela com limites salariais mínimos” (Mo_IV).
Também no 4CJP, surge uma série de demandas relacionadas com a vigilância e o controlo das condições de trabalho, exigindo do SJ, da ACT e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social uma ação mais eficaz (Mo_IV), ou defendendo a criação de “um mecanismo mais expedito para aumentar os mecanismos de fiscalização das relações laborais precárias” (Rel_IV).
ou as diferentes intervenções, no 4CJP, sobre o reforço da ação do SJ (Rel_IV) -, a generalidade das exigências e propostas sobre os modelos de organização da profissão tende a sublinhar a reivindicação de uma intervenção mais ativa e deliberativa dos jornalistas na definição e no controlo dos modos de aceder e exercer a atividade. Esta linha de reivindicações encontra-se expressa na defesa de que a atribuição do primeiro título profissional decorra de uma análise às condições e resultados profissionais do estágio, realizada por “uma comissão de jornalistas sob a égide do Conselho de Imprensa” (Res_II), ou na proposta de que a CCPJ, “ou qualquer outra entidade com a função de controlar o acesso e o exercício da profissão”, seja formalmente presidida por um jornalista, prevendo também a exclusão dos empregadores na designação de membros do organismo (Mo_IV). Aliás, esta última exigência não pode ser desligada do apelo à reflexão sobre o papel da CCPJ, questionando, “inclusivamente, a existência do órgão” (Mo_IV). Importa, no entanto, observar que nem todas estas reivindicações pressupõem um monopólio no controlo profissional. Um exemplo será a proposta, de 1986, de que as incumbências com a carteira profissional transitassem para uma instância no âmbito do Conselho de Imprensa - metade da qual seria composta por jornalistas indicados pelo sindicato (Res_II). Outras referências a novas estruturas compreendem, a título de exemplo, a institucionalização de uma “organização que congregue os jornalistas e fotojornalistas freelancers” (Rel_ IV), a criação de um núcleo, pelo SJ, com o objetivo de promover o contacto com os candidatos à profissão (Mo_IV), ou mesmo a constituição de um “grupo de trabalho para monitorizar e implementar as conclusões do congresso” (Mo_IV).
Duas outras dimensões que atravessam as conclusões dos diferentes encontros referem-se ao acesso à profissão e à definição legal de jornalista. A primeira reflete-se em exigências como a de “moralizar o preceito de estágio dos jovens candidatos” (Mo_II) ou a de “promover uma reflexão sobre as condições de acesso à profissão” (Mo_IV), mas compreende também a atualização da legislação, com vista a “flexibilizar o acesso à profissão de jornalistas freelancer e de órgãos de comunicação independentes que não o pratiquem a tempo inteiro” (Mo_IV), ou que as “empresas se obriguem a admitir anualmente um determinado número de diplomados em comunicação social ou jornalismo, cujo trabalho será apreciado pelos Conselhos de Redação” (Rel_I). No entanto, o acesso aberto, “preferentemente com formação universitária” (Rel_III), é relativamente transversal, admitindo que a “profissão ganha com diversidade de formações, proveniências e mundividências” (Rel_IV).
Já a dimensão das incompatibilidades manifesta-se na defesa da reflexão sobre a atividade desenvolvida em gabinetes de comunicação (Rel_I) ou sobre “normas que regulem a questão delicada do regresso do assessor à atividade jornalística” (Rel_III), assim como na recusa em aceitar a “integração do assessor na carreira jornalística como «jornalista assessor» e dos que se dedicam à redação de jornais institucionais como «jornalista-divulgador»” (Rel_III). Sobretudo nas primeiras reuniões, evidenciam-se também referências a um alargamento do campo profissional, patentes nas reivindicações do “explícito reconhecimento legal [dos caricaturistas] como jornalistas” (Rel_I) ou da “criação do estatuto de editor fotográfico, ao mesmo nível dos quadros de chefia de Redação dos jornais” (Rel_I).
As preocupações com a formação são representativas de algum entrecruzamento das reivindicações entre congressos. No 1CJP, considerava-se necessário dar por finda a fase da tarimba como meio de formação profissional”, reclamando “uma preparação base, teórica e prática”, assim como a “criação de estruturas tecnicamente apetrechadas”, com o objetivo de fornecer “a formação permanente e a reciclagem fundamentais” (Rel_I). Já no 2CJP, é acentuado o reconhecimento da “formação cultural como condição essencial à competência e a uma verdadeira consciência deontológica” - apelando à “criação de condições para períodos de estudo e atualização profissional” (Rel_II). Esta proposta viria a ser mais aprofundada no 3CJP, através da defesa da “definição de uma política de formação de jornalistas que tenha em conta a evolução da situação do setor, e as respetivas e reais necessidades” ou da prescrição de um “maior investimento de jornalistas e empresários numa formação que tenha em conta os desafios e os problemas éticos colocados pelas Novas Tecnologias” (Rel_III). Paralelamente a um caderno particular de exigências sobre o ensino profissional (situado no 1CJP), evidenciam-se referências específicas sobre a oferta curricular dos cursos superiores de Jornalismo e de Comunicação Social. Estas propostas passam, a título de exemplo, por “fomentar nas escolas de comunicação social o ensino” do jornalismo desportivo (Mo_I), pelo “aperfeiçoamento dos cursos de Jornalismo e Comunicação”, com a introdução de novas disciplinas nos respetivos currículos, como “Direito Internacional” ou “Fotografia” (Rel_II), ou pela “necessidade de os currículos concederem mais atenção a matérias com que os jornalistas lidam na profissão e à componente prática” (Rel_III). De resto, esta última ideia seria retomada no 4CJP, advogando-se ser “fundamental abrir uma discussão sobre os currículos dos mestrados” em jornalismo, visando a criação de variantes “orientadas especificamente para a formação objetiva de jornalistas” (Mo_IV). Especialmente neste encontro, torna-se também evidente a exigência do aprofundamento da relação entre o setor e o domínio profissional, de um lado, e as instituições de ensino superior e os estudantes, do outro.
Concomitante com as linhas de reivindicação relacionadas com o controlo dos modos de acesso, organização e funcionamento da profissão, as conclusões dos CJP evidenciam também exigências sobre a regulação dos aspetos ético-deontológicos da atividade e da informação, que se manifestam, desde logo, em diferentes apelos ao reforço e à aposta na autorregulação, nomeadamente, com o objetivo de, “a prazo, reduzir a regulação por entidades externas” (Rel_IV). Ainda que de modo implícito, na Resolução do 2CJP é ensaiada a reclamação de autonomização do Conselho Deontológico, que se consubstanciará em quatro propostas concretas de novos organismos autorreguladores no encontro seguinte (Rel_III). Este compromisso é relembrado em diferentes momentos do 4CJP, sublinhando o imperativo da “criação de [um] Conselho Deontológico Independente” (Rel_IV) ou da promoção de um “grande debate sobre [...] uma estrutura deontológica independente” (Mo_IV). Outros modelos, mais participados, estão também patentes no apelo à criação de um organismo alternativo à AACS (Res_III) ou na criação de “uma espécie de Conselho de Ética” (Rel_IV). A par do apelo à generalização da experiência dos Provedores dos Leitores e à criação de códigos deontológicos específicos para cada meio de comunicação, no plano organizacional, a exigência do reforço da atividade e poderes dos Conselhos de Redação (CR) está presente em todos os congressos. Formas mais detalhadas destas reivindicações incluem tornar a existência dos CR obrigatória e os seus pareceres vinculativos (Mo_IV), garantir a proteção legal dos seus membros (Rel_IV) ou criar um grupo informal de CR (Mo_IV). Reivindicações alicerçadas no protesto contra a substituição do CI pela AACS (Rel_III) são acompanhadas pela defesa da constituição de um novo “Conselho de Imprensa, ou de um Conselho de Comunicação Social” (Rel_III).
Em paralelo aos apelos à revisão do quadro normativo da atividade e ao cumprimento dessas regras, no 1CJP, esboça-se uma linha de reivindicação do “reconhecimento legal” do Código Deontológico (Res_I), no sentido de “conferir força legal a este instrumento de conduta” (Rel_I). Já nos terceiro e quarto encontros, surgem várias propostas referentes a sanções decorrentes da violação das normas deontológicas, que refletem não apenas uma visão global da profissão, mas também preocupações específicas relativas à erosão das fronteiras da atividade (Mo_IV).
Uma quarta dimensão de exigências é dirigida à própria classe, reclamando a observância dos deveres que lhe são outorgados, no desempenho da atividade. Aos jornalistas é requerido “um cuidado especial na utilização da palavra” (Rel_I), menor preocupação “com a quantidade e rapidez, e mais com a qualidade e ponderação da informação” (Rel_III), ou um “esforço de credibilização” do jornalismo (Rel_IV). Num outro plano, as conclusões do 1CJP apontam para o imperativo de “mudar radicalmente o teor e o estilo de informação da rádio” (Rel_I) e, no 3CJP, defende-se um jornalismo “mais interpretativo e analítico”, devendo a autoria dessas formulações ser “conhecida de todos” (Rel_III). Considerando o momento particular em que o 1CJP tem lugar, é interessante observar o conjunto de referências aos deveres do jornalista na “defesa dos valores da Paz e da Vida” e no esclarecimento “sobre os conceitos universais contra a guerra”, bem como na observância dos preceitos da “Nova Ordem Internacional
da Informação”. (Rel_I)
Num polo oposto, inscreve-se o conjunto de reivindicações que respeitam os direitos que assistem os jornalistas no desenvolvimento da sua atividade. Novamente interligado com o momento em que o encontro se inscreve, mas também com o tema central, no 1CJP, evidencia-se uma série de referências à defesa da “liberdade de expressão” e “repúdio por todas as formas de censura” (Res_I) - não apenas no contexto português, como também em outros países.
Já as referências aos direitos autorais emergem, sobretudo, nos últimos encontros, associadas a respostas às estratégias de convergência empresarial e dos media (Rel_III) ou à ação das novas plataformas de infomediação (Rel_IV).
Um elemento mais abrangente, que atravessa os diferentes encontros, refere-se ao acesso às fontes. Neste âmbito, inscrevem-se as exigências do “cumprimento da lei no acesso às fontes de informação” (Rel_I), mas também reivindicações mais específicas, como a presença permanente dos jornalistas da imprensa regional nas assembleias municipais (Rel_III), a redefinição dos limites do segredo de justiça (Mo_II; Rel_III) ou o apelo ao boicote a conferências de imprensa sem espaço para questões (Mo_IV).
Uma última dimensão refere-se a contextos específicos do jornalismo e do enquadramento dos jornalistas na atividade profissional. Com exceção do 3CJP, as preocupações com o serviço público de media atravessam diferentes momentos dos congressos e tangem aspetos relativamente distintos. A título de exemplo, no primeiro encontro é aprovada uma moção que reclama a reintegração da rubrica “País, País” na RTP1, “em horário condigno com a sua importância” (Mo_I). Já no 2CJP é votado o apelo ao “rigor, isenção e pluralismo nos órgãos de comunicação do setor público” (Mo_II). No âmbito do combate à precariedade, o 4CJP aprova, por unanimidade, a exigência de que o “Estado [...] cumpra as suas obrigações nas empresas em que detém a maioria do capital” (Mo_IV). Existem, no entanto, duas temáticas que transpõem diferentes documentos. A primeira refere-se à instrumentalização do serviço público, patente no repúdio a “todas as tentativas de instrumentalização e silenciamento dos órgãos de comunicação social do Estado”, defendendo a criação de “mecanismos que impeçam a instrumentalização governamental das empresas públicas” (Res_I) ou a adoção de mecanismos legais que evitem a nomeação direta pelo governo dos administradores destas empresas (Mo_II). A segunda diz respeito ao reforço e manutenção do domínio público de media. Enquanto no 1CJP se reclamava “a manutenção do setor público enquanto garantia de uma informação pluralista, independente e isenta” (Res_I), no 2CJP defendia-se a “manutenção das empresas do setor público da comunicação social e de todos os postos de trabalho” (Mo_II). Já no último encontro emergem referências à “defesa e valorização de um setor público de rádio e televisão, posto ao serviço da cultura, da cidadania, do desenvolvimento e dos valores democráticos conquistados com Abril” (Mo_IV), assim como à oposição à privatização da RTP e ao apoio à “manutenção da Agência Lusa com capital maioritariamente público”, advogando “o aumento do financiamento da RTP e da Lusa como ação necessária para melhorar as condições laborais dos jornalistas e dos restantes trabalhadores” (Mo_IV).
Subjacente às reivindicações mais abrangentes sobre o âmbito especializado da informação, como a de “maior exigência e rigor no tratamento de áreas especializadas (jornalismo desportivo, económico, religioso)” (Rel_III), evidenciam-se também referências mais específicas sobre o jornalismo desportivo e cultural. Entre estas, encontra-se o reconhecimento do imperativo de a “classe promover com regularidade a troca de opiniões entre todos os jornalistas que se dedicam ao desporto e [de] fomentar o [...] o ensino desta especialidade” (Mo_I), ou a defesa da necessidade de “aumentar o espaço de informação para a cultura”, apelando à organização dos jornalistas especializados neste domínio (Rel_I), assim como da “necessidade de o jornalismo de cultura não ficar limitado aos «modelos da indústria cultural»” (Rel_IV).
Se o 1CJP se congratulava com o progressivo “crescimento do ingresso de mulheres na classe”, reivindicando “igualdade de oportunidades de acesso aos cargos de direção e chefia”, 35 anos depois, no 4CJP, reconhecia-se a urgência de uma “perspetiva de género nas redações” (Rel_IV) e apelava-se à implementação de “políticas concretas nas empresas de media, tendo em vista a igualdade de género no jornalismo” (Mo_IV). Conquanto as preocupações com a sustentabilidade financeira dos projetos editoriais apareçam já em 1982 - nomeadamente, sublinhando a “necessidade da concretização dos apoios [à informação regional], tantas vezes prometidos e raramente cumpridos” (Rel_I) -, é, novamente, sobretudo, no 4CJP que se desenham vindicações concretas sobre este domínio, advogando o aperfeiçoamento dos modelos de apoio existentes ou a criação de novos modos de financiamento não comercial - como a criação de fundos públicos de apoio ao jornalismo de investigação ou novas modalidades de incentivo à criação de projetos mediáticos (Mo_IV). Também neste último encontro, emergem exigências de “transparência da estrutura acionista dos média” (Mo_IV), a que se une uma série de referências a novas soluções de negócio e de financiamento do jornalismo - como a necessidade de “refletir e investir no crowdfunding” ou de “acompanhar a prática do Facebook” e procurar saber mais sobre os utentes da informação (Rel_IV), ou ainda o apelo à criação de novas plataformas de jornalismo, sem fins lucrativos e com modelos alternativos de acionistas (Mo_IV).
Discussão e conclusões
O conjunto de exigências identificado nas conclusões dos quatro Congressos dos Jornalistas Portugueses deixa transparecer um quadro reivindicativo matizado e bastante heterogéneo, que conjuga questões do foro laboral com dimensões eminentemente socioprofissionais, condições específicas da integração dos jornalistas na atividade, preocupações com a qualidade da informação e a sua regulação, ou juízos sobre boas práticas e modos de exercer a atividade. Conquanto este não constituísse um eixo central do estudo, os resultados aqui apresentados indiciam também a multiplicidade de atores que são o foco dessas reivindicações, as quais confrontam, nomeadamente, legisladores e agentes do poder político, instituições de ensino, autoridades de regulação das condições laborais, instâncias da organização profissional, assim como o público dos media ou, sobretudo, os próprios jornalistas. Esta pletora de exigências encontra paralelo com a realidade sugerida por Dupuy (2016) ou Le Cam (2020) - mas que está também implícita em outros estudos sobre a organização e mobilização coletiva dos jornalistas, como é o caso de Cohen (2016) ou Cohen & De Peteur (2020) - sobre as particularidades da profissionalização e dos modos de organização profissional do jornalismo.
A diversidade de problemáticas identificada não pode, contudo, ser desligada dos propósitos dos próprios CJP, que, não obstante o patrocínio do SJ, como se verificou anteriormente, extravasam o caráter sindical, convidando à participação de diferentes atores e à abordagem de diferentes temas. Admite-se, contudo, como hipótese para um estudo futuro, que mesmo este formato de reunião profissional - que congrega considerações sobre a realidade sociolaboral, debate sobre os modelos de organização e de regulação da profissão, ou reflexões sobre as práticas e os modos de exercício da atividade - reslumbra particularidades da profissão jornalística, não encontrando paralelo em outras profissões, como a medicina ou a advocacia.
Atendendo ao enquadramento reivindicativo de cada congresso, uma segunda conclusão geral que os resultados permitem inferir prende-se com as exigências particulares que emergem em cada encontro. Importará sublinhar que estas especificidades não podem ser dissociadas, por um lado, das temáticas concretas de cada reunião e, por outro, da quantidade e da densidade dos documentos que resultam de cada congresso - aliás, poder-se-á assumir que a profusão de temáticas que carateriza o 4CJP decorre também da extensão das suas conclusões. No entanto, torna-se evidente que estas singularidades radicam também nas diferentes conjunturas do jornalismo português, traduzindo as principais linhas que mobilizam os profissionais em cada um desses momentos.
Muito embora as preocupações com o vínculo contratual atravessem os diferentes encontros, as reivindicações de natureza laboral começam a adensar-se e a discriminar linhas de contestação específicas, sobretudo, a partir de 1998. Este fenómeno encontra eco nas conclusões de diferentes estudos sobre as transformações do jornalismo português, que assinalam uma tendência progressiva de desestruturação das relações laborais e de precarização da atividade (Camponez et al., 2020; Garcia et al., 2014), alimentando, entre os praticantes, sentimentos de indignação e de inquietação, mas também de pessimismo e de desilusão relativamente ao seu futuro na profissão (Quintanilha et al., 2020).
Por seu lado, a expressão que questões relacionadas com as prerrogativas e os direitos indispensáveis ao livre exercício da atividade assumem nos documentos do 1CJP é sintomática da aspiração de liberdade, e da ambição de inscrever as garantias dessa liberdade, assim como das tensões no plano normativo da informação, que marcam a segunda metade da década de 1970 (Figueira, 2007; Gomes, 2018; Mesquita, 1996; 1989). De resto, o espírito do tempo do primeiro congresso encontra-se bem refletido em reivindicações singulares, como as que sublinham a Nova Ordem Internacional da Informação ou as que encontram no jornalista um agente de promoção da paz, bem como no recurso a termos e a conceitos associados ao período revolucionário - algo que já não se verifica no encontro seguinte.
A par destas exigências mais datadas, evidenciam-se ainda reivindicações transversais aos diferentes encontros. A insistência e a reiteração de demandas subjacentes à organização da profissão e à regulação das práticas e dos produtos informativos são também coincidentes com estratégias de mobilização coletiva na defesa de algum nível de controlo institucional dos modos de organização da atividade e de consolidação das fronteiras - e de um determinado grau de monopólio jurisdicional - da profissão (Freidson, 1986; Larson, 1979). Interessa, no entanto, sublinhar que as propostas avançadas nos congressos não correspondem a um fechamento absoluto do mercado de trabalho (Paredeise, 1988); antes, tendem a reconhecer as vantagens associadas à integração de diferentes experiências formativas e, consequentemente, a alguma volubilidade das fronteiras (Neveu, 2005; Ruellan, 1993).
A análise das temáticas permite ainda identificar a continuidade de reivindicações concretas entre congressos. Um exemplo já estudado (Camponez, 2011; Martins, 2013) refere-se ao permanente debate sobre a autonomização do Conselho Deontológico e/ou sobre a criação de novos modelos de autorregulação. Outro exemplo, que carece de uma investigação mais aprofundada, prende-se com a permanente reclamação da preservação e do fortalecimento do papel dos Conselhos de Redação. Se estes elementos são representativos de problemáticas nunca bem resolvidas no âmbito profissional, são também sugestivos da ausência da consumação das resoluções do CJP - convidando a um estudo mais dirigido sobre a materialização das conclusões destes encontros. Também a discussão sobre o papel das mulheres na profissão é representativa de um projeto inacabado - poder-se-á mesmo concluir que a visão mais otimista do primeiro congresso contrasta com uma perspetiva mais desencantada e uma postura mais combativa do último encontro.
O presente estudo tem por base uma análise do conteúdo dos documentos que resultam dos quatro congressos, tendo em perspetiva a identificação e sistematização das principais temáticas das reivindicações dos jornalistas. Por este prisma, não se debruçou de forma exaustiva sobre o teor dessas diferentes reivindicações. Neste âmbito, sugere-se que esta linha de investigação possa ser aprofundada, nomeadamente, a partir de análises qualitativas focadas nas diferentes temáticas identificadas. Por outro lado, reconhece-se que esta análise é centrada na realidade específica dos CJP. Na esteira do contributo de Le Cam (2020), propõe-se que esta análise seja estendida a outros instrumentos de defesa e mobilização coletiva dos jornalistas portugueses.