INTRODUÇÃO
Os autores, ao pesquisar artigos para estudar o Presenteísmo, encontraram um documento que mencionava o conceito de “Tarefas Ilegítimas” (TIs); dado nunca terem lido nada previamente sobre o assunto, ficaram curiosos em saber um pouco mais, resultando daí esta revisão bibliográfica, onde os mesmos resumem os principais dados encontrados, ainda que a bibliografia seja escassa, de forma a divulgar o tema entre os Profissionais a exercer nas equipas de Saúde Ocupacional.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores eventualmente sujeitos a TIs.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre as consequências que podem advir para o funcionário e instituição, em relação a este tema.
-C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos com eventuais TIs.
Assim, a pergunta protocolar será: Qual o impacto que as TIs poderão ter a nível da Saúde Laboral?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2021 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as expressões/palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Artigo | Caraterização metodológica | Resumo |
---|---|---|
1-H | Estudo descritivo transversal | Trata-se de um artigo com autores suíços e suecos, que pretende avaliar as consequências que as TIs poderiam ter a nível de gerar ansiedade perante questões organizacionais. Foi aplicado o questionário BITS em 440 indivíduos de 28 instituições governamentais. Concluiu-se as TIs podem ficar atenuadas com uma melhor organização do trabalho. |
2-D | Estudo Experimental Randomizado |
Trata-se de um estudo dinamarquês que pretendeu investigar se as TIs poderiam ser atenuadas com algumas medidas interventivas. Usaram como amostra 404 funcionários do setor da educação e concluíram que tais medidas poderiam melhorar a situação. |
3-G | Observacional Analítico Transversal | Nesta publicação suíça os autores pretenderam relacionar as TIs com a ansiedade laboral, incluindo três estudos separados. O primeiro usou uma amostra de 190 questionários online, provenientes de indivíduos de diversos setores profissionais. O segundo obteve uma amostra de 224 indivíduos de colarinho branco, a exercer num departamento governamental. Por fim, o terceiro estudo usou 25 elementos correlacionados a estudantes presentes num seminário de psicologia, com os dados também colhidos através de um inquérito online. |
4-E | Artigo de Opinião/ Journal Club | É um artigo breve, publicado por três médicos, que comentam outro artigo publicado na mesma revista. O aspeto essencial consiste no facto de estes defenderem que a existência de problemas na saúde mental poderá fazer com que o funcionário considere que o que faz não tem utilidade e não serem propriamente as TIs a causarem os problemas emocionais. Estes indivíduos também defendem que a existência de tarefas desnecessárias ou aborrecidas podem proporcionar pausas laborais agradáveis e necessárias. |
5-A | Observacional Analítico Transversal | Trata-se de um estudo alemão que resultou dos dados obtidos de um inquérito online com 268 trabalhadores da saúde e segurança social, no qual se pretendeu avaliar a eventual relação entre a supervisão abusiva e as TIs. Os autores concluíram que existe uma relação positiva. |
6-B | Estudo descritivo, transversal | Nesta investigação pretendeu-se avaliar a existência de TIs entre os profissionais dos cuidados de saúde primários na Suécia, incluindo enfermeiros, médicos, gestores, auxiliares e outros profissionais relacionados. Foi aplicado o questionário BITS e o Copenhagen Psychosocial Questionnaire. Os autores concluíram que 27% dos médicos percecionavam um patamar elevado de tarefas não razoáveis, associadas a conflitos de papeis e a questões organizacionais. As TIs pioram o ambiente de trabalho que, por sua vez, pode modular a perceção das obrigações profissionais. |
7-C | Multicêntrico Observacional Analítico Transversal |
Neste documento pretendeu-se avaliar a existência de TIs entre médicos noruegueses, utilizando uma amostra de 545 indivíduos, tendo sido os dados colhidos através de um questionário on line. O estudo concluiu que as TIs eram frequentes neste setor profissional, sendo que tal poderia contribuir para o presenteísmo. Os autores fazem algumas sugestões concretas para atenuar o problema. |
8-F | Artigo de Opinião/ Journal Club | Nesta publicação os autores do artigo original, comentam o artigo publicado sobre o seu trabalho, destacando a ideia de que não há evidência científica publicada relativa às tarefas desnecessárias conseguirem proporcionar momentos agradáveis e uteis de pausa. |
CONTEÚDO
Definição
O conceito de Tarefas ilegítimas (TIs) é construído (1); ou seja, tal qualificação depende se o trabalhador vê o objetivo como inserido ou não nas suas funções (2), o que é influenciado pela definição das tarefas centrais e periféricas daquele setor profissional. Contudo, uma tarefa pode ser considerada central numa profissão mas, em determinado contexto, na mesma ilegítima- por exemplo, um professor a explicar a mesma coisa, novamente, a alunos desatentos (3). O facto de ser adequada ou não em determinado contexto, é assim uma apreciação subjetiva do trabalhador e/ou chefia. Para além disso, “fazer sentido” e “ser necessária” não são sinónimos (4). A definição de TI pode variar com a cultura e época, ou seja, ir mudando com o tempo (3).
As tarefas podem ser consideradas ilegítimas quando são consideradas:
-desnecessárias (1) (2) (3) (5) (6) (7), ou seja, não são precisas (1) (2) (5) (6) e, por isso, não deveriam ser atribuídas a ninguém (2) (7), constituindo uma perda de tempo; também pode acontecer que não seriam necessárias se outros tivessem executado adequadamente o seu trabalho e estivesse tudo melhor organizado (7).
-não razoáveis (1) (2) (3) (5) (6) (7), significando que não estão incluídas na abrangência daquele posto de trabalho (1) (5) (6) (7) e/ou desadequadas à experiência e/ou autoridade conquistadas, ameaçando a identidade profissional (3); são vistas como inapropriadas porque deveriam ser executadas por outro trabalhador (2) (3) (7), porque violam normas que o funcionário considera que deveria adotar com rigor (3) (7) e/ou porque criam algum outro tipo de conflito. Acredita-se que este subtipo é mais frequente (7).
Por exemplo, entre médicos, por vezes existem tarefas administrativas e/ou reuniões que estes consideram desadequadas (7). Nos profissionais dos cuidados de saúde primários em específico, por vezes, algumas tarefas administrativas (cerca de um quarto do global da carga de trabalho), são vistas com essa qualificação (6).
Fatores mais frequentemente associados
Supervisores abusivos por vezes têm atitudes hostis, como humilhar os seus subordinados, serem rudes, criarem momentos de contato físico desadequado e/ou proporcionar invasão da privacidade; podem berrar, ridicularizar, ignorar, não cumprir detalhes previamente combinados, desrespeitar, desvalorizar e/ou esconder informação relevante. Contudo, a supervisão abusiva também pode ocorrer através de TIs. As atitudes dos supervisores abusivos geralmente têm um objetivo concreto, ainda que possa acontecer sem que exista o propósito de prejudicar o funcionário (ou seja, poderão apenas querer atingir objetivos próprios). Em ambos os casos, contudo, geralmente não estão preocupados com o bem-estar dos subalternos. A monitorização excessiva da tarefa também pode estar incluída numa supervisão abusiva. Cada um destes detalhes pode causar ansiedade nos trabalhadores (5).
Supervisores hierarquicamente mais elevados atribuem TIs com mais facilidade que supervisores mais inferiores (1) (5). Por sua vez, um supervisor que seja alvo de TIs da parte da sua própria chefia, poderá ter que delegar TIs aos seus subordinados (5). Quanto maior for a competição por recursos na empresa, maior a probabilidade de existirem TIs (1). Contudo, elas também podem resultar da incapacidade da chefia gerir e delegar o trabalho. Ainda assim, a situação geralmente é mais problemática para trabalhadores que não têm ninguém na hierarquia para delegar (5).
Alguns salientam que talvez não sejam as TIs que levam à menor saúde mental, mas que poderá ser possível em alguns casos que a pior saúde mental em si aumente a probabilidade do trabalhador considerar que o que está a fazer não é útil. Para além disso, acreditam que a execução de algumas tarefas “não necessárias” ou aborrecidas poderão potenciar a saúde mental, por permitir algum repouso/pausa no trabalho usual (4). Contudo, outros investigadores argumentam que não há evidência científica publicada que comprove tal (8).
As TIs parecem ser mais frequentes no sexo feminino (1).
Consequências para o Trabalhador e para a Instituição
As TIs podem potenciar no funcionário a existência de níveis mais elevados de cortisol (1) (2) (3) (7) ansiedade (1) (3) (2) (5) (7), depressão, sintomas psicossomáticos (5), exaustão emocional (5) (7)/burnout (1) (3), irritabilidade (3), menor qualidade do sono (7), menor autoestima (2) (3) (7), maior ressentimento com a instituição (2) (7), maior irritabilidade, menor saúde mental no geral (2) (4) (7) e saúde global (7); bem como presenteísmo (7), insatisfação laboral (3) (7), maior vontade de trocar de emprego, menor motivação (7) , mais atitudes contraprodutivas (1) (2), mais conflito de papeis (3), pior ambiente de trabalho (6), sensação de injustiça ou até ressentimento, raiva, rancor e indignação. A existência de TIs pode ser percecionada pelo trabalhador como um desrespeito (3).
Alguns investigadores consideram que a quantidade de TIs é diretamente proporcional à ansiedade percecionada pelo trabalhador (7).
As TIs podem ameaçar ou perturbar a identidade profissional (7). Para muitos indivíduos, a identidade é definida pelo trabalho. Logo, não atingir determinado desempenho poderá fazer com que o funcionário se considere incompetente, baixando as suas autoestimas pessoal e social geral (3).
Métodos para avaliar o tema
O questionário BITS (6) (Bern Illegitimate Tasks Scale) pode ajudar, mais para as tarefas desnecessárias que as não razoáveis, segundo alguns investigadores (2). Nele se encontram as seguintes alíneas: “Do you have work tasks to take care of, witch keep you wondering if they have to be done at all? Do you have work tasks to take care of, witch keep you believe should be done by someone else?”, que deverão ser respondidas utilizando uma escala Likert, ou seja, de “1” que corresponde a “never” até “5” que se equipara a “frequently”; assim, pontuações mais elevadas correspondem a maior intensidade de TIs (6).
Estratégias para atenuar o problema
Se as TIs forem justificadas pela doença de outros trabalhadores, a sua aceitação ficará potenciada, uma vez que a sensação de injustiça será diminuída; o facto de a chefia assumir algumas dessas atividades também potenciará a aceitabilidade geral das mesmas (3).
Será desejável perceber quais as tarefas que os profissionais consideram ilegítimas e porquê, bem como de que forma elas poderiam ficar mais atraentes (7)
As TIs podem ser atenuadas, ou pelo menos impedir-se a sua intensificação, através de oficialização das tarefas principais de cada posto, obtidas por consenso, por uma equipa diversificada e adequada (2), diminuindo-se também assim a ambiguidade a nível de conflitos de papeis (7).
Contudo, alguns defendem que é pouco provável que as TIs sejam totalmente eliminadas, ainda que as chefias, mesmo assim, devam tomar medidas para evitar as mesmas (3). Uma boa organização do trabalho diminui as TIs (1).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
O conceito em si é razoavelmente recente e os poucos artigos encontrados são genericamente de autores/revistas do norte da Europa. Contudo, ao constatar as definições simples dadas ao conceito geral de TIs e das suas principais subdivisões, facilmente identificamos situações concretas (passadas diretamente connosco, com colegas de trabalho ou com funcionários de empresas onde exercemos Saúde Ocupacional) que aqui poderão estar inseridas. Contudo, ainda assim, o conceito é razoavelmente subjetivo, uma vez que na base está o facto de o funcionário considerar que a tarefa é ilegítima e/ou a chefia eventualmente não concordar. As consequências apontadas na literatura escassa fazem sentido. Seria relevante entender o porquê de uns considerarem as TIs e outros não e que medidas práticas concretas poderiam ser tomadas para atenuar a questão.
Seria pertinente também aprofundar a realidade portuguesa, divulgando as conclusões obtidas através da publicação em artigo científico.