1.Introdução
A vivência da maternidade é uma das experiências mais significantes na vida de uma mulher, as transformações hormonais, sociais e os diferentes percursos na trajetória do ser mãe, refletem a vivência deste momento de forma singular. Em todo ciclo gestatório se constrói o ser mãe, sendo este influenciado diretamente por aspectos socio-culturais, ambientais e rede de apoio formal e informal que serão utiizadas no cotidiano de vida que podem fazer da experiência mais ou menos satisfatória do ponto de vista emocional e afetivo (Gomes & Dos Santos, 2017). Tal período de vida pode ser marcado por episódios que remetam à atenção a saúde vivenciada no pré-natal e no parto, como por exemplo, a experiência de um pré-natal e parto violentos, vulnerabilidades econômicas apoio familiar e comunitário, sendo tais premissas importantes na configuração do novo ser transformado e adaptado para a experiência da maternidade. Importante ressaltar, que o período do puerpério, do ponto de vista social, traz a concretude de outra vida, outro ser também em adaptação, e pode apresentar--se desgastante exigindo dos envolvidos períodos de adaptação que envolvem desconforto físico e mental, como privação de sono, a não participação em eventos sociais e familiares, a postergação de ações de autocuidado, fatos estes que sem adequado suporte familiar, social e profissional, podem redundar em desequilíbrios na vida pessoal em especial, para as primigestas(Prigol & Baruffi,2017). Episódios de tristeza, ansiedade e até o desenvolvimento de depressão puerperal são comuns nesse período. Ademais, em países como o Brasil, com uma ampla diversidade cultural, espera-se da mulher o cumprimento da maternidade, um papel inerente a condição biológica e descrito como altruísmo, dedicação e heroísmo, deixando claro que ser mãe exige sacrifícios para o reconhecimento atribuído pela sociedade patriarcal (Elias, Pinho & Oliveira, 2021). Neste contexto, viver a maternidade remete a diferentes representações e diz muito da história de vida pessoal e experiências. Enfermeiros obstetras no Brasil prestam assistência ao parto de risco habitual. Na Atenção Primária em Saúde (APS), enfermeiros generalistas realizam o pré-natal de risco habitual e acompanham o puerpério. Eles estão presentes nos percursos terapêuticos de mulheres no ciclo gestatório/puerperal acompanhando-as no processo de transformação social, cultural e biológico da maternidade. A partir desta experiência, e na realização deste estudo, emergiram reflexões como: Como o cuidado realizado por enfermeiros no ciclo gestatório/puerperal são percebidos por mulheres? Diante disso, este estudo teve como objetivo reconhecer as percepções de puérperas nas ações de cuidado recebidas por enfermeiros em um Hospital de Ensino.
2.Métodos
Estudo qualitativo, exploratório, realizado em um Hospital de Ensino Federal, vinculado a uma Universidade Pública. Compôs o grupo de participantes deste estudo, treze mulheres primíparas, que pariram seus filhos de parto normal ou cesariano no segundo semestre de 2021. A abordagem inicial a participantes foi realizada no Alojamento Conjunto da maternidade, após as primeiras 24 horas de puerpério, pelo pesquisador principal para apresentação do projeto e possível participação. Neste momento era solicitada a autorização para realização de um contato por chamada telefônica para dar seguimento à coleta de dados e os trâmites legais para a participação, tal contanto ocorreu entre o 30º e 45º de puerpério. Após esta abordagem, as que aceitaram realizar a entrevista receberam via Whatsapp dois links de formulários elaborados pelo Google Forms um com o questionário (Apêndice A) e o outro com Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e que a entrevista aconteceria por vídeo chamado na plataforma Google Meet em dia e horário mais conveniente para a participante. Apesar de não consideramos para o nosso tipo de estudo a forma mais adequada de abordagem, foi orientação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, baseado no momento pandêmico, com aumento do número de casos da COVID-19 em gestantes e puérperas e devido as alterações físicas e emocionais do período que a coleta se desse de tal forma. Justificando tal opção, as videochamadas para a realização de entrevistas em estudos qualitativos, apontam algumas vantagens, tais como: maior abrangência geográfica para a inclusão de participantes, economia de recursos financeiros e redução de tempo na coleta de dados, além de proporcionar maior segurança no contexto da pandemia para participantes e pesquisadores. No entanto, pode-se esperar que a investigação de tópicos sensíveis, como a experiência de puerpério podem ser comprometidos pela perda de observações mais sucintas, como é no face a face entre pesquisadores e participantes. Uma entrevista guiada, por uma questão norteadora e questões de apoio foi realizada com cada participante, conforme descrito, e que está contida como (Apêndice B): Conte para mim o que representa ser mulher e puérpera pela primeira vez?” Tal questão, apoiada por outras, fez emergir a léxicos de importância em cada Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e possibilitou a exploração do ser enfermeiro no contexto da assistência à mulher no ciclo gestatório/puerperal. Foi elaborado o corpus textual, refinado e corrigido expressões e criado sinonímias para a análise. Posteriormente, o processamento se deu com a utilização do software Iramuteq (Interface R pous les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaries - Versão 0.7 alpha 2. O corpus das 13 entrevistas gerou 308 Unidades de Contexto Elementar (UCE). A Classificação Hierárquica Descendente (CHD) reteve 254 UCE, com aproveitamento de 82,47%, e cinco classes. Nesse artigo, iremos explorar a classe 1, que representa 14,27% de aproveitamento de 68 segmentos de texto. Nesta classe, o léxico mais evocado foi “enfermeiro”, com frequência de 23 vezes. A duração das entrevistas foi entre 20 a 30 minutos e ocorreram em diferentes dias e horários da semana, considerando a disponibilidade da participante e seus afazeres. A codificação das entrevistas foi feita considerando a letra de E- Entrevista e o número correspondente a ordem das mesmas. Dessa forma, nos resultados deste estudo apresentaremos a nuvem de palavras correspondente a esta classe. Este projeto de pesquisa foi aprovado pelo n° de Parecer 4.374.930/2020 em dois de novembro de 2020 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Este projeto foi apoiado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul, e desenvolvido no Mestrado em Enfermagem da universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
3.Resultados
A análise das 13 entrevistas permitiu o reconhecimento da percepção das puérperas, sendo evocada pelas mesmas a palavra “enfermeiro”, conforme a Nuvem de palavras abaixo (fig 1).
Fonte: Pesquisa de Dissertação de Mestrado (2020-2022),com base no softaware IRAMUTEQ®.
No entorno da palavra “enfermeiro”, destacam-se abaixo: “saúde”, “normal”,” lado”,via, “atender”, maravilhoso. Na parte superior e em destaque estão: “agradecer”, “médico”, “banho”, “parto”,” sempre”. Outros léxicos que tem evocação no contexto da pesquisa:” ruim”, “bom”, “lembrar”, “comer”, “chorar”, “bem”, “reclamar”.
[...]eu não mudaria nada porque simplesmente foi maravilhoso sensacional foi um parto normal tinha uma médica, mas tinha um enfermeira que praticamente fez meu parto sozinha, eu não lembro o nome dela, mas queria muito agradecer (E3).
[ ...] o que não foi muito bom eu fiz meu pré natal no posto de saúde e quase no final no oitavo mês trocou a minha enfermeira e depois veio duas que inclusive são do hospital também e foram elas que me indicaram esse lugar ( E11).
4.Discussão
Considera-se o puerpério o estágio final do ciclo gravídico-puerperal. Diante da regressão física gravídica e a vivência psicoemocional da maternidade. Após a dequitação placentária e por um período descrito na literatura, as mulheres são ditas puérperas. A experiência da maternidade é um momento de aumento de fragilidades e vulnerabilidades, cercado de tabus em determinadas culturas e que necessita de atenção pré-natal de qualidade, rede de apoio familiar e preparo da mulher para tal evento. A enfermagem como parte da equipe de APS e atuante na Rede de Atenção a Saúde, compondo a linha materno-infantil, tem papel de destaque na assistência a esta fase de vida (Condeles et al., 2019). As práticas de enfermagem, em especial do enfermeiro generalista e do enfermeiro obstetra, são consolidadas há muito tempo no Brasil, e estão presentes em diferentes políticas de saúde, com ênfase no cuidado humanizado, na consulta de pré-natal de risco habitual, a realização do parto de risco habitual e o acompanhamento da mulher no puerpério e do neonato na consulta de puericultura (Prigol & Baruffi, 2017). Dito isto, a assistência de enfermagem desde a assistência pré-natal ao puerpério remoto, configura-se como uma prática de continuidade às demandas da mulher, criança e família, e traz a possibilidade de ofertar uma assistência individualizada, que melhore a qualidade de vida, facilite o acesso a qualquer um dos níveis de atenção à saúde e tenha desfechos a saúde materno-infantil favoráveis. É importante destacar que no nosso estudo houve, por parte das mulheres participantes, o reconhecimento das habilidades e competências do enfermeiro obstetra na atenção ao parto e nas medidas de conforto ofertada durante a fase de dilatação, como se destaca nos segmentos que emergiram na Classe 1 e na nuvem de palavras em destaque. Vale ressaltar, que a enfermagem cuida da saúde humana, na atenção a puérperas deve-se prever que a memória do parto pode ser um disparador de boas e más lembranças e estas afetam a experiência da maternidade. O fortalecimento da RAS, da APS, a comunicação efetiva entre os diferentes pontos de assistência a mulher no ciclo gravídico-puerperal, são essencias para a melhoria de indicadores de saúde, qualidade de vida, autonomia de mulheres na vivência da maternidade.
5.Conclusão
Foi possível reconhecer o enfermeiro como profissional promotor de práticas humanizadas na assistência ao parto, com memória pelas participantes do acolhimento recebido no momento de rito para o ser mãe. Destaca-se ainda o acolhimento no pré-natal, o vínculo entre a mulher e o enfermeiro e a segurança na comunicação efetiva para o acompanhamento pré e pós-natal. Enfermeiros generalistas e enfermeiros obstetras têm se destacado no desenvolvimento de ações assistências à mulher, na assistência e na gestão de políticas de fortalecimento da saúde de mulheres em todo território nacional. As limitações deste estudo, descritas no seu método, refere-se ao período pandêmico, ao isolamento imposto as mulheres na vivência da maternidade e ao impedimento de realizar as entrevistas de forma presencial.