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Political Observer

versión impresa ISSN 2795-4757versión On-line ISSN 2795-4765

Political Observer vol.18  Lisboa dic. 2022  Epub 22-Mayo-2023

https://doi.org/10.59071/2795-4765.rpcp2022.18/pp.17-39 

Artigo Original

A Autonomia dos Açores e da Madeira na Assembleia Constituinte1

The Autonomy of the Azores and Madeira in the Constituent Assembly

João Bosco Mota Amaral* 
http://orcid.org/0000-0002-9180-5044

* Centro de Estudos Humanísticos, Universidade dos Açores, Portugal; joao.bs.amaral@uac.pt


Resumo

O Autor passa em revista o debate sobre os principais preceitos relativos à Autonomia dos Açores e da Madeira em sessão plenária da Assembleia Constituinte. O ponto de partida foi o projeto elaborado pela Comissão para tal efeito mandatada. As intervenções feitas durante o debate na generalidade apontavam para uma consensualização rápida e pacífica sobre a matéria, até surgirem objeções de fundo por parte do PCP. Este Partido apresentou numerosas propostas de alteração durante a fase do debate na especialidade, de cuja discussão resultou a compressão dos poderes inicialmente previstos como conteúdo da Autonomia Insular. Daí se originou o "Contencioso Autonómico", mantido com firmeza pelos órgãos de governo próprio democrático de ambas as Regiões Autónomas e só finalmente solucionado com a revisão constitucional de 2004.

Palavras-chave: Açores; Autonomia; Constituição; Estado; Madeira

Abstract

The Author reviews the debate on the main precepts relating to the Autonomy of the Azores and Madeira in a plenary session of the Constituent Assembly. The starting point was the project prepared by the Commission mandated for this purpose. The interventions made during the debate in general pointed to a quick and peaceful consensus on the matter, until substantive objections on the part of the PCP emerged. This Party presented numerous proposals for amendments during the phase of the debate on the specialty, whose discussion resulted in the compression of the powers initially envisaged as the content of Insular Autonomy. This gave rise to the "Autonomic Litigation", firmly maintained by the democratic self-government bodies of both Autonomous Regions and only finally resolved with the constitutional revision of 2004.

Keywords: Azores; Autonomy; Constitution; State; Madeira

1. Objecto de estudo

O presente estudo versa sobre a elaboração, na Assembleia Constituinte, dos principais preceitos da Constituição da República Portuguesa de 1976 relativos ao regime político-administrativo peculiar dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira.

A 8.ª Comissão foi encarregada das questões relativas à nova Autonomia, preconizada para as Ilhas Atlânticas de Portugal. Que lhes era devido, em aplicação dos princípios democráticos e emancipadores da Revolução do 25 de Abril, um novo regime constitucional, foi tema logo consensualizado na votação dos preceitos iniciais da Constituição, um dos quais erigiu os Açores e a Madeira em Regiões Autónomas da República Portuguesa. Assim ficou rezando o Artigo 6.º, 2 da Constituição: "Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio." (Assembleia da República, 2005).

Vamos limitar-nos a considerar aqui apenas o debate em sessão plenária do texto elaborado pela 8.ª Comissão. Para facilitar a consulta dos discursos citados, optou-se por evitar notas de pé de página, adicionando entre parênteses o número da página do "Diário da Assembleia Constituinte" em que estão publicados.

2. Debate na generalidade: apresentação do projeto e declarações de voto.

Para quem tivesse assistido à sessão plenária n.º 121 da Assembleia Constituinte, realizada no dia 18 de Março de 1976, o debate então iniciado sobre a Autonomia dos Açores e da Madeira parecia ir decorrer de modo tranquilo. A leitura do Diário correspondente, em qualquer tempo posterior e ainda agora, induz impressão idêntica.

O discurso do Presidente da 8.ª Comissão, Deputado Jaime Gama (4050 e 4051), sublinha o consenso alcançado na redação do articulado proposto; alude às "históricas aspirações autonomistas manifestadas nas ilhas ao longo de séculos"; sublinha o avanço verificado, em relação a soluções passadas, com a "existência de uma assembleia legislativa regional, perante a qual responde um governo regional com amplos poderes executivos"; afirma que assim as ilhas "atingem, graças ao espírito de democracia que a todos nos anima, a sua maioridade constitucional". Especialmente significativa é a declaração que "não foi alheia à Comissão a evolução da situação política nas ilhas e o debate regional em torno dos problemas da autonomia".

Por seu turno, o Deputado Monteiro de Aguiar, ao apresentar a declaração de voto do Partido Socialista sobre o texto proposto pela 8.ª Comissão (4056), insiste nos esforços feitos para "obter soluções unânimes, ou largamente maioritárias", "podendo o texto apresentado ao Plenário ser considerado uma plataforma viável para o problema das regiões autónomas"; aponta para "eventuais aperfeiçoamentos" em futura revisão constitucional, tendo em conta "as lições de práticas colhidas durante o período transitório"; sublinha "uma disposição inteiramente adequada e justa, mediante a qual se remete para as assembleias regionais a faculdade de elaborarem os seus próprios estatutos"; e culmina, ao dar a aprovação do PS ao articulado proposto, "apelando para que se evite reabrir integralmente(...) o debate técnico que teve lugar na Comissão, facto que só prolongaria os trabalhos da Constituinte de forma desnecessária e até inútil, sem que daí resultasse um maior esclarecimento da questão em apreço".

A declaração de voto do Partido Popular Democrático, apresentada pelo Deputado Mota Amaral (4052 a 4055), começa por dar aprovação na generalidade ao articulado apresentado pelo relator da 8.ª Comissão, Deputado Emanuel Rodrigues (4051 e 4052), por corresponder, "nas suas linhas mestras, aos pontos de vista perfilhados desde o início pelo PPD"; evidencia os aspetos em que se manifesta a amplitude da Autonomia proposta, nomeadamente em matéria legislativa, financeira, de auto organização estatutária, de consulta obrigatória dos órgãos de governo próprio das regiões pelos órgãos de soberania da República em todas as matérias às mesmas respeitantes, bem como na criação de um Tribunal de Conflitos, de composição paritária, com competência para dirimir eventuais conflitos; mas não deixa de aludir a pontos de discordância, por entender que se deveria ter ido mais longe, por exemplo em questões do âmbito das políticas fiscal, financeira e cambial, bem como na capacidade de auto organização das regiões autónomas e na aplicação nas mesmas das contrapartidas dos tratados internacionais ao respetivo território respeitantes.

A declaração de voto do CDS, a cargo da Deputada Maria José Sampaio (4056 e 4057) é curta e cordata. Mas já as do MDP/CDE e do PCP, apresentadas respetivamente pelo Deputado Marques Pinto (4055 e 4056) e pelo Deputado Carreira Marques (4072 e 4073) assumem um tom diferente e assinalam discordâncias de fundo sobre as mais amplas regras autonómicas contidas no articulado, concretamente as faculdades legislativas regionais, a capacidade de auto organização das regiões, a existência de um Tribunal de Conflitos - tudo isso considerado como contrário ao interesse nacional e à unidade do Estado, favorecendo o separatismo e os interesses da burguesia insular, em prejuízo dos "interesses dos trabalhadores e das massas populares". Daí que se proponham apresentar propostas de alteração na especialidade, sem prejuízo de um voto favorável na generalidade. Carreira Marques sublinha mesmo que " os Deputados do PCP não contam entre os interesses a considerar mesquinhas contabilidades eleitoralistas".

Ora, o MDP/CDE e o PCP tinham na Assembleia Constituinte uma representação muito minoritária e tanto nos Açores como na Madeira os votos recolhidos pelos respetivos candidatos nas eleições de 25 de Abril de 1975 - as primeiras eleições deveras democráticas e livres de toda a História de Portugal! - foram escassos. Isso não impediu que as posições pelos mesmos defendidas tivessem influência no decorrer dos debates e posteriores votações sobre a Autonomia Insular, como se verá mais adiante.

3. Debate na generalidade: intervenções e votação

O debate na generalidade do texto da 8.ª Comissão foi intensamente participado pelos Deputados eleitos pelos Açores e pela Madeira. Quase todos subiram à tribuna para exprimir o seu apoio às "históricas aspirações autonomistas" dos povos das Ilhas, formulando cada um argumentos em favor de cada uma das soluções propostas para constarem da futura Constituição. Convém lembrar que os Deputados dos dois arquipélagos foram eleitos apenas pelos maiores partidos, cinco pelo PPD e um pelo PS, em cada um deles.

A primeira intervenção neste debate coube ao Deputado Natalino Viveiros, do PPD/Açores (4073 a 4075). Alude às características próprias das populações insulares, citando o naturalista e etnógrafo francês Aubert de la Rue, que nelas identifica "um sentimento muito vivo de liberdade, um espírito de rebeldia, uma grande suscetibilidade e um patriotismo local extremamente desenvolvido"; evoca as diligências em prol da Autonomia, meramente administrativa, de Aristides Moreira da Mota e outros; salienta que tão "nobre causa é hoje liderada e vivida por todo o povo açoriano, que quer ser o obreiro da sociedade mais justa e mais próspera, que se irá construir nos Açores"; exproba o "ditador Salazar" por ter "abafado e espezinhado a vontade do povo", retirando-lhe "satanicamente" a Autonomia.

O orador seguinte foi o Deputado Jaime Gama, do PS/Açores (4077 a 4079). Por ter sido o Presidente da 8.ª Comissão, em nome do partido mais numeroso na Assembleia Constituinte, o seu discurso é particularmente importante. Começa por referir o percurso histórico da Autonomia insular, a partir dos finais do século XIX e o seu sufoco com o advento do Estado Novo; alude ao período de transição em curso e ao papel das juntas regionais, que "ficarão na história das ilhas como o marco a simbolizar a viragem da desconcentração para a descentralização, da nomeação para a eleição, da autonomia administrativa para a autonomia político-administrativa"; sublinha as garantias dadas ao novo regime, através da inscrição no texto constitucional das suas traves mestras e da inclusão do mesmo entre os limites materiais à revisão da Constituição; afirma taxativamente que "o sistema autonómico proposto pela 8.ª Comissão merece a minha inteira aprovação"; descreve o conteúdo dos vários preceitos propostos, destacando a faculdade de as assembleias regionais elaborarem os estatutos político-administrativos da respetiva Região Autónoma, e a criação de um tribunal de conflitos, "tendo em vista a necessidade de assegurar de forma equilibrada a competência do Estado e da Região, sem ingerências recíprocas"; concluindo com a afirmação: "O articulado proposto pela 8.ª Comissão cria os meios constitucionais indispensáveis para uma efetiva democracia política, social e económica nas ilhas".

Os oradores seguintes, Deputados Monteiro de Aguiar (4080 a 4082), Emanuel Rodrigues (4082 a 4083) e José Camacho (4083 a 4084), todos da Madeira, o primeiro eleito pelo PS, os outros dois pelo PPD, debruçaram-se sobre os problemas económico-sociais regionais, descrevendo alguns dos seus aspetos mais sensíveis e manifestando a sua confiança na futura Autonomia Constitucional, qualificada pelo segundo de entre eles, de "efetiva, real e completa", como fator de progresso e de bem-estar, e de superação das dúvidas suscitadas no período revolucionário sobre o futuro da Madeira como parcela digna de Portugal.

Ainda na sessão plenária n.º 122, de 19 de Março, usaram da palavra os Deputados eleitos pelos Açores José Manuel Bettencourt, Independente (4084) e Rúben Raposo, PPD (4084 a 4085). Ambos reclamam "uma autonomia ampla, real e efetiva", o primeiro, "real, efetiva e completa", o segundo; e põem nas instituições propostas no articulado em debate a esperança de superação do atraso do arquipélago, que tem forçado uma parte da população a enveredar pelos caminhos da emigração.

Deve ser mencionado que o debate é subitamente interrompido quando o Deputado Marques Pinto, do MDP/CDE zelosamente informa a Mesa que não há quórum, o que esta manda verificar, comprovando ser assim e encerrando a sessão, apesar do apelo do líder do Grupo Parlamentar do PS, Deputado José Luís Nunes, para que se tocasse a campainha a chamar os Deputados para o Hemiciclo... Eram 17.20h e apenas 100 dos 250 Deputados estavam seguindo(?) as intervenções do debate em curso.

O primeiro orador, sobre o tema agora em análise, na sessão plenária n.º 123, de 23 de Março, foi o Deputado Mota Amaral, do PPD/Açores (4102 a 4103). Começa por historiar o regime autonómico insular, evocando as suas raízes mais antigas, de modo a desfazer o equívoco de identificar as reivindicações ilhoas de liberdade e autonomia com a oposição aos desvarios coletivistas do gonçalvismo; alude à opressão das instituições da autonomia administrativa insular pelo Estado Novo, traduzida na retirada da sua base democrática e na transferência de encargos do Estado para a responsabilidade financeira dos distritos autónomos; lamenta a pouca atenção desde sempre prestada aos problemas insulares pelo Poder Central, o que empurra o povo para a emigração rumo à América; acusa o dito Poder de só se lembrar dos Açores "na hora dos jogos de alta diplomacia, que dão importância a governantes e sustentam regimes"; denuncia a existência de conflitos de interesses entre o território continental da República e os Açores, resolvidos com o sacrifício sistemático dos insulares; conclui que é necessária a reforma do regime vigente, "passando para os Açores centros de decisão política" e instituindo," nos Açores e na Madeira, órgãos de governo próprio, de base plenamente democrática", com o que se fará justiça aos respetivos Povos, abrindo-lhes "um caminho novo que, olhando o futuro de frente, vale a pena percorrer". Evoca ainda a legitimidade do PPD em protagonizar as justas reclamações açorianas e madeirenses, por força do mandato recebido nas eleições para a Assembleia Constituinte, superior, em ambos os arquipélagos, a 60% dos sufrágios expressos; e compromete o Partido na representação dos interesses das classes trabalhadoras mais desfavorecidas e das ilhas mais pequenas e afastadas; exprime apoio à "ampla autonomia política e administrativa" preconizada no texto em debate, não sem lembrar que "poder-se-ia decerto ter ido mais além, como em muitos pontos propôs o PPD, sempre dentro do quadro constitucional das regiões autónomas de um Estado unitário".

Sucedeu-lhe no uso da palavra o Deputado Germano Domingos (4105 a 4107), do PPD/Açores. Salta da referência a completos e interessantes dados históricos sobre a administração dos Açores, desde os tempos da descoberta e povoamento das ilhas, para a enumeração das suas possíveis fontes de receita, contrariando a ideia da escassez de recursos para sustentar as novas instituições, e depois para as potencialidades económicas do arquipélago; aborda o aproveitamento dos recursos marinhos, ampliados " com o previsto alargamento da zona económica marítima para as 200 milhas"; as potencialidades identificadas pelo orador abrem aos Açores a perspetiva de "tornar-se a médio prazo numa zona próspera para todos os seus habitantes e ainda ajudar a resolver alguns dos problemas com que se debate a economia nacional".

A ambas estas intervenções, tal como a algumas feitas na sessão anterior, seguiu-se debate, cujo conteúdo não parece revestir interesse para a exposição do tema deste artigo. Salienta-se apenas que o marcaram acusações pessoais, oriundas do PCP e do MDP/CDE, talvez com o intuito de enfraquecer a autoridade argumentativa de alguns Deputados do PPD, implicando-os com o regime anterior e com o separatismo, corrente nessa altura com alguma capacidade de mobilização em ambos os arquipélagos, posteriormente muito enfraquecida.

O último orador no debate na generalidade do projeto apresentado pela 8.ª Comissão foi o Deputado Vital Moreira (4107 a 4109), do PCP. Começa por lembrar o percurso feito na Assembleia Constituinte pela tema da Autonomia dos Açores e da Madeira, desde os preceitos constantes dos projetos de Constituição dos vários partidos, passando pela criação de uma comissão própria, reclamada pelo lobby autonomista, e pelos textos apresentados nela, um dos quais fica logo denunciado como "de federalismo ou de independência camuflada", o do PPD; proclama que o PCP se opõe " a qualquer destes atentados à soberania nacional e à unidade do Estado"; afirma que o texto em debate "contém, sob a capa e a terminologia da autonomia regional, todos os pressupostos de um Estado federado", ultrapassando mesmo em alguns aspetos "o regime normal de um Estado federado, aproximando-se, porventura, de um regime de confederação"; apela para que não sejam aprovados, tal como se encontram redigidos, os preceitos sobre o "quase ilimitado poder legislativo das regiões", a "existência e o regime de um tribunal de conflitos" e sobre a "aprovação dos estatutos regionais"; conclui com um patético grito de alarme a todos os Deputados para que se envolvam no debate e não deixem que se torne um "negócio de ilhéus", assegurando que "os Deputados do PCP estão à vontade para assumir as suas responsabilidades na defesa daquilo que entendem dever ser os interesses das classes trabalhadoras dos Açores e da Madeira e na defesa da soberania nacional e da unidade do Estado contra os intentos separatistas da grande burguesia das ilhas, aliada do imperialismo".

O que depois se passou, durante o debate na especialidade, evidencia que a grandiloquência e o alarmismo do PCP, apoiado pelo MDP/CDE, teve impacto nos trabalhos da Assembleia Constituinte, condicionando o voto do PS, que em certos casos deixou cair as propostas da 8.ª Comissão e aderiu ao espírito e em alguns casos à própria letra das emendas apresentadas pelos Deputados comunistas. Em todo o caso, a votação na generalidade do texto apresentado pela Comissão foi de aprovação e unânime! (4109)

4. Debate na especialidade: princípios gerais.

O porta-voz do PCP logo acrescentou, em declaração de voto, que o seu partido iria apresentar propostas de alteração a alguns artigos. E assim de facto veio a acontecer, sendo aliás o PCP secundado na sua tarefa pelo MDP/CDE, também proponente de diversas propostas de alteração do articulado aprovado na generalidade. No conjunto, ambos estes partidos apresentaram 24 propostas de alteração dos preceitos em discussão, cabendo a iniciativa de 16 delas ao PCP, das restantes 8 ao MDP/CDE. Estas últimas foram todas, uma a uma, rejeitadas ou retiradas, em favor das do PCP, ou simplesmente esquecidas durante o debate. Das propostas subscritas pelo PCP, só 3 foram integralmente aprovadas, caindo todas as outras por terem sido expressamente rejeitadas em votação direta, ou então preteridas por outras sobre a mesma matéria, mas votadas e aprovadas com prioridade. Tem de ser notado que em vários casos o porta-voz do PCP formulou ainda propostas orais, algumas de mera melhoria de textos em apreciação, que também tiveram sucesso.

O primeiro ponto a ser controvertido foi o referente à frase constante do Artigo 1.º: "históricas aspirações autonomistas". O MDP/CDE propôs a sua eliminação, em emenda apresentada pelo Deputado Marques Pinto, e foi logo seguido pelo PCP, através do Deputado Vital Moreira (4110 e 4111). Os oradores em nome do PS, Deputado Jaime Gama (4111), e do PPD, Deputado Mota Amaral (4112) defenderam a proposta da Comissão, que foi aprovada, sendo a alteração rejeitada. Os argumentos usados pelos proponentes aludiram aos malefícios das classes possidentes sobre as populações insulares, ao objetivo das mesmas de evitarem que as reformas em curso abarquem as ilhas e aos riscos de incentivar a atividade dos grupos separatistas. Para o Deputado Mota Amaral, que é quem mais se alarga em rebater a proposta, "a Assembleia Constituinte não deve ter medo de olhar para a História", reconhecendo que existe uma constante "reivindicação de que os assuntos dos Açores e da Madeira sejam tratados nas próprias ilhas pelos seus naturais".

Uma proposta de aditamento do PCP, incluindo nas finalidades do regime autonómico "o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses" foi aprovada por unanimidade e quase sem discussão. Apenas usou da palavra o Deputado Vital Moreira expondo o argumento seguinte: "existindo, como existem, razões profundas no sentido de justificar a autonomia regional, ela deve ser entendida como elemento de reforço da unidade nacional, deve funcionar não como elemento centrífugo, mas sim também como elemento centrípeto, como elemento de reforço de uma unidade na diversidade" (4113). Palavras bem sensatas e até sábias! Infelizmente, podendo ser interpretadas num sentido favorável a um esquema de autogoverno democrático amplo, vieram a ser traduzidas em sucessivas tentativas de limitar o potencial autonómico contido no texto final, submetido a discussão e votação em sessão plenária da Assembleia Constituinte, elaborado pela 8.ª Comissão.

Assim aconteceu logo no Artigo 2.º desse texto, pretendendo, tanto o PCP como o MDP/CDE, insistir na alusão à unidade do Estado, às leis gerais da República e à responsabilização direta do Estado no desenvolvimento das regiões insulares, supeditando os respetivos órgãos de governo próprio (4114). Os dois primeiros temas foram, e muito bem, considerados excessivos pelos Deputados Jaime Gama e Mota Amaral (4115); quanto ao terceiro, acabou por ser reformulado pelo Deputado Mota Pinto, Independente, e foi aprovado, tendo o proponente da nova fórmula sublinhado, perante a intervenção do Deputado Mota Amaral (4119), que entendia deverem ficar salvaguardadas "todas as faculdades de autonomia que constam dos artigos subsequentes" (4120).

Uma tentativa do Deputado Vital Moreira para aditar uma referência aos" princípios definidos no Plano" na disposição redigida pelo Deputado Mota Pinto veio a ser aprovada; mas a contagem requerida pelo Deputado Mota Amaral comprovou não ter obtido o número necessário de votos favoráveis, mas apenas 101 votos (do PS, PCP, MDP/CDE e 1 Independente) pelo que afinal foi declarada como rejeitada (4122). Este episódio decorreu no meio de uma forte polémica entre o Deputado Vital Moreira e o Presidente da Assembleia Constituinte, Deputado Henrique de Barros, da qual resultou um recurso para plenário da decisão presidencial de se fazer a contagem, que teve resultado desfavorável ao recorrente, confirmando-se a decisão presidencial.

A proposta de aditamento, apresentada pelo Deputado Vital Moreira, de um Artigo 2º.-A, incluindo limitações à Autonomia no tocante aos sistemas monetário, financeiro, fiscal, judicial e educativo, todos considerados de carácter nacional, bem como aos direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores, ao transito de pessoas e bens e ao acesso aos cargos públicos, foi rejeitada no referente aos dois primeiros temas e não obteve votos suficientes de aprovação quanto ao último. Os Deputados Jaime Gama e Mota Amaral argumentaram contra tal proposta invocando que a matéria em causa estava coberta pelas garantias constitucionais dos direitos fundamentais e pelas regras sobre a competência reservada da Assembleia da República (4123), de modo que seria redundante voltar a elas na sede em causa.

O Deputado Vital Moreira voltaria à carga com a proposta de um novo Artigo2º.-B, no qual retoma com ligeiros retoques os temas contidos no preceito acabado de ser votado negativamente, o que, visto à distância, parece ser contra a regra de que não é possível voltar a discutir o que já foi votado anteriormente... O proponente não deixa de invocar ter o novo preceito por conteúdo apenas matéria que não foi aprovada por falta de maioria, mas na realidade isto só aconteceu com um dos números da proposta recusada, o último, para ser mais preciso, e o novo artigo inclui a proibição de alterações aos direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores, o que tinha de facto sido expressamente rejeitado (4123). Na sua intervenção apela à intervenção de outros Deputados, que não apenas os das Ilhas, por, no seu entendimento e do seu Partido, estarem em questão aspetos importantes sobre unidade do Estado e da Nação (4130). Este apelo não foi em vão, pois logo motivou o Deputado Coelho dos Santos (Independente) a declarar-se em posição muito próxima do PCP quanto ao tema dos direitos dos trabalhadores (4133).

Este preceito, depois de aceso debate, com picardias e até insultos à mistura, viria a ser aprovado, tendo o líder do Grupo Parlamentar do PS, Deputado José Luís Nunes, intervindo a pedir para comparar os textos anteriormente rejeitados ou não aprovados com o agora apresentado, após o que o PS votou favoravelmente, repetindo aliás a sua posição anterior, só que desta vez reunindo mais votos (4132 e 4133). Quanto ao número 2 da proposta de aditamento de um novo Artigo2.º-A, anteriormente rejeitada, conforme ficou referido, e que também estava em causa, a declaração de voto do Deputado Jaime Gama informa ter o PS optado pela abstenção (4123), pelo que na matéria no mesmo versada o PS mudou de posição.

Uma outra proposta de aditamento de um novo Artigo 2.º-C, também do PCP, tinha por objetivo condicionar a instituição concreta das regiões autónomas a um conjunto de pressupostos sobre a prática das liberdades políticas, o respeito dos direitos dos trabalhadores e das suas organizações bem como o termo da atividade das organizações separatistas e da apologia do separatismo. Foi apresentada pelo Deputado Carreira Marques (4133 a 4135), num longo discurso, que mereceu do Deputado Olívio França o seguinte aparte: "Já estamos fartos desse palavreado", o qual causou burburinho, como se pode ler no Diário (4135). O líder do Grupo Parlamentar do PS, Deputado José Luís Nunes, também protestou contra a extensão do discurso (4135).

Os Deputados Jaime Gama e Barbosa de Melo, falando cada um em nome do seu partido, PS e PPD, respetivamente, manifestaram-se contra tal proposta, que equivaleria, como disse o primeiro deles "a uma espécie de declaração de estado de sítio em relação aos Açores e à Madeira". O Deputado Vital Moreira veio defender a proposta, tendo ouvido por três vezes indagar sobre a situação no Alentejo, enquanto perorava sobre a, para ele, lastimosa situação política das ilhas atlânticas (4136). Numa derradeira intervenção concluiu arvorando o PCP a defensor das "únicas soluções justas", da unidade nacional e da coesão nacional, contra a criação de "feudos políticos da grande burguesia insular" (4138). A proposta foi rejeitada, com 22 votos favoráveis (PCP e MDP/CDE) e 4 abstenções (3 Independentes e 1 PS) (4138).

5. Debate na especialidade: poderes das Regiões Autónomas

A discussão sobre o Artigo 3.º do projeto da 8.ª Comissão incidiu antes de mais sobre o poder legislativo atribuído às Regiões Autónomas. Um ponto pareceu consensual, logo de início: pretendia-se que a Autonomia Regional tivesse conteúdo político e não apenas administrativo; ora, isso implicava o reconhecimento de faculdades legislativas! O ponto controverso era a amplitude das mesmas.

Numa primeira intervenção, falando em nome do PS, o Deputado Jaime Gama disse que "a legislação regional não poderá derrogar a legislação nacional", cabendo-lhe “o âmbito de legislação residual em relação à legislação da competência própria dos órgãos de soberania"(4139). O Deputado Jorge Miranda, intervindo em seu nome pessoal, mas em verdade defendendo a posição do PPD, pronunciou-se em sentido diferente, afirmando: "desde que haja um interesse específico das regiões", expressão que veio a reconhecer ser preferível à de "interesse exclusivo", "elas podem legislar e (...) derrogar a legislação nacional" (4140). Afora as normas materiais e as orgânicas da Constituição, "os órgãos regionais poderão legislar livremente" (4140).

Para o Deputado Vital Moreira, porta-voz do PCP, "não é correta a posição que vise eliminar essa autonomia legislativa", convindo, porém, para evitar que sob a capa de uma autonomia regional se esteja a criar um estado federado ou até mesmo uma confederação de estados, preocupação que repetidamente invocou, fixar-lhe limites, que serão os materiais e orgânicos definidos na Constituição e ainda "as leis gerais da República" e o interesse exclusivo ou específico regional (4142). Daí retomar a proposta inicial constante do Projeto de Constituição do PPD, no decurso do debate modificada por proposta do Deputado Jaime Gama, nos termos afinal aprovados com 4 abstenções do MDP/CDE (4143).

O poder regulamentar regional foi também alvo de controvérsia, pretendendo os partidos do costume (PCP e MDP/CDE) limitá-lo, introduzindo um princípio de delegação por parte dos órgãos de soberania para que, caso a caso, as regiões pudessem exercer tal poder. O Deputado Barbosa de Melo justificou a amplitude pretendida no texto da Comissão, ao qual o PPD dava total apoio: "Seria realmente estranho que a um órgão regional, a um órgão com competência inserida no âmbito da autonomia regional, não fosse deixada competência para desenvolver tecnicamente as leis que carecem de regulamento" (4146). O Deputado Mota Pinto interveio no debate para propor uma redação limitativa diferente: em vez de se exigir uma delegação expressa do poder regulamentar nos órgãos regionais, optar-se-ia pela faculdade de tal poder regulamentar ser reservado para os órgãos de soberania por estes mesmos (4145 e 4147). Esta versão foi aprovada, sem os votos do PPD e do CDS.

Já vários outros dispositivos do Artigo 3.º, elencando os poderes das regiões autónomas, foram aprovados sem discussão e por unanimidade. Assim, o poder de iniciativa legislativa, o poder executivo próprio e o poder de administrar e dispor do seu património e de celebrar os atos e contratos em que elas tenham interesse. A discussão voltou a acender-se quando se tratou da questão das receitas regionais.

A Comissão propunha a atribuição às regiões autónomas das receitas fiscais nelas cobradas, por entender tal ser justo, acabando-se com a drenagem de parte das mesmas para fora das ilhas; aliás, o Estado manteria ainda a disponibilidade das receitas geradas nas ilhas e de várias outras vantagens das mesmas resultantes. Foi este o argumento utilizado pelo Deputado Jaime Gama (4149) e pelo Deputado Mota Amaral (4150), contraditando a proposta do PCP de que tal não ficasse expressamente determinado em sede constitucional (4148). A Assembleia Constituinte pronunciou-se rejeitando o articulado proposto pelo PCP e aprovando, com a abstenção do PCP e do MDP/CDE, o texto da Comissão.

Seguiu-se a aprovação sem discussão de mais um conjunto de poderes regionais sobre as autarquias locais, os serviços e outras entidades exercendo atividade exclusivamente no território regional, a elaboração do Plano, e de "participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controle regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social". Já o direito de "participar nas negociações de tratados e outros acordos internacionais que diretamente lhes digam respeito" suscitou amplo debate e até vários incidentes processuais, inclusivamente um recurso para plenário de decisão da Mesa, solicitado e perdido pelo PPD.

O debate iniciou-se a pretexto de uma proposta de aditamento ao texto da Comissão, apresentada pela Deputada Maria José Sampaio, do CDS, com a seguinte redação: "com vista à utilização pelas regiões do máximo dos benefícios económicos e financeiros naqueles previstos", que a própria justificou sucintamente. O Deputado Jaime Gama, falando em nome do PS, mais tarde secundado pelo líder parlamentar, Deputado José Luís Nunes, exprimiu apoio a tal aditamento, aludindo ao histórico papel de "moeda de troca" das ilhas atlânticas nas relações internacionais do nosso País (4150 e 4153).

Esta posição foi criticada pelos Deputados Vital Moreira e Marques Pinto (4151), os quais, em nome dos respetivos partidos, defenderam que as facilidades concedidas a países estrangeiros em território nacional oneram afinal todo o País e como tal devem as eventuais contrapartidas beneficiar o conjunto dele. A certo passo, foi mesmo afirmado pelo Deputado Vital Moreira: "De proposta em proposta, de alteração em alteração, o separatismo vai levando a água ao seu moinho" (4154).

O aditamento do CDS foi sendo, no decurso de debate, alterado por emendas formuladas oralmente por vários Deputados, mas, embora formalmente endossada pelo PS e pelo PPD, este pela voz do Deputado Mota Amaral, que insistiu nas vantagens derivadas da posição geoestratégica dos Açores, que não se reduziriam à base das Lajes (4152), não obteve o número de votos necessário para a sua aprovação. O Diário (4155) assinala ter recebido 109 votos a favor (PS, PPD, CDS e Deputado de Macau), 44 contra (PCP, MDP/CDE, 14 do PS e 6 Independentes) e ainda 33 abstenções (27 do PS, 4 Independentes, 1 do PPD e o Deputado independente do CDS Galvão de Melo).

Uma controvérsia de tipo processual, motivada pela pretensão do Deputado Mota Amaral de levar a votos a sua versão de aditamento, apresentada oralmente e depois formalizada por escrito, que era do seguinte teor: "e de dispor em benefício do seu desenvolvimento das vantagens de tipo económico e financeiro a consignar neles a título de contrapartida" (4157), acabou por não obter resultado favorável; e assim foi aprovado por unanimidade (4156) apenas um aditamento mínimo ao texto da Comissão, proposto pelo Deputado Coelho dos Santos (Independente), com a seguinte redação: "e nos benefícios deles decorrentes" (4153), face ao qual o PCP retirou a sua proposta de alteração, oralmente apresentada: "bem como participar nos benefícios naqueles previstos" (4153).

A apreciação pela Assembleia Constituinte da matéria referente aos poderes das regiões autónomas não terminou sem mais um aditamento proposto pelo Deputado Vital Moreira, com o conteúdo de atribuir à competência exclusiva da assembleia regional o exercício do poder legislativo, do poder de regulamentar os diplomas dos órgãos de soberania e o de aprovação do Plano. Esta proposta foi apoiada expressamente pelo PS, através do Deputado Jaime Gama e teve a não oposição do PPD, em intervenção do deputado Jorge Miranda. Apenas o CDS se absteve na respetiva votação (4158).

6. Debate na especialidade: orgânica das Regiões Autónomas

O tema seguidamente abordado foi a orgânica das novas Regiões Autónomas. Ao texto da Comissão logo apresentou o PPD uma proposta de substituição, concretizando alguns aspetos sobre tal matéria, nomeadamente o princípio da representação proporcional quanto à eleição da Assembleia Regional e a nomeação do Presidente do Governo pelo Ministro da República, tendo em conta os resultados eleitorais. Justificando a proposta, o Deputado Jorge Miranda invocou, quanto ao segundo tema, a paridade com o critério já aprovado para a nomeação do Primeiro Ministro, o que implicava a superação da regra, incluída no texto da Comissão num outro preceito, segundo a qual seria a Assembleia a designar o Presidente do Governo; e veio a esclarecer, ao longo do debate, que a lei eleitoral para a Assembleia Regional seria da competência reservada da Assembleia da República, solicitando a retificação oral da proposta apresentada; referiu ainda que não seria de excluir a participação dos açorianos e dos madeirenses não residentes nas eleições regionais, contra a posição do PCP, que só admitia para tal efeito os residentes (4160 e 4162).

O PCP, pelo Deputado Vital Moreira, também apresentou uma proposta de substituição, cujo conteúdo, para além de questões já abordadas, incluía a criação de um órgão de carater consultivo, com a designação de Conselho Regional (4161). A argumentação invocada insistiu nos temas da capacidade eleitoral de todos os residentes e só deles, independentemente da sua naturalidade e na advertência contra o "poder das forças políticas dominantes", a contrariar através de "um forum de defesa dos interesses das classes trabalhadoras", que seria o tal Conselho Regional (4161).

O Deputado Jaime Gama exprimiu no debate o apoio do PS à proposta do PSD e contraditou a criação do Conselho Regional, sugerido pelo PCP, acoimando-o de corporativo (4163), qualificativo que o porta-voz do PCP considerou acintoso, pela carga fascista que tal palavra comportaria (4163).

O texto proposto e retocado pelo PPD viria a ser aprovado, não sem que o PCP tornasse a vincar o seu apego à representação regional apenas dos residentes e a sua decidida oposição a qualquer outra solução, que considerou implicar a elaboração de uma "lei de nacionalidade açoriana e madeirense" (4163).

Na lógica da sua atuação anterior, o PCP ainda apresentou uma proposta de aditamento de um novo artigo, prevendo a possibilidade de os diplomas legislativos regionais virem a ser submetidos a sanção da Assembleia da República, por iniciativa de pelo menos 30 Deputados (4164). Mas tal iniciativa, que o Deputado Jorge Miranda rebateu como significando "praticamente destruir a autonomia legislativa das regiões" (4165), viria a ser rejeitada, sem grande discussão, recolhendo apenas os votos favoráveis do PCP e 4 abstenções do MDP/CDE (4165).

7. Declarações de voto no final do debate

A apreciação pela Assembleia Constituinte do tema da Autonomia dos Açores e da Madeira concluiu com a apresentação das declarações de voto dos vários partidos.

Falou em primeiro lugar o Deputado Mota Amaral, em nome do PPD (4212 e 4213). Qualificou logo de início como "ainda assim ampla" a Autonomia contida nos preceitos aprovados, salientando que, no entendimento do PPD, se deveria "ter ido mais longe no reconhecimento do princípio de autogoverno das regiões autónomas". Disse ainda que "o âmbito concreto dos poderes das regiões autónomas resultará da execução dos princípios aprovados", desde logo através dos respetivos estatutos; " mas mais importante será ainda o papel dos futuros órgãos de governo regional, de base plenamente democrática, exercendo os poderes conferidos pela Constituição e pelo estatuto, e os poderes nestes implícitos, sempre norteados pela defesa intransigente dos povos açorianos e madeirenses, em especial das classes mais desfavorecidas". Vincou a importância do Artigo 4.º do texto aprovado, por assim se pôr "termo à prática lisboeta de tomar decisões sobre os Açores e a Madeira nas costas das respetivas populações e, quantas vezes, à revelia dos seus interesses específicos". Manifestou "confiança inabalável" "nos povos açoriano e madeirense para encontrarem, livres de tutelas sempre opressoras e relativamente aos seus problemas políticos específicos, as soluções justas e adequadas aos interesses da maioria".

O Deputado Jaime Gama apresentou a declaração de voto de PS (4213). Congratulou-se com o consenso encontrado em muitos pontos; afirmou ter sido dada "inteira satisfação às aspirações das aspirações das populações insulares em matéria de autonomia político-administrativa"; formulou o voto de que se assegure "uma vida democrática autêntica e livre" nas Ilhas, "de modo que a violência, a intimidação, as pressões e as coações cedam lugar à convivência pacífica entre todos os cidadãos independentemente das suas opções partidárias", bem como a melhoria das condições de vida das "classes trabalhadoras protagonizadas nos seus interesses autênticos pelas forças políticas verdadeiramente democráticas, socialistas e patrióticas". Terminou vincando uma "clara afirmação do espírito de unidade nacional": "o Partido Socialista deve declarar que considera (a Autonomia Constitucional) larga e ampla" e "está inteiramente de acordo" com o texto constitucional.

O Deputado Vital Moreira falou em nome do PCP (4213). Lembrou os grandes objetivos do seu Partido no debate da matéria: "defesa da unidade nacional e a preeminência dos interesses nacionais sobre os regionais, impedindo que a autonomia regional pudesse servir apenas como instrumento do separatismo"; " defesa dos interesses dos trabalhadores e de todas as camadas exploradas dos arquipélagos (...) impedindo que a autonomia regional pudesse constituir apenas m instrumento de reforço do poder da grande burguesia insular". Reconhece não poder dizer que tais objetivos foram de todo em todo alcançados, mas afirma que valeu a pena porque "conseguiu-se minorar os enormes perigos" do projeto da 8.ª Comissão, " não só no sentido de abrir de para em par as portas ao separatismo", mas também de "ser um instrumento, apenas, do reforço do poder da grande burguesia insular".

A Deputada Maria José Sampaio apresentou uma curta declaração de voto em nome do CDS (4213 e 4214). Reconhece ter votado, na sua maior parte, o texto que foi aprovado, " mas lamenta que a Assembleia Constituinte não tenha aprovado a autonomia na forma do texto que a Comissão consagrava", finalizando com a afirmação: "nós não duvidamos nem nunca duvidaremos do portuguesismo de Açorianos e Madeirenses”.

8. Conclusões

A leitura atenta do debate sobre os principais preceitos constitucionais relativos à Autonomia dos Açores e da Madeira na Assembleia Constituinte permitiu rever as posições dos vários partidos políticos sobre tal matéria, as quais devem ser enquadradas no tempo conturbado então vivido, que era de rescaldo de um atribulado processo revolucionário.

Em todo o caso, sobreleva a atitude mais favorável às aspirações insulares, vigorosamente mantida pela força política com maior representatividade democrática em ambos os arquipélagos atlânticos, o PPD. O CDS adotou posição idêntica.

Por seu turno, o PCP assumiu-se desde o início como o defensor da unidade nacional, clamando contra o separatismo, que descobria em toda a parte. O MDP/CDE esteve neste mesmo comprimento de onda, aditando como inimigo jurado o imperialismo.

Finalmente, o PS, que tinha sido o partido mais votado nas eleições para a Assembleia Constituinte a nível nacional, mas não nos Açores nem na Madeira, começou por apoiar o consenso obtido na 8.ª Comissão, que funcionou aliás sob a sua liderança, mas veio a ceder à argumentação do PCP, acabando por se declarar identificado com o esquema finalmente aprovado em plenário, bastante mais limitativo, em termos autonómicos.

Felizmente, ao longo da sua vigência, que já vai em 45 anos, a Constituição veio a ser revista várias vezes, por sinal sempre num sentido de ampliação progressiva da Autonomia Insular. O chamado "Contencioso Autonómico", sempre convictamente afirmado pelos Órgãos de Governo próprio democrático dos Açores e da Madeira, foi praticamente ultrapassado com a revisão constitucional de 2004.

Referencias

1. Assembleia da República. (2005). Constituição da República Portuguesa VII Revisão Constitucional, 2005. Disponível em https://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/constpt2005.pdf. [ Links ]

2. Diário da Assembleia Constituinte, n. 122, de 19 de Março de 1976, pp. 4050 e seguintes. Disponível em https://app.parlamento.pt/livrosOnline/Vozes_Constituinte/med01000158i.html. [ Links ]

3. Diário da Assembleia Constituinte, Suplemento ao n. 123, de 20 de Março de 1976, pp. 4072-4073. Disponível em https://app.parlamento.pt/livrosOnline/Vozes_Constituinte/med01000158i.html. [ Links ]

4. Diário da Assembleia Constituinte, n. 121, de 18 de Março de 1976, pp. 4023-4024. Disponível em https://app.parlamento.pt/livrosOnline/Vozes_Constituinte/med01000158i.html. [ Links ]

NotaPor vontade expressa do autor, este artigo não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

1Este estudo foi realizado no âmbito do projeto “Eurilhas - A Dimensão Insular da Europa e as ilhas na União Europeia: heteronomia, autonomia e subsoberania”, financiado pelo Governo Regional dos Açores (M1.1.C/C.S./001/2019/01).

Recebido: 28 de Junho de 2021; Aceito: 30 de Setembro de 2022

JOÃO BOSCO MOTA AMARAL

Professor Catedrático convidado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade dos Açores desde 2015. Licenciado e Mestre em Direito pela Universidade de Lisboa, Doutor Honoris Causa em Ciências Económicas pela Universidade dos Açores. Pesquisa e escreve sobre temas políticos, jurídicos e sociais, envolvendo as áreas de Direito Constitucional, Direito Internacional e Ciência Política. Tem aprofundado as questões relativas ao Regionalismo Europeu e à construção e consolidação da Autonomia Constitucional dos Açores.

Guest Full Professor at the Faculty of Social Sciences and Humanities of the University of the Azores since 2015. He has a Bachelor's and a Master's degree in Law from the University of Lisbon, Doctor Honoris Causa in Economic Sciences from the University of the Azores. He researches and writes on political, legal and social topics, involving the areas of Constitutional Law, International Law and Political Science. He has deepened the issues related to European Regionalism and the construction and consolidation of the Constitutional Autonomy of the Azores.

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