Desde que em 1986 foi aprovado o primeiro anticorpo monoclonal produzido em ratinhos, o muronomab1, descontinuado em 2011, seguiram-se a aprovação de anticorpos quiméricos (ex.: rituximab, em 1997), humanizados (ex.: palivizumab, em 1998), e humanos (ex.: adalimumab, em 2002)2, estando atualmente aprovados e comercializados mais de 65 anticorpos monoclonais em Portugal3 e registados quase 250 ensaios clínicos de fase 3 em curso com anticorpos monoclonais4.
De acordo com o Relatório Anual de Farmacovigilância de 2020, a maioria (30,4%) das reações adversas medicamentosas (RAM) foram reportadas a fármacos da classificação ATC (Anatomical Therapeutic Chemical Code) - agentes antineoplásicos e imunomoduladores5, onde se incluem a maioria dos anticorpos monoclonais (classificação farmacoterapêutica 16.3 - imunomoduladores6), embora outros se encontrem classificados dentro da área terapêutica do órgão-alvo (ex.: omalizumab no ATC R - aparelho respiratório), o que dificulta a avaliação da frequência e caracterização de RAM especificamente a anticorpos monoclonais. É, no entanto, reconhecida uma tendência crescente de reações de hipersensibilidade relacionadas com a utilização destes medicamentos7.
Salientamos por isso o artigo de Barradas Lopes et al, publicado neste número da RPIA, que descreve a atuação diagnóstica e terapêutica dos 18 doentes referenciados à consulta de alergia a fármacos do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho entre 2013 e 2019 por suspeita de hipersensibilidade a anticorpos monoclonais.
As reações imediatas a estes medicamentos podem classificar-se em reações relacionadas com a infusão/síndrome de libertação de citocinas (RRI/SLC), que ocorrem habitualmente na primeira administração e são autolimitadas na reexposição, reações de hipersensibilidade do tipo 1 (mediadas ou não por IgE) e reações mistas.
Uma exceção a esta apresentação é a reação de hipersensibilidade IgE-mediada na primeira administração de cetuximab por sensibilização prévia a alfa-gal, sendo no entanto esta uma entidade rara em Portugal8.
Neste estudo, foi realizada uma prova de provocação em todos os doentes com sintomas ligeiros e/ou testes cutâneos negativos, tendo sido possível excluir uma reacção de hipersensibilidade em 67% dos doentes e tendo apenas sido confirmada hipersensibilidade em três doentes, por reações reprodutíveis durante os procedimentos de dessensibilização.
É de louvar a publicação de dados relativamente ao estudo alergológico em doentes com suspeita de hiper-sensibilidade a fármacos menos frequentemente implicados, como é o caso dos anticorpos monoclonais.
No entanto, e utilizando o exemplo da Farmacovigilância Ativa para as vacinas contra a COVID-19(9), a evolução a curto prazo deverá ser no sentido de implementar a nível nacional a colheita de dados específicos e padronizados relativamente ao estudo alergológico de doentes com suspeita de reações de hipersensibilidade a fármacos, que atualmente apenas pode ser reportado em campo aberto no Portal RAM, e que possam ser analisados incluindo um maior número de doentes provenientes de vários centros, de forma integrada entre os notificadores iniciais e os Imunoalergologistas e com uma descrição mais pormenorizada que não se restrinja ao ATC, com o objetivo de termos mais informação útil acerca da clínica e estudo alergológico das reações de hipersensibilidade a fármacos em Portugal.