Introdução
A literatura mostra o papel crucial da assistência pessoal na vida das pessoas com elevado grau de dependência na criação de mais oportunidades de participação e menos sujeição a cuidados informais (Arnau et al., 2007; Leadbeater et al., 2008; Shakespeare et al., 2017). Porém, os inquéritos da União Europeia (European Union Agency for Fundamental Rights [FRA], 2017) refletem uma inadequação e uma insatisfação com os serviços disponíveis na área da deficiência: 16% das pessoas com deficiência “concordam” ou “concordam muito” com a afirmação “Sinto-me excluído da sociedade”, em comparação com 9% das pessoas sem deficiência. Os dados também mostram que cerca de 23% das pessoas com deficiência severa indicam que se sentem excluídas da sociedade, comparativamente a 14% das pessoas com deficiência moderada e a 9% das pessoas sem deficiência.
Segundo a mesma publicação, citando o European Health Interview Survey (EHIS), 61% das pessoas com deficiência recebe algum tipo de ajuda na realização de pelo menos uma tarefa diária (alimentação, entrar e sair de uma cama ou cadeira, vestir e despir, usar a casa de banho ou tomar banho). Neste grupo, 87% recebem ajuda na forma de assistência pessoal, 30% usam produtos de apoio e 19% beneficiam de adaptações habitacionais. Por outro lado, e apesar da proporção relativamente alta de pessoas com deficiência que recebem algum tipo de ajuda, a análise da FRA (2017) mostra que 25% destas pessoas sentem que os apoios não são suficientes. A assistência pessoal é o principal tipo de ajuda em falta entre as pessoas com deficiência que relatam não receber ajuda suficiente. Olhando para as pessoas com deficiência que ainda não recebem ajuda, um terço (33%) declara que precisa de apoio. A grande maioria destas pessoas (85%) diz que precisa de assistência pessoal.
Então, defendendo que o indicador de sucesso de um processo de reforma institucional promotora do paradigma Vida Independente deve ser a forma como os Modelos de Apoio à Vida Independente (MAVI) potenciam a autodeterminação, a dignidade e a cidadania efetiva das pessoas com deficiência, sobretudo daquelas com maior grau de dependência, o propósito deste estudo é saber se o nível de generosidade do MAVI português garante a desfamiliarização e termina com a dependência de cuidados informais?
Na primeira secção deste artigo faremos uma breve caracterização do paradigma Vida Independente, analisando com maior detalhe alguns dos seus aspetos mais fundamentais.
Na segunda secção analisaremos as características dos MAVI de Espanha, Itália, República da Irlanda e Portugal. A utilização do método comparativo permitirá integrar na análise a importância do contexto e ensaiar comparações entre estes países com o propósito de maximizar o número de casos em análise, mesmo que a tónica analítica se concentre num deles (King et al., 1994). Por outro lado, justificamos a opção de estudarmos os quatro casos de estudo escolhidos porque estes partilham entre si um padrão de desenvolvimento tardio e um papel público da Igreja Católica e do terceiro sector relevante na política da deficiência.
Como Linda Smith (1999) observa, a investigação social “não é um exercício académico inocente ou distante, mas uma atividade que tem algo em jogo e que ocorre num conjunto de condições políticas e sociais” (p. 5). Aceitando esta afirmação como verdadeira, na terceira secção, recorrendo às experiências pessoais do autor, testaremos empiricamente o nível de desfamiliarismo e de generosidade potenciado pelo MAVI português. Perante as informações recolhidas, veremos como as instituições políticas poderão potenciar o processo de desfamiliarização.
Utilizar o método auto etnográfico requer trabalhar a intersecção entre a biografia e a etnografia. Quando fazemos autobiografias:
apelamos muitas vezes à memória e à retrospetiva para refletir sobre experiências passadas; falamos com os outros sobre o passado; examinamos textos, fotografias, diários pessoais e gravações. Pode até implicar a consulta de notícias relevantes, blogs e outros arquivos relacionados com eventos de vida. (Adams et al., 2017, p. 2)
Já quando fazemos etnografia:
observamos, participamos e escrevemos sobre uma cultura e/ou uma experiência cultural. Entramos no “campo” cultural por um longo período, tomamos “notas de campo” sobre a nossa participação, e entrevistamos membros culturais (“insiders”) sobre as suas experiências, pensamentos e sentimentos. Juntos, o processo, os princípios e as práticas de autobiografia e etnografia contribuem para a forma como escrevemos e praticamos a auto etnografia, bem como os objetivos e propósitos que temos para o trabalho auto etnográfico. (Adams et al., 2017, p. 3)
Do conjunto de vantagens do trabalho auto etnográfico que Adams et al. (2017) listam, importa salientar, pela sua relevância para a nossa investigação, o contributo da experiência pessoal dos auto etnógrafos não só no desmentir de guiões culturais, histórias e estereótipos nocivos, dominantes e dados por garantidos criados por outsiders culturais, mas também a relevância da sua experiência para complementar, ou preencher lacunas, de estudos existentes. Esta suposição sugere que o auto etnógrafo pode informar os leitores sobre aspetos da vida cultural que outros investigadores podem não conhecer, descrever momentos de experiência quotidiana que não podem ser capturados através de métodos de investigação mais tradicionais e ainda escrever sobre o impacto das experiências que acontecem em contextos privados, como no quarto, na casa de banho ou interações diárias.
Caracterização do paradigma Vida Independente
Nesta seção iremos analisar com maior detalhe alguns dos seus aspetos mais fundamentais do Movimento Vida Independente (MVI).
Visando o respeito pela autodeterminação, dignidade e direito a uma cidadania efetiva das pessoas com deficiências, o MVI sustenta um conjunto de princípios que lhe dão corpo enquanto movimento de ação (Ratzka, 1989; Zola, 1988): capacitação, modelos de autoajuda, aconselhamento interpares, desmedicalização, desinstitucionalização, desprofissionalização, controlo absoluto sobre os serviços disponíveis, controlo sobre as organizações representativas e trabalho em rede. E enquanto abordagem sistémica e em termos operativos, o MVI assenta num conjunto de cinco elementos facilitadores (Arnau et al., 2007; Oliveira, 2015; Oliveira & Partidário, 2008; Zarb & Nadash, 1994): design universal, educação para a cidadania, assistência pessoal e serviços de apoio, produtos de apoio e suplementos financeiros (benefícios fiscais e pagamentos diretos).
Fomos questionados recentemente porque é que não incluíamos nesta lista a educação ou o emprego. Reconhecemos a pertinência da questão e a importância basilar da educação e do emprego nos processos de inclusão e participação social de todos os cidadãos nas sociedades do conhecimento, incluindo as pessoas com deficiência (Blick et al., 2016; Broderick, 2018; Innerarity, 2012; Resolution No. A/RES/61/106, 2007; Välimaa & Hoffman, 2008). Contudo, diremos que ambos poderão ser classificados como facilitadores de segundo nível porque: i) a inclusão educativa ou laboral tem uma relação causal positiva com a existência dos facilitadores listados, sobretudo nos casos das pessoas com deficiência com maior dependência; e ii) nem sempre a condição biológica e/ou psicológica da pessoa com deficiência influencia a sua inclusão educativa ou laboral, pois importa observar fatores ambientais e contextuais, a função a desempenhar, o nível de severidade e grau de dependência resultantes da incapacidade ou a fase da vida em que surge a deficiência.
Nesta filosofia, a assistência pessoal ganha uma importância central enquanto facilitador do processo de inclusão e participação societal de todas as pessoas com deficiência (Barnes, 1991; Berthoud et al., 1993; Independent Living Resource Center [ILI], 1992; Morris, 1993) porque a pessoa assistente pessoal é uma pessoa remunerada que contribui para que a pessoa com deficiência ou incapacidade tenha uma vida independente, apoiando-a na realização das atividades que, em razão das limitações decorrentes da sua interação com as condições do meio, não possa realizar por si própria (Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017, art.º 5.º). Mas é também alguém cuja função contribui, pelo menos em teoria, para uma elevada redução da dependência do apoio informal da família ou de amigos, permitindo a estes aumentar os seus níveis de participação em outras áreas da vida social e económica (Zarb, 2003; Zarb & Nadash, 1994; Zarb & Oliver, 1993).
Além disto, segundo Shakespeare et al. (2017), a capacidade de controlar todos os processos associados à relação laboral permite ao contratante com deficiência determinar os limites do relacionamento, definir “a agenda”, as regras de controlo na relação laboral e o poder de fazer prevalecer os seus interesses. Isto pode elevar o estatuto dos empregadores aos olhos dos seus trabalhadores. Por sua vez, a associação da casa a uma ética da privacidade, ao poder de excluir e à identidade incorporada permitem às pessoas com deficiência resistir à dominação profissional dos assistentes pessoais.
A mesma investigação destaca ainda a existência de relações de estilo mestre-servo e relações baseadas na solidariedade. Nas relações de estilo mestre-servo, as hierarquias tradicionais de cuidados são substituídas por relacionamentos onde as pessoas com deficiência tem um poder ilimitado e os assistentes pessoais ficam vulneráveis a abusos de poder - sendo desrespeitados, sujeitos a abusos verbais ou vendo os seus direitos laborais desrespeitados. Por outro lado, nas relações baseadas na solidariedade, os assistentes pessoais transformam-se em amizades e por isso podem ter dificuldade em deixar o trabalho a tempo ou sentir uma obrigação implícita de trabalhar fora das suas horas remuneradas.
Os mesmos autores afirmam ainda que os assistentes pessoais muitas vezes se sentem como se fossem pouco mais do que uma “ferramenta” dos seus empregadores com deficiência e que têm de lutar contra sentimentos de subordinação dado o pouco controlo sobre os seus ambientes ou práticas de trabalho.
Estudar o impacto da chegada da pessoa assistente pessoal na vida dos cuidadores informais é, na nossa opinião, essencial para que o MAVI possa garantir uma boa transição para a vida independente.1 Barrett et al. (2014) sobre os cuidadores informais que prestam cuidados ao longo da vida a pessoas com deficiência severa dizem que esta realidade é um compromisso ao longo da vida, aparentemente contra-natura, que liga intimamente o destino do cuidador ao da pessoa com deficiência ao longo das diferentes fases da vida2 porque à medida que os pais envelhecem surge a preocupação com a questão de capacidade de manutenção dos cuidados.
Mas para além desta evidência, acrescentamos a “outra face da moeda”, aparentemente ausente da literatura: algumas pessoas com deficiência severa com o passar do tempo também vão adquirindo a consciência de que vivem num “Mundo” que não lhes assegura nem as condições que lhes permita a manutenção do nível de qualidade de vida a que estarão habituados, quando a cuidadora ou cuidador deixar de poder desempenhar esse papel (algo temporalmente inevitável), nem as condições que lhes permitam, enquanto filho, filha ou familiar, monitorizar os cuidados que a cuidadora ou o cuidador possa necessitar para ter um fim de vida digno.
Esta ligação pode levar ao isolamento dos cuidadores ao longo da vida (United Nations Economic Commission for Europe [UNECE], 2019), transformar muitos cuidadores em “pais perpétuos” (Kelly & Kropf, 1995) e sujeitar estas pessoas a um elevado desgaste físico, psíquico e emocional (Hellendoorn, 2009; Power, 2010).
A falta de apoios para além da família representa muitas vezes uma barreira intransponível para a ativação societal dos cuidadores informais (Barrett et al., 2014) e para a transição para a idade adulta independente da pessoa em situação de dependência porque coloca possíveis problemas à afirmação da sua soberania decisória. Isto pode criar a sensação de estarem institucionalizadas nas residências dos pais (Fontes, 2018; P. C. Pinto, 2011). Esta falta de apoios pode levar à diminuição de expectativas, pois a maioria dos pais com menos recursos achará isto impossível e será tentada a adotar um estilo de parentalidade menos emancipadora numa sociedade menos empática, mais individualista e sobretudo narcísica (Hendey & Pascall, 2001; MacDonald, 2014; Ullrich & Rocha, 2020).
Os cuidados ao longo da vida a pessoas com deficiência severa ficam sujeitos à reavaliação e redefinição ao longo dos anos, à medida que o cuidador fica mais consciente das implicações a longo prazo (Todd & Shearn, 1996a, 1996b). Através deste processo, os cuidadores, seja como pais perpétuos ou cuidadores da geração sanduíche,3 adquirem, pela prática, capacidade de supervisionar o bem-estar do indivíduo com deficiência, conhecimento especializado sobre a deficiência ou doença, sobre as possíveis opções de tratamento, medicamentos e produtos de apoio, assim como experiência na gestão das exigências da situação de cuidados e de comportamentos. Normalmente chegam a um ponto de conhecimento em que já não esperam passivamente que outros lhes forneçam soluções.
Apesar disto, muitos pais de filhos com deficiência afirmam que a maioria das decisões relativas aos seus filhos adultos continuam a ser tomadas por profissionais, marginalizando-os e tratando-os com condescendência (Scorgie et al., 1999; Soodak & Erwin, 1995; Valle & Aponte, 2002). Uma forma de ultrapassar esta realidade é o reconhecimento dos cuidadores informais como cuidadores especializados no papel de mentores comunitários. Quando isto acontece, os cuidadores informais tornam-se parte de uma resposta sistémica às necessidades sociais.
Por fim, a literatura também menciona que o aumento das despesas com itens gerais (por exemplo, cuidados de saúde, alimentos ou consumíveis) ou com itens específicos da deficiência (por exemplo, produtos de apoio, reabilitação, assistência pessoal e adaptação do domicílio4 (Antón et al., 2016; Mitra et al., 2017) é um fator que vai corroendo gradualmente o capital (social e económico) familiar disponível e ameaça reduzir a qualidade de vida de muitas mulheres com familiares dependentes ao seu cuidado e outros papéis domésticos devido a um acesso reduzido ao mercado de trabalho remunerado num contexto societal onde a população está a envelhecer, as famílias são mais pequenas, existem mais mães solteiras e com menos rendimentos devido ao divórcio (Barrett et al., 2014; Ferrera, 1996, 2010; UNECE, 2019).
Assim, a vantagem da adopção de mecanismos de financiamento direto é que cria uma situação sustentável que tende a criar um grau de flexibilidade e escolha na vida do indivíduo com deficiência (Siegel et al., 2009). Este aumento de poder de compra tem o potencial de criar um mercado de serviços mais ajustado às suas necessidades. Isto acontece, mesmo que a atribuição destes benefícios dependa da existência de determinadas condições de apoio no ambiente mais amplo (Arksey & Glendinning, 2007).
Tendo em conta o descrito, diremos que o processo de desfamiliarização terá de ter em conta a trajetória de empowerment, o saber fazer e a resiliência comum da pessoa em situação de dependência e do cuidador informal.
Na secção seguinte iremos analisar, numa perspetiva comparada, os dados sobre cuidados informais e as características dos MAVI nos casos de Espanha, Itália, República da Irlanda e Portugal.
O MAVI português numa perspetiva comparada
Um vasto acervo teórico neoinstitucionalista (Hall & Taylor, 1996; Pierson & Skocpol, 2002; R. A. W. Rhodes et al., 2006) sustenta os progressos significativos da investigação comparativa sobre o Estado-Providência e as políticas de welfare, sobretudo desde a distinção entre regimes feita por Esping-Andersen (1990, 1999). Muitas vezes assente nestas tipologias (não só as propostas por Esping-Andersen), a literatura sobre o Estado-Providência tem distinguindo regimes que investem mais em políticas sociais da era industrial e outros regimes que investem mais em políticas da era pós-industrial: as primeiras procuravam garantir a proteção do rendimento perante a não participação no mercado de trabalho e as segundas destinam-se à ativação dos destinatários no mercado laboral remunerado, através da cobertura de novos riscos, e garantindo a satisfação de outras necessidades menos dependentes da participação no mercado de trabalho (Armingeon & Bonoli, 2007; Häusermann, 2012).
Sabendo a importância que as tipologias assumem nos estudos sobre o Estado-Providência, começamos por resumir na Tabela 1 as características dos welfare regimes liberal, conservador-corporativista, social-democrata e mediterrânico.
Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com Bonoli (2003), Esping-Andersen (1990, 1999), Ferrera (1996, 2000, 2010), Leibfried (1992), Martin (2015), Moreno (1996) e M. Rhodes (1996) (citado em Oliveira, 2021).
A comparação feita confirma que o regime mediterrânico apresenta uma natureza híbrida onde muitas responsabilidades intergeracionais de cuidado com crianças, jovens, idosos, pessoas com deficiência ou doentes crónicos dependem sobretudo das relações familiares e informais, num contexto institucional de “familiarismo desapoiado” marcado pela ausência, fragilidade e caráter rudimentar dos programas sociais de apoio às famílias, pela sua grande centralidade e presença do terceiro setor e das organizações religiosas como prestadores de serviços (Branco, 2017; Ferrera, 1996, 2010; Joaquim, 2015; Leibfried, 1992; Martin, 2015). Estas características são muito diferentes quer do “familiarismo apoiado” bismarckiano dos regimes conservadores-corporativistas, quer da aposta na “desfamiliarização” característica dos regimes social-democratas que apoiam as famílias, não só a contratar serviços e profissionais para externalizar parte dessas tarefas, mas também empregados no mercado de trabalho formal ou informal (Esping-Andersen, 1990, 1999).
A Tabela 2 permite quantificar a importância dos apoios informais nos estudos de casos.
Perante os dados da Tabela 2, é possível perceber que uma percentagem considerável da população geral dos quatro países autointitula-se como cuidadora. Por sua vez, em todos os países em estudo há mais mulheres cuidadoras do que homens cuidadores e a maioria da população cuidadora tem uma idade entre os 35 e os 64 anos.
Os dados da Tabela 3 permitiram constatar que, com exceção do caso irlandês, a maioria destas pessoas acumula o papel de cuidadora informal com alguma atividade laboral. Este facto contradiz as evidências que revelam taxas de emprego feminino tradicionalmente baixas no modelo mediterrânico (Ferrera, 2000; Martin, 2015).
No entanto, a criação de Modelos de Apoio à Vida Independente (MAVI) no seio de todos os regimes de welfare, independentemente da sua tipologia, visa implementar mecanismos de apoio à contratação de serviços formais ou informais de assistência pessoal dirigidos às pessoas com deficiência.
Neste sentido, a Tabela 4, que resume as características dos MAVI em estudo, mostra que estes refletem o modelo político-administrativo e as responsabilidades institucionais atestam o modelo de governance multinível (vertical) de cada caso. Ou seja, segundo os indicadores “Legislação Principal” e “Responsabilidades Institucionais” confirma-se uma maior fragmentação de poder em Espanha e Itália, devido à maior preponderância regional, e o envolvimento operacional de agentes públicos, privados e sociais locais em todos os casos (Griffo & Tarantino, 2019; Health Service Executive [HSE], 2018; Instituto de Mayores y Servicios Sociales [IMSERSO], 2019; Moloney, 2019; P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019; Verdugo & Jenaro, 2019). Esta responsabilidade em Portugal é exclusiva dos Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI) (Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017, art.º 21.º).
Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com Aogáin et al. (2019), Decreto-Lei n.º 129/2017 (2017), ENIL (2013, 2015a, 2015b), Griffo e Tarantino (2019), HSE (2018), IMSERSO, (2019), Moloney (2019), NDA (2019), P. C. Pinto e Kuznetsova (2019) e Verdugo e Jenaro (2019) (citado em Oliveira, 2021)
No que diz respeito ao indicador “Desinstitucionalização” os dados indicam que em todos os casos as pessoas com deficiência vivem maioritariamente no seio das famílias. Apenas as pessoas com deficiências intelectuais mais severas apresentam um maior índice de institucionalização (Griffo & Tarantino, 2019; HSE, 2018; IMSERSO, 2019; Moloney, 2019; P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019; Verdugo & Jenaro, 2019).
Os indicadores “Acesso e Cobertura” e “Prova de Meios” mostram que em Espanha e Itália os MAVI são claramente não universais porque a regulamentação regional usa medidas de targeting em ambos os indicadores. Na Irlanda, apesar de todas as pessoas com deficiência serem elegíveis para aceder ao serviço de assistência pessoal, este país opta pela prova de meios. Os projetos-piloto em curso em Portugal são universais em termos de acesso e cobertura, mas ainda não permitem descortinar qual será a opção do legislador quanto à prova de meios (Aogáin et al., 2019; Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017; European Network on Independent Living [ENIL], 2013, 2015a, 2015b; IMSERSO, 2019; P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019).5
O indicador “Financiamento” mostra que a assistência pessoal é sobretudo um serviço prestado por um prestador de serviço financiado diretamente pelo estado/região nos quatro casos, em detrimento dos mecanismos de financiamento direto aos cidadãos, apesar destes mecanismos serem uma possibilidade legal complexa em Espanha e uma realidade regional variável em Itália. Na Irlanda decorre, desde 2019, em fase experimental, a implementação de um esquema de orçamentos pessoais (Aogáin et al., 2019). Já em Portugal, os projetos-piloto financiam os serviços aos prestadores de serviço através de um modelo cofinanciado pelo Fundo Social Europeu, existindo pouca clareza sobre qual será o modelo de financiamento adotado na fase de consolidação do MAVI (Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017; P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019).
Perante estes esquemas de financiamento, e não tendo dados sobre o financiamento direto para todos os casos em estudo, utiliza-se o indicador “Horas de serviço de Assistência Pessoal (AP)” para perceber o nível de generosidade6 dos MAVI em estudo porque permite perceber as horas pagas de assistência pessoal a que o beneficiário tem direito. Assim, em Espanha cada comunidade autónoma tem regulamentações específicas sobre este serviço e, para além de não existir um custo/hora tabelado, o salário máximo fornecido pelo nível básico da prestação (sem considerar o copagamento) só permite usufruir de 2,5 a 3 horas por dia de assistência pessoal (ENIL, 2015a). Em Itália o número de horas de AP varia de região para região e a legislação nacional não estabelece intervalos mínimos nem máximo de horas (ENIL, 2015b).
Na Irlanda, legalmente, as horas de serviço dependem das necessidades individuais e do nível de incapacidade das pessoas, bem como do seu contexto e estatuto laboral. Mas dados de 2017 mostram que 65% dos beneficiários dos serviços recebem aproximadamente 10 horas por semana de assistência pessoal e apenas 7% dos beneficiários recebem 40 ou mais horas por semana (National Disability Authority [NDA], 2019), mas aqueles que precisam deste serviço acham o processo de candidatura problemático, por falta de um procedimento padronizado, e aqueles que já usufruem deste, não têm nenhuma segurança quanto à continuação ou extensão do serviço devido à falta de proteção legislativa (ENIL, 2013; Aogáin et al., 2019). Em Portugal existe um limite máximo por pessoa destinatária (maiores de 16 anos) de 40 horas por semana. Só em situações excecionais e devidamente fundamentadas, as horas de apoio poderão atingir até 24 horas diárias, desde que cada CAVI não tenha mais de 30% de pessoas apoiadas nestas circunstâncias (P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019).
Ora, perante os resultados dos indicadores “Desinstitucionalização” e “Horas de serviço de Assistência Pessoal (AP)”, será expectável que o indicador “Familiarismo e Cuidados informais” revele um elevado grau de dependência das pessoas com deficiência face ao apoio de familiares e de cuidadores informais por falta de alternativas em todos os casos (Aogáin et al., 2019; Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017; ENIL, 2013, 2015a, 2015b; IMSERSO, 2019; P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019). A conjugação destes resultados com a informação que a maioria das pessoas cuidadoras informais tem uma atividade laboral (Tabela 3), mostra a importância histórica da existência de serviços de acolhimento diurno, mesmo que não emancipem as pessoas com deficiência (Braddock & Parish, 2001), e o gradual investimento no ensino inclusivo, para permitir algum grau de integração laboral aos cuidadores informais (Belafatti, 2021; Giedraityte, 2021; T. Pinto, 2021; P. C. Pinto & Neca, 2020; Sabater, 2021).
No indicador “Flexibilidade”, Espanha revela níveis baixos relativamente ao tipo atividade para o qual a assistência pessoal pode ser utilizada (apenas educação e trabalho). Em Itália os níveis de flexibilidade variam entre regiões; a evidência empírica sugere que o serviço de AP da Irlanda está a diminuir o nível de empowerment dos utentes e a sua capacidade de controlar o serviço, ao passo que em Portugal o design do MAVI não cria limites de contexto à utilização de AP (Aogáin et al., 2019; Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017; ENIL, 2013, 2015a, 2015b; IMSERSO, 2019; P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019).
Na secção seguinte testaremos empiricamente o nível de desfamiliarismo e de generosidade potenciado pelo MAVI português.
Teste empírico ao MAVI português: experiências reais e soluções político-institucionais que podem potenciar o processo de desfamiliarização
Partindo das experiências pessoais do autor, contaremos a história de um aluno universitário (“Aluno A”) com o propósito de testar empiricamente o nível de desfamiliarismo e de generosidade potenciado pelo MAVI português. Perante as informações recolhidas, veremos como as instituições políticas poderão potenciar o processo de desfamiliarização.
Assim, defendendo que o indicador de sucesso de um processo de reforma institucional promotora do paradigma Vida Independente deve ser a forma como os MAVI potenciam a autodeterminação, a dignidade e a cidadania efetiva das pessoas com deficiência, sobretudo daquelas com maior grau de dependência, os critérios que presidiram à construção deste teste foram:
A condição biológica e psicológica do Aluno A. Este aluno com 21 anos é uma pessoa com deficiência com alterações das funções neuromusculoesqueléticas com problemas severos de mobilidade (mudar a posição básica do corpo) e forte compromisso das faculdades de manipulação. Necessidade de apoio pessoal permanente para o desenvolvimento de todas as tarefas quotidianas e de produtos de apoio para todas as funções relacionadas com o movimento, tarefas de cuidado pessoal e da vida doméstica, para mover o corpo e realizar deslocações, assim como de meios de transporte adaptados (Portugal, 2010) e;
A densidade horária do primeiro ciclo do curso de licenciatura de Ciências da Comunicação (Área Opcional de Comunicação Estratégica) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa no ano letivo 2020/2021 (Tabela 5) que coincide com as horas de maior fluxo de trânsito na ida para os empregos e no regresso a casa.
Esta análise centra-se nas categorias assistência pessoal, dinâmica familiar,7 relações de poder8 e outros serviços (de apoios).9
Nota: esta tabela foi construída cruzando a informação disponibilizada originalmente a 28 de julho de 2021 na página web do Departamento de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa no ano letivo 2020/2021 (https://drive.google.com/file/d/1o30AoyKdEemDXt8M2vr_CTKZsdOR_Na1/view?usp=sharing) com a informação existente no guia de cursos da Universidade Nova de Lisboa na mesma data (https://guia.unl.pt/pt/2019/fcsh/program/4004). Fonte: Adaptado pelo autor.
No que diz respeito a outros intervenientes, incluiremos ainda neste teste uma Cuidadora Informal experiente de 45 anos, funcionária pública (secretariado de direção departamental), familiar do Aluno A com quem partilha casa num município nas imediações de Lisboa e um Assistente Pessoal com 35 anos, casado, com um filho, habilitado com carta de condução e residente num município territorialmente contínuo ao do Aluno A (a 30 minutos da casa deste), também nos arredores de Lisboa.
A observação etnográfica corresponde a todo o ano letivo e a mesma tem em conta as interações do Aluno A com estas pessoas, restante universo universitário e familiar no dia a dia.
Assistência Pessoal
Na atual fase experimental, o legislador português optou por ser conservador e desenhou um MAVI onde são os CAVI que prestam o serviço de assistência pessoal (Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017, art.º 16.º), através de um Assistente Pessoal com quem é celebrado um contrato de trabalho em comissão de serviço, conforme o estabelecido no artigo 161.º do Código do Trabalho (Instituto Nacional para a Reabilitação [INR], 2017).
Deste modo, o processo de recrutamento desta prestação de serviços do CAVI mais próximo da zona de residência do Aluno A (CAVI X) respeitou os direitos e deveres da pessoa destinatária da assistência pessoal, assim como as regras inerentes quer ao processo de recrutamento e seleção, quer à contratação - respetivamente artigos 11.º, 14.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 129/2017 (2017).
As tarefas para as quais foi contratado o Assistente Pessoal, incluem:
Atividades básicas: apoio às idas à casa de banho, vestir/despir e apoio à refeição (não inclui confeção/preparação) em todas as atividades da vida do Aluno A.
Atividades estudantis: apoio nas deslocações, apoio nas deslocações no local onde estuda e em atividades de estudo, apoio na atividade estudantis (pegar em documentos, posicionamento de equipamentos para usar, tirar apontamentos, pegar em livros, etc.).
Desde logo, fazemos notar que neste caso o Aluno A optou por não atribuir ao assistente pessoal atividades diretamente relacionadas com a sua higiene pessoal íntima. As seguintes razões conduzem a esta decisão:
Em primeiro lugar, isto só pode acontecer porque existe uma Cuidadora Informal experiente, disponível e em condições biológicas e psicológicas de realizar estas atividades enquanto se criam as condições de confiança, intimidade e cumplicidade mútuas entre a pessoa que recebe a assistência e a pessoa assistente pessoal para se concretizar a transição10 algo que acontece com o passar do tempo e será facilitado pela criação de um ambiente de trabalho positivo, inclusivo, tolerante ao erro e inspirador de um espírito de equipa (Diamond & Diamond, 2007).
Em segundo lugar, porque a carga horária do curso do Aluno A absorve as oito horas de assistência pessoal diárias previstas na lei para 70% dos utentes dos CAVI (Decreto-Lei n.º 129/2017, 2017, art.º 9.º). Isto obriga necessariamente à combinação de vários outros apoios e explica também a impossibilidade de envolver o assistente pessoal em atividades de lazer.
De facto, a rotina do Aluno A até chegar à FCSH às 08h00 será aproximadamente esta:
06h00 - 07h00: durante este período, para além de se preparar, a Cuidadora Informal terá de levantar, vestir e higienizar o Aluno A.11
07h00 - 08h00: saída de casa, transferência do Aluno A da cadeira de rodas para o automóvel, arrumar a cadeira de rodas no automóvel e seguir para o trânsito no sentido periferia-Lisboa, sabendo que os condutores consomem, em média, 42 minutos em filas de trânsito por dia, conforme o índice de tráfego da empresa TomTom (Nunes, 2019).
Só esta situação permite que a pessoa assistente pessoal comece a trabalhar apenas no período em que apoia o Aluno A na FCSH. Caso o Aluno A dependesse do assistente pessoal para realizar esta rotina, teríamos de contabilizar o tempo da rotina pessoal da pessoa assistente (na sua casa) e o tempo em trânsito para fazer o percurso até à casa do Aluno A. Neste cenário, as oito horas de trabalho do assistente pessoal começariam às 06h00, na casa do Aluno A, e mais cedo concretizaria as oito horas de trabalho obrigando a uma maior dependência de outros apoios informais.12
Ou seja: para satisfazer as suas necessidades, muitas vezes é preciso que a pessoa que recebe a assistência saiba lidar com processos de teambuilding e gerir com critério um conjunto de outros apoios (Diamond & Diamond, 2007), coadjuvada pelo CAVI e, sempre que possível ou desejável, pelos apoios informais.
Dinâmica familiar e relações de poder
Como observamos na primeira secção, a literatura refere que num agregado familiar onde uma pessoa assume o papel de cuidador informal de longa duração, observam-se muitas vezes um conjunto de desafios que influenciam diretamente a dinâmica familiar: impactos negativos na saúde e bem-estar físico e psicológico, risco de pobreza, exclusão e isolamento social devido a uma maior vulnerabilidade a situações de desemprego. Registámos igualmente as referências à codependência entre o cuidador e a pessoa com deficiência ao longo da vida e custos de vida extraordinários inerentes às necessidades criadas pela deficiência. A esta lista acrescentamos as tensões na gestão familiar dos recursos materiais disponíveis.13
Ora, no nosso caso, a introdução de mecanismos promotores da ativação das pessoas com deficiência com elevado grau de dependência (assistência pessoal e serviços de apoio) resultou:
Codependência: a existência da solução assistência pessoal cria uma janela de oportunidade para a Cuidadora que após deixar o Aluno A na FCSH de manhã só volta ao fim da tarde, cumprindo o dia de trabalho sem interrupções. O Aluno A volta a depender da Cuidadora no período da noite e ao fim de semana. Antes, a Cuidadora teria de beneficiar de uma jornada contínua, apoiar o Aluno A até meio da manhã e na hora de almoço. Na sua ausência, o Aluno A dependia do apoio informal dos colegas.
Tensões com os apoios formais: devido às particularidades do nosso caso, o risco de se verificarem tensões é escasso porque a coabitação entre apoios não é muito prolongada no tempo. Inclusivamente, o Aluno A facilitou a inclusão do Assistente Pessoal no meio académico ao ponto de este contar com o apoio pontual dos alunos na realização de algumas tarefas.
Gestão familiar dos recursos materiais disponíveis: a carga horária do curso do Aluno A exigia a sua fixação na Faculdade. Caso contrário, a falta de soluções de mobilidade acessível poderia tornar a existência de um único automóvel no agregado familiar “desafiante”.
Também as exigências associadas às funções de assistentes pessoais poderão influenciar a dinâmica familiar das pessoas que desempenham estas funções: a partilha de responsabilidades na execução de tarefas domésticas ou familiares, o trabalho por turnos, etc. No nosso caso, o horário universitário do Aluno A expõe um dos membros do casal a uma maior sobrecarga face às tarefas familiares matinais e a pessoa assistente pessoal a um maior risco de saúde e desgaste físico inerente aos cuidados prestados (Ferrera, 1996, 2010).
Diremos, portanto, que apesar do MAVI português garantir até 8 horas/dia para 70% dos utentes de cada CAVI e até 24 horas/dia para uma quota de 30%, o nível de “desfamiliarização” alcançado pode ser insuficiente tendo em conta a intensidade da atividade da pessoa que recebe assistência.
Na subsecção seguinte abordaremos como, na nossa opinião, se poderá operacionalizar a articulação entre apoios informais, assistência pessoal e outros serviços.
Como articular diferentes fontes de apoio
Na subsecção relativa à Assistência Pessoal concluímos que esta solução fundamental apenas atenua a dependência de outros apoios informais. Isto acontece apesar do padrão das oito horas de assistência pessoal do MAVI português, pelo menos nesta fase de projetos-piloto maioritariamente financiados por fundos comunitários (P. C. Pinto & Kuznetsova, 2019). Contudo, esta dicotomia entre apoios informais e assistência pessoal não é uma inevitabilidade, mas sim um resultado direto do design do MAVI português. De facto, o recurso a outros serviços tendencialmente diminuiria o esforço e o desgaste dos apoios informais e dos assistentes pessoais ao mesmo tempo que aumentaria o controlo e o poder de escolha da pessoa que recebe assistência relativamente aos seus apoios (Oliveira, no prelo).
Para operacionalizar a articulação entre estas fontes de apoio, o Aluno A terá, em primeiro lugar, de definir as suas necessidades de apoio e hierarquizá-las por grau de privacidade. Claro que esta classificação será sempre pessoal.
Em segundo lugar, o Aluno A terá de conhecer e mapear a oferta de serviços existente (no concelho de residência e não só) para poder fundamentar a distribuição dos apoios pelas diferentes fontes. Como são visíveis diferenças a nível regional em termos de tipologia das respostas sociais (Gabinete de Estratégia e Planeamento / Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social [GEP/MTSSS], 2019), este mapeamento irá permitir aferir a adequação da oferta (P. C. Pinto, 2018) e descobrir falhas de mercado locais cujas potenciais funções tenderão a ser suprimidas, se possível, pelas outras fontes de apoio ou por um fornecedor mais distante.
Em terceiro lugar, mediante a informação recolhida, o Aluno A terá de fazer escolhas e materializar a sua microrrede de apoio, observando as características enunciadas na subsecção anterior e limitações orçamentais.
Assim, apresentaremos na Tabela 6 um exercício meramente ilustrativo de como o Aluno A poderia operacionalizar a articulação entre diferentes fontes de apoio para satisfazer as suas necessidades.
Fonte: Elaborado pelo autor (onde A é “Apoio Informal”, B é “Assistente Pessoal”, C é “Prestador de Serviço” e D é “Tecnologia ou Produtos de Apoio”).
A Tabela 6 mostra que - quer pelo elevado grau de privacidade associado a muitas destas tarefas, quer pela possibilidade do aluno A poder concretizar algumas destas com recurso a tecnologia, por exemplo pagar contas ou realizar transações de comércio eletrónico - o Aluno A opta por partilhar exclusivamente a realização de um conjunto de apoios nucleares com a Cuidadora Informal: as categorias “Higiene pessoal”, “Vestir e despir”, “Gestão financeira”, “Gestão doméstica (pagar contas, contratar reparações)” e “Compras”. A única tarefa relativa às categorias de índole financeira alargada ao assistente pessoal será a concretização de alguma transação quotidiana menor.
A categoria “Idas e apoios no WC” foi atribuída exclusivamente à Cuidadora Informal e ao Assistente Pessoal pela natureza íntima da tarefa. No entanto, a realidade pode ser outra e a sua execução pode, em caso de necessidade, ser alargada a um círculo de apoios informais restritos da confiança do Aluno A. O mesmo acontece nas categorias “Mobilidade” (que pode ser realizada autonomamente pelo aluno A recorrendo a produto de apoio), “Alimentação”, “Controle e administração de medicação” e “Acompanhamento e deslocações”. A execução das restantes tarefas poderá ser atribuída a “Apoio Informal”, “Assistente Pessoal” e “Prestador de Serviço” mediante o contexto.
Conclusão e recomendações
A literatura mostra a importância central da assistência pessoal enquanto elemento facilitador do processo de inclusão e participação societal das pessoas com deficiência. Mas também contribui decisivamente para a redução da dependência do apoio informal da família ou de amigos.
Partindo deste pressuposto teórico, esta investigação estudou a relação entre a assistência pessoal e o desfamiliarismo, tentando responder à pergunta: o nível de generosidade do Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI) português garante a desfamiliarização e termina com a dependência de cuidados informais?
A resposta é: não. O MAVI português não garante a desfamiliarização nem termina com a dependência de cuidados informais. Mas pode atenuar bastante.
Os resultados comparados confirmam uma elevada codependência entre as pessoas com deficiência e o cuidador/familiar, mesmo nos MAVI mais generosos, e que a maioria destas pessoas acumula o papel de cuidadora informal com alguma atividade laboral. Esta realidade mostra a importância histórica do investimento em redes de serviços de acolhimento diurno e no ensino inclusivo.
Reconhecemos que a assistência pessoal tem o potencial de garantir a inclusão societal não só para os cuidadores como também para a pessoa que recebe a assistência. Apesar disto, acreditamos que um MAVI não pode assentar apenas na transferência do cuidado familiar para a assistência pessoal. A força emancipadora do MAVI deve assentar numa natureza mais holística potenciadora da afirmação da soberania decisória da pessoa em situação de dependência. Esta transformação institucional é fundamental para garantir o poder de escolha do consumidor e deve permitir a externalização de parte dessas tarefas, contratando serviços, profissionais ou empregados no mercado de trabalho formal, ou informal.
O sucesso desta etapa do processo de desfamiliarização dependerá da criação de um quadro de segurança para todas as partes envolvidas para que o risco de frustração de expectativas seja mínimo. A trajetória de empowerment, resiliência, saber fazer e experiência da pessoa em situação de dependência e do cuidador informal terá de ser honrada e valorizada na construção de um novo equilíbrio de poder onde o “monopólio do apoio” do cuidador informal de longa duração evoluí para uma microrrede de apoios necessariamente bem definida, dinâmica, mais formalizada, corresponsável, personalizada, valorizada, flexível e associada à realização de experiências com significado e valores. Isto implica que, para satisfazer as suas necessidades, a pessoa que recebe a assistência saiba lidar com processos de teambuilding e gerir com critério um conjunto de outros apoios.
Nesta medida, sugerimos que as instituições políticas desenvolvam uma plataforma informática agregadora com o intuito de digitalizar o MAVI, facilitando a divulgação de informação relativa à procura e oferta no âmbito da assistência pessoal, os registos efetuados no Sistema, a publicação de documentação variada, o registo, partilha, gestão de informação pessoal e processual de todos os consumidores e prestadores formais e informais de Assistência Pessoal, a comunicação entre as entidades participantes, e entre estas e o cidadão.
Paralelamente, defende-se a criação de redes intermunicipais de serviços de proximidade (soluções integradas de serviços ao domicílio, de restauração, engomadoria, serviços de limpeza e reparação) e de transporte personalizado, também associadas a plataformas agregadoras capazes de mapear a oferta de serviços existente por concelho. E para potenciar o lado da procura e compensar os encargos específicos resultantes do esforço de inclusão e participação, torna-se essencial desenvolver uma componente flexível da Prestação Social de Inclusão indexada ao cumprimento de objetivos pró-ativação.
Por fim, reconhecendo a importância do reconhecimento formal das competências nos processos de inclusão e participação social de todos os cidadãos nas sociedades do conhecimento, defende-se ainda a criação de programas de formação de tutores de assistentes pessoais para capacitar ou certificar o saber fazer dos utilizadores de assistência pessoal para poderem gerir uma relação profissional com o seu assistente.
E associada a estas medidas, deverá estar a criação de uma entidade reguladora e um Tribunal Arbitral para o aconselhamento, coordenação, controlo e litigância de problemas com os serviços de Assistência Pessoal.