INTRODUÇÃO
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode ser definido como o desenvolvimento rápido de sinais clínicos de distúrbios focais (ou globais) da função cerebral, com sintomas que perduram por um período superior a 24 horas ou conduzem à morte, sem outra causa aparente que a de origem vascular1.
O AVC constitui uma das principais causas de morbilidade e mortalidade a nível mundial, do qual resultam disfunções, quer motores, quer cognitivo-comportamentais, quer emocionais. A estas sequelas associam-se múltiplas complicações médicas que levam a períodos de internamento prolongados e encargos económicos significativos aos sistemas de saúde2.
Deglutir é, de acordo com a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) versão 2015, o processo fisiológico da “(...) passagem dos líquidos e dos alimentos fragmentados, pelo movimento da língua e dos músculos, da boca para o estômago através da orofaringe e esófago”3.
A complexidade da deglutição advém do envolvimento dos 6 pares de nervos cranianos na coordenação de mais de 20 pares de músculos4.
Inicialmente descrito a partir de um modelo de três fases: oral, faríngea e esofágica, o processo de deglutição veio posteriormente a ser dividido em quatro fases (fase oral preparatória, fase oral, fase faríngea e fase esofágica) de acordo com vários estudos entretanto desenvolvidos, permitindo a descrição biomecânica e o movimento do bolo alimentar durante a deglutição5.
As causas de deglutição comprometida podem ser variadas. Contudo, quando é motivada por disfunções neurológicas, é denominada disfagia neurogénica5.
A deglutição comprometida, frequentemente designada de disfagia, é caracterizada pela dificuldade em deglutir saliva, líquidos ou sólidos. No termo “deglutição comprometida”, entre diversas disfunções no processo de deglutição, está incluída a disfagia orofaríngea6.
A problemática da pessoa com deglutição comprometida tem despertado interesse nas entidades reguladoras da saúde. Na abordagem desta temática os peritos têm utilizado a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde7.
A deglutição comprometida é apresentada pela Ordem dos Enfermeiros através do foco “deglutir” recorrendo a diagnósticos e intervenções que visam a sua abordagem. Foi com base nestes que foi construído o programa de reabilitação apresentado3,8.
Este compromisso, para além de prejudicar a qualidade de vida e o estado nutricional das pessoas poderá também ser conducente a graves complicações como a desidratação, a desnutrição, a pneumonia, a asfixia e até a morte. É compreensível, deste modo, que a este problema associa-se um aumento no número de dias de internamento que ronda os 40 por cento (%)9.
Incidindo na pessoa com AVC, a prevalência de deglutição comprometida na fase aguda é muito frequente, podendo ir até 78%. A pneumonia, nestes casos, é uma das principais causas de morbilidade, importando dar especial relevância ao facto de que a pessoa com AVC e com deglutição comprometida apresentam o triplo do risco de desenvolver pneumonia comparativamente a pessoas com AVC sem esta disfunção9.
Na fase aguda do AVC o compromisso na deglutição é clinicamente diagnosticado em 40 a 70% dos casos nos três primeiros dias e a aspiração brônquica de saliva, alimentos e/ou líquidos varia de 20 a 45% nos cinco primeiros dias10.
Apesar de grande parte das pessoas com AVC recuperar a capacidade de deglutição de forma espontânea, esta permanece em algumas pessoas aos seis meses de evolução (11-50%)11. Deste modo, a avaliação, o diagnóstico, a investigação e o tratamento da deglutição comprometida constituem focos de atenção merecedores de primazia pelos enfermeiros11.
Os objetivos da avaliação clínica da deglutição centram-se na deteção de compromisso da deglutição, caracterização da sua gravidade, determinação das suas causas, planeamento da reabilitação e aferição dos resultados do tratamento12.
Esta disfunção pode ser diagnosticada através da avaliação clínica da deglutição ou através da avaliação instrumental da deglutição, realizadas através da análise objetiva da biodinâmica da deglutição, através de videofluoroscopia ou videoendoscopia13. Estes últimos são mais dispendiosos e nem sempre estão disponíveis.
A avaliação da capacidade de deglutição através da utilização de um instrumento válido e confiável deve ocorrer antes da administração de alimentos, bebidas ou medicação oral, no prazo de 4 a 24 horas de hospitalização. Esta avaliação pode ser realizada de modo seguro pelos enfermeiros, dotados de níveis de conhecimento e de experiência diferenciados13. Contudo, nenhum instrumento de avaliação clínica da capacidade de deglutição é completamente sensível na determinação desta disfunção, devido à heterogeneidade de causas precursoras de alterações da deglutição4.
No sentido da deteção precoce de transtornos da deglutição, a avaliação clínica e de rastreio deverá ser realizada primeiramente como forma de triagem, considerando-se a sensibilidade dos testes e a possibilidade de serem encontrados falsos negativos e falsos positivos14.
Em síntese, as avaliações da deglutição podem ser instrumentais e/ou clínicas. A videofluoroscopia é atualmente o exame de eleição no estudo da deglutição pois permite a avaliação objetiva da biomecânica deste processo. Porém, sendo inacessível em algumas unidades de saúde e estando associada a elevados custos económicos, não pode ser realizada sempre que se suspeite que uma pessoa tenha compromisso da deglutição. Consequentemente, para identificar tal compromisso e classificar a sua gravidade foram desenvolvidos e validados instrumentos destinados à sua avaliação e, neste caso concreto, com o objetivo específico de o detetar precocemente na fase aguda do AVC15.
No processo de reabilitação da pessoa com deglutição comprometida, é imperioso o trabalho desenvolvido no seio de uma equipa interdisciplinar, em que todos os elementos estejam conscientes da problemática que envolve a pessoa, saibam identificar os sinais clínicos e as suas consequências12.
Os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação devem utilizar técnicas específicas de reabilitação e intervir na educação das pessoas e respetivos elementos da família significativos/cuidadores informais, com a finalidade de melhorar as funções, recuperar a independência nas atividades de vida e minimizar o impacto das incapacidades instaladas16. A pessoa com AVC com deglutição comprometida não é exceção.
Após a avaliação da pessoa e diagnosticada a alteração da deglutição, segue-se o planeamento dos cuidados de Enfermagem de Reabilitação, onde o Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação poderá desempenhar um papel fundamental como membro orquestrador e orientador, objetivando a reeducação da função “deglutir”. Os cuidados específicos necessários na reabilitação da pessoa com deglutição comprometida exigem conhecimentos e competências particulares na área4.
Estes conhecimentos e competências incluem a avaliação da capacidade da pessoa para se alimentar e hidratar de forma autónoma, atendendo à sua mobilidade, à força muscular, ao controlo dos talheres desde o prato até à boca, à capacidade de preparar os alimentos e os líquidos para a sua ingestão, ao controlo da cabeça na posição sentada e à acuidade visual. Toda a avaliação de enfermagem, contextualização do problema, antecedentes e hábitos prévios ajudam na determinação da incapacidade e fundamentam os diagnósticos de enfermagem17.
O cerne da intervenção da enfermagem reside em apoiar a pessoa na satisfação das suas necessidades humanas, na recuperação da capacidade de autocuidado e na reaprendizagem de competências que conduzam à concretização dos mesmos18.
A dependência no autocuidado constitui um foco basilar no planeamento dos cuidados de Enfermagem de Reabilitação. Na definição de intervenções a desenvolver o Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação procura estratégias que visem a capacitação da pessoa para o seu autocuidado.18) Particularizando a pessoa com deglutição comprometida, o programa de Enfermagem de Reabilitação deve incluir intervenções que promovam a reabilitação da função motora, a reabilitação da função respiratória e a reabilitação do autocuidado comer e beber de forma a assegurar uma alimentação e hidratação adequadas, favorecendo a autonomia da pessoa nestas atividades de vida diárias.
Com base no descrito previamente, foi definido um programa de reabilitação direcionado à pessoa com deglutição comprometida que incluía intervenções cujos objetivos se centram na recuperação desta função, a promoção do autocuidado e a redução de complicações relacionadas com este problema.
Pretende-se, assim, analisar os efeitos de um programa desenvolvido por enfermeiros de reabilitação à pessoa com deglutição comprometida em contexto de AVC.
MÉTODO
Foi realizado um estudo quantitativo, exploratório, descritivo e retrospetivo, tendo por base os dados existentes no sistema informático de apoio à prática de Enfermagem de Reabilitação (Medtrix®), colhidos e registados pelos investigadores principais. Foi apresentado o desenho do estudo, objetivos e métodos e solicitada autorização à comissão de ética institucional, que emitiu parecer positivo à sua realização.
Na abordagem à pessoa vítima de AVC com deglutição comprometida, foi delineado um programa de reabilitação (tabela 1)8 a ser desenvolvido em dias úteis, uma vez por dia, desde a admissão até ao momento da alta, sendo efetuados ajustes ao nível dos diagnósticos e intervenções de acordo com a avaliação realizada e com a colaboração da pessoa. Recorreu-se a uma amostra não probabilística, de conveniência. Mediante os resultados obtidos, o plano foi adaptado nas diferentes fases do processo de enfermagem de forma a dar resposta às dificuldades, corresponder aos ganhos em saúde e facilitar a readaptação funcional à condição de dependência.
A utilização de instrumentos para medir de forma objetiva a capacidade/incapacidade para desempenhar as diversas atividades de vida diária tornam-se fundamentais para delinear programas de reabilitação e avaliar os seus efeitos.
A National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) é uma escala padrão, de uso sistemático, validada, simples, de rápida aplicabilidade (10 minutos), fiável, segura, quantitativa, usada para mensurar a severidade e magnitude da disfunção neurológica após o AVC que pode ser aplicada à cabeceira da pessoa por qualquer profissional de saúde, permitindo uma linguagem comum para troca de informações entre eles. Foi desenvolvida por pesquisadores americanos (University of Cincinnati Stroke Center) como instrumento de investigação, estando a validada versão portuguesa19. Para a análise dos dados foram identificados três subgrupos: NIHSS entre 0-5 pontos (comprometimento neurológico leve), NIHSS entre 6 e 13 pontos (comprometimento neurológico moderado) e NIHSS superior a 14 pontos (comprometimento neurológico grave)20.
Para o rastreio do compromisso da deglutição utilizou-se o Gugging Swallowing Screen (GUSS) - versão portuguesa21. O GUSS determina a gravidade do compromisso e o risco de aspiração em pessoas com AVC agudo. Em comparação com outros exames, a sequência do teste GUSS é única: a avaliação começa com a deglutição de saliva seguida pela deglutição de texturas semissólidas, fluidas e sólidas. A avaliação é baseada num sistema de pontos. No total, quatro níveis de gravidade podem ser determinados:
0-9 Pontos: disfagia grave e alto risco de aspiração;
10-14 Pontos: disfagia moderada e risco moderado de aspiração;
15-19 Pontos: disfagia leve com aspiração leve;
20 pontos: capacidade normal de deglutição.
Para cada nível de gravidade, são fornecidas diferentes recomendações de dieta21.
Programa De Enfermagem De Reabilitação - Pessoa Com Deglutição Comprometida | |
---|---|
Reeducação da função motora - Exercícios orofaciais (Lábios (Língua (Mandíbula (Laringe (Bochechas - Estimulação sensitiva motora (Variação de sabores (Alteração do volume (Estimulação térmica e tátil (Massagem |
10’ 10’ |
Reeducação funcional respiratória - Treino dos músculos respiratórios - Técnicas de melhoria da ventilação, do padrão respiratório e mecânica ventilatória - Permeabilidade das vias aéreas - Fortalecimento da musculatura respiratória - Ensino da tosse e tosse dirigida |
10’ |
Estratégias compensatórias/facilitadoras da deglutição (a serem aplicadas durante a alimentação e/ou treinos de deglutição | Tempo variável |
- Adaptação da consistência alimentar (Uso de espessante (Dieta adaptada (mole, pastosa, picada) | |
- Adaptação postural (Flexão cervical (Rotação cervical para o lado afetado (Flexão lateral para o lado são | |
- Manobras facilitadoras da deglutição | |
Higiene oral bidiária |
A análise estatística foi realizada através do programa IBM SPSS Statistics versão 22. No que concerne à análise estatística descritiva foram calculadas frequências, percentagens, médias e desvios padrão. Para a apresentação dos dados em termos gráficos, recorreu-se ao programa Microsoft Excel.
A comparação dos resultados assistenciais realizou-se através do teste T de Student para amostras emparelhadas e para estabelecer relações entre variáveis utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson. Como a distribuição da amostra não é normalmente distribuída comparando os resultados dos dois momentos de avaliação, optou-se por utilizar o teste Wilcoxon para analisar as médias e procurar a validação ou não da hipótese nula.
Para a interpretação da intensidade das correlações, adotou-se enquanto referência os seguintes valores22: r = 0,7 - correlação forte; r = 0,3 a 0,7 - correlação moderada; r = 0 a 0,3 - correlação fraca. O nível de significância adotado em todo o estudo foi de 5%, dessa forma, rejeita-se a hipótese de que a correlação entre as variáveis é zero ao nível de 5% quando p ≤ 0,051922.
RESULTADOS
Os resultados apresentados referem-se ao período de 1 de janeiro a 30 de junho de 2021. Neste período foram admitidos na Unidade de AVC 218 pessoas com diagnóstico de AVC. Todas foram avaliados pelo Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação através de protocolos implementados no serviço.
O sexo mais prevalente foi o masculino com 55% dos indivíduos.
A faixa etária predominante foi dos 71 aos 80 anos de idade, a média foi de 73 anos, com um desvio padrão de 13,9, sendo que cerca de 83% dos indivíduos tinham mais de 61 anos.
Analisando a distribuição do evento vascular, temos a predominância do AVC Isquémico com 86,7% dos casos.
Dentro dos eventos isquémicos, e de acordo com a classificação clínica da Oxfordshire Comunity Project (OCSP) os mais prevalentes foram os enfartes parciais da circulação anterior (PACI) com 30%, posteriormente temos os enfartes lacunares da circulação anterior (LACI) com 28% dos casos, seguido dos enfartes totais da circulação anterior (TACI) com 23% e por último com 19% os enfartes da circulação posterior (POCI).
Relativamente aos eventos hemorrágicos, o mais prevalente foram os hematomas profundos (LACH) com 83% dos casos, seguidos dos TACH com 10% e por fim os PACH com 7%.
No que concerne à NIHSS através do gráfico 1 podemos verificar que a maioria das pessoas apresentava valores de NIHSS entre 0 e 5 pontos correspondendo a um comprometimento neurológico leve.
No que diz respeito à avaliação da deglutição numa primeira fase de deteção de problemas e elaboração de diagnósticos de Enfermagem de Reabilitação, foram obtidos os resultados apresentados no gráfico 2.
Através da análise do gráfico anterior, a 50,5% das pessoas admitidas foi detetado pelo Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação algum grau de compromisso da função deglutória.
Importa complementar que 13,5% destas (com deglutição comprometida) desenvolveram infeção respiratória.
Através da análise inferencial entre as diversas variáveis em estudo, conseguiu-se estabelecer relação estatisticamente significativa entre o compromisso na deglutição e a pontuação obtida através da avaliação da NIHSS com um nível de significância de 0,000, com uma correlação forte entre as duas variáveis (r=0,770). Assim, quanto maior a pontuação na NIHSS, maior o compromisso na deglutição.
Inicialmente foram incluídos no programa de reabilitação 110 pessoas (todas as que apresentavam alterações na capacidade de deglutição). Destas, 6 faleceram, pelo que não foi possível a continuidade da sua implementação e, por isso, excluídos desta análise. Assim, os resultados que se seguem referem-se à avaliação de 104 pessoas. Estes receberam cuidados de Enfermagem de Reabilitação dirigidos à reabilitação da função “deglutição” em concordância com o programa apresentado anteriormente.
O gráfico seguinte demonstra a distribuição das pessoas com deglutição comprometida, comparando o primeiro momento de avaliação com o momento da alta.
Através do gráfico anterior, podemos verificar que 40,4% das pessoas com deglutição comprometida apresentaram recuperação da capacidade normal de deglutição com redução da percentagem nos restantes níveis de compromisso da deglutição.
No sentido de estabelecer relação estatisticamente significativa entre algumas variáveis recorremos ao teste T de Student. Constatamos que existe uma diferença altamente significativa comparando a primeira avaliação da capacidade deglutória com o momento da alta, isto é, após a intervenção do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação através de programa de reabilitação estruturado. Assim, na sua maioria, os indivíduos da amostra apresentam evolução positiva da sua capacidade de deglutição, com transição do grau de compromisso na deglutição no GUSS (p=0,000).
Assim, perante a hipótese nula “Não existem diferenças relativamente ao compromisso da deglutição antes e após intervenção do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação”, esta é rejeitada. Isto é, comprovou-se os efeitos positivos do programa de reabilitação delineado pelo Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação à pessoa com deglutição comprometida com melhoria ou recuperação da capacidade de deglutição.
DISCUSSÃO
Neste estudo, cujo foco era a analisar os efeitos de um programa de Enfermagem de Reabilitação na pessoa com deglutição comprometida pós-AVC obtivemos informações qualitativas e quantitativas que nos permitiram caracterizar os indivíduos, a sua evolução nos primeiros dias/semanas após um AVC, bem como estabelecer correlações estatisticamente significativas e de relevância para o corpo de conhecimentos da Enfermagem de Reabilitação.
Relativamente ao compromisso da deglutição na fase aguda do AVC, existe uma grande variabilidade na incidência deste problema em diferentes estudos. Foram avaliadas todas as pessoas admitidas na unidade de AVC, tendo sido detetado algum grau de compromisso na deglutição em 50,5% destas (semelhante a alguns estudos), utilizando o mesmo instrumento de avaliação23 ou outro instrumento de avaliação clínica da capacidade de deglutição24. Contudo, esta incidência é ligeiramente superior à encontrada num outro estudo que recorreu ao mesmo instrumento de avaliação e também realizado em pessoas com AVC25, mas dentro dos limites apresentados por outros autores10. Esta avaliação foi clínica, uma vez que na fase aguda é a única possibilidade disponível, possibilitando a obtenção de respostas mais rápidas no que concerne à capacidade funcional da deglutição.
À semelhança de outros estudos, encontraram-se diferentes graus de compromisso na deglutição23,24,25,26.
À deglutição comprometida após AVC está associada maior morbilidade, mortalidade e aumento do rico de complicações pulmonares9,23. No presente estudo falecerem seis pessoas a quem havia sido detetado algum compromisso na deglutição e 13,5% desenvolveram infeção respiratória.
O plano de Enfermagem de Reabilitação apresentado foi aplicado a 104 pessoas independentemente do seu grau de colaboração. As intervenções eram realizadas de forma ativa ou passiva mediante a colaboração da pessoa. Os resultados poderiam ser mais evidenciados se apenas fossem incluídas as pessoas com capacidade cognitiva para colaborar no programa de reabilitação. Contudo, não tendo sido definido este critério de exclusão, os resultados apresentados incluem todos os doentes incluídos no programa.
Os indivíduos incluídos eram predominantemente do sexo masculino (55%), idosos, com uma média de idade de 73 anos e o evento vascular mais frequente foi o AVC Isquémico (86,7%) à semelhança de outros estudos25,26.
Assim como noutros estudos não se verificou relação entre a tipologia do evento e a sua localização23,25,26.
Através da análise inferencial constatamos que, a pontuações mais elevadas na NIHSS relaciona-se maior severidade no comprometimento da deglutição. Esta constatação é corroborada com outros estudos analisados26,27.
Relativamente à evolução da capacidade de deglutição ao longo do estudo, verificamos uma evolução positiva. Após a implementação do programa de reabilitação estruturado houve progressos no grau de compromisso da deglutição, com transição no nível de compromisso de deglutição avaliado através do GUSS, e em muitas pessoas verificamos a recuperação da capacidade de deglutição (40,4%). Esta evolução foi estatisticamente comprovada. Outros estudos mostram, igualmente, esta melhoria após intervenção de Enfermagem de Reabilitação8,28.
O presente estudo possibilita uma orientação à abordagem da pessoa com compromisso na deglutição por parte do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação.
A avaliação da capacidade de deglutição na fase aguda do AVC assume particular primazia por parte do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação já que lhe compete delinear intervenções (com segurança) relacionadas com o autocuidado comer/beber.
CONCLUSÃO
O foco que nos moveu a desenvolver este estudo foi a pessoa com deglutição comprometida na fase aguda de um evento cerebrovascular.
Foram programadas uma série de intervenções inseridas num programa de reabilitação dirigido a estas pessoas, tendo sido incluídos todas as admitidos na Unidade de AVC que beneficiaram do mesmo desde a admissão até à alta, independentemente do seu grau de colaboração.
Verificamos que a implementação do programa de reabilitação delineado traduziu-se em ganhos na capacidade de deglutição da pessoa.
Uma das grandes dificuldades encontradas prendem-se com diferentes graus de colaboração no programa de reabilitação por parte dos participantes. Cabe ao enfermeiro ajustar as intervenções e otimizar as práticas no sentido de possibilitar evolução mesmo em situações mais complexas.
Outra das limitações que importa referir prende-se com a escassez de estudos realizados pelos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação que foquem a intervenção e a reabilitação da pessoa com deglutição comprometida por parte deste profissional de saúde e os que existem apresentam um alvo de intervenção escasso, com uma amostra limitada. Vários estudos foram realizados no que diz respeito à avaliação clínica da capacidade deglutória, constatação que não se verifica no que concerne à sua reabilitação. Nesta área, verifica-se ainda que muitos estudos são realizados no âmbito académico.
Por último, a dificuldade em incluir o cuidador informal durante a reabilitação constituiu uma limitação, fruto da situação pandémica vigente durante o curso do estudo.
A Enfermagem de Reabilitação é uma área da intervenção especializada da Enfermagem e o Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação procura mobilizar conhecimentos objetivando a orientação da pessoa e seus cuidadores na persecução da recuperação da funcionalidade, na manutenção e promoção do bem-estar e da qualidade de vida e a recuperação da funcionalidade, através da promoção do autocuidado, da prevenção de complicações e da maximização das capacidades.
Com este estudo conseguiu-se demonstrar a importância da Enfermagem de Reabilitação no diagnóstico da deglutição comprometida e no seu tratamento. Esta atitude proativa na abordagem precoce da pessoa com compromisso na deglutição após AVC revela-se fundamental para a sobrevivência e segurança da pessoa, pois poderá minimizar o risco de aspiração associado, melhorar funcionalidade e qualidade de vida.
A identificação de indicadores sensíveis aos cuidados de Enfermagem de Reabilitação como os abordados neste estudo assumem uma relevância crucial pelo impacto positivo que operam nas pessoas e no sistema de saúde.
Mais estudos a abordar esta temática são necessários, explorando outras variáveis que possam justificar mais pormenorizadamente o compromisso na deglutição, nomeadamente a especificidade das alterações encontradas ao nível da motricidade e sensibilidade intraoral e sua influência na capacidade deglutória e/ou implementando outras estratégias que reforcem a recuperação das pessoas e minimizem complicações que possam advir das dificuldades que demonstrem, independentemente da função que esteja comprometida.