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Jornal Português de Gastrenterologia

 ISSN 0872-8178

     

 

Hematoma do Cólon Direito

Hematoma of the Right Colon

 

Isabel Sousa, João Coimbra

Serviço de Gastrenterologia, Hospital de Santo António dos Capuchos, Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE.

Correspondência

 

O hematoma intramural espontâneo do cego é uma entidade rara, cujo diagnóstico se estabelece por imagens radiológicas ou cirurgia exploratória.

Os autores apresentam o caso de um doente do sexo masculino, 82 anos, internado por pneumonia de aspiração após crise convulsiva por doença cérebro-vascular, à entrada apresentava ainda fibrilhação auricular com resposta ventricular rápida. Foi medicado com piperacilina + tazobactam e metronidazol, fenitoína, digoxina, enoxaparina (40 mg 12/12h) e ácido acetilsalicílico [AAS] (250 mg/dia).

Nos antecedentes pessoais destacam-se: acidente vascular cerebral com hemiparesia direita e afasia sequelar, cardiopatia  hipertensiva e taquidisritmia. Acamado, residente em lar e com alimentação por sonda naso-gástrica. Medicado em ambulatório com AAS 100 mg, amlodipina, pentoxifilina, candersartan/ hidroclorotiazida e bromazepam.

Ao 12º dia de internamento tem hematoquézias com repercussão hemodinâmica e descida da hemoglobina para 8,7 g/dl. Foi enviado à nossa urgência de Gastrenterologia e efectuou colonoscopia. Foi identificada provável neoplasia submucosa do cego complicada de hemorragia (Fig. 1) e aspectos endoscópicos sugestivos de colite isquémica no cólon ascendente distal, ângulo hepático e cólon transverso proximal (Fig. 2 e 3). Foram também observados divertículos no cólon esquerdo.

 

Fig. 1. Cego com abaulamento da parede (compressão extrínseca à mucosa) e preenchido por coágulos e com hemorragia em toalha de baixo débito.

 

Fig. 2. Cólon ascendente - mucosa com ponteado petequial, muito friável ao toque e com áreas violáceas.

 

Fig. 3. Cólon transverso proximal – mucosa extensamente ulcerada, com ponteado petequial, muito friável ao toque e com áreas violáceas.

 

Após a colonoscopia efectuou tomografia abdomino-pélvica que revelou exuberante espessamento da parede da globalidade do cólon ascendente e cego com lobulação do contorno parietal interior, coexistindo imagem grosseiramente piriforme, com cerca de 50 mm de maior eixo na parede interna axial e densidade de partes moles, a qual se individualiza componente gasoso focal, apresentava ainda ascite, status de pletora orgânica global, derrame pleural bilateral com volumetria dominante à esquerda com atelectasia do lobo inferior esquerdo, cardiomegália.

No mesmo dia foi submetido a intervenção cirúrgica. Foi efectuada hemicolectomia direita e por quadro de choque decidiu-se realizar ileostomia terminal de Brooke. O exame anatomo-patológico da peça operatória revelou colite isquémica com áreas de ulceração da mucosa e hematoma na região cecal. Não se documentou tecido neoplásico.

O pós-operatório decorreu sem intercorrências. Teve boa evolução clínica e analítica. Teve alta para o lar no 12º dia pósoperatório.

 

DISCUSSÃO

Hematoma intramural do intestino é uma entidade rara que pode ser espontânea (associada a discrasias sanguíneas, terapêutica anticoagulante ou antiagregante) ou secundária a trauma abdominal fechado por rompimento dos vasos artérias terminais no local onde estes deixam o mesentério e penetram a parede intestinal.

O hematoma intramural é geralmente único, localizado na camada submucosa, e pode ocorrer em qualquer segmento do tracto gastrointestinal mas envolve normalmente o intestino delgado, tipicamente o jejuno (o duodeno é o mais afectado em hematomas do intestino delgado traumáticos). Os hematomas do cólon com ou sem envolvimento do delgado são raros.

O desenvolvimento de hematomas espontâneos foi reportado tão cedo como 10 dias após início de terapêutica anticoagulante. A apresentação clínica inclui dor abdominal, hemorragia gastrointestinal, oclusão intestinal ou abdómen agudo devido a hemoperitoneu.

Muitas vezes não se suspeita do diagnóstico e este é estabelecido apenas após imagem radiológica (ecografia abdominal ou tomografia computadorizada abdominal com contraste oral ou endovenoso, mostrando espessamento circunferencial da parede com ou sem hemorragia intraperitoneal) ou após laparotomia exploratória.

A extensão de intestino envolvido parece maior em hematomas espontâneos devidos a alterações da coagulação.

A abordagem conservatória parece ser a melhor, excepto em casos de diagnóstico incerto, como isquémia, perfuração, hemorragia intramural activa ou falha de recuperação; pois os hematomas podem causar uma obstrução intestinal transitória que resolve sem sequelas na maior parte dos casos. No entanto, os hematomas do cego comportam-se de modo diferente dos localizados noutros segmentos do tracto gastrointestinal, devido à sua localização entre o íleon livre e o cólon direito retroperitoneal o que impede o alastramento e promove a sua ruptura para a cavidade peritoneal. Por este motivo os hematomas intramurais do cego devem ser monitorizados atentamente visto que a sua ruptura parece ser a regra e uma hemicolectomia direita de urgência parece ser a melhor abordagem.

 

REFERÊNCIAS

1. Fisher J, Samson P, Robertson G. Anticoagulant-induced intramural haematoma of the caecum mimicking a colonic tumour. N Z Med Journal 2010;123:75-78.        [ Links ]

2. Jacques M, Desaive C. Submucous hematoma of the cecum under anticoagulant therapy. J Chir (Paris) 1986;123:186-187.        [ Links ]

3. Abbas MA, Collins JM, Olden KW, et al. Spontaneous intramural small-bowel hematoma: clinical presentation and long-term outcome. Arch Surg 2002;137:306-310.        [ Links ]

4. Calabuig R, Ortiz C, Sueiras A, et al. Intramural hematoma of the cecum: report of two cases. Dis Colon Rectum 2002;45:564-566.        [ Links ]

5. Neves P, Maçôas F, Brito D, et al. Colite isquémica – a propósito de dois casos. GE - J Port Gastrenterol 2006;13:44-46.        [ Links ]

 

Correspondência: Mª. Isabel Sousa, Hospital de Santo António dos Capuchos, Serviço de Gastrenterologia, Alameda Santo António dos Capuchos, 1169-050 Lisboa – Portugal; Telemóvel: +351 969 046 538; E-mail: misousa@netcabo.pt.

 

Recebido para Publicação: 30/12/2009 e Aceite para Publicação: 29/11/2010.