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Angiologia e Cirurgia Vascular

 ISSN 1646-706X

     

 

Quando efectuar cirurgia síncrona carotídea e cardíaca?

 

When to perform synchronous carotid and cardiac surgery?

 

Luís Mendes Pedro

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Assistente Graduado de Cirurgia Vascular do Hospital de Santa Maria

 

O acidente vascular cerebral (AVC) constitui uma complicação grave da cirurgia cardíaca e ocorre em cerca de 2% dos casos de procedimentos de revascularização do miocárdio.

A sua etiologia é multifactorial, pode ter uma expressão isquémica ou hemorrágica e as principais causas podem ser sistematizadas em embólicas (cardioembólicas ou ateroembólicas) e hemodinâmicas no contexto dos regimes de baixa pressão de perfusão no decurso da cirurgia cardíaca (mais relevantes quando é utilizada circulação extra-corporal).

Desde há várias décadas que foi chamada a atenção para a co-existência de doença arterial oclusiva nas artérias cerebrais extra e intracranianas e para o possível aumento do risco de AVC nestas circunstâncias. Efectivamente, vários estudos demonstraram que o risco de complicações neurológicas aumentava de forma significativa com a gravidade da doença oclusiva concomitante, quer no que se refere ao envolvimento das artérias intracranianas quer quanto à lesão da bifurcação carotídea. A presença de estenose carotídea unilateral >50% parece aumentar o risco neurológico para 3%, a ocorrência simultânea de estenose bilateral incrementa-o para 5% e quando co-existe oclusão completa da carótida interna a taxa de AVC peri-operatório é de 7-11%. Estes dados sugerem que o tratamento da lesão carotídea possa contribuir para reduzir a taxa de AVC o que levou à introdução de várias estratégias terapêuticas como a realização de endarterectomia carotídea antes ou no mesmo tempo operatório (síncrona) da cirurgia cardíaca ou ainda, mais recentemente, à realização prévia de stenting carotídeo.

A prática de cirurgia síncrona vem sendo realizada sistematicamente em muitos centros, com baixas taxas de morbilidade neurológica ipsilateral e o mesmo acontece na nossa experiência.

Todavia, nos últimos anos, vários autores chamaram a atenção para algumas observações relevantes: (1) nas diversas experiências, a taxa global de AVC mantém-se em valores elevados (apesar de níveis reduzidos de AVC ipsilateral); (2) muitos AVC peri-operatórios em doentes portadores de estenose carotídea não ocorreriam no território apropriado à lesão carotídea; (3) mais de metade dos doentes com AVC peri-operatórios não tem evidência de lesão carotídea.

É necessário ter ainda em conta que a maioria dos doentes tratados de cirurgia síncrona não tem sintomas neurológicos prévios e é conhecido o baixo risco das lesões carotídeas assintomáticas, mesmo quando determinam obstrução grave. Pode, porém, argumentar-se que a história natural da estenose carotídea assintomática no contexto de cirurgia cardíaca não é conhecida mas efectivamente há estudos limitados que sugerem manter-se o risco reduzido.

Como explicar, então, que os portadores de doença carotídea mais grave tenham taxas de AVC peri-operatório mais elevadas?

Uma das explicações mais consistentes relaciona-se com o facto de que a doença carotídea pode constituir um marcador de aterosclerose avançada o que implica por um lado maior mortalidade, e por outro níveis mais elevados de AVC por etiologias diversas (doença obstrutiva carotídea, intracraniana ou da aorta; patologia cardíaca embolígena; menor reserva vasomotora cerebral).

Os dados da nossa experiência pessoal encontram-se em concordância com o que foi exposto. Com efeito, numa população de 123 procedimentos de cirurgia simultânea cardíaca e carotídea verificou-se que a taxa de AVC ipsilateral foi de 0.8%, a taxa de AVC global foi de 4.1% e a mortalidade aos 30 dias de 6.5%.

Estes resultados mostram que, apesar da reduzida morbilidade neurológica ipsilateral, se manteve o risco de AVC isquémico global (controlateral e do território posterior) bem como de AVC hemorrágico. A mortalidade foi também mais elevada que em doentes sem doença carotídea o que confirma o maior risco global dos doentes em causa, consubstanciado ainda pela análise da escala de risco EUROSCORE.

Em conclusão, mantém-se a indicação formal para tratamento da lesão carotídea no decurso de cirurgia cardíaca em doentes sintomáticos e quando existem lesões bilaterais graves ou oclusão completa controlateral. Parece ser questionável a realização sistemática de cirurgia simultânea em doentes assintomáticos e portadores de estenose carotídea >70% unilateral uma vez que, apesar de se associar a baixo risco neurológico ipsilateral, é possível que o benefício não seja significativo. Neste grupo deverão ser investigadas metodologias de selecção dos doentes e de identificação dos subgrupos de maior risco (caracterização da placa, avaliação da reserva vasomotora cerebral, estudo da capacidade de compensação do Polígino de Willis).

Finalmente, é importante reconhecer a necessidade de estudos prospectivos de grande dimensão para o esclarecimento das várias questões controversas que foram mencionadas.

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