Introdução
Os aneurismas da aorta torácica descendente (AATD) têm uma incidência de 5,9 a 10,4 por 100.000 habitantes.(1,2) Cerca de 80% destes aneurismas são assintomáticos e o seu diagnóstico é incidental em angio-TC realizada para avaliação de outra condição médica.(3) A incidência de rotura destes aneurismas é de cerca de 5 por 100.000 habitantes(4) com uma taxa de mortalidade associada de 94 a 100%.(3,4)
O maior fator preditor de rotura é o diâmetro do aneurisma, sendo que a probabilidade de rotura aumenta 1,9 vezes a cada aumento de 1cm no diâmetro do aneurisma.(1,2)
Apesar das melhorias no suporte intra-operatório (circulação extra-corporal) e das técnicas de proteção medular, a cirurgia aberta para reparação dos AATD permanece associada a uma elevada taxa de complicações peri-operatórias (taxas de mortalidade e de paraplegia de 4,8% e 4,6% aos 30 dias, respetivamente).(2,5,6) Além disso, os doentes com AATD frequentemente têm co-mobilidades que os tornam maus candidatos a cirurgia aberta.(7,8)
A cirurgia endovascular para tratamento de AATD está associada a menor morbi-mortalidade pelo que é atualmente o tratamento de primeira linha.(4,9,10)
Os endoleaks são uma complicação associada a este tipo de cirurgia, podendo aparecer precoce ou tardiamente. Na ausência de landing zone adequada que permita o tratamento do endoleak com uma extensão proximal ou distal, as endoprótese fenestradas ou ramificadas podem ser uma opção, no entanto, não são opção em situações de urgência.(4) Os procedimentos híbridos por debranching dos troncos supra aórticos ou viscerais permitem aumentar a landing zone e a posterior extensão proximal ou distal do TEVAR, respetivamente. Este tipo de cirurgia é uma alternativa eficaz, menos invasiva que a cirurgia aberta, e que está disponível nos casos urgentes.(11)
Caso clínico
Mulher de 81 anos, autónoma, com antecedentes pessoais de hipertensão, dislipidémia e esplenectomia. Referenciada a consulta de Cirurgia Vascular com o diagnóstico incidental de AATD com 7cm de diâmetro, sem sinais de rotura. A avaliação cardio-pulmonar e metabólica pré-operatória não mostrou alterações significativas. A aortografia e arteriografia seletiva dos troncos viscerais mostrou origem independente da artéria hepática direita (infra tronco celíaco), sem evidencia de perfusão hepática retrógrada pelas artérias pancreaticoduodenal superior e inferior.
A doente foi submetida eletivamente a TEVAR (ZDEG 36-28-159 + ZTA 28-160, Cook Medical, Bloomington, IN, USA) em Fevereiro de 2019 com landing zone distal justa tronco celíaco, com exclusão do aneurisma no controlo angiográfico final. A cirurgia decorreu sem intercorrências e o pós operatório imediato decorreu em unidade de cuidados intermédios. Teve alta às 48h de pós-operatório com referenciação à consulta de follow up.
A doente faltou à angio-TC de controlo ao 1º mês pós-operatório, tendo apenas realizado este exame
aos 6 meses, onde se constatou a presença de endoleak tipo Ib, com crescimento de 0,5cm do saco aneurismático.
Foi proposta intervenção para correção do endoleak que a doente recusou, tendo faltado às consultas subsequentes.
Em Janeiro de 2020, recorreu ao SUC do hospital da área de residência por quadro de dor torácica com 3 dias de evolução. A angio-TC mostrou rotura contida do aneurisma e crescimento de 3 cm do saco aneurismático pelo que foi transferida para o nosso centro hospitalar.
A doente foi submetida de urgência a debranching dos troncos viscerais através de um bypass ilíaca primitiva esquerda - artéria mesentérica superior com prótese (Dacron, 8mm) e de um bypass (jump graft) protésico - artéria hepática com prótese (Dacron, 8mm), seguido de extensão distal do TEVAR (ZTA 28-155, Cook Medical, Bloomington, IN, USA). O controlo angiográfico final mostrou permeabilidade dos bypasses e exclusão do aneurisma, sem intercorrências no intra e pós-operatorio. Durante o internamento realizou AngioTC de controlo que mostrou a permeabilidade dos enxertos abdominais e dos troncos viscerais e exclusão do aneurisma, sem endoleak. A doente teve alta ao 6º dia com trânsito intestinal restabelecido e a tolerar dieta oral.
Discussão
O tratamento endovascular dos AATD está atualmente bem estabelecido como uma alternativa menos invasiva, associada a menor morbi-mortalidade que a cirurgia aberta.(4,9,10)
Os endoleaks são uma complicação bem conhecida desta técnica e podem condicionar crescimento e rotura do saco aneurismático, com elevada taxa de mortalidade associada.(12,13) A identificação de endoleaks do tipo I e III requer tratamento rápido enquanto os do tipo II e IV podem ser passiveis de vigilância imagiológica.(14)
A maioria dos endoleaks do tipo I pode ser tratada através de extensão proximal (tipo Ia) ou distal (tipo Ib) do TEVAR.(12) Quando não existe uma landing zone adequada, o uso de endopróteses fenestradas ou ramificadas pode ser uma opção.
Os procedimentos híbridos combinam a cirurgia aberta e endovascular. Nestes casos, é realizada uma cirurgia de debranching que permite aumentar a landing zone, seguida da extensão do TEVAR.(11) Estes procedimentos representam uma alternativa menos invasiva que a cirurgia aberta (sem toracotomia, clampagem aórtica, isquémia visceral extensa e ventilação por pulmão único) que se encontra disponível quer eletivamente, quer de urgência, uma vez que não dependem da manufatura de endopróteses fenestradas e/ou ramificadas.(11)
No caso desta doente, perante a presença de endoleak tipo Ib e crescimento significativo do aneurisma (0,5cm) na angio TC de controlo, foi proposta cirurgia híbrida, que a doente recusou, tendo faltado às consultas subsequentes. Foi posteriormente admitida de urgência em contexto de rotura do aneurisma e submetida a cirurgia de debranching dos troncos viscerais (bypass ilíaca primitiva esquerda - artéria mesentérica superior com prótese jump graft protésico - artéria hepática com prótese), seguido de extensão distal do TEVAR. O controlo angiográfico final e angioTC às 48h de pós-operatório mostraram permeabilidade dos bypasses e exclusão do aneurisma.
Conclusão
A cirurgia híbrida é uma alternativa terapêutica eficaz quando a cirurgia endovascular, menos invasiva, não é uma opção. Este tipo de abordagem está disponível eletivamente e em contexto de urgência pelo que deve ser considerada.
Conflitos de interesse: Os autores declaram que não existem conflitos de interesse no que diz respeito à publicação deste artigo.
Direitos de privacidade e consentimento informado: Os autores declaram que os dados do doente não aparecem neste artigo