Introdução
A população mundial está a ficar mais velha, embora o aumento da esperança de vida decorra a diferentes ritmos (HelpAge International, 2018). Em Portugal, a esperança de vida de pessoas com 65 anos passou de 13.5 anos, em 1970, para 19.4 anos, em 2021, apesar da ligeira diminuição decorrente da Covid-19 (Pordata, 2022).
Apesar da promoção do envelhecimento ativo e saudável representar uma preocupação a nível mundial, elevados níveis de solidão continuam a estar associados a esta faixa etária, em parte, devido à perda progressiva de amigos, familiares e pessoas que compartilharam o seu percurso de vida (Ferreira-Alves et al., 2014). Entre os fatores sociodemográficos relacionados com a solidão encontra-se o género, com as mulheres a apresentarem níveis mais elevados (Aartsen & Jylhä, 2011).
A idade avançada é caraterizada por elevadas taxas de prevalência da psicopatologia, sendo a depressão uma das perturbações mais comuns, sobretudo após os 80 anos (Wu et al., 2022). Tal como em outras faixas etárias, o género feminino é mais propenso à depressão (Sjöberg, et al., 2017). O isolamento social e a solidão têm sido apontados como fatores que contribuem para um aumento da ocorrência de depressão, uma vez que as perdas sociais vivenciadas na velhice reduzem a autoestima do idoso e a sua satisfação com a vida (Kiliç et al., 2014).
As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) têm sido vistas como forma de atenuar o impacto do envelhecimento e de prevenir a solidão e a depressão, contribuindo para um aumento da qualidade de vida, da atividade cerebral e do funcionamento cognitivo (Chaumon et al., 2014). Em Portugal tem-se verificado um aumento da utilização das TIC pela população idosa, embora os que mais a usam tenham idade menos avançada e sejam do sexo masculino sendo necessário promover a inclusão digital (Gil, 2019).
Analisaremos, em sujeitos idosos, a relação entre os sentimentos de solidão, a sintomatologia depressiva e a utilização e atitude face às TIC. Procuraremos também verificar se existem diferenças em função do género e da faixa etária.
Métodos
A amostra de conveniência inclui 669 idosos com idades entre os 60 e 94 anos (M= 72.4; DP= 7.7). Relativamente ao género verificou-se uma predominância do sexo feminino com 57.1% (n= 382) face a 42.9% do masculino (n= 287). Estes valores estão próximos dos apresentados pelo estudo sobre o envelhecimento dos portugueses que, para maiores de 65 anos, aponta para 58% de mulheres e 42% de homens (Serra & Garcia, 2019).
Como critérios de exclusão do estudo foram considerados quadros clínicos demenciais, e dificuldades que pudessem comprometer a leitura e compreensão das instruções e dos itens das provas usadas.
Os dados foram recolhidos através de instrumentos de autoavaliação da solidão, da sintomatologia depressiva e da utilização e atitudes face às TIC acompanhados de um questionário sociodemográfico.
O nível de solidão foi analisado através da UCLA-LS (Russell, 1996). A concordância com as 16 afirmações vai do nunca (valor 1) ao frequentemente (valor 4). A escala foi adaptada para Portugal por Pocinho, Farate e Dias (2010) e tem duas dimensões: isolamento social e afinidades. Neste estudo, o total e as subescalas apresentaram coeficientes de alfa de Cronbach elevados (Total: α = .92; Isolamento social: α = .88; Afinidades: α = .85).
A Escala de Depressão Geriátrica de 15 itens é uma versão reduzida da original (GDS-30; Yesavage, et al., 1982). Foi usada a versão traduzida para a população portuguesa por Apóstolo, Loureiro, et al. (2014). A escala de resposta é dicotómica (sim/não). Nesta investigação, o valor do coeficiente alfa de Cronbach foi de .83.
A utilização das TIC foi avaliada a partir das questões seguintes: “Costuma verificar o e-mail pessoal?”; “Costuma usar telemóvel?”; “Costuma navegar na internet?”; “Costuma usar o Facebook?” e “Costuma jogar no computador ou telemóvel?” com resposta numa escala dicotómica (sim/não). Este conjunto de questões revelou boa consistência interna, observando-se um alfa de .78. A atitude dos idosos face às TIC foi avaliada com base na pergunta “Considera que as TIC são importantes para a sua vida?”. A forma como as diferentes perguntas tendem a ser percebidas foi avaliada no estudo piloto. O feedback obtido sobre a sua compreensão e a fundamentação das respostas suportaram a formulação usada.
O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra no dia 12 de junho de 2018 (CEDI/FPCEUC: 24/6). Foram cumpridas recomendações éticas para projetos de investigação, sendo assegurada a confidencialidade e anonimato dos dados.
Usou-se o IBM SPSS Statistics, versão 22.0 para Windows. A análise das diferenças entre géneros foi feita com o teste t de Student. Para comparar os três grupos etários (60-69 anos; 70-79 anos e mais de 80 anos), foi realizada uma análise univariada da variância (ANOVA) para as variáveis: sintomatologia depressiva, solidão e utilização das TIC. As comparações múltiplas foram feitas através de testes post-hoc (Tukey HSD). A magnitude da diferença entre as médias foi analisada através do Eta Quadrado, considerando entre .01 e .06 = tamanho pequeno, .06 e .14 = tamanho moderado e ≥ .14 = tamanho elevado (Pallant, 2020). A análise dos dados relativos à atitude face às TIC foi realizada através do Qui-Quadrado e dos resíduos padronizados (Agresti, 2002).
Para explorar as associações entre sentimentos de solidão, sintomatologia depressiva e uso das TIC recorreu-se ao coeficiente de correlação de Pearson. Para a análise das relações entre as variáveis mencionadas anteriormente e a atitude face às TIC foi usada a correlação ponto-bisserial. Valores < .20 foram considerados muito baixos; entre .21 e .39 baixos; entre .40 e .69 moderados; de .70 a .89 elevados e > .90 muito elevados (Pestana & Gageiro, 2014).
Resultados
A análise dos resultados é apresentada em três etapas: (1) diferenças em função do género; (2) comparação entre os grupos etários; (3) estudo das relações entre as variáveis no conjunto da amostra.
Na GDS-15, no total e nas subescalas da UCLA-LS as mulheres apresentaram valores significativamente mais elevados (tamanho do efeito pequeno). Para a atitude face às TIC, não foram encontradas diferenças entre homens e mulheres (ꭓ2(1)=0.183, p=.669). Relativamente à utilização das TIC não se encontraram diferenças (cf. Tabela 1).
Os dados tendem a confirmar a hipótese de as mulheres apresentarem valores mais elevados de psicopatologia, como a revisão da literatura sugere. No entanto, contradizem pesquisas anteriores ao mostrarem que a utilização e a atitude face às TIC não se distinguem em função do género.
Relativamente às relações entre as variáveis, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, com exceção da subescala Isolamento Social, com uma magnitude do efeito pequena para a sintomatologia depressiva e solidão.
Os sujeitos com mais idade apresentaram valores mais altos de sintomatologia depressiva. Surgiram diferenças significativas entre os 60-69 anos e 70-79 anos (p = .018), 60-69 anos e 80 ou mais (p = .000) e entre os 70-79 anos e 80 ou mais (p = .000).
Na utilização das TIC, o grupo 60-69 anos apresenta uma média mais elevada, seguindo-se os sujeitos entre os 70-79 anos e os sujeitos com idade superior a 80 anos. Foram encontradas diferenças entre os 60-69 anos vs 70-79 anos (p = .000), 60-69 anos vs 80 ou mais (p = .000) e 70-79 anos vs 80 ou mais (p = .000).
Quanto à atitude face às TIC, no escalão dos 60-69 anos, 73.8% consideraram as TIC importantes na sua vida, no escalão 70-79 anos, 53.7% e no escalão +80 anos, 35.3%. A diferença foi estatisticamente significativa ꭓ2(2)=63.475, p< .001. A análise dos resíduos padronizados permitiu verificar que os sujeitos do escalão 60-69 anos apresentam frequência de respostas positivas significativamente mais elevada que os outros.
Relativamente aos sentimentos de solidão, na total da escala, o grupo com 80 anos ou mais apresenta valores mais elevados, seguido do grupo com 70-79 anos. As diferenças significativas verificaram-se entre os 60-69 anos e os 80 anos ou mais (p = .015). Na subescala Afinidades, os idosos com mais de 80 anos apresentam mais solidão. As comparações múltiplas revelaram diferenças significativas entre os 60-69 anos e os 70-79 anos (p = .027) e entre 60-69 anos e os 80 anos ou mais (p = .004). Quanto ao Isolamento Social (p = .071), não existem diferenças (Tabela 2).
Os dados mostram um incremento significativo da sintomatologia depressiva com a idade, bem como níveis mais altos de solidão (valor total da UCLA-LS e da subescala das afinidades) mas não no isolamento social. Os sujeitos com 60-69 anos apresentam valores mais elevados na utilização e atitude face às TIC.
A análise das relações entre as variáveis mostrou que a solidão se correlaciona positiva e significativamente com a sintomatologia depressiva, com uma magnitude moderada. Níveis mais elevados de solidão, isolamento e mais baixos de afinidades (dimensões da solidão), relacionam-se com níveis mais elevados de sintomatologia depressiva.
A utilização e a atitude face às TIC estão negativa e significativamente correlacionadas com a sintomatologia depressiva, com uma magnitude baixa. Estas correlações evidenciam que uma maior utilização e uma atitude positiva em relação às TIC estão associadas a níveis mais baixos de sintomatologia depressiva.
Valores mais altos na nota total de solidão e menos afinidades relacionam-se significativa e negativamente com a dimensão utilização das TIC, ainda que com correlações muito baixas. A atitude face às TIC correlaciona-se significativa e negativamente com a sintomatologia depressiva e com a solidão (nota total e dimensões), embora estas correlações apresentem uma magnitude baixa (Tabela 3).
A sintomatologia depressiva e a solidão apresentaram correlações positivas e moderadas, conforme previsto na literatura. A utilização e a atitude face às TIC tiveram correlações negativas e baixas com a sintomatologia depressiva e a solidão. O grau de utilização e a atitude face às TIC têm um papel moderado, mas positivo nos níveis da sintomatologia depressiva e de solidão, confirmando, parcialmente, os dados da literatura.
Discussão
Assumindo a importância que as TIC podem ter na vida do idoso e a ideia de que a sua utilização tem sido vista como um recurso protetor da psicopatologia, nomeadamente, da sintomatologia depressiva, tornou-se pertinente estudar esta relação em idosos portugueses. Analisou-se, ainda, a ligação entre sentimentos de solidão e a sintomatologia depressiva.
Estudou-se também a relação da depressão e da solidão com as variáveis sociodemográficas, género e escalão etário. O género feminino apresentou maiores taxas de sintomatologia depressiva. Tal facto vem sendo descrito na literatura (Lee et al., 2021). Relativamente à comparação entre as faixas etárias, os mais idosos tiveram níveis mais elevados de sintomatologia depressiva. Este resultado pode ser explicado por se registarem maiores níveis de solidão nesta faixa etária. Pesquisas mostram que a prevalência da depressão aumenta com a idade (Sjöberg et al., 2017) tendo sido associada a aspetos como a reforma e outros problemas de saúde que requerem uma abordagem colaborativa entre os profissionais de saúde e os recursos da comunidade (Dang et al., 2022). Relativamente à solidão, o género feminino apresentou níveis mais elevados, indo de encontro do referido na literatura (Ferreira-Alves, et al., 2014). Estes dados podem indicar que as mulheres tendem a percecionar as suas relações sociais e o suporte social de forma mais negativa, podendo evidenciar também uma menor integração social.
Em concordância com a literatura, é a faixa etária com idade mais avançada que apresenta maiores níveis de solidão, na subescala Afinidades. Tal facto pode dever-se à taxa de viuvez nos mais velhos e à associação desta a maiores níveis de solidão (Freak-Poli et al., 2022).
Relativamente à utilização das TIC, o género masculino não apresentou uma maior taxa e os sujeitos com idade menos avançada (60-69 anos) têm maiores níveis e uma atitude mais positiva.
A solidão apresentou uma correlação positiva significativa com a sintomatologia depressiva, indicando que a ausência de relações interpessoais e uma menor integração do sujeito na vida social tendem a estar associadas a maiores níveis de sintomatologia depressiva.
A utilização e a atitude positiva face às TIC correlacionaram-se de forma negativa e significativa com a sintomatologia depressiva. No que diz respeito à relação entre a utilização das TIC e a solidão, foi encontrada uma correlação significativa negativa com a nota total e a subescala Afinidades.
Não foram encontradas correlações significativas entre a utilização das TIC e a subescala isolamento social. Tal pode indicar que, apesar de ajudar a manter relações interpessoais, o uso pelos idosos não diminui os sentimentos de rejeição e isolamento, mantendo a perceção de insatisfação com as relações sociais.
As limitações deste estudo decorrem das características da amostra e da forma de coleta de informação sobre a utilização e atitude em relação às TIC. Dado que foi usada uma amostra de conveniência, a generalização das conclusões deve ser feita de forma cuidadosa e a sua validade precisa de ser verificada através de novos estudos. Por outro lado, a escala de resposta da pergunta sobre a atitude face às TIC pode assumir o formato de escala de Likert para tornar os resultados mais discriminados. Esta análise pode, ainda, ser detalhada, com mais perguntas. Quanto aos dados sobre a utilização das TIC, o autorrelato ganharia em ser complementado com informações comportamentais obtidas através de aparelhos usados pelos sujeitos, usando aplicações de monitorização e recolhendo dados sobre a utilização das contas em diversas plataformas. No entanto, estas alterações terão de ter em conta os requisitos de sigilo e privacidade dos sujeitos e implicam recursos tecnológicos com custo mais elevado e um tempo maior para recolher as informações. A adoção dessas alterações tem vantagens em termos de maior precisão, menor efeito reativo e prevenção de vieses cognitivos (Burnell et al., 2021).
Conclusão
Numa sociedade cada vez mais envelhecida, é fundamental cuidarmos dos idosos e das problemáticas associadas ao seu envelhecimento. O rastreio da depressão na idade avançada deve merecer especial atenção a nível dos cuidados de saúde primários. Nesta pesquisa, verificou-se que o género feminino e os sujeitos de idade mais avançada são particularmente vulneráveis.
Considerando as ligações entre sentimentos de solidão e sintomatologia depressiva, descritos na literatura e confirmadas pelo presente estudo, é crucial repensar como os profissionais de saúde devem conceber o problema da solidão no idoso. É necessário avaliar a presença de sintomatologia depressiva e também de sentimentos de solidão, tendo conta que, em alguns casos, a perceção de solidão pode ser apenas um sintoma de solidão ou coexistir com esta.
Os dados permitem-nos ainda considerar a ideia de que as TIC são eficazes no combate à solidão e sintomatologia depressiva. Assim, o envelhecimento pode tornar-se mais positivo se os idosos tiverem mais e melhores oportunidades de serem autónomos e menos isolados. As TIC podem ter um impacto positivo no bem-estar psicológico, diminuindo a sintomatologia depressiva e a perceção de solidão.
Implicações clínicas
Num contexto de envelhecimento da população portuguesa e de carência de apoio na saúde, este estudo aponta para a necessidade de ter em conta a maior vulnerabilidade das mulheres relativamente à saúde mental. A utilização das TIC pode ter um contributo útil na promoção dos cuidados de saúde de forma semelhante para os homens e mulheres, dando atenção especial à prevenção e mitigação da solidão. Sujeitos mais velhos têm menos propensão a terem atividades e atitudes positivas face às TIC, pelo que precisarão de maior apoio. Os profissionais de saúde deverão considerar aspetos como o género e a idade na promoção da saúde mental e a utilização das TIC como tecnologias de suporte e melhoria da qualidade de vida dos mais idosos.