1. Introdução
Este estudo surge no âmbito do projeto de investigação, de cariz exploratório, Echoing the Communal Self (ECHO), cuja missão principal é a de conhecer e documentar práticas comunitárias auto-iniciadas em contextos sociais desfavorecidos com o objetivo de as divulgar e estimular a sua replicação em contextos análogos. A partir de um trabalho preliminar realizado com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (VNG), as técnicas de ação social da Gaiurb1, e as associações de moradores, foram identificadas duas iniciativas comunitárias relevantes, a saber: a Associação Recreativa Clube Balteiro Jovem e a Escola Oficina (EO), ambas com origem no bairro social do Balteiro2. Apesar das contribuições destas iniciativas para a inclusão e harmonização do tecido social, a Câmara Municipal de VNG reconheceu dificuldades na sua mediação e expansão.
Tradicionalmente, assiste-se a uma dificuldade em conseguir que estas práticas comunitárias sejam conhecidas para além do seu território geográfico. Conseguir uma amplificação além dessas fronteiras locais poderá estimular e inspirar outras comunidades interessadas em implementar práticas semelhantes. Isto poderá acontecer tanto no próprio município de VNG, como a nível nacional e até internacional.
Argumentamos que o design pode conferir um importante contributo através do desenvolvimento de estratégias de comunicação e pedagogia que elevem estas práticas relevantes, conduzidas pelos cidadãos. Para responder a este desafio, o projeto ECHO reuniu uma equipa de investigadores das áreas do design de comunicação, digital media design, fotografia e vídeo documental, design de informação, ilustração, psicologia e etnografia.
Como parte do projeto ECHO, este artigo centra-se no estudo do contributo do design de comunicação para a disseminação destas práticas, que inclui a criação de uma plataforma online e um documentário sobre cada uma das práticas (a desenvolver na fase seguinte do projeto). Começa-se por apresentar uma revisão de literatura sobre o papel do design ao serviço das comunidades, que sustenta a relevância e pertinência da problemática estudada. Nessa secção são abordados autores como Tromp e Vial (2022) e Nold et al. (2022), que refletem sobre questões como a contribuição do design social e do design universal na sociedade, alertando para a complexidade de projetos com múltiplos intervenientes.
Posteriormente, é apresentado o projeto ECHO, contextualizando a problemática e o caso de estudo do Balteiro, com a respetiva ligação para as metodologias adotadas. Nesta secção, começa-se por apresentar a história das duas práticas comunitárias selecionadas, com base na informação recolhida, nomeadamente, um conjunto de entrevistas realizadas no terreno, fundamentais para a compreensão do papel do design neste projeto.
Por fim, é apresentado o estudo prévio para a criação da plataforma online e dos documentários.
2. Design Social e Design Universal: Da Teoria à Prática
O design tem vindo a evoluir e a desenvolver diferentes interações com a sociedade. Em anos recentes, surgiu o interesse de diferentes áreas, nomeadamente do design, em criar mudança no coletivo social, procurando-se implementar mudanças reais na sociedade (Shea, 2012; Shirky, 2010; Simmons, 2011). Esta secção pretende apresentar uma revisão de literatura sobre o papel do design ao serviço da sociedade, explicitando como este tem vindo a evoluir. Começa-se por apresentar uma evolução histórica sobre design social, seguida de uma definição de design universal e comparando-a com a de design inclusivo.
Atualmente, o design social surge interligado com o desejo de criar impacto e mudança na sociedade. A sua multidisciplinariedade teórica e prática inibe muitos autores de propor uma definição concreta para este conceito (Tromp & Vial, 2022). Neste sentido, o design social encontra-se ainda em desenvolvimento e construção, existindo autores, como Nold et al. (2022), que começam a propor estruturas e pontos de partida para um debate académico em volta da definição desta área. Tromp e Vial (2022) consideram que o objetivo deste campo de estudo tem-se mantido intacto, e a sua evolução prende-se com as metodologias utilizadas e o foco do designer, o que se reflete na história desta área.
A expressão “design social” foi utilizada pela primeira vez, em 1947, por László Moholy-Nagy, para se referir à responsabilidade social e moral do designer para com a sociedade. Entre a década de 1950 e 1970, vários autores de diversas áreas, como Erskine (1968), Jacobs (1961), Mollison (1988), Papanek (1972) e Schumacher (1973), defenderam que o designer deve abandonar a visão do design como forma de produzir lucro. Papanek (1972) defende que o design deve ser inovador, criativo, multidisciplinar e responder às necessidades do humano. Este autor critica abertamente o lucro gerado através das necessidades dos outros. Papanek exemplifica que o design de um brinquedo terapêutico para crianças amputadas não deve aguardar vários meses para a sua produção, enquanto espera aprovação de uma patente (Armstrong et al., 2014; Kuure, 2017). Margolin e Margolin (2002) propõem que os modelos social e de mercado do design surgem, não como opostos, mas como dois extremos de um contínuo (universo), onde a diferença assenta nas intenções e prioridades do projeto e não nas metodologias ou distribuição. O autor racionaliza a existência do design social dentro da esfera consumista, propondo que este responda às necessidades sociais, às quais o mercado não consegue acudir. Indivíduos considerados mais vulneráveis na nossa sociedade, que não se enquadram no grupo do consumidor comum, como pessoas com baixos rendimentos, problemas relacionados com a idade, saúde ou outro género de limitações, correspondem assim ao foco do design social, que tem por missão chamar a atenção para problemas fraturantes ou para áreas sociais de risco, preferencialmente envolvendo os visados. Rebatendo para a área do design o argumento de De Carlo (2005) no campo da arquitetura, relacionado com os movimentos estudantis de 1969, podemos dizer que o design é também demasiado importante para ser deixado apenas para os designers decidirem, devendo, neste sentido, envolver o utilizador-alvo no próprio processo de conceção.
Muito mais tarde, autores como Simmons (2011) revelam preocupações relativamente a esta abordagem. Receiam que estes designers estejam tão concentrados em fugir ao mercado, que os seus projetos percam o foco de impactar a sociedade. Com o objetivo de explicar o propósito do seu livro dedicado ao tema do design ao serviço de causas sociais, Simmons (2011) afirma: “quer seja para um bem maior ou para um lucro maior, tudo isto é apenas design” (p. 4). Com o passar dos anos, apareceram designers a trabalhar de modo ativista, procurando, através do seu trabalho, conferir autoridade às pessoas e a instituições de âmbito social (Tromp & Vial, 2022). Para tal, Margolin e Margolin (2002) apontavam para a necessidade de os designers trabalharem em conjunto com profissionais de outras áreas, como a saúde, educação, trabalho social e prevenção criminal, bem como para a importância de o designer estudar e compreender as necessidades sociais. Esta importância do envolvimento do design numa prática multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar é corroborada por diversos estudos (Hepburn, 2022; Irwin et al., 2015; Sellberg et al., 2021).
Segundo Nold et al. (2022), o design social é feito com pessoas, envolvendo situações sociais e atividades e processos colaborativos com comunidades e instituições. Chen et al. (2016) realçam também a natureza participativa e de co-criação do design social, mas alertam para a complexidade dos projetos envolvidos. Os problemas sociais e as comunidades nas quais estes problemas aparecem, surgem em contextos políticos e sistemas de mercado complexos. A compreensão destas ligações e da sua implicação nos projetos torna-se complicada para muitos designers. Neste sentido, Chen et al. defendem que o design social atual tem a capacidade de atuar ao nível de pequenas comunidades ou organizações informais. Koskinen e Hush (2016) alertam para ambições utópicas de certos projetos, salientando a dificuldade de o design social atingir os objetivos traçados. Estes autores propõem a aplicação de um design social “molecular”, ao nível de pequenos universos sociais, onde as contribuições sejam mensuráveis.
Tromp e Vial (2022) propõem uma estruturação para melhor definir o design social, apontando cinco temas principais relacionados com a orientação e direção do design, a saber:
(1) atividades de design orientadas para cuidado e bem-estar de indivíduos desprivilegiados, (2) orientadas para responsividade para boa governação; (3) orientadas para o progresso político e empoderamento dos cidadãos, (4) orientadas para o capital social para benefício das comunidades, e, (5) orientadas para a resiliência e sustentabilidade de futuros sistemas. (Tromp & Vial, 2022, p. 210)
O design social é, portanto, uma área em desenvolvimento, ligada ao desejo de transformar e impactar a sociedade, envolvendo invariavelmente participantes de setores exteriores ao design, como a política, burocracia e ações sociais informais (Armstrong et al., 2014). Nesta perspetiva surge o design universal, que procura aumentar a inclusão natural dos indivíduos nas suas atividades diárias, causando um impacto real na sociedade. O propósito desta área é desenvolver soluções que possam ser experienciadas por todos os indivíduos sem a necessidade de adaptação a indivíduos ou grupos específicos (Story, 1998). Este campo surge englobado no design social, pela sua intenção de transformar a sociedade num espaço mais inclusivo e acessível a todos.
Apesar da sua intenção utópica, o design universal pretende responder às limitações do design inclusivo. Coleman et al. (2007) verificaram que, possivelmente derivado da tendência comercial do design, existiram vários anos de abordagens de design generalista que ofereciam uma resposta para todos os públicos. Assim, surgiu a necessidade de responder aos indivíduos com “necessidades específicas” através do design inclusivo. Esta área procurava adaptar soluções de design existentes para públicos com necessidades específicas, pessoas com deficiências, limitações relacionadas com a idade, educação ou capacidade financeira. Apesar das boas intenções do design inclusivo, a realidade é que estes grupos com necessidades acrescidas são muitas vezes considerados apenas após a conclusão do projeto de design, o que obriga a que essas soluções sejam muitas vezes alvo de adaptações posteriores, ou que sejam criadas versões específicas para esses grupos. Em resumo, o que inicialmente aparenta ser uma solução funcional, pode, na prática, acabar por acentuar os défices destes grupos.
Em alternativa, o design universal sublinha a necessidade de desenvolver soluções silenciosas, que sirvam todos os utilizadores, sem chamar a atenção para as necessidades especiais de um certo grupo. Nesta lógica, este campo requer que sejam considerados todos os utilizadores desde o início do processo de design. E é nesta perspetiva universal do design que se pretende orientar o estudo e o processo de design no âmbito do projeto ECHO, integrando a totalidade do público-alvo, desde o primeiro passo, para a disseminação dos casos de estudo em análise.
O design social procura desenvolver uma relação colaborativa, que respeite hábitos e costumes locais. Desloca-se até aos locais e às pessoas, cria sinergias e parcerias com instituições e indivíduos comuns (Chen et al., 2016). Neste sentido, o projeto ECHO deslocou-se e criou diálogos com instituições como a Gaiurb, a autarquia, a EO e a Associação Recreativa Clube Balteiro Jovem. A equipa do ECHO conversou, entrevistou e estudou a população do bairro do Balteiro, procurando desenvolver e fomentar relações de proximidade. Todo este processo exige múltiplas preocupações. Caso os designers do ECHO não estivessem cientes da importância de auscultar os diferentes intervenientes, o trabalho correria o risco de leituras enviesadas da problemática estudada.
Del Gaudio et al. (2016) alertam para várias problemáticas do design colaborativo relacionadas com as parcerias formadas, o poder atribuído a cada uma das partes, a delegação de tarefas e ação de cada agente. Estes autores defendem que cabe ao designer estar ciente de vários fatores relacionados com o design colaborativo, como o facto de que parcerias implicam capacidades de negociação que, por vezes, se transformam em lutas de poder. Del Gaudio et al. propõem que o designer se certifique de que os parceiros percebem o processo do trabalho e o modo como podem contribuir. Realçam também que os parceiros necessitam, muitas vezes, de ser relembrados da potencialidade do design. Cabe ao designer estimular o parceiro e negociar os objetivos comuns. Para os autores, o designer precisa de conhecer os seus parceiros e o tipo de implicações políticas, sociais ou económicas que podem ter no projeto e nas interações com as populações, de modo que o seu trabalho tenha um impacto efetivo na sociedade.
Com o objetivo de se compreender as principais particularidades da problemática e do contexto da presente investigação, o bairro social do Balteiro, apresenta-se de seguida uma breve introdução histórica aos bairros sociais em Portugal, o perfil económico dos seus moradores e os principais problemas que enfrentam. Isto permitirá perceber a relevância social das iniciativas comunitárias auto-iniciadas e a importância da sua documentação e disseminação.
3. O Projeto ECHO: Problemática e o Caso de Estudo do Balteiro
Em Portugal, logo a seguir à revolução de 1974, a resolução do problema da habitação foi uma das principais reivindicações da população, sobretudo nos principais centros urbanos de Lisboa e Porto (Antunes, 2019). A habitação social é quase na totalidade propriedade pública e, na perspetiva do autor, nestes quase 50 anos de democracia, as políticas portuguesas de habitação social caracterizam-se por um desenvolvimento “casuístico, sem continuidade, sistematização temporal nem estratégia a médio e a longo prazo” (Antunes, 2019, p. 14). Daí que subsistam hoje “graves problemas de acesso à habitação condigna” (p. 14). Este autor destaca ainda as mais de 25.000 famílias que atualmente residem em situações insatisfatórias, sendo que alguns desses problemas habitacionais violam os direitos humanos mais elementares, nomeadamente, a “subsistência de bairros de habitações precárias, com alojamentos construídos com materiais módicos, sem eletricidade, água canalizada, saneamento básico ou iluminação pública” (Antunes, 2019, pp. 14-15).
Acrescente-se ainda, que o período mais importante para a construção de habitação pública foi a década de 1990, tendo existido “um claro desígnio nacional de erradicar situações chocantes de indignidade humana” (Antunes, 2019, p. 14). Atualmente o parque de habitação pública corresponde a 2% do parque habitacional nacional e abrange cerca de 2,5% da população portuguesa.
No Norte do país, na cidade do Porto, os bairros sociais mais emblemáticos nasceram na periferia da cidade, quando foram construídos no final dos anos 50 e nas décadas de 60 e 70 do século XX. Devido ao crescimento urbano ocorrido ao longo destas últimas décadas, todos estes bairros acabaram por ser envolvidos na cidade em maior ou menor grau (Fernandes & Mata, 2015). Para Fernandes e Mata (2015), as situações periféricas destes bairros não dizem hoje estritamente “respeito à distância física, mas sobretudo à social e simbólica” (p. 9). Nesta compreensão das relações entre espaço urbano e indivíduo, estes autores propõem a expressão “periferia desqualificada”, assinalando o facto de estes bairros sociais serem espaços que, “no debate social, são lidos e ditos como contendo algum elemento que os desqualifica em face duma suposta ‘normalidade’” (Fernandes & Mata, 2015, p. 2).
A partir da década de 1980, fruto de uma intensa desindustrialização, os bairros sociais vivem o problema das elevadas taxas de desemprego e, como resposta, assiste-se ao crescimento de economias informais, nomeadamente associadas ao consumo e tráfico de drogas ilegais. Assiste-se assim à criação de uma nova imagem dos bairros sociais: para além de serem vistos como espaços de pobreza, passam também a ser olhados como zonas de atividades criminais, construindo-se à sua volta todo um imaginário de perigosidade (Fernandes & Mata, 2015). Como salienta Luís Fernandes (1998), “estes bairros ou se habitam ou se evitam” (p. 123), uma ideia generalizada que ainda hoje prevalece relativamente à maioria dos bairros sociais dos grandes centros urbanos, sobretudo os que mais são mediatizados, por problemas associados, nomeadamente, à criminalidade.
Assim, a habitação social e, em particular, os bairros sociais nunca cumpriram em Portugal verdadeiramente a sua missão de inclusão. Contudo, tal como alertam Fernandes e Mata (2015), o “bairrismo” e o “fechamento” que se observam nestes espaços:
não podem ser lidas linearmente como “negativas” ou “positivas”, pois tanto estão na base de fenómenos de enraizamento e de produção de identidades locais reforçadoras da vida comunitária e de agência dos sujeitos como podem ser barreiras ao ultrapassar do estigma associado a um meio visto como problemático. (p. 12)
É precisamente por meio da identificação de iniciativas locais, reforçadoras da vida comunitária e da inclusão, que surgiu o presente projeto ECHO. Num trabalho de campo prévio, realizado no município de VNG, foram assinalados junto da autarquia casos como o bairro do Balteiro (também denominado “empreendimento do Balteiro”), que no passado foi um sítio problemático, associado a questões como o tráfico e consumo de drogas. Devido a uma forte reabilitação ao nível das infraestruturas e do apoio social, a segurança e estabilidade social foram restabelecidas. Esta mudança contribuiu para o estímulo às práticas comunitárias auto-iniciadas, que começaram a surgir no bairro em meados de 2015 (Moreira, entrevista, 4 de maio de 2022; Mota, entrevista, 10 de dezembro de 2021).
Estas práticas comunitárias têm sido de grande relevância para o bairro; no entanto, tal como a própria autarquia de VNG assumiu, há uma clara necessidade de as dar a conhecer, pela importância que têm para a inclusão, combate ao estigma, autoestima pessoal e coletiva, regeneração social, e pelo potencial de replicação que podem ter para outros contextos.
A investigação em design surge, assim, como um mediador para conhecer e documentar estas práticas comunitárias e para estudar soluções que promovam a sua disseminação. Desta forma, acredita-se que se estará a contribuir para um reconhecimento, valorização e sistematização destas práticas, e uma abertura e aproximação do bairro e da sua comunidade ao exterior.
4. Metodologias
Nesta secção são descritas as metodologias propostas e adotadas pelo projeto ECHO, em particular, no estudo apresentado neste artigo, que pretende demonstrar o contributo do design de comunicação na disseminação de práticas comunitárias em bairros sociais, a partir do caso do Balteiro.
Importa começar por salientar que, antes do arranque efetivo do projeto, e em linha com os alertas de autores como Del Gaudio (2016), procurou-se assegurar as condições necessárias para o desenvolvimento do trabalho, nomeadamente a disponibilidade dos diferentes intervenientes (individuais e coletivos) para participarem no estudo. Esta premissa tem-se confirmado, estando os trabalhos a seguir dentro do planeamento inicialmente previsto na proposta de investigação.
Conforme supracitado, depois de um trabalho prévio de auscultação no terreno, selecionaram-se duas práticas comunitárias a serem estudadas: a Associação Recreativa Clube Balteiro Jovem e a EO. Com o objetivo de conhecer, compreender e divulgar estas duas iniciativas, foram adotadas as seguintes metodologias de trabalho (Martins et al., 2022):
Realização de um conjunto de entrevistas etnográficas e a grupos focais com o objetivo de: (a) identificar os atores-chave e participantes de cada prática, (b) compreender como estas práticas nasceram, se desenvolveram e foram percebidas pela comunidade, e (c) entender o impacto que têm tido na comunidade local e envolvente (Coutinho, 2013; Coutinho & Chaves, 2002; Hammersley & Atkinson, 2019; Mata & Fernandes, 2019);
Registos em vídeo, áudio e fotografia das entrevistas realizadas, da atividade das práticas estudadas e do bairro do Balteiro. Estes registos têm como objetivo a criação de um banco de material audiovisual para análise e para edição com vista à sua divulgação nos meios de disseminação do projeto (Banks & Zeitlyn, 2015; Tinkler, 2013);
Análise de documentação com o objetivo de compreender o enquadramento histórico do bairro do Balteiro e das suas práticas comunitárias; assim, como análise de dados estatísticos relativos à população do município e do Balteiro, fornecidos pelos serviços sociais da Câmara Municipal de VNG.
O passo seguinte, a desenvolver na segunda fase do projeto, é o da criação de um documentário sobre cada caso de estudo e de uma plataforma online onde será disponibilizada toda a informação recolhida e produzida.
4.1. As Duas Práticas Comunitárias Nascidas no Balteiro: Uma Análise a Partir de um Conjunto de Entrevistas
De modo a conhecer estas duas práticas comunitárias, começou-se por realizar um conjunto de visitas exploratórias aos respetivos locais, entre novembro 2021 e fevereiro de 2022, onde se efetuou uma observação participante, de cariz exploratório, interagindo-se com os principais protagonistas destas práticas e a sua comunidade, de forma a conhecer o contexto e suas dinâmicas (Coutinho, 2013; Freixo, 2012; Hammersley & Atkinson, 2019). Esta primeira fase foi fundamental para conseguir uma proximidade e confiança com os diferentes atores, onde foram sempre clarificados os objetivos do projeto, nomeadamente a garantia de que informações mais sensíveis recolhidas (importantes para perceber a realidade) não seriam publicadas, ou, em alternativa, seria assegurado o respetivo anonimato; e que todo o conteúdo a publicar, resultante das entrevistas, seria previamente mostrado e autorizado através de consentimento informado devidamente assinado.
Após esta fase inicial de observação participante, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, entre março 2022 e março 2023, às técnicas de ação social da Gaiurb e aos responsáveis pelas práticas comunitárias. Partiu-se de um guião, com um conjunto de perguntas focadas nos objetivos do projeto. As entrevistas não seguiram um modelo rígido, tendo o guião, mediante as respostas dos entrevistados, sido adaptado ao longo da entrevista sempre que foi necessário aprofundar assuntos ou questões particulares realizadas a cada entrevistado. Procurou-se, assim, dar liberdade de resposta aos entrevistados, com o cuidado de a entrevista não se distanciar demasiado do tema e objetivos (Coutinho, 2013; Coutinho & Chaves, 2002; Freixo, 2012; Hammersley & Atkinson, 2019; Mata & Fernandes, 2019; Sousa & Baptista, 2011).
Em resultado deste trabalho, apresenta-se, de seguida, uma síntese das histórias destas duas práticas comunitárias, para uma melhor compreensão das opções tomadas, no ponto de vista do papel do design neste projeto.
4.1.1. A Escola Oficina
A EO nasceu em 2015, no bairro do Balteiro, por iniciativa de Diana Mota3. O projeto surgiu da necessidade de ocupar com atividade laboral um conjunto de 12 moradoras do Balteiro, com vista a uma futura reintegração profissional. Estas moradoras encontravam-se numa situação de desemprego de longa duração e possuíam baixos níveis de escolaridade.
Com esta atividade, pretendia-se criar uma alternativa às atuais formações tradicionais, como as que são oferecidas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional ou pelos centros Qualifica, e que motivavam pouco estas mulheres. O objetivo era criar uma formação mais prática, informal e entusiasmante, como clarifica Diana Mota (Figura 1; entrevista, 10 de dezembro de 2021): “desta forma, elas estão ocupadas com algo de que gostam, estão a ser capacitadas, estão a aumentar a escolaridade, mas não estão a dar por isso”.
A ideia do projeto EO foi, então, apresentada ao grupo das 12 moradoras. Apenas quatro delas aderiram inicialmente ao projeto. As restantes aderiram mais tarde, de forma gradual. Esta resistência inicial de parte do grupo, deveu-se sobretudo à falta de hábitos de trabalho.
A génese da EO não é formal, nasce de uma iniciativa espontânea. No início, nem instalações existiam. As atividades começaram no próprio gabinete de Ação Social de atendimento aos moradores do Balteiro, localizado no próprio empreendimento, como conta Diana Mota (entrevista, 10 de dezembro de 2021): “o que na altura tive de fazer foi retirar a sala de espera, onde se fazia o atendimento, num pequeno apartamento T2, e ocupar essa sala com duas máquinas de costura para as mulheres poderem fazer alguns trabalhos”.
Sempre que possível, estas quatro mulheres, que aderiram inicialmente ao projeto, eram incentivadas a dedicar parte do seu tempo à execução de trabalhos de costura. Não havia um horário fixo de trabalho e o tempo de atividade de cada aluna variava bastante, sendo gerido consoante as respetivas disponibilidades.
A Gaiurb e as suas técnicas não tinham competências ao nível da costura, por isso, para dar essa formação foi necessário procurar parceiros. O primeiro parceiro foi a empresa SUMA que surgiu com o objetivo de ceder o lixo e o desperdício de potencial reutilização. A ideia inicial da EO não era apenas a de criar atividades de inclusão, educação e capacitação profissional, era também a de ser um projeto com uma vertente ambiental e de sensibilização para a economia circular (Mota, entrevista, 28 de março de 2022).
O parceiro seguinte foi a Escola Artística e Profissional Árvore, que acreditou no elevado potencial da EO e aceitou participar numa fase de teste, numa altura em que a Árvore não tinha nenhum financiamento ou apoio para este projeto. Saliente-se que a EO começou sem qualquer tipo de financiamento. A Gaiurb e estas duas instituições parceiras deram, a custo zero, o pouco que lhes era possível. Assim, foi a partir das sinergias criadas entre estas três instituições que a EO se começou a desenvolver. Diana Mota confessa que o primeiro ano de implementação da atividade foi muito difícil e que teve muitas vezes vontade de desistir. A principal dificuldade sentida foi a de conseguir criar na comunidade hábitos e responsabilidades de trabalho, uma relação de compromisso com a atividade. De forma a responder a este problema e motivar as formandas, foi-lhes proposto, para além da disponibilização do espaço, ferramentas, material e formação que, no caso de conseguirem desenvolver produtos de qualidade, os mesmos seriam colocados à venda e o dinheiro reverteria para as próprias. E foi assim que, nas palavras de Diana Mota, “a máquina começou a funcionar” (Mota, entrevista, 6 de outubro de 2022).
Posteriormente, a escola começou a trabalhar com o tecido empresarial. Através desse contacto, a EO apercebeu-se da falta de costureiras em algumas empresas. A escola procurou, então, ir respondendo a essa lacuna, formando e integrando as suas alunas nessas empresas. Registe-se também que algumas alunas foram conseguindo obter algumas encomendas fora da escola. Nestas situações, a EO manteve o apoio, contribuindo assim para a emancipação profissional, e para a criação de negócios próprios, por parte das formandas.
A escola começou com a atividade da costura (Figura 2), tendo posteriormente sido alargada à cartonagem. Entretanto, em 2016, a EO saiu do Balteiro, mudando de instalações para Santo Ovídeo, no centro de VNG. A escola alargou também o seu atendimento, abrangendo não só os munícipes do concelho, mas também todos os interessados. A atividade da escola também deixou de ser limitada à da costura e à cartonagem (embora continuem a ser as atividades principais). O objetivo passou a ser o de conseguir dar a melhor resposta possível a todos os que necessitam de formação e de apoio na inserção no mercado de trabalho, independentemente da área. Se a escola tiver recursos internos, nomeadamente na formação, o apoio é dado internamente, caso contrário, a escola encaminha para toda a sua rede social (Mota, entrevista, 11 de fevereiro de 2022).
Atualmente, a EO deixou de ter a necessidade de ir ao encontro dos munícipes. São os munícipes que vão ao encontro da EO, sendo na sua maioria pessoas numa situação de desemprego; a maioria dos formandos também já não são da habitação social; e há munícipes que são encaminhados para as empresas sem necessitar de qualquer tipo de formação. Refira-se também que a EO se relaciona atualmente com perto de 400 empresas, tendo, com cerca de 150 dessas empresas, uma regularidade semanal de trabalho (Mota, entrevista, 6 de outubro de 2022).
4.1.2. A Associação Recreativa Clube Balteiro Jovem
A Associação Recreativa Clube Balteiro Jovem foi formalmente criada em abril de 2015, por iniciativa de José Moreira, residente no bairro do Balteiro, desde o ano em que este foi construído, em 1967. Após um período em que esteve emigrado, José Moreira (entrevista, 7 de junho de 2022) regressou em 2010, e constatou que havia muitas crianças e jovens que andavam pelo bairro a brincar.
Essas crianças gostavam muito de futebol e era comum juntarem-se duas a três dezenas de jovens para esta prática desportiva durante longas horas diárias. No entanto, os jogos eram geralmente espontâneos ou muito pouco organizados, o que resultava em frequentes desentendimentos entre as crianças, envolvendo, por vezes, até as próprias famílias. José Moreira sentia que deveria fazer alguma coisa por estes jovens que, segundo o próprio, andavam muito desacompanhados pelo bairro. Foi então que, por brincadeira, começou a acompanhar os jovens e a ajudá-los na organização de jogos de futebol de rua, que aconteciam num terreno descampado do bairro, localizado em frente à atual sede da associação (Moreira, entrevista, 14 de julho de 2022).
O espaço da atual sede do Balteiro Jovem localiza-se numa cave de um dos blocos do empreendimento Balteiro III, e era propriedade da Gaiurb. Na altura, em meados de 2011, o espaço estava fechado e inutilizado. Os jovens, juntamente com José Moreira, insistiam com Cláudia Santos Silva, à data, técnica da ação social do Balteiro, para que o espaço fosse aberto e disponibilizado à comunidade para a prática de atividade física. Cláudia Santos Silva oficializou o pedido junto da administração da Gaiurb e a resposta foi favorável, na condição de haver uma figura, maior de idade, que fosse responsável pelo espaço.
Sendo José Moreira uma figura estimada e consensual entre os jovens, foi o escolhido para assumir a responsabilidade. A Gaiurb cedeu o espaço na condição de que o mesmo se comprometesse a fundar uma coletividade no empreendimento, ao serviço da juventude. Dava-se, assim, então, início ao longo processo de criação da Associação Recreativa Clube Balteiro Jovem (Moreira, entrevista, 4 de maio de 2022).
O espaço foi cedido em 2011, e a comunidade tratou da sua limpeza e recuperação. Parte do espaço servia de ginásio e uma pequena parte servia de sede da associação. As obras e instalação de equipamentos foram sendo realizadas com os vários contributos da comunidade e com o apoio da Junta de Freguesia, na cedência de algum material de construção. Criadas as condições, José Moreira passou a conseguir reunir com mais facilidade os jovens para a prática desportiva, chegando a envolver, aproximadamente, 40 crianças. Para além dos jogos que faziam no descampado localizado em frente à sede da associação, a partir de 2012, começaram também a participar em torneios amadores, a convite da Freguesia de Vilar de Andorinho, da Gaiurb e da autarquia (Moreira, atletas, treinadores e encarregados de educação da Associação Clube Balteiro Jovem, entrevista, 21 de janeiro de 2023).
A participação nos torneios era apoiada pela Junta de Freguesia, que cedia à coletividade uma carrinha e um motorista para transportar as crianças, apoiando também na alimentação. José Moreira e a sua equipa técnica viajavam sempre junto com as crianças e ficavam responsáveis por elas. Entretanto, a participação nos torneios foi-se tornando um caso sério, com as equipas do bairro do Balteiro a somarem muitas vitórias nos torneios em que iam participando, na zona de VNG.
Em 2015, a Gaiurb e a autarquia realizaram a inauguração formal da coletividade, tendo contado com a presença do presidente da Câmara, Eduardo Vítor Rodrigues. É evidente a importância de José Moreira neste processo. Um membro da comunidade que manifesta uma elevada e contínua disponibilidade, paixão, persistência e resiliência em prol da coletividade.
Na sede e ginásio da associação estão expostos inúmeros troféus, exibidos com orgulho. Alguns dos jovens jogadores do Balteiro Jovem têm também tido o reconhecimento do seu valor, através da transferência para clubes de referência, como o Futebol Clube do Porto. O sucesso desportivo e comunitário da associação começou a chamar a atenção de crianças, jovens e encarregados de educação fora do bairro:
nós levávamos muitos atletas. Nós para os Jogos Juvenis chegámos a levar à volta de 80 atletas ( ... ). Como tínhamos esse sucesso todo, deixou de ser local, que era só do empreendimento, e passou a ser da Freguesia. Eu pensei assim “vamos expandir isto à Freguesia”, porque começou a vir crianças e pais a perguntar “olhe, o meu filho pode vir para aqui?” (Moreira, entrevista, 4 de maio de 2022)
A adesão da comunidade, que já passava as fronteiras do próprio bairro do Balteiro, levou a que fossem reivindicadas melhores condições para a prática do futebol. O desejo da comunidade concretizou-se em setembro de 2017, com a inauguração de um novo recinto desportivo, um campo de futebol de sete, construído com o apoio da Câmara Municipal de VNG. Para o sucesso do campo foi também fundamental a implementação de regras de utilização do espaço, aplicadas desde a sua fundação. As regras aplicam-se igualmente no comportamento dos jovens, dentro e fora do campo. Há uma preocupação permanente em educar e orientar os jovens para uma convivência saudável e espírito de grupo (Moreira, Diana Mota e atletas, treinadores e encarregados de educação da Associação Clube Balteiro Jovem, 29 de outubro de 2022).
No presente, uma das principais preocupações de José Moreira é a falta de balneários, nomeadamente, uma casa de banho. Esta lacuna já provocou situações constrangedoras aos atletas e reclamações por parte dos pais. Percebe-se também que a associação é muito dependente de José Moreira e da sua elevada disponibilidade e dedicação. A associação é sustentada com as cotas que são pagas pelos sócios, que vão criando verba suficiente para pagar as despesas correntes, mas insuficiente para responder ao natural processo de degradação do espaço; e para a implementação das necessárias melhorias, como a construção dos balneários. Como remata José Moreira (Figura 3; entrevista, 7 de junho de 2022): “é uma luta constante!”.
4.2. O Papel do Design e o Estudo Prévio da Plataforma Online e dos Documentários
Neste projeto, o objetivo não é mostrar uma visão perfeita e utópica destas práticas comunitárias. O design não surge como um exercício de cosmética, para a camuflagem das muitas dificuldades com que estas práticas tradicionalmente se deparam. Pretende-se, através do design, criar empatia com o público-alvo. Uma empatia responsável, num equilíbrio entre a emoção e a razão: a emoção, na criação de narrativas e técnicas que inspirem outros cidadãos para a ação em comunidade, em prol do bem comum; e na razão, partilhando um retrato real das dificuldades e contrariedades com que estas práticas se confrontam, prevenindo, assim, problemas e expetativas exageradas.
A replicação que se deseja para estas práticas, não deve ser lida de forma linear, como uma simples duplicação. Replicar também poderá ser lido no sentido de resposta, de refutação. O importante é que se cumpra o requisito da discussão, do envolvimento dos diferentes atores individuais e coletivos durante o processo. As comunidades não são todas iguais, por isso, as soluções também não deverão sê-lo. Tal como alerta Diana Mota, o trabalho deverá começar pelo diagnóstico:
é tudo habitação social, mas é tudo diferente. Nem sempre se pode fazer uma Escola Oficina ou um projeto recreativo e desportivo noutros empreendimentos, porque as características da população são outras. E, por isso, é muito importante que todo o tipo de projetos de intervenção comece por um bom diagnóstico, por ler e trabalhar bem os dados. Não vale a pena replicar modelos se eles não se ajustarem àquela população. (entrevista, 11 de fevereiro de 2022)
O design não tem a missão de concretizar a replicação das práticas comunitárias, mas sim de as estimular, através de uma disseminação responsável da informação, de forma a contribuir para decisões e ações informadas e responsáveis, por parte dos cidadãos.
O desenvolvimento dos documentários e da plataforma online beneficiou diretamente do trabalho de diagnóstico apresentado neste artigo. A construção da narrativa a apresentar em cada documentário resultou do intenso trabalho efetuado no terreno, com a duração de aproximadamente um ano, que incluiu várias conversas exploratórias, entrevistas semiestruturadas e registos sonoros e em vídeo de vários momentos relevantes do quotidiano da associação e da escola. Estes documentários têm o propósito de apresentar uma narrativa informativa e inspiradora, devendo incluir vários depoimentos sobre o impacto que o trabalho da associação e da EO têm tido na vida do bairro, recorrendo a uma linguagem visual e cinematográfica adaptada a um público abrangente, o que permitiu a comunicação de uma mensagem de fácil compreensão. No caso do desenvolvimento da plataforma online, começou-se também por um trabalho prévio de diagnóstico, procurando conhecer o perfil do principal público-alvo: a população dos bairros sociais de VNG, a quem, nesta fase do estudo, se pretende sobretudo fazer chegar estas práticas comunitárias iniciadas no Balteiro. A população dos bairros sociais deste concelho caracteriza-se por baixos níveis de formação escolar e uma elevada taxa de desemprego (Tabela 1). Conforme dados fornecidos pela Gaiurb, em 2022, viviam 7.914 indivíduos nos 35 bairros sociais de VNG, dos quais apenas 4% possuem habilitações académicas acima do 9.º ano escolar e 34,6% estavam desempregados. Com base nestes dados, a solução a desenhar deverá ser adaptada às caraterísticas deste tipo de utilizadores (Guimarães et al., 2023).
Trata-se de indivíduos que, apesar da sua idade, capacidades linguísticas, quociente de inteligência e nível de escolaridade, apresentam défices linguísticos, cognitivos e numéricos (Vágvölgyi et al., 2016). Os indivíduos com baixos níveis de literacia pensam de modo literal e presente, apresentando dificuldades no pensamento abstrato e leituras na diagonal; analisam interfaces de um modo focado e limitado, um elemento de cada vez, e leem palavra a palavra (Nielsen, 2005; Wrench, 2012). Devido às suas dificuldades, este grupo apresenta problemas específicos ao utilizar interfaces digitais, tal como navegar entre páginas, pesquisar, analisar e interpretar informação (Guimarães et al., 2023).
Na literatura recente existem recomendações para tornar as interfaces existentes acessíveis a este grupo. As recomendações passam pela simplificação dos conteúdos, interfaces, navegação e linguagem escrita. Propõe-se ainda a adaptação dos sistemas de pesquisa para dar resposta a erros humanos (Zaphiris et al., 2007). Autores como Nielsen (2005) propõem a utilização de uma linguagem simples e clara, bem como a apresentação de certas informações em formato de listagem. Um dos principais fatores facilitadores da compreensão por parte deste tipo de utilizadores passa pelo modo de apresentação da informação e pelo tipo de informação apresentada (Barboza & Nunes, 2017; Wrench, 2012). Existem ainda algumas divergências relacionadas com o modo de navegação, a quantidade de links presentes, a utilização de ferramentas como o scroll, e a utilização de animações (Guimarães et al., 2023).
Neste sentido, desenvolveu-se, através de uma revisão e análise de autores, como Indrani Medhi Thies (2011), Vágvölgyi et al. (2016) e Zaphiris et al. (2007), uma proposta de 12 recomendações para o desenho de interfaces acessíveis a indivíduos com baixos níveis de escolaridade e de literacia. Agrupadas entre design, linguagem e informação, navegação e prevenção de erros, estas são aqui apresentadas de modo sucinto (Tabela 2). Ressalva-se, no entanto, que estas devem ser consideradas durante o desenvolvimento de plataformas que pretendam dirigir-se a este utilizador-alvo, sem prejudicar a experiência de outros tipos de utilizadores.
Assim, recomenda-se utilizar um design funcional e minimalista, limitando a informação presente no ecrã. Considerando o campo de visão limitado destes indivíduos, e o seu modo específico de análise, é necessário apresentar os elementos um a um, com bastante espaço entre eles, de forma a não sobrecarregar ou distrair quem acede à plataforma. Propõe-se, deste modo, a utilização de indicações visuais de forma cautelosa e o desenvolvimento de elementos cuja função o indivíduo reconheça ao invés de recordar. Sugere-se a utilização de linguagem clara, concisa e direta, limitando a informação escrita ao seu essencial, possivelmente apresentando-a por tópicos. De modo a combater as limitações linguísticas destes utilizadores, existem já recomendações de autores como Barboza e Nunes (2007) no sentido de utilizar uma linguagem clara. Propõe-se a aplicação de uma navegação simples, evitando sempre que possível a navegação hierárquica, uma vez que estes indivíduos processam informação de modo diferente. Sugere-se, também, a apresentação do estado do sistema ao utilizador.
5. Conclusões e Trabalho Futuro
Neste artigo procurou-se demonstrar a relevância da inclusão de designers de comunicação em equipas, que deverão ser multidisciplinares, pretendendo disseminar práticas comunitárias em contextos economicamente desfavorecidos como são os bairros sociais.
Começou-se por observar que, ao longo da história, o design social e o design universal são as áreas do design que mais se têm centrado no problema da responsabilidade social. No conjunto das diferentes perspetivas apresentadas, saliente-se as propostas de Nold et al. (2022), sobre a importância de envolver as pessoas, comunidades e instituições em processos colaborativos, assim como Margolin e Margolin (2002), que acrescentam a importância de os designers trabalharem com profissionais de outras áreas. Estas perspetivas estão em linha com as de autores como Chen et al. (2016) e Koskinen e Hush (2016), que alertam igualmente para os problemas que poderão advir da complexidade deste tipo de projetos e o risco de adotar ambições desmedidas, propondo assim um trabalho mais localizado, com pequenas comunidades ou organizações informais de grupos definidos.
Atualmente, no caso específico do design de comunicação, a atuação dos designers em problemas sociais centra-se sobretudo em cenários de mercado. Nestes cenários, o design de comunicação vive habitualmente com a pressão da rentabilidade comercial (seja para venda de produtos ou para obter apoios financeiros), onde o seu papel é sobretudo na obtenção deste tipo de contrapartidas, por meio de técnicas e expressões visuais atrativas. Um papel que é naturalmente necessário e legítimo.
No entanto, tal como foi demonstrado no presente artigo, o design de comunicação pode (e deve) ter, por meio da investigação, uma atuação holística e próxima destes problemas sociais. O trabalho próximo e cooperativo com a comunidade, as instituições e os diferentes atores destas práticas comunitárias nascidas no bairro do Balteiro permitiu perceber a complexidade das mesmas, nomeadamente, que os bons resultados foram demorados, graduais e perante elevada resistência e persistência; e de como o apoio social e institucional foi também determinante. Estas constatações não teriam sido possíveis sem este trabalho de investigação próximo, no terreno, e demorado (aproximadamente 12 meses), que permitiu ir descobrindo as diferentes dinâmicas e as suas interligações. Desta forma, confirmaram-se as perspetivas dos autores citados neste artigo, que convergem com as metodologias adotadas para o projeto ECHO, que tem atuado a um nível exploratório e molecular.
Refira-se também a convergência deste estudo com as preocupações do design universal, no desenvolvimento de soluções “silenciosas”, que envolvam todos. Neste caso, no campo do design e comunicação digital, o desenvolvimento da plataforma online com vista à disseminação destas práticas comunitárias, terá em consideração todo o tipo de utilizadores, sem que as dificuldades ou necessidades de um determinado grupo sejam evidenciadas. As 12 diretrizes do design, apresentadas neste artigo, para o desenho de interfaces acessíveis a indivíduos com baixos níveis de escolaridade e de literacia, servem, portanto, de base ao desenho da plataforma online como resposta às necessidades do público-alvo, as comunidades dos bairros sociais.
As próximas etapas desta investigação incluem o desenvolvimento da plataforma online, a partir dos principais resultados obtidos e apresentados neste artigo, bem como a recolha, organização e apresentação dos conteúdos que irão ser disponibilizados sobre cada caso de estudo. Estes conteúdos incluem informações relativas às características específicas de cada uma destas práticas comunitárias, apresentadas, nomeadamente, pelo olhar dos diferentes atores envolvidos, como por exemplo, em vídeos documentais.