17 30Women war reporters' resistance and silence in the face of sexism and sexual violence 
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Media & Jornalismo

 ISSN 1645-5681 ISSN 2183-5462

     

 

APRESENTAÇÃO

 

Mulheres e media: quanto mais sabemos, mais complexo o problema nos parece

 

Women and media: the more we know, the more complex seems to be the problem

 

 

Maria João SilveirinhaI

I Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, CIC.Digital - PÓLO FCSH/NOVA, 3004-530 Coimbra, Portugal. E-mail: mjs@fl.uc.pt

 

 

A revista Media & Jornalismo tem dedicado alguns dos seus números à relação entre género e media, nas suas diversas formas, apresentando alguma da importante investigação que se tem feito neste campo nas últimas décadas. Porquê, então, voltar à mesma questão? Respondemos que, à medida que vamos acumulando mais investigação, essa necessidade se mantém tão urgente quanto ela se nos apresentou pela primeira vez, há cerca de 15 anos, no Centro de Investigação Media e Jornalismo.

A prová-lo, está a crescente investigação que se tem feito neste domínio, destacando-se, aqui, pelo seu caráter transnacional, algumas investigações em particular: os diversos relatórios produzidos pelo Global Media Monitoring Project em 1995, 2000, 2005, 2010 e 2015 (WACC, 2015), os estudos da International Women’s Media Foundation (Byerly, 2011) e os estudos do European Institute for Gender Equality (EIGE, 2013; Ross e Padovani, 2017).

Ao longo dos seus vinte anos de monitorização de um dia das notícias em todo o mundo, o GMMP tem mostrado que a representação das mulheres nas notícias melhorou apenas ligeiramente. No último estudo (WACC, 2015), verificou-se que apenas 24% das pessoas ouvidas, lidas ou vistas nas notícias são do sexo feminino, o que representa um aumento de 7% desde 1995. Mas esta “melhoria” na visibilidade das mulheres nas notícias constitui apenas meio ponto percentual por ano, desde 2000, o que significa que serão necessários pelo menos mais 40 anos para alcançar a paridade de género nas notícias.

Os resultados do Global Report on the Status of Women in the News Media levado a cabo pela Fundação Internacional de Mulheres nos Media (Byerly, 2011) também não deixaram margem para dúvidas: ainda que haja cada vez mais mulheres no jornalismo, atingindo elas um número superior ao dos homens em alguns países europeus (particularmente na Finlândia, Suécia e Rússia), 73% dos cargos de responsabilidade nos media de todo o mundo são ocupados por homens.

Mais recentemente, o relatório do Instituto Europeu para a Igualdade de Género sobre a tomada de decisão nas organizações mediáticas (EIGE, 2013; Ross e Padovani, 2017) revela que as barreiras institucionais ao avanço das carreiras das mulheres e as disparidades salariais entre homens e mulheres permanecem firmes no sector dos meios de comunicação social. Diferentes tipos de media, dentro e entre diferentes contextos nacionais, apresentam uma versão partilhada da “realidade”, que reflete as relações de género dominantes e mantém um status quo desigual, contribuindo para a perpetuação das desigualdades de género na vida quotidiana.

O livro apresentado pelo Conselho da Europa em 2015 sobre esta matéria (CoE, 2015) cruza os dados de resposta com um estudo sobre a desigualdade nos media, nos Estados Membros, onde se reforça a desigualdade que é já conhecida por uma série de novos desafios, incluindo: a crise do setor mediático, devido à concorrência dos meios digitais; a crescente concentração da propriedade dos media na Europa e o seu impacto negativo na diversidade de conteúdos; e a influência da crise financeira sobre o compromisso dos meios de comunicação públicos para com o pluralismo. Ora, a leitura que fazem autoras que sistematicamente têm trabalhado sobre esta questão, como Carolyn M. Byerly e Claudia Padovani, é aquela de que partilhamos inteiramente:

“Realçar [estes] elementos críticos exige uma melhor apreciação do nexo entre a igualdade de género e as políticas de comunicação, por um lado e, por outro, as intervenções reguladoras noutros domínios, das agendas digitais às políticas de concorrência. Tal revela a complexidade das questões em jogo e as suas implicações multidimensionais e, ao mesmo tempo, reforça a necessidade de incluir aspetos políticos na análise da igualdade de género e dos media” (Byerly e Padovani, 2017: 21).

É nesse sentido que a Revista Media & Jornalismo tem procurado trabalhar, produzindo investigação e reflexão sobre realidades, situações, temas e questões locais, cruzando-a com aspetos políticos que consideramos fundamental ter em conta.

Assim, neste número, começamos por apresentar os problemas de sexismo e as estratégias de resistência que as repórteres de guerra desenvolvem. Esse e é o tema da investigação de Linda Steiner que, a nosso convite, escreveu este original especialmente para a Revista Media & Jornalismo. A autora centra-se sobretudo nas mulheres repórteres de guerra contemporâneas – com especial destaque para Lara Logan -, e mostra como elas estão particularmente sujeitas a perversidades particulares de género como o sexismo, a condescendência, o pseudo-protecionismo, e comportamentos obscenos e hostilidade por parte de militares, público e dos seus próprios patrões. São também sujeitas a violência sexual, mas muitas sofrem todos estes problemas silenciosamente, ignorando-o ou acabando por desistir da profissão. Mas o que ela considera importante notar é que a resposta destas jornalistas às diferentes formas de sexismo tem sido dada quase sempre ao nível individual e praticamente nunca coletivamente. Para as jornalistas, incluindo as repórteres de guerra, afirma Steiner, a solidariedade feminina não é um recurso claro. A acrescer ao problema da violência sobre as jornalistas de guerra, a resposta institucional é também quase inexistente, o que é agravado pelo número de mulheres free-lancers que desenvolvem este trabalho.

No texto seguinte, João Miranda dá conta das dimensões de género dos resultados de um inquérito recente ao universo de jornalistas portugueses. O autor analisa o contexto recente e contemporâneo da recomposição de género das redações portuguesas em duas linhas: por um lado, o processo num constante processo de feminização do corpo profissional, alicerçado num rejuvenescimento dos quadros e num contínuo aumento da formação para a profissão; por outro, o conjunto de contradições inerentes ao processo de feminização, que revela um fraco acesso das mulheres jornalistas a cargos e funções de responsabilidade editorial e uma assimetria no campo das condições de trabalho. Apesar de uma tendência geral para uma relativa harmonia entre as respostas de homens e mulheres, registam-se algumas discrepâncias relativas à situação laboral e ao campo das conceções sobre o exercício da profissão.

De seguida, a problemática da igualdade nos media é explorada por Filipa Subtil e Maria João Silveirinha que analisam diversos documentos produzidos em torno dos Planos Nacionais de Igualdade na sua dimensão de género nos media. As autoras descrevem e analisam vários momentos desta produção, a partir dos processos de Europeização e de transferência de políticas e concluem da necessidade de levar mais a sério esta questão, dotando os Planos de instrumentos concretos e com boas possibilidades de eficácia.

A fechar o foco específico sobre as questões de género nos media e no jornalismo, o texto de Karen Ross coloca o problema da igualdade de género no jornalismo no contexto europeu e explora o grau de entrada das mulheres nos níveis mais elevados de gestão num leque alargado de grandes organizações mediáticas, públicas e privadas, da UE e da Croácia. O trabalho resume os dados centrais de um projeto financiado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género e apresenta três Indicadores que o Conselho Europeu acabou por adotar na sua estratégia para o Mainstreaming de Género na União Europeia.

Os três últimos textos recobrem outros aspetos da problemática de género na comunicação e nos media. Diana Silver leva-nos por uma viagem discursiva e comunicacional à Grã-Bretanha, analisando dois manifestos feministas de Greenham em 1981 e de diversas ações em 2016. Ela encontra nestes textos, que traduzem as chamadas “women-only direct action”, um claro afastamento do tradicional retrato das mulheres como maternais, vulneráveis e pacifistas.

No texto de Juliana de Sousa encontramos uma reflexão sobre a construção mediática do backlash, do consumo e dos pós-feminismos. A autora procura refletir sobre o modo como os media têm lidado com a significativa intervenção dos feminismos na identificação e na desconstrução das práticas sociais ainda dominantes e passa em revista a forma como as construções neoliberais dos feminismos, sobretudo apropriados pelos veículos de comunicação social, podem ser observados e interpretados como um fenómeno social que envolve tanto as estruturas de controlo/poder como as lógicas identitárias de uma sociedade marcadamente patriarcal.

A fechar o número da revista, Cláudia Alvares abre, na verdade, mais uma janela para o panorama da problemática de género nos media - desta vez digitais -, situando-se ainda no tema do pós-feminismo, mas problematizando os seus pressupostos no cruzamento entre as promessas de crescentes oportunidades de participação promovidas pelas novas tecnologias e a defesa de valores democráticos. A sua reflexão gira em torno do modo como a arquitetura das redes, proporcionando um determinado grau de anonimato, facilitando a desinibição, a ausência de civilidade e a publicitação da intimidade, legitima uma cultura de misoginia que, na verdade, reencena estruturas sociais normativas, por vezes sob a capa de promoção de uma aparente emancipação.

Cremos que o que estas investigações voltam a mostrar é, tão “simplesmente”, que o questionamento sobre as mulheres na comunicação não pode parar e tem de abranger múltiplas dimensões. Só acumulando e detalhando conhecimento podemos, por um lado, reforçar o que já sabemos, consolidando bases para a necessária ação de mudança, e, por outro, acompanhar as novas formas de desigualdade que se estabelecem à medida que a realidade mediática se vai transformando nos seus contornos tecnológicos e nas suas novas peles de mediação.

 

 

Referências

Byerly, C.M. (2011) Global Report on the Status of Women in News Media, technical report. Washington, DC: International Women’s Media Foundation.

EIGE - European Institute for Gender Equality (2013) Review of the Implementation of the Beijing Platform for Action in the EU Member States: women and the media: advancing gender equality in decision-making in media organisations, Luxembourg: Publications Office of the European Union.         [ Links ]

Ross, Karen e Claudia Padovani, ed. (2017), Gender Equality and the Media. A Challenge for Europe. Nova Iorque, Routledge        [ Links ]

Byerly, Carolyn M. e Claudia Padovani (2017), “Research and Policy Review” in Gender Equality and the Media, ed. Ross, Karen e Claudia Padovani, Nova Iorque, Routledge.         [ Links ]

WACC (2015) Who Makes the News?, Toronto: World Association for Christian Communication.         [ Links ]

 

 

Maria João Silveirinha – é doutorada pela Universidade Nova de Lisboa e é Professora Associada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Tem participado e liderado diversos projetos sobre a temática género e media e integra o CIC. Digital, onde investiga esta área científica.

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