A rinite é uma das patologias médicas mais comuns1,2e, provavelmente, a que vemos mais frequentemente na consulta de Imunoalergologia.
Carateriza‑se pela presença de sintomas nasais, como congestão/obstrução nasal, rinorreia, prurido nasal e espirros, causados por inflamação e/ou disfunção a nível da mucosa do nariz1,3. Estes sintomas ocorrem pelo menos dois dias seguidos e durante mais de uma hora na maioria dos dias1,4,5. Apesar de ser uma patologia frequentemente desvalorizada (quer pelos doentes, quer pelos médicos), a rinite associa‑se a perda de qualidade de vida, com impacto no sono, na capacidade de trabalho e no rendimento escolar4,6. Tem custos diretos e indiretos elevados4,7.
A relevância da rinite, especialmente pela sua prevalência e impacto na vida dos doentes, torna fundamental um adequado reconhecimento e abordagem, sendo central o papel do imunoalergologista. Um dos aspetos diferenciadores é a capacidade de reconhecimento da rinite como uma patologia heterogénea, que tem diversas etiologias, várias formas de apresentação clínica e de resposta ao tratamento1,3. Nesse sentido, neste número da RPIA damos início a uma série de artigos, na Página Educacional da revista, que irão abordar, numa perspetiva prática, várias das faces da rinite.
A heterogeneidade da rinite levou à necessidade de a classificar, tendo surgido, especialmente nas últimas 2 décadas, múltiplas propostas de classificação baseadas em diferentes aspetos da doença1,3,4. Existem classificações que distinguem as diferentes formas de rinite com base nos mecanismos patofisiológicos que lhes estão subjacentes, identificando endótipos3,8,9. As classificações endotípicas, apesar de muito relevantes, são ainda limitadas e nem sempre passíveis de avaliação adequada com os meios de diagnóstico disponíveis na prática clínica diária9. As classificações mais frequentes e mais usadas clinicamente baseiam‑se na identificação de fenótipos, que agrupam os indivíduos de acordo com caraterísticas clínicas observáveis (traits) associadas à rinite1,3.
Os fenótipos podem ser definidos considerando diversos critérios clínicos (por exemplo, idade de início, gravidade, sazonalidade, frequência dos sintomas ou os seus desencadeantes), estando descritos múltiplos sistemas de classificação (exemplificados no Quadro 1) com maior ou menor relevância do ponto de vista clínico.
A maioria destas classificações fenotípicas foi desenvolvida unicamente com base em hipóteses a priori, a partir do conhecimento teórico disponível sobre a rinite, sendo ainda relativamente escassos os estudos que descrevem fenótipos obtidos a partir de técnicas estatísticas de classificação em clusters10,11, ao contrário do que já acontece na asma12. Estes fenótipos “clássicos”, que não são estabelecidos diretamente a partir dos dados de doentes com rinite, são dinâmicos e podem sobrepor‑se, dificultando definições claras3. Em 2015, numa tentativa de uniformizar a classificação fenotípica dos indivíduos com rinite, foi proposta pelo PRACTALL3 uma classificação por consenso em cinco fenótipos: rinite infeciosa, rinossinusite crónica, rinite alérgica, rinite alérgica local e rinite não alérgica. Apesar de nenhuma destas classificações ser universalmente aceite nem usada de forma exclusiva, elas são potencialmente relevantes na personalização dos cuidados prestados aos doentes com rinite3,8e são parte integrante da nossa prática clínica diária.
Os fenótipos que serão abordados nesta série de artigos são baseados na classificação proposta pelo PRACTALL3, incluindo, de forma independente, a rinite ocupacional e a rinite mista. Os dois primeiros artigos, publicados neste número da RPIA, focam a rinite alérgica e a rinite ocupacional.
Estes artigos seguem a estrutura dos manuscritos da secção Clinical Practice, do New England Journal of Medicine13, em que o tema é lançado usando um caso clínico muito sumário (Case Vignette), que foca um dos fenótipos “clássicos” de rinite e serve de ponto de partida para uma revisão da evidência sobre essa situação clínica, abordando diferentes aspetos que se consideram clinicamente relevantes (por exemplo, caraterísticas clínicas, diagnóstico e tratamento). O artigo termina com as recomendações clínicas dos autores, tendo por base o caso clínico inicial.
Os casos clínicos que serão incluídos nos vários artigos foram propostos por internos de Imunoalergologia no contexto de um pedido de colaboração do Grupo de Interesse de Rinite para preparação de um workshop que decorreu na 40.ª Reunião Anual da SPAIC, em 2019 (Workshop III subordinado ao tema “Rinite: uma família de patologias. Casos clínicos”). Os internos que propuseram casos clínicos foram desafiados a elaborar estes artigos, sendo que só a sua disponibilidade e empenho permitiram que eles se concretizassem.
Esperamos que esta série de artigos ajude a estruturar a abordagem clínica das diferentes formas de rinite e que possa ser usada pelos imunoalergologistas mais jovens (e também pelos menos jovens!) na melhoria da qualidade dos cuidados prestados aos doentes com rinite.