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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.29 no.2 Lisboa jun. 2021  Epub 28-Jun-2021

https://doi.org/10.32932/rpia.2021.07.057 

PÁGINA EDUCACIONAL - ARTIGO DE REVISÃO

Rinite alérgica - Classificação, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Allergic rhinitis - Classification, pathophysiology, diagnosis and treatment

Leonor Esteves Caldeira1  * 
http://orcid.org/0000-0003-2347-4658

Maria Inês T. Silva1  * 
http://orcid.org/0000-0002-8041-1306

Gonçalo Martins-dos-Santos2 
http://orcid.org/0000-0002-5726-5486

Ana Margarida Pereira3  4  5 
http://orcid.org/0000-0002-5468-0932

1 Serviço de Imunoalergologia, Hospital Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte EPE, Lisboa, Portugal

2 Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Lisboa, Portugal

3 CUF-Porto Instituto e Hospital, Porto, Portugal

4 MEDCIDS - Departamento Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal

5 CINTESIS - Center for Health Technology and Services Research, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal


RESUMO

A rinite alérgica é uma patologia inflamatória da mucosa nasal, mediada por imunoglobulina E (IgE), que se manifesta por rinorreia mucosa, obstrução nasal, crises esternutatórias e/ou prurido nasal em relação com a exposição a aeroalergénios. A sua classificação depende da duração e gravidade dos sintomas que, quando não controlados, podem apresentar um grande impacto na qualidade de vida. Embora de diagnóstico essencialmente clínico, o recurso a testes cutâneos por picada e doseamento sérico de IgE específicas é importante na confirmação da etiologia e na caraterização dos alergénios envolvidos. O tratamento baseia‑se em medidas de controlo ambiental, em terapêutica farmacológica e, em casos selecionados, no uso da imunoterapia com alergénios. Este artigo tem como objetivo reunir a atual evidência científica relativa à rinite alérgica, no que se refere à sua fisiopatologia, diagnóstico e adequada abordagem terapêutica, usando um caso clínico para contextualização do problema.

Palavras‑chave: Hipersensibilidade imediata; imunoterapia com alergénios; medicina de precisão; rinite alérgica.

ABSTRACT

Allergic rhinitis is an immunoglobulin E (IgE)‑mediated inflammatory pathology of the nasal mucosa clinically characterized by mucous rhinorrhea, nasal congestion, sneezing and/or nasal itch. Its classification depends on the duration and severity of symptoms which, when not controlled, can have a major impact on quality of life. Although the diagnosis is mainly based on clinical features, the use of skin prick testing and allergen‑specific serum IgE measurements are important to confirm the etiology and characterize the involved allergens. Treatment includes environmental control measures, pharmacological treatment and, in selected cases, allergen immunotherapy. The aim of this article is to gather current scientific evidence on allergic rhinitis, in what concerns its pathophysiology, diagnosis and appropriate management, using a clinical vignette as a starting point.

Keywords: Allergic rhinitis; immediate hypersensitivity; allergen immunotherapy; precision medicine.

CASO CLÍNICO

Homem, 23 anos, sem antecedentes pessoais relevantes. Referenciado à consulta de Imunoalergologia aos 18 anos por queixas de rinorreia anterior mucosa, obstrução nasal, crises esternutatórias, prurido nasal e ocular e hiperemia conjuntival. Referia agravamento da sintomatologia descrita na primavera e outono, apesar de ter queixas perenes e quase diárias, com interferência nas atividades do dia‑a‑dia e no sono. Após investigação etiológica estabeleceu‑se o diagnóstico de rinoconjuntivite alérgica persistente, moderada‑grave, com sensibilização a Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, pólen de gramíneas, de oliveira e de salsola. A espirometria com prova de broncodilatação não mostrou alterações funcionais respiratórias. Foi medicado com furoato de mometasona nasal 50 mcg/dose, 2 pulverizações em cada narina de manhã e à noite, bilastina oral 20 mg id e cetotifeno ocular 0,25 mg/ml, 1 gota em cada olho de manhã e à noite, apenas com resposta parcial. Não foi possível suspender a medicação em nenhuma altura do ano por recidiva da sintomatologia descrita.

REVISÃO TEÓRICA

Introdução

A rinite alérgica (RA) é uma doença com manifestação predominantemente nasal, determinada por um processo inflamatório mediado por imunoglobulina E (IgE) após a exposição da mucosa nasal a um ou mais alergénios1.

Trata‑se de uma doença com crescente prevalência, estimando‑se atualmente uma prevalência global de 10 a 40%, variando consoante a localização geográfica2. Apesar da sua elevada prevalência, a RA é ainda uma doença subdiagnosticada3,4,5e subtratada6,7.

As principais manifestações clínicas da RA são: rinorreia mucosa, obstrução nasal, crises esternutatórias e prurido nasal. Estes sintomas são frequentemente considerados “normais” e consequentemente grande parte dos doentes não reconhecem os seus sintomas como doença e não procuram avaliação médica7; adicionalmente, os próprios médicos subestimam frequentemente a gravidade da RA8. No entanto, os sintomas nasais, quando presentes, podem ter grande impacto na qualidade de vida, com perturbação das atividades diárias, associada a fadiga e diminuição da energia, bem como a interferência no sono e redução da capacidade de concentração9,10,11.

Adicionalmente, a RA está associada a alteração da produtividade laboral e menor aproveitamento escolar12,13,14, sendo responsável por custos elevados, especialmente indiretos (por absentismo ou presenteísmo)15,16,17.

Classificação

A RA pode ser classificada como sazonal ou perene segundo as características temporais da doença e a exposição ao alergénio1. Contudo, esta classificação não é globalmente aplicável e, consequentemente, o grupo de trabalho internacional Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma (ARIA) reformulou as diretrizes da rinite alérgica tendo por base a duração (intermitente, persistente) e gravidade (ligeira, moderada‑grave) dos sintomas1 (Figura 1).

Figura 1 Classificação da rinite alérgica (Adaptado de ARIA1). 

Ambas as abordagens são úteis e não mutuamente exclusivas. A classificação definida pelo ARIA é a mais aceite atualmente e é particularmente útil em países onde a polinose ocorre durante todo o ano, sem estação definida ou muito prolongada. A subdivisão sazonal/perene pode ser mais relevante em países onde há exposições sazonais claras a alergénios18.

Fisiopatologia

A fisiopatologia da RA é complexa, compreendendo uma resposta alérgica de fase precoce e tardia19,20. O processo é desencadeado pela exposição a alergénios como pólenes, ácaros, epitélio de animais, entre outros, que são reconhecidos por recetores de IgE específicos existentes na superfície de mastócitos e basófilos de indivíduos pré‑sensibilizados.

Esta fase tem início minutos após a exposição ao alergénio, dura cerca de 2 a 3 horas e é predominantemente caracterizada pela desgranulação de mastócitos21. Os mastócitos são abundantes no compartimento epitelial da mucosa nasal de indivíduos sensibilizados, os quais podem ser facilmente ativados após a reexposição aos alergénios implicados21. Após interação do alergénio específico com a IgE ligada à superfície dos mastócitos ocorre a sua desgranulação e a consequente libertação de mediadores pró‑inflamatórios, sendo a histamina o principal destes mediadores. A histamina e os outros mediadores, como os leucotrienos e as prostaglandinas, atuam nos vasos sanguíneos, terminações nervosas sensoriais e glândulas mucosas causando congestão nasal, prurido e rinorreia21,22.

A fase tardia inicia‑se cerca de 4 a 8 horas após exposição a um alergénio relevante21. É de natureza predominantemente inflamatória e definida pelo recrutamento celular de basófilos, neutrófilos, linfócitos Th2, monócitos e eosinófilos e pela libertação de múltiplos mediadores, incluindo citocinas, prostaglandinas e leucotrienos, que perpetuam a resposta inflamatória. Esta fase está associada ao remodeling e aumento do edema dos tecidos, o que leva ao desenvolvimento e manutenção da congestão nasal, um dos sintomas da RA que provoca maior incómodo23.

Considera‑se que estas alterações de fase tardia contribuem ainda para a hiperreatividade brônquica21.

Manifestações clínicas

A história clínica é fundamental para o diagnóstico preciso da doença, para avaliação da sua gravidade e da resposta à terapêutica1. Os sintomas clássicos da rinite alérgica são prurido nasal, esternutos, rinorreia aquosa e congestão nasal. Frequentemente está também associada a sintomas oculares (prurido ocular e epífora), rinorreia posterior, tosse crónica não produtiva e fadiga24,25,26.

Diagnóstico

O diagnóstico da RA baseia‑se numa história clínica detalhada, exame objetivo e exames complementares de diagnóstico (Quadro 1), nomeadamente testes cutâneos por picada (TCP) e/ou doseamento sérico de IgE específicas (sIgE)20,24,27. Quando dois ou mais sintomas, entre rinorreia aquosa, obstrução nasal, esternutos e/ou prurido nasal, persistem mais de uma hora na maioria dos dias, e que pioram com exposição a alergénios identificados, perenes ou sazonais, é mais provável a presença de RA20.

Quadro 1 Resumo dos métodos de diagnóstico na rinite alérgica1,30  

sIgE - Imunoglobulina E específica; NO - óxido nítrico

Na realização do exame objetivo a primeira abordagem é a realização de uma rinoscopia anterior, que é uma técnica simples, facilmente executada, sem necessidade de equipamentos dispendiosos e que permite a visualização do terço anterior da cavidade nasal e também identificar complicações ou outras condições nasais (pólipos nasais, desvio septal). Embora não estejam definidos sinais específicos na rinoscopia, na RA a mucosa encontra‑se frequentemente alterada, com uma tonalidade azulada/pálida, podendo também apresentar‑se edemaciada e hiperemiada nos estados inflamatórios de agudização28. A desvantagem da rinoscopia anterior é o facto de não permitir visualizar toda a cavidade nasal, nomeadamente o meato médio, para onde drenam os seios maxilar, frontal e etmoidal anterior, que tão comummente estão envolvidos na RA. Tal facto pode ser ultrapassado através da realização de uma endoscopia nasal, que permite distinguir de forma mais clara entre patologia estrutural ou da mucosa, ficando no entanto reservada para os doentes que não respondem ao tratamento inicial ou que não apresentam alterações na rinoscopia. É também necessário fazer observação da orofaringe para excluir presença de rinorreia posterior.

A auscultação pulmonar é importante para avaliar eventual envolvimento brônquico1,27. Relativamente aos meios complementares de diagnóstico, são frequentemente utilizados os TCP com extratos comerciais de aeroalergénios; a medição dos níveis séricos de sIgE e/ou as IgE moleculares (mIgE) são especialmente úteis em caso de dúvida diagnóstica - por exemplo, quando o resultado dos TCP é discrepante com a sintomatologia apresentada pelo doente ou quando há polissensibilização (como o doente deste caso).

A avaliação do perfil de sensibilização molecular é relevante para um diagnóstico mais preciso e pode ser fundamental na seleção da constituição da imunoterapia com alergénios, a administrar nos doentes com indicação para esse tratamento29. De facto, o diagnóstico molecular vem minimizar alguns dos problemas associados ao uso dos extratos alergénicos tradicionais. Estes extratos são compostos sobretudo pelas proteínas dos alergénios (major e minor), podendo também conter outras pequenas moléculas, como glicoproteínas e polissacarídeos30.

No entanto, a sua estandardização é difícil e a sua composição pode ser muito diferente de acordo com o laboratório em que são produzidos, com alguns componentes alergénicos pouco representados ou ausentes em alguns dos extratos29. Esta variabilidade dos extratos pode levar a diferenças significativas nos resultados (positivo vs negativo) e influenciar o diagnóstico29,31.

O uso de alergénios moleculares, para além de ultrapassar essa incerteza associada à composição dos extratos tradicionais, permite uma melhor avaliação do perfil de sensibilização, distinguindo sensibilizações primárias (específicas de espécie) de reatividade cruzada entre múltiplos alergénios31. Esta distinção é particularmente relevante na seleção da composição para imunoterapia com alergénios, especialmente em doentes polissensibilizados31,32.

No entanto, ainda não estão identificados nem disponíveis para diagnóstico todos os alergénios moleculares potencialmente relevantes e faltam recomendações mais detalhadas sobre a forma como devem ser valorizados na prática clínica, o que limita, atualmente, uma implementação ainda mais alargada. A positividade dos TCP ou sIgE/mIgE reflete a existência de sensibilização a determinado alergénio. A sensibilização constitui a fase em que, após contacto com alergénios, e apenas em indivíduos com predisposição para tal, são produzidos anticorpos específicos da subclasse IgE para determinado alergénio. No entanto, a existência de sensibilização nem sempre se traduz na ocorrência de uma resposta alérgica associada à exposição aos alergénios identificados33. De facto, apesar de a presença de sensibilização alergénica ser um fator de risco para o aparecimento de sintomas de rinite, muitos indivíduos sensibilizados a um ou mais alergénios não desenvolvem sintomas de alergia associados a esses alergénios específicos34,35.

Por outro lado, a negatividade dos TCP ou sIgE/mIgE também não exclui sensibilização (nomeadamente local) a determinado alergénio. Assim, o diagnóstico deve ser feito através da correlação entre a história clínica, o exame objetivo, os testes cutâneos/sIgE28,30e, eventualmente, complementado com outros exames de diagnóstico.

Outros testes que podem, também, ser realizados para melhor caraterização do diagnóstico, embora generalizadamente menos disponíveis, sobretudo devido ao equipamento e/ou ao tempo de execução necessários, incluem28,30,36:

- Medição de óxido nítrico nasal (nNO) - O óxido nítrico é produzido continuamente nos seios perinasais. Na RA pode estar aumentado na presença de inflamação, ou diminuído se houver obstrução dos seios perinasais por edema ou secreções que impeçam a drenagem. Por este motivo não é o método ideal, podendo eventualmente ter maior valor diagnóstico com medições seriadas para avaliação da resposta de provas de provocação nasal ou noutras patologias nasais, sobretudo ciliares.

- Rinomanometria / rinometria acústica - Permitem a avaliação da permeabilidade nasal, com medição de fluxo e pressão nasais (rinomanometria), ou das dimensões da cavidade nasal (rinometria acústica).

- Testes de provocação nasal - A provocação nasal direta com os alergénios/estímulos identificados na história clínica é sobretudo útil para a melhor caraterização de doentes polissensibilizados, na rinite ocupacional e alérgica local e na identificação dos alergénios mais relevantes para imunoterapia específica, com possível identificação e medição no fluido nasal dos mediadores químicos e celulares envolvidos, embora seja algo ainda em fase de investigação.

- Testes de provocação conjuntival - No caso de estar associada sintomatologia compatível com rinoconjuntivite.

A importância do adequado diagnóstico da RA está igualmente relacionada com o processo inflamatório comum que afeta as vias respiratórias superiores e inferiores, provavelmente evolutivo, sendo sustentado e amplificado por mecanismos interligados37,38. De facto, a rinite alérgica associa‑se a diversas comorbilidades (Quadro 2) que provocam um aumento da morbilidade subjacente, salientando‑se, pela sua prevalência e relevância clínica, a asma brônquica1. O possível diagnóstico concomitante de asma brônquica deverá ser avaliado através da realização de provas funcionais respiratórias sempre que exista suspeita de envolvimento brônquico1.

Quadro 2 Comorbilidades associadas à rinite alérgica (Adaptado de ARIA1) 

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial inclui alterações estruturais//funcionais (sobretudo na presença de obstrução unilateral e/ou síndrome de apneia do sono), doenças sistémicas (sobretudo na presença de infeções respiratórias de repetição ou de outros achados ao exame objetivo/avaliação analítica sugestivos de patologia sistémica)30 e outros fenótipos de rinite39.

O Quadro 3 sumariza as principais patologias que fazem diagnóstico diferencial com a rinite alérgica. De entre os diagnósticos diferenciais, importa referir, pela proximidade em termos de mecanismos imunológicos e de tratamento, a rinite alérgica local, que é caraterizada por uma resposta alérgica localizada à mucosa nasal em doentes com TCP e sIgE/mIgE negativos. O seu diagnóstico implica a identificação de sensibilização local a nível nasal e é feito através de provas de provocação nasal positivas e/ou a deteção de sIgE nasal30. Está descrita a possibilidade de coexistência, no mesmo doente, de RA e da rinite alérgica local (dual allergic rhinitis), não devendo a confirmação do diagnóstico de RA excluir automaticamente a possibilidade de existência de sensibilização apenas local a outros alergénios40.

Quadro 3 Diagnóstico diferencial da rinite alérgica. (Adaptado Papadopoulos NG et al23.) 

Tratamento

O objetivo primário do tratamento da RA é restaurar a função da via aérea superior, de forma a melhorar a qualidade de vida do doente, nomeadamente no que concerne à sua vida social, sono, olfato e paladar20,24,30. Adicionalmente, o controlo atempado da RA poderá permitir evitar a progressão da doença alérgica e a associação a outras patologias41,42.

Embora pouca evidência científica o comprove, a evicção dos alergénios envolvidos pode auxiliar no controlo dos sintomas. No entanto, pode ser uma medida de implementação bastante difícil ou praticamente impossível, por exemplo, no caso dos pólenes na época polínica ou no caso dos ácaros do pó doméstico e epitélio de animais, dado serem alergénios ubiquitários e perenes1,20,30.

Relativamente ao tratamento farmacológico, existem vários grupos terapêuticos disponíveis que poderão ser selecionados de acordo com o tipo de sintomas predominantes, com a gravidade das queixas e com a preferência do doente (Quadro 4)43. Não está contraindicada a utilização de vários grupos terapêuticos em conjunto numa rinite alérgica moderada‑grave mal controlada20,21,27,30.

Quadro 4 Tratamento da rinite alérgica (Adaptado de SPAIC43

Eficácia: 0 - nula; + - ligeira; ++ - moderada; +++ - elevada; ? - desconhecida

Assim:

- Anti‑histaminicos H1 orais: são eficazes no tratamento da rinorreia, esternutos, prurido nasal e ocular. Os anti‑histaminicos de segunda geração estão recomendados e devem ser usados em detrimento dos de primeira geração, uma vez que têm a vantagem de menor passagem através da barreira hematoencefálica e, consequentemente, menos efeitos secundários (como a sedação)28,44.

- Anti‑histaminicos H1 tópicos nasais: Está comprovado que reduzem a rinorreia e o prurido nasal, podendo ser utilizados nos doentes que não respondem aos anti‑histaminicos H1 orais. Está também descrita a utilização benéfica e sinérgica da associação de anti‑histaminico H1 intranasal com glucocorticoide intranasal no tratamento de doentes com rinite moderada‑grave1,45,46.

De facto, a eficácia e maior rapidez de ação desta associação (vs glucocorticoide intranasal isolado) foi demonstrada em diversos ensaios clínicos randomizados e controlados com placebo, sendo ela

atualmente recomendada nas guidelines ARIA como terapêutica de primeira linha na rinite alérgica moderada‑grave45,47,48. Uma associação de anti‑histaminico H1 com glucocorticoide intranasal em dispositivo único ficou disponível em Portugal muito recentemente.

- Glucocorticoides tópicos nasais: São considerados a base do tratamento da RA, sobretudo pela sua ação anti‑inflamatoria, permitindo o controlo dos quatro principais sintomas da RA: esternutos, prurido, rinorreia e obstrução nasal, com efeito sinérgico se associados ao anti‑histaminico H1 oral49 ou nasal45,47,50. Estão recomendados nas orientações do ARIA como tratamento de eleição da RA, quer nos adultos, quer nas crianças. Não têm absorção sistémica significativa, pelo que apresentam poucos efeitos secundários, sendo os mais frequentes a nível local: epistaxes, cefaleia, faringite, disgeusia27,30.

- Anticolinérgicos tópicos nasais: São eficazes no controlo da rinorreia. No entanto, esse é o único sintoma com significativa redução, pelo que estão indicados apenas como tratamento adjuvante quando não é possível o controlo da rinorreia com anti‑histaminicos H1 e/ou glucocorticoides tópicos nasais30.

- Antagonistas dos leucotrienos: Os leucotrienos são potentes mediadores na asma brônquica e contribuem também para as reações inflamatórias agudas e tardias que ocorrem na RA. Desta forma, os sintomas da RA podem ser amenizados através do uso de fármacos com efeito inibidor dos leucotrienos. Atualmente, apenas os antagonistas do recetor CysLT1 são recomendados como terapêutica complementar da RA, sendo o montelucaste o mais bem estudado, sobretudo na rinite persistente moderada‑grave1,30. O seu possível efeito sinérgico com os anti‑histaminicos e/ou glucocorticoides tópicos nasais é, ainda, controverso51.

- Cromonas: Funcionam como estabilizadores tópicos dos mastócitos, sendo mais eficazes no controlo dos sintomas oculares do que dos nasais. Tendo em consideração a eficácia inferior relativamente aos anti‑histaminicos e glucocorticoides tópicos nasais, bem como a posologia tetradiária, as cromonas são raramente utilizadas como tratamento de manutenção da RA30.

- Imunoterapia específica com alergénios: É a única opção terapêutica que modifica o mecanismo imunológico subjacente à RA, induzindo a dessensibilização e produzindo um estado de anergia para os alergénios agressores. Está indicada no tratamento da RA moderada‑grave e geralmente é recomendada apenas a partir dos 5 anos de idade, devendo ser administrada com extratos alergénicos padronizados. Vários estudos demonstraram a persistência do efeito da imunoterapia com alergénios nos sintomas nasais e oculares mesmo após a descontinuação do tratamento, tendo vantagens farmacoeconómicas relativamente às outras formas de tratamento da RA1,30. Poderá ter ainda um papel protetor no desenvolvimento de asma brônquica e de novas sensibilizações30.

- Anticorpo anti‑IgE: O omalizumab é um anticorpo monoclonal humanizado recombinante anti‑IgE, que interfere na ligação da IgE aos mastócitos, basófilos e eosinófilos. Uma revisão sistemática com meta-análise publicada recentemente mostrou que o omalizumab melhora os sintomas nasais e oculares, reduz o uso de medicação de alívio e melhora a qualidade de vida de doentes com rinite alérgica não controlada52. É de referir também que alguns estudos têm mostrado vantagens na sua utilização como pré e cotratamento no início de imunoterapia com alergénios, com aumento da sua eficácia e segurança, podendo ser uma alternativa terapêutica, especialmente em doentes excecionalmente reativos à imunoterapia53,54.55. Considerando os custos elevados do omalizumab, quando comparado com outros medicamentos disponíveis para o tratamento da rinite alérgica, esta estratégia, combinando um tratamento não modificador da evolução da doença (como é o omalizumab) com um tratamento que modifica o mecanismo imunológico subjacente à doença alérgica (como é a imunoterapia com alergénios), aplicada a doentes selecionados, poderia melhorar a relação custo-benefício da sua utilização nesta patologia52. No entanto, não existem atualmente estudos que demonstrem o custo‑eficácia da utilização do omalizumab em doentes com rinite alérgica, incluindo como adjuvante no início de imunoterapia com alergénios.

- Descongestionantes nasais: Têm grande eficácia no controlo da congestão nasal, mas pelos seus efeitos secundários, nomeadamente o efeito rebound e a associação com o desenvolvimento de rinite medicamentosa, devem ser utilizados por um período máximo de 3 a 5 dias30.

- Glucocorticoides orais: Podem ser utilizados por períodos curtos, estando indicados em fase de agudização quando as outras opções terapêuticas não obtiveram controlo sintomático. O seu uso deve ser parcimonioso, sobretudo pelos seus efeitos secundários30.

- Lavagens nasais com solução salina: A lavagem nasal é uma terapêutica não farmacológica complementar que permite alívio instantâneo e momentâneo dos sintomas de RA, sobretudo a obstrução e o prurido nasais30.

- Anti‑histaminicos tópicos oculares: Podem ser úteis nas situações em que há conjuntivite alérgica associada30.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O doente descrito na vinheta clínica apresenta um quadro clínico compatível com rinoconjuntivite alérgica moderada‑grave, persistente, polissensibilizado a ácaros do pó doméstico e pólenes. A resposta ao tratamento com glucocorticoide tópico nasal e anti‑histaminico H1 oral e tópico ocular foi apenas parcial, pelo que se ponderou iniciar imunoterapia específica.

Realizou teste molecular ImmunoCAP ISAC®‑ThermoFisher Scientific, Sweden, com positividade para os componentes moleculares de: 1) pólen de gramíneas - nCyn d1 (1,8 ISU‑E), rPhl p1 (8,5 ISU‑E),

rPhl p11 (4,2 ISU‑E); 2) pólen de ervas - nSal k1 (12 ISU‑E); e 3) ácaros do pó doméstico - nDer f1 (3,5 ISU‑E), rDer f2 (4,9 ISU‑E), nDer p1 (7,4 ISU‑E) e rDer p2 (8,6 ISU‑E).

Tendo em conta o perfil de sensibilização obtido e o agravamento dos sintomas na primavera e outono, o doente iniciou imunoterapia específica subcutânea, em pauta rush, com polimerizado de 50% Dermatophagoides pteronyssinus e 50% gramíneas (Clustoid, Roxall®). Cerca de dois anos depois, o doente refere redução gradual dos sintomas, necessitando de medicação apenas por períodos durante a primavera.

A rinite alérgica é muito prevalente, mas frequentemente subdiagnosticada e subtratada, apesar do forte impacto que tem na qualidade de vida, capacidade de trabalho e rendimento escolar. Este caso clínico reflete a importância da aplicação de uma medicina de precisão nos doentes com rinite alérgica através do diagnóstico e posterior tratamento personalizados.

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Recebido: 19 de Agosto de 2020; Aceito: 22 de Novembro de 2020

1Leonor Esteves Caldeira Email: leonorfsecaldeira@gmail.com

2Maria Inês T. Silva Email: inescerca92@gmail.com

Conflito de interesses Os autores declaram que não existem conflitos de interesses.

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