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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.33 Lisboa jun. 2016

 

ESTUDOS E ENSAIOS

Mulheres no ensino superior brasileiro: espaço garantido e novos desafios.

Women in Brazilian higher education: new challenges and guaranteed space

Resumen Las mujeres en la educación superior brasileña: nuevos retos y espacio garantizado

Arlene Ricoldi1 e Amélia Artes1

 

1Fundação Carlos Chagas, São Paulo, Brasil

 

RESUMO

A vantagem numérica das mulheres em matrículas no ensino superior é bem conhecida. Ao considerarmos a organização social de género no mundo do trabalho e da profissionalização, percebe-se, no entanto, que essa vantagem deve ser problematizada. O conceito de divisão sexual do trabalho é utilizado como orientação principal para essa problematização. Com base nas estatísticas nacionais, são analisadas as carreiras mais procuradas por homens e mulheres, apontando para possíveis mudanças na segregação das carreiras de ensino superior no caso brasileiro. Os dados coligidos apontam para uma inserção importante das mulheres em carreiras antes predominantemente masculinas, enquanto o movimento contrário não se concretiza.

Palavras-chave: ensino superior, divisão sexual do trabalho, segregação de género, Brasil.

 

ABSTRACT

Women’s numerical advantage in enrollment in higher education is now well known. If we consider the gender social organization in the realm of work and professionalism, it can, however, be seen that this advantage should be problematized. The concept of sexual division of labour is used as the main guidance for such questioning. Finally, based on quantitative data extracted from databases national statistics, the most popular careers between men and women are analyzed, pointing to possible changes in the segre-gation of the careers in higher education on the Brazilian case. The data collected point to an important female insertion into careers before predominantly male, while the reverse movement is not realized.

Keywords: Higher education, sexual labour division, gender segregation, Brazil.

 

RESUMEN

La ventaja numérica de las mujeres en la matrícula en la educación superior es ampliamente conocida. Sin embargo, teniendo en cuenta la organización social de género en el ámbito del trabajo y profesionalismo, se puede observar que la ventaja numérica de las mujeres se debe problematizar. El concepto de división sexual del trabajo se utiliza como guía principal para tal cuestionamiento. Por último, con base en las estadísticas nacionales, se analizan las carreras más populares entre los hombres y las mujeres, que apunta a posibles cambios en la segregación de las carreras en la educación superior en el caso de Brasil. Los datos apuntan a una importante inserción femenina en las carreras antes predominantemente masculinas, mientras que el movimiento inverso no se realiza.

Palabras-clave: enseñanza superior, división sexual del trabajo, segregación de género, Brasil.

 

Introdução

O presente estudo é subproduto de uma pesquisa mais ampla Novos Lugares da Desigualdade – Caracterização do Ensino Superior sob a interface de Gênero e Raça1, cujos principais objetivos foram investigar as mudanças no alunado brasileiro de ensino superior, por meio de dados secundários oficiais, em especial no que tange à composição sexual e racial, numa década (2000-2010) na qual esse nível de ensino teve uma substancial expansão no Brasil. Essa expansão se deu pela abertura de novas universidades públicas (principalmente federais2) e pelo financiamento público ao setor privado via programa de bolsas a alunos pobres (Programa Universidade para Todos/ProUni). Ao lado disso, é importante ressaltar as iniciativas de criação e adoção, por universidades públicas brasileiras, de medidas de ação afirmativa para inclusão de segmentos étnico-raciais brasileiros historicamente excluídos (pretos, pardos e indígenas), a partir de meados dessa década. O crescente debate e a reivindicação de reconhecimento do problema culminou na promulgação do Estatuto de Igualdade Racial, em 2010, que implementou uma série de orientações para induzir políticas de ação afirmativa em diversos âmbitos da sociedade brasileira, e da Lei 12.711/2012, que torna obrigatória a reserva de vagas para pretos, pardos, indígenas, alunos de escola pública e de baixa renda nas instituições federais de ensino superior e técnico (Feres Jr. et al., 2013). A expansão das universidades, aliada a um processo de interiorização (Nascimento et al., 2015) (em oposição à anterior concentração dessas em grandes centros) e às políticas de ação afirmativa levam a uma mudança radical na composição do alunado brasileiro de ensino superior, com ênfase no aumento substancial da parcela de estudantes negros (pretos e pardos). Enquanto o número de estudantes brancos cresceu cerca de 70%, a parcela negra aumentou quase 300%. Ainda assim, o percentual de negros é minoritário no ensino superior, somando, em 2010, 35% do total de estudantes, – apesar de constituírem pouco mais metade da população brasileira, segundo o último Censo Demográfico (51%). Porém, tanto entre estudantes negros, como brancos, as mulheres eram a maioria (Ricoldi e Artes, 2014).

Analisando-se a proporção de homens e mulheres, pode-se constatar que esta pouco se alterou: em 2000, os homens constituíam 43,5% dos alunos de ensino superior; em 2010, 43%. Isto significa, obviamente, que as mulheres constituíam o restante, variando entre 56,5% e 57% na mesma década.

Um olhar sobre a questão aponta, portanto, que o problema atual, no Brasil ou em outros países, não é uma dificuldade particular das mulheres em aceder a esse nível de ensino. Cristina Rocha e Sofia Marques da Silva (2007) discutem a questão para o caso português, quando apontam um certo «pânico moral» que se instala com o maior sucesso acadêmico das raparigas na escola e no ensino superior. Embora a maior proporção delas no ensino superior, bem como em outros níveis educacionais, seja frequentemente vista como uma vantagem, é necessário um exame mais aprofundado da questão, já que esta não se traduz em uma maior equidade no mercado de trabalho ou em termos de remuneração. Tamara Yakaboski aponta para a mesma direção quando analisa o conteúdo de matérias de jornais estadunidenses de abrangência nacional sobre o assunto, ressaltando que ignoram os ambientes universitários têm uma cultura ainda altamente masculina, constituindo as mulheres uma «maioria invisível» (Yakaboski, 2011: 556).

O objetivo desse artigo é problematizar a vantagem feminina no ensino superior, com base em dados quantitativos, extraídos de bases estatísticas nacionais, analisando o caso brasileiro. Dados sobre alunado de ensino superior, em especial as carreiras mais procuradas entre homens e mulheres serão analisados, apontando para possíveis mudanças na segregação das carreiras de ensino superior no caso brasileiro em particular. No item seguinte, serão contextualizados alguns aspectos relativos ao avanço das mulheres no ensino superior, como um movimento ocorrido em diversos países, porém, de forma especialmente segregada, o que se pode compreender a partir da utilização do conceito de Divisão Sexual do Trabalho. Uma nota metodológica foi necessária para compreender a origem e o caráter dos dados quantitativos utilizados para caracterização do caso brasileiro; por fim, uma apresentação dos dados coligidos aponta para uma inserção importante delas em carreiras antes predominantemente masculinas, enquanto o movimento contrário não se concretiza.

 

Contextualizando gênero e ensino superior

O movimento feminista de segunda onda nasce, em muitos países, em finais dos anos 1960, resultado das transformações sociais do pós-guerra e dos novos lugares que as mulheres passaram a ocupar fora do espaço privado e doméstico. O pensamento feminista avança juntamente com as novas configurações sociais, e

o ingresso das mulheres no mercado de trabalho e no ensino superior começa a crescer de forma significativa em diversos países ocidentais, nos quais o chamado gap3 de gênero foi revertido, resultando em uma vantagem numérica feminina.

Nos Estados Unidos, por exemplo, em 1947, 29% dos estudantes eram mulheres, proporção que cresce para 40% nos anos 1970; a equidade é alcançada na década de 1980 e, a partir de então, elas são maioria nas matrículas. Na maioria dos países membro da OCDE, as mulheres predominam atualmente nesse nível de ensino, perfazendo uma média de 54% do alunado (Doyle, 2010). Trajetória semelhante ocorre em Portugal, onde o ensino superior foi, desde os anos 1940, revelando maior permeabilidade a outros estratos sociais, e a partir dos anos 1970 uma maior diversidade e expansão. Na década de 1990 (Rocha e Silva, 2007), as mulheres predominavam entre os matriculados numa porcentagem que se aproximava dos 60%. O hiato educacional de gênero foi revertido no Brasil na década de 1980, e na educação superior, a proporção de indivíduos com curso superior completo em 1991 já apresentava distribuições muito semelhantes entre homens e mulheres (Beltrão e Alves, 2009).

O ensino superior é o grau mais elevado da escolarização, no qual a profissionalização se dá de maneira mais efetiva. Embora seja um elemento de distinção na maioria dos países, o grau superior é ainda mais valorizado naqueles nos quais alcança-lo é mais difícil. No Brasil, apesar da expansão dos últimos anos, possuir um diploma de graduação ainda promove um salto importante para aqueles que o possuem, tendo sido chamado até de «elevador social» (Almeida, 2014). Em 2010, apenas 13% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos estava matriculados no ensino superior4, dos quais 52% eram mulheres. É importante ressaltar a Taxa Líquida de Matrícula para a faixa etária de 18 a 24 anos é de 13% em 2010, de acordo com dados do Censo Demográfico (IBGE, 2010), que na classificação de Trow (2005) significa ainda um sistema de elite5.

O predomínio das mulheres no ensino superior é um fenômeno mundial, que vem sendo constatado nas últimas décadas (McDaniel, 2014).

Da mesma forma que o predomínio delas nas matrículas de graduação é um fenômeno de alcance mundial, e que tem lugar, em muitos países, a partir da década de 1990 de uma forma mais geral (McDaniel, 2014), a segregação em determinadas áreas e profissões é uma tônica, sendo um fenômeno amplamente difundido mundialmente, (Moore, 1987). Evidentemente, há variações significativas entre países, explicadas por contextos nacionais, porém, a segregação de mulheres e homens em determinadas áreas também é fenômeno recorrente, explicado por alguns fatores conforme a abordagem, que podem levar em consideração a interface com variáveis como classe e raça, pertencimento social, ou mesmo, desenvolvimento histórico, que envolve processos de difusão de modelos entre países e a extensão da escolaridade a maiores porções de população (Jacobs, 1996). A crítica de Jerry Jacobs (1996) é que nenhuma das explicações dessas abordagens da sociologia da educação coloca gênero em primeiro plano como variável explicativa.

Nesse sentido, um marco teórico útil para compreender a organização social do gênero, de forma geral, bem como a segregação profissional de uma forma particular, é a noção de divisão sexual do trabalho (Hirata e Kergoat, 2007). As autoras apontam para um princípio presente em todas as sociedades que diferenciam o trabalho de homens e mulheres. Essa diferenciação se reflete na estrutura ocupacional, segregando fortemente as profissões por sexo, o que pode ser entendido, por extensão, às etapas de educação que possuem caráter profissional, como o ensino superior. Ainda que existam variações de proporção, dois princípios gerais resumem o conceito. Esse aspecto foi sintetizado nos dois princípios da Divisão Sexual do Trabalho, já amplamente conhecidos: o da separação (há trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o da hierarquização (os trabalhos dos homens valem mais que os trabalhos das mulheres) (Hirata e Kergoat, 2007). Assim, «produção ‘vale’ mais que reprodução, produção masculina ‘vale’ mais que produção feminina (mesmo quando uma e outra são idênticas)» (Hirata e Kergoat, 2007: 113). Disso resulta que há profissões predominantemente femininas e outras predominantemente masculinas, sendo as primeiras invariavelmente menos valorizadas (socialmente, monetariamente) que as segundas. A noção de Divisão Sexual do Trabalho orienta a compreensão sobre a concentração de mulheres em profissões ligadas ao cuidado, relações humanas e, de alguma forma, com o universo das emoções (reprodução) e de homens em áreas das exatas, ligadas ao raciocínio lógico, à produção econômica, extremamente competitivas (produção). Evidentemente, as escolhas por carreiras flutuam e sofrem influência de determinados contextos econômicos, mas o princípio aqui descrito pode ser amplamente aplicado, como se pode constatar em diversos estudos (Bobbitt-Zeher, 2007; Barone, 2016).

Evidentemente, nem todas as profissões são segregadas. Porém, internamente, estudos apontam que as posições de homens e mulheres são diferenciadas, levando os em grande número aos cargos de chefia, enquanto elas predominam nos níveis mais baixos. Bonelli (2013), por meio do estudo de carreiras jurídicas, aponta como os padrões/parâmetros profissionais são dominados pelos grupos de poder no interior das carreiras e como tais, são hegemonicamente masculinos.

Gênero teria, na forma da variável sexo6, portanto, condição de se apresentar como proxy 7 de prestígio, tanto de carreiras, quanto de instituições de ensino superior. Isso, no entanto, não define uma relação mecânica entre essas variáveis e o prestígio, mas refletem uma dimensão social de distribuição de recursos e atribuições desigualmente valorizadas a partir desses marcadores sociais. Gênero indica a guetificação resultante da divisão sexual do trabalho e sua desigual atribuição de valor, transversalmente à configuração de classe, já que mulheres e homens se encontram em toda a pirâmide social. São poucas as mulheres, e em geral a maioria com recursos financeiros, sociais e culturais diferenciados, que conseguem ultrapassar os maiores obstáculos e se introduzir nas carreiras e instituições mais competitivas (vide fenômeno da bipolarização do trabalho feminino cf. Bruschini e Lombardi, 1999), em geral, contratando o auxílio de empregadas domésticas.

 

Nota metodológica

O presente trabalho utiliza-se de dados quantitativos, extraídos de estatísticas nacionais brasileiras, por meio da manipulação de microdados em programa estatístico (SPSS/Statistical Package for Social Sciences) atualmente disponibilizados em larga medida pelos institutos de pesquisa públicos. Duas grandes bases de dados foram utilizadas: o Censo Demográfico, pesquisa domiciliar de amostra robusta, que pesquisa diversos aspectos da população, coletado a cada 10 anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE; o Censo do Ensino Superior, pesquisa coletada anualmente via cadastramento em sistema informatizado, de caráter obrigatório, por todas as instituições de ensino superior, administrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/Inep.

Foram utilizados dados do Censo Demográfico brasileiro coletados em 2000 e 2010, para caracterização do crescimento do sistema de ensino superior. Consoante normas internacionais de coleta de dados demográficos, é realizado a cada decênio, em anos de final «0». Sendo assim, o último Censo Demográfico foi coletado no ano de 2010. Porém, segundo a sua metodologia, só é possível conhecer a área de formação em curso de graduação (ensino superior) para aqueles que já concluíram essa etapa de escolarização.

Já o Censo do Ensino Superior possui metodologia diferente, não se trata de uma pesquisa domiciliar, mas com dados fornecidos diretamente pelas Instituições de Ensino Superior. No entanto, seus dados são úteis e fornecem características detalhadas sobre os matriculados em um dado ano. Por meio do Censo do Ensino Superior, é possível saber quantos alunos estão matriculados por área de graduação, por categoria administrativa da instituição (pública, privada com ou sem fins lucrativos) ou organização administrativa (Universidade, faculdade, centro universitário, etc), por sexo, idade e outras diversas variáveis disponíveis.

Conforme descrito na literatura (Rosemberg, Artes, 2012; Souza, 2013) os conjuntos de dados disponibilizados por diferentes pesquisas de macro alcance (no caso desse estudo os censos demográficos e os censos do ensino superior), não podem ser comparados diretamente por trabalharem com unidades de coleta, desenho amostral ou formação de cadastro de informações, procedimentos de processamento, conceitos e definições diferenciadas. O intuito ao apresentar as informações a partir dos dois conjuntos de bases de dados é complementar as análises das pessoas que concluíram o ensino superior, fonte IBGE, com informações sobre os alunos matriculados em Instituições de Ensino Superior, dados INEP.

Por fim, as áreas de formação resultam de uma classificação internacional proposta pela OCDE, utilizada por ambos institutos de pesquisa, possibilitando uma compatibilização dos dados.

 

Distribuição das mulheres no ensino superior brasileiro

Os dados descritos no Quadro 1 reforçam o já apresentado na literatura: as mulheres são maioria nos cursos de graduação, acima do observado no geral da população.

 

 

A ampliação no acesso na década analisada é dimensionada pela taxa de crescimento. Enquanto a acréscimo populacional ficou em 12,3% a expansão do acesso ao ensino superior é de 116,4%. Porém, não se observaram diferenças na participação por sexo, no período estudado, com as mulheres ocupando 57% das vagas, frente a uma paridade de sexos na população geral. Vale ressaltar que as mulheres são maioria também nas taxas de acesso e conclusão ao ensino médio, etapa anterior ao ensino superior, um dos fatores para a maior presença delas no ensino superior (Doyle, 2010). Considerando a taxa líquida de matrícula no ensino médio para 2010, 52,2% das meninas de 15 a 17 anos estão no nessa etapa de escolarização, contra 42,4% dos meninos, indicando uma maior eficiência no percurso escolar das meninas.

Apesar de a literatura indicar que existem carreiras (ou cursos) femininos ou masculinos, são pouco os estudos que se aprofundam na determinação do índice a partir do qual uma determinada carreira poderá ser designada como feminina ou masculina. Uma exceção é o estudo de Jesus Mena-Chalco e Vladimir Rocha (2014), que avalia a produção de teses e dissertações, que adota o parâmetro de 70% para indicar se uma área é predominantemente masculina ou feminina.

As comparações realizadas têm um caráter de tendências e aproximações. OsQuadros 2 e 3 apresentam um conjunto de informações para resultados do INEP e IBGE. A distribuição por sexo é descrita pelo Índice de Paridade de Gênero (IPG 8) desenvolvido pela UNESCO 9 em seus relatórios de monitoramento global «Educação para Todos».

 

 

 

 

A vantagem na apresentação desses indicadores é que eles ressaltam as diferenças encontradas entre mulheres e homens, quanto mais próximo o valor do índice de 1 (um), menor a distância entre mulheres e homens. Apoiando-nos em análises da UNESCO, aceita-se os valores entre 0,95 a 1,05 como intervalo de referência, qualquer indicador menor do que 0,95 representa uma desigualdade para mulheres ou negros e qualquer indicador maior do que 1,05, uma vantagem (UNESCO, 2004). No conjunto da população brasileira, os valores de IPG são 1,03 para 2000 e 1,04 para 2010. Desta forma, observa-se uma paridade por sexo no período analisado.

As 20 áreas com maior frequência agregam 83,8% dos estudantes matriculados no ensino superior brasileiro, dados INEP Quadro 2, e 78,7% dos graduados, dados IBGE Quadro 3. Observa-se uma sobreposição de posições no ranking considerando as cinco áreas de maior participação, que agregam quase 50% dos estudantes ou formados (calculo realizado a partir das colunas de porcentagem do IBGE e do INEP). A apresentação das colunas de IPG demonstra que as diferenças encontradas são bem definidas pelo sexo. A taxa de IPG alterna de 0,24 (para as engenharias – IBGE) a 11,89 para as ciências da educação – INEP, uma variação de 5.065%. Dos 20 cursos com maior frequência, metade destes, tanto para os dados do IBGE, quanto para os do INEP, são predominantemente femininos (em seis cursos INEP, ou sete cursos IBGE) ou predominantemente masculino (em quatro cursos INEP ou três cursos IBGE), conforme descritas na literatura (Beltrão e Teixeira, 2004; Melo, Lastres e Marques, 2004). As áreas das Engenharias concentram os IPGs mais baixos, com uma proporção de quatro homens para cada mulher no IBGE e três homens para cada mulher no INEP. Evidentemente, em se tratando de fontes coletadas de forma diferente, não é possível afirmar a extensão dessas mudanças. Porém, é possível apontar que há uma possível tendência de ligeira melhora dos IPGs de diversas áreas, tendo em vista que há mais mulheres em diversas áreas, mesmo que essas sejam ainda predominantemente masculinas.

Se essa tendência se confirma entre os dados apresentados, também é interessante observar que áreas como Gerenciamento e administração tem uma variação de 0.90 para 1,20 entre formados e estudantes, Direito, de 0,86 para 1,06 e Medicina, de 0,87 a 1,27, isto é, passaram a ser predominantemente femininas, embora já fossem, de certa forma, mais equânimes em termos de composição de gênero. Podemos observar que para áreas como a Engenharia, tradicionalmente masculina, há um incremento de 0,24 para 0,38. Área de maior prestígio das profissões denominadas «imperiais» (Vargas, 2010), a Medicina também eleva seu IPG de 0,78 para 1,16, entre formados e estudantes. Embora a elevação não ocorra em todas as áreas (por exemplo, Ciências da Computação), é interessante observar que, nas áreas predominantemente femininas, os IPGs quase não sofrem alterações, como nas Ciências da Educação (de 11,77 para 11,89), em Enfermagem e atenção primária (de 6,60, para 5,24) e Terapia e Reabilitação (de 5,64 para 5,20), entre formados e estudantes, nessa ordem. Algumas alterações ligeiramente significativas são as encontradas em Psicologia (cujo IPG cai de 6,40 para 4,27) e Formação de professores em matérias específicas (de 2,31 para 1,53, entre formados e estudantes).

De forma geral, em que pese algumas exceções, há um movimento de entrada das mulheres em áreas masculinas, porém, o movimento contrário é discreto. Por outro lado, é possível observar alterações na composição dos cursos mais procurados: cursos prestigiosos como a Medicina perdem lugar no ranking, e carreiras como a Economia (predominantemente masculina) desaparecem entre os 20 cursos mais procurados. Por outro lado, Serviço social e orientação, que não estava listado, aparece com um dos cursos mais procurados pelos estudantes, na 11ª posição.

Evidentemente, a mudança de procura de cursos por estudantes, em relação ao estoque de formados, decorre de inúmeras variáveis, dentre elas a importância de certas carreiras e o interesse crescente por determinadas profissões, em relação às novas configurações produtivas e ocupacionais. Porém, pode-se constatar uma tendência, que poderia ser melhor verificada, da elevação da procura por carreiras femininas, muitas de baixo prestígio, como resultado dessa ascensão das mulheres no ensino superior, em especial do segmento negro, que cresceu substancialmente na década analisada.

 

Espaços conquistados e novos desafios

As mulheres, há menos de 100 anos, entraram de forma decisiva nos espaços públicos, seja nas instituições escolares seja no mercado de trabalho. Porem, a ocupação de postos de maior prestígio ainda é um horizonte a ser ocupado. No mercado de trabalho a participação feminina é relativamente menor e em posições que permitem a conciliação dos afazeres domésticos e cuidados com a família, atribuição predominantemente feminina; nos espaços escolares, principalmente nas etapas finais da educação básica e no ensino superior, as mulheres já são maioria há algumas décadas. Esse predomínio, entretanto, não ocorre nas formações de maior prestígio: as mulheres são maioria nos cursos das ciências humanas (ciências da educação e língua materna) e em carreiras da saúde (enfermagem e terapia e reabilitação), em cursos ligados ao cuidado. Os homens estão concentrados nas ciências exatas (ciências da computação e engenharias).

O comparativo IBGE e INEP indica que as mulheres têm ampliado sua participação nas áreas masculinas, como as engenharias: se no grupo de formados para cada 100 homens temos 20 engenheiras, nos cursos de graduação a proporção cai de 38 mulheres para 100 estudantes de engenharia. Porém, o movimento inverso, de ingresso masculino em carreiras predominantemente femininas é discreto, resultado do pouco prestígio dessas carreiras. A distribuição sempre desigual entre carreiras, apesar de mostrar avanços, aponta para um persistente gap.

Apesar das diferenças de coletas entre as bases analisadas, é possível afirmar que considerar os dados sobre os graduados (IBGE) é olhar para o passado, e os dados sobre matriculados (Inep), um possível futuro. Portanto, as mudanças de distribuição entre ambas indicam uma tendência rumo a uma maior equidade de gênero na formação nesse nível de ensino.

O avanço das mulheres em direção a carreiras mais prestigiosas é indiscutível. Elas avançam nas chamadas carreiras masculinas, predominam em relação ao universo de alunos do ensino superior, o que deve se refletir no mercado de trabalho futuramente. Porém, esse avanço parece estar se confrontando com um limite, que é a pouca mudança na organização da Divisão Sexual do Trabalho. Um indício é o pouco avanço masculino nas carreiras ditas femininas (e a maioria relacionada ao cuidado). Enquanto o cuidado continuar a ser uma atribuição primordial e quase exclusiva das mulheres, dificilmente a sua maior escolaridade poderá se traduzir em posições de destaque e de equidade de gênero.

 

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Artigo recebido em 30 de setembro de 2015 e aceite para publicação em 27 de abril de 2016.

 

Notas

Arlene Ricoldi. Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, Brasil. Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, é co-coordenadora do Grupo de Gênero da Associação Brasileira de Estudos de População – Abep e do Grupo de Pesquisa Gênero, Raça e Direitos da Fundação Carlos Chagas. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia das Relações de Gênero, atuando principalmente nos seguintes temas: gênero, feminismo, movimentos sociais, direitos humanos, articulação família e trabalho e políticas públicas.

Amélia Artes. Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1991) e em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (2002), Mestre em Sociologia da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2005). Doutorada em Educação pela Universidade de São Paulo (2009). Docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Trabalha na Fundação Carlos Chagas – FCC – Projeto Equidade na Pós-Graduação e integra o Grupo de Gênero, Raça e Direitos Humanos na FCC.

Endereço Postal: Arlene Ricoldi, Rua Quitanduba, 363 – CEP 05516-030 – São Paulo – SP – Brasil. arlenericoldi@gmail.com

 

1 A pesquisa foi financiada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil.

2 As universidades brasileiras públicas podem ser mantidas por esferas governamentais federal, estaduais ou municipais. A maioria das instituições de ensino superior públicas é composta pelas federais, seguidas das estaduais e, por fim, um pequeno número de municipais.

3Gap, ou hiato de gênero, refere-se à diferença entre homens e mulheres em diversos âmbitos. É muito utilizado para referir-se a diferenças salariais, mas também pode se referir a diferenças numéricas entre homens e mulheres em níveis de ensino ou carreiras profissionais, por exemplo.

4 A Taxa Líquida de Matrícula/TLM considera a proporção de estudantes matriculados no nível de ensino considerado ideal à sua faixa etária. No caso do ensino superior, diversos estudos consideram a faixa de 18 a 24 anos.

5 Segundo a classificação proposta pelo autor, a taxa líquida de matrícula é um dos parâmetros principais para classificar um sistema de ensino superior nacional. Segundo ele, uma TLM de até 15% significa um sistema de elite; de acima de 15% até 50%, um sistema de massa; e acima de 50%, um sistema de acesso universal.

6 Compreende-se que gênero, nas concepções teóricas mais usualmente discutidas (Scott, 1999; Butler, 1999; Moore, 1987), não se resume à dicotomia sexo (homem/mulher). Porém, em estudos quantitativos, é na variável sexo que é possível se aproximar dos questionamentos relativos à organização social do gênero.

7 Proxy é o termo utilizado em estudos quantitativos para designar medidas substitutas a um fenômeno que não pode ser diretamente medido.

8 Índice de Paridade de Gênero (IPG): Razão do valor mulher/homem de determinado indicador. Um IPG com valor 1 indica paridade entre os gêneros; um IPG que varia de 0 a 1 significa uma disparidade em favor de meninos; um IPG maior do que 1 indica disparidade em favor de meninas. (Relatório de Monitoramento Global Educação para Todos 2003/2004, Unesco, p. 386).

9 O IPG utiliza dados numéricos apresentados por sexo, não permitindo uma análise por gênero, entendido como um conceito de representação social do lugar do feminino (mulher) ou masculino (homem) na sociedade. A nomenclatura correta seria Índice de Paridade de Sexo.

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