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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território
versão On-line ISSN 2182-1267
GOT no.10 Porto dez. 2016
EDITORIAL
Editorial
Editorial
Fernandes, José1
1CEGOT | Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; Via Panorâmica s/n, 4150-564 Porto, Portugal; jariofernandes@gmail.com
Estamos de parabéns.
A GOT – Revista de Geografia e Ordenamento do Território atinge com esta publicação a dezena de conjuntos de textos que, regular e atempadamente, chegam a milhares de endereços electrónicos e sítios institucionais, dando a conhecer o que investigam e sobre que refletem geógrafos e muitos outros investigadores que conferem importância à dimensão espacial, à qual associam frequentemente as preocupações de ordenamento, na sua relação com planeamento e desenvolvimento.
Este é um número especial por ser o décimo.
Mas, é-o sobretudo por outros motivos.
O primeiro deles tem a ver com o facto de incluir textos de dois convidados, geógrafos ambos, não portugueses também, mas luso-falantes (na sua raiz galaica e no seu desenvolvimento americano de além equador).
Rubén Lois apresenta um texto esplêndido na sua profundidade e alcance, que nos transporta desde as raízes da cultura galaico-lusitana, ao repensar da sua continuidade no futuro e nas vantagens da sua projeção no espaço mundial da Lusofonia. Trata-se dum artigo a merecer reflexão, desde logo a geógrafos portugueses e galelos, mas não só.
A GOT está agradecida também a Pedro de Almeida Vasconcelos por ter aceite publicar um texto que realizou a partir da magnífica conferência que deu em encontro de geógrafos ocorrido em Santiago de Compostela, a atestar a vantagem de uma fertilização triangular Galiza-Portugal-Brasil que merece ser aprofundada e expandida. O seu texto é uma peça marcante para a compreensão de base geográfica da história de “descobertas” e colonização, ultrapassando visões grandiosas e europocêntricas, bem como as simplificações, regra geral anacrónicas, dos que têm dificuldade em vencer o complexo de inferioridade de ex-colonizado e endeusam uma relação dual, não apenas simplificadora e por vezes auto-desculpabilizadora, como redutoramente simplista.
A segunda razão porque este décimo número é especial deve-se a que, pela primeira vez, se incorporam textos selecionados num encontro científico, “A Geografia na Construção do Futuro Desejado”, mas que todavia passaram o processo de revisão científica por dupla arbitragem cega. Por isso, este número da GOT conta com três textos especialmente preocupados em contribuir para a compreensão do tempo que está para vir, dando conta de como a Geografia pode contribuir que este seja melhor.
Vasco Cardoso, investigador do CEGOT, trata de futuros desejados, dando conta de como se fez o percurso do sonho à realidade na cidade do Porto, entre 1936 e 1974. A abordagem, importante para o conhecimento urbanístico, faz-se desde o estudo de três áreas da cidade e dos “confrontos que o sonho foi tendo com a realidade”. Mas, se o texto trata “o passado de alguns futuros desejados”, a sua leitura contribui também para uma melhor reflexão na definição – e ação – para uma melhor cidade no futuro.
A coordenadora do CEGOT, Teresa Marques, assina com Diogo Ribeiro, Catarina Maia e Hélder Santos um texto que nos traz a preocupação com o futuro desde a leitura do passado, tomando por centro a dimensão espacial. No caso, são abordadas questões ligadas à população e ao povoamento, dando-se conta do envelhecimento e do reforço das assimetrias, para sublinhar-se o papel das migrações na compreensão da evolução demográfica, assim como da distribuição das pessoas no território português. O que resulta é o sublinhar da vantagem em reforçar a atração de novos residentes, num alerta que parece especialmente bem-vindo, em tempo de fechamentos, xenofobias e outro tipo de egoísmos, numa Europa envelhecida e com crescimento económico anémico.
Por fim, André Silva, fala-nos de transportes e do futuro da cidade a partir do estudo que fez para tese de doutoramento sobre o Rio de Janeiro. O realce, que pretende ser também, como nos outros casos, um convite à leitura, vai para o entendimento da acessibilidade e da mobilidade como bem mais do que assunto de engenharia. Tomando a equidade como a primeira das palavras-chave, o texto convida-nos a uma leitura das recentes políticas de mobilidade associadas ao transporte público, como aponta linhas de política para uma cidade mais sustentável e para todos.
Este número 10 da GOT é também o número com mais textos.
Desde a sua criação que se procurou que não incluísse mais de 15 nem menos de 10 artigos. Todavia, neste número, além dos 12 “normais” que ficam dentro deste intervalo, há, como se disse, mais dois que decorrem de convite a estimados e prestigiados geógrafos e aos três melhores textos apresentados em congresso organizado pelo CEGOT, donde um total de 17 artigos.
Estes doze textos, como é normal numa revista que tem resistido à adoção de números temáticos, tratam temas diversos, assim como são diversos os contextos e as escalas de análise. Destaca-se, compreensivelmente, a preocupação com o planeamento, a gestão e o desenvolvimento do território.
Maria Bessa e Rui Pedro Julião abordam a gestão do território municipal, a propósito do inventário dos imóveis, tarefa obrigatória mas esquecido, e da importância que para tal pode ter o recurso aos SIG.
A pensar no desenvolvimento de base territorial e em particular de conceitos encantatórios, Luís Carvalho e Catarina Maia trazem-nos uma muito pertinente reflexão, considerando que a construção de smarter cities (cidades mais inteligentes) não pode apelar apenas às grandes empresas e aos mais talentosos e tecnologicamente avançados, mas envolve necessariamente, também – ou sobretudo? – “comunidades de cidadãos comprometidos com a resolução de problemas urbanos”.
Em Portugal, numa altura em que se revê o PNPOT (Programa Nacional de Planeamento e Ordenamento Territorial), o planeamento do território confunde-se ainda muito com os planos diretores municipais (PDM), dada a sua importância e centralidade na (desejada) articulação entre poder central e poder local. É sobre eles que trata o texto de Luís Grave e Margarida Pereira, com reflexões a partir da sua revisão na Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Ana Queiroz do Vale e Sofia Silvano trazem-nos também reflexões desde a AML e do planeamento, tomando o aspeto, essencial à pertinência do planeamento (e sua transformação em ordenamento), que é o da sua interferência na formação do valor do solo. De facto, em tempo de crise – ou estagnação económica de pós-crise – vale bem a pena debater o modo como evolui o custo do solo e como o planeamento pode contribuir, como deve, para uma maior justiça espacial.
A questão do ordenamento do território e dos instrumentos de planeamento é uma preocupação também na Argentina. Para a cidade de Mendoza, Melina Guardamagna fala-nos sobretudo da importância e forma como se faz – ou não faz... – a participação cidadã, ambição de todos, mas prática ainda com muito espaço de aprendizagem e progresso.
Apesar de nos finais do século XX o planeamento do território ser muito confundido com a expansão urbana, numa compreensão muitas vezes redutora e pobre entre o urbano e o rural, sempre os mecanismos de proteção e valorização de áreas não urbanizáveis foi importante. Quando hoje é para quase todos claro que o desenvolvimento se associa, entre outros aspectos, à biodiversidade e à mitigação dos efeitos de alterações climáticas, considera-se que as áreas protegidas têm uma importância acrescida no nosso desenvolvimento, incluindo quando estas são de propriedade privada. É sobre elas que trata o texto de Giulia Iannuzzi, no qual realça a sua distribuição geográfica e os modelos e prática de governança.
Todavia, por vezes até em áreas protegidas – como o Parque Nacional da Peneda-Gerês – fixam-se e expandem-se espécies consideradas invasoras, conquanto a expansão das espécies tenha existido desde sempre e não haja acordo relativamente à sua identificação como “invasora”. No caso, é a espécie Acácia que volta à GOT, agora pela mão de Jorge Oliveira-Costa, Albano Figueiredo, António Campar de Almeida e Adélia Nunes, que nos dão conta dos resultados de um interessante estudo realizado na bacia do Rio Arouce, na região Centro de Portugal, onde se verifica a evolução ao longo de meio século da expansão da A. dealbata e da A. melanoxylon.
É sabido que em muitos lugares do mundo, a cidade se voltou de novo para a água, revalorizando o interface terra-água. Todavia, o conceito de frente ribeirinha não tem ainda consolidação nem a correspondente capacidade de delimitação, o que, lembram-nos André Fernandes e João Figueira de Sousa, tem consequências de planeamento e gestão. É a pensar nisso que avançam com uma proposta, com aplicação ao que chamam de Arco Ribeirinho Sul do Estuário do Tejo, que merece consideração de todos os interessados por esta franja de terra, cada vez mais central em aspetos diversos, desde logo ambientais e económicos.
A frente de água é o tema também de um trabalho que tem por território de estudo a costa das ilhas Fiji e duas aldeias em concreto, aqui a propósito da importância da governança da sua gestão, ou melhor, do que os autores, Serupepeli Tagivakatini, Cármen Ferreira e Fátima Matos, consideram ser uma má governação, marcada por “esforços descoordenados”.
Chegam-nos do Brasil dois textos que ajudam a compreender a realidade de uma “nação-continente” e também a diversidade da escala mundo. Diego Soares, Halle Marques, Otávio Chaves e Valéria Zago traçam um retrato do sistema de recolha de resíduos sólidos em Belo Horizonte e procuram, a partir duma muito conhecida técnica de diagnóstico do planeamento estratégico, refletir sobre os principais problemas e o que pode ser feito. Por seu lado, Ronaldo Sodré e José Mattos, desde o Maranhão, dão conta dos muitos e graves problemas de posse de terra e dos conflitos que dai resultam, ampliados por desigualdades económicas e heterogeneidades sociais, num contexto de expansão do espaço agricultado.
Por fim, Susana Moço, José Ventura e Manuela Malheiro enriquecem a revista com uma ligação entre a ciência e o ensino-aprendizagem, dando conta de trabalho realizado no domínio da “educação para o desenvolvimento sustentável” e em particular das potencialidades dos jogos pedagógicos na consciencialização “de que todos somos parte de um problema e em simultâneo a solução do mesmo”.
Há ainda uma quarta razão para celebrar: a GOT foi aceite no DOAJ, o Directory of Open Access Journals, no que constitui um passo mais num percurso determinado para um reconhecimento internacional que favorece a leitura da investigação e reflexão dos textos que edita.
Resta-me, em nome da revista, apresentar alguns agradecimentos neste décimo número. Antes de mais, a todos os que submeteram os seus textos, além disso, de uma forma muito especial aos revisores, naturalmente a toda a comissão científica e em particular ao pequeno núcleo que me apoia de forma mais direta e, por fim, ao Pedro Chamusca, pela qualidade (e quantidade) do seu trabalho e pela enorme dedicação que tem à revista enquanto adjunto ao editor.
Em vésperas de passagem para um Novo Ano, os meus desejos a todos é que aproveitam com a leitura deste número e que 2017 traga o que desejam, assim como algumas surpresas boas.
Porto, 30 de Dezembro de 2016
O editor
José Alberto Rio Fernandes