INTRODUÇÃO
O uso de unhas artificiais surgiu há alguns anos e os materiais disponibilizados para esse efeito conseguiram seduzir a população feminina, que assim passou a conseguir ter unhas fortes, simétricas, longas e, no global, esteticamente mais agradáveis, a um preço acessível à generalidade da população. Dada a facilidade de acesso, a sua utilização tem vindo a evoluir exponencialmente e não é previsível um recuo neste consumo, pelos que todos os problemas médicos inerentes ao uso e produção das mesmas deverão tornar-se cada vez mais prevalentes; ainda que o foco deste artigo seja o contexto ocupacional, a análise pontual do que acontece aos consumidores do serviço, em alguns artigos, também poderá ser relevante.
OBJETIVO
Os autores tiveram como objetivo recolher e resumir toda a informação que encontraram sobre o tema, sob o formato de uma revisão bibliográfica, como ponto de partida para outros projetos que se afirmem como pertinentes, no contexto da saúde ocupacional destes profissionais.
METODOLOGIA
Realizaram-se pesquisas informais prévias sobre o tema e percebeu-se que a literatura sobre fatores de risco/riscos laborais é muito escassa para este setor profissional; por isso, os autores optaram por não fazer restrições significativas associadas a ano de publicação, tipo de estudo, robustez metodológica, idioma ou acesso imediato a texto completo.
Como critérios de inclusão consideraram-se:
- publicação entre 1980 e 2019
- idade igual ou superior a 18 anos
- trabalho com vínculo formal ou informal ao setor.
Como critérios de exclusão foram assumidos:
- estudos não pertinentes para o objetivo da revisão, ou seja, que não respondam à questão de investigação.
Foram considerados os seguintes motores de busca/ bases de dados: Scopus; PubMed; Web of Science; Science Direct; Academic Search Complete; CINALH; MedLine; Database of Abstracts and Reviews; Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews; Nursing and Allied Health Collection; MedicLatina e RCAAP.
Após análise da bibliografia dos documentos selecionados, houve a possibilidade de considerar os artigos aí mencionados, caso respondessem à pergunta de investigação. De igual forma, também se procuraram documentos publicados posteriormente, que tenham citado os inicialmente selecionados, de forma a avaliar se estes também poderiam dar algum contributo para elucidar os objetivos considerados.
A pergunta de investigação considerada foi: O que está descrito na literatura relativamente aos riscos ocupacionais dos Técnicos que elaboram unhas artificiais?
Nos dois quadros inseridos neste artigo, os autores sintetizaram as estratégias utilizadas para encontrar artigos pertinentes, nas diversas bases de dados/motores de busca.
Motor de busca | Password 1-2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não |
---|---|---|---|---|---|
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina | Gel nails | Humano | 12 | 1 | Sim |
Nail extensions | 0 | 2 | Não | ||
RECAAP | Unhas de gel | Pesquisa avançada; título | 0 | 3 | Não |
Extensões de unhas | 0 | 4 | Não | ||
SCOPUS | Gel nails | 215 | 5 | Não | |
And occupational | 25 | 6 | Sim | ||
Extension | 382 | 7 | Não | ||
And occupational | 6 | 8 | Sim | ||
Academic Search Ultimate | Nails | Humano | 11020 | 9 | Não |
Gel | 142 | 10 | Não | ||
Gel nails | 60 | 11 | Sim | ||
Extension nails | 10 | 12 | Sim | ||
Science Direct | Gel nails | 5209 | 13 | Não | |
and extensions | 1.189 | 14 | Não | ||
and occupational | 174 | 15 | Não | ||
and risks | 160 | 16 | Não | ||
and medicine | 118 | 17 | Não | ||
and health | 109 | 18 | Sim | ||
Web of Science | Gel nails | 162 | 19 | Não | |
and occupational | 6 | 20 | Sim | ||
Extension nails | 231 | 21 | Não | ||
and occupational | 0 | 22 | Não | ||
Extension nails and risks | 29 | 23 | Sim |
Nº das pesquisas efetivadas em que se selecionou pelo menos um artigo | Nº de artigos selecionados após a leitura do título e nº na pesquisa interna | Nº de artigos selecionados após a leitura do resumo | Justificação de exclusão | Inclusão e codificação |
---|---|---|---|---|
1 | 6(4,5,6,8,10,12) | 6 | 1.1 a 1.6 | |
6 | 4 (1,6,7,8) | 1 | 6, 7 e 8 = 1.1,1.2 e 1.3 | 6.1 |
11 | 6 (2,12,22,23,41 e 46) | 3 | 2, 12 e 22 são 1.1 a 1.3 | 11.1 a 11.3 |
20 | 1 | 0 | =6.1 |
CONTEÚDO OU RESULTADOS
Tipos de unhas artificiais e evolução deste setor profissional
As unhas de gel são obtidas através do uso de um verniz que, com a exposição a radiação ultravioleta adquire uma consistência endurecida1-4 (após polimerização), nomeadamente apenas com cerca de cinco minutos ou menos em cada mão2 e cujo efeito dura cerca de duas1 a três2 semanas. As peças em material acrílico polimerizam espontaneamente3. As unhas artificiais têm sido cada vez mais usadas, devido à sua resistência e brilho2.
Alguns procedimentos na construção da unha implicam a aplicação de várias camadas e algum efeito decorativo superficial5.
As empresas prestadoras destes serviços ungueais estão em crescimento exponencial em vários países6,7. Por exemplo, nos EUA, mais de 400.000 profissionais estão licenciados para trabalhar no setor. Logo, teremos cada vez mais indivíduos expostos a estes produtos6.
Não foram encontradas normas reguladoras para este setor e parte dos profissionais é inexperiente com as técnicas de trabalho em si e por vezes nem se apercebe dos riscos envolvidos (tal como grande parte dos consumidores)1 - seria pertinente que tal se alterasse5.
Riscos químicos para o profissional que elabora as unhas
A dermatite de contato alérgica (DCA) secundária aos acrilatos e metacrilatos está bem documentada3,4,8. O primeiro caso associado a unhas artificiais foi descrito em 1956, por Canizares3-4.
Mais recentemente, também se encontrou um caso clínico onde se considerou que estas substâncias conseguiram agravar uma urticária prévia, ainda que tal seja um facto inédito, em função dos conhecimentos prévios de quem escreveu esse artigo. A prevalência de DCA no global é de cerca de 20%; se se restringir à região anatómica da mão, esse valor passa para 2%; por sua vez, a urticária crónica terá a prevalência de cerca de 1,4%8.
Recentemente têm surgido muitos casos de dermatite de contato alérgica aos acrilatos entre técnicas de unhas; estas substâncias estão presentes nos vernizes tradicionais6, bem como nos produtos para unhas de gel endurecidas por radiação ultravioleta e unhas acrílicas6. Estes vernizes têm sido cada vez mais vendidos nos últimos anos, devido ao facto de serem inodoros e mais fáceis de manusear8.
A alergia pode ser diagnosticada/comprovada através de testes dermatológicos cutâneos1,3,8. Estima-se que a sua prevalência seja na ordem de 1%1. Os profissionais deste setor justificam já 80% dos testes cutâneos para avaliação da DCA em contexto laboral6. A sensibilização pode ocorrer até por via inalatória1. Contudo, uma vez polimerizados, estes compostos ficam razoavelmente inertes1,3. Ainda assim as reações cruzadas são razoavelmente frequentes1,6.
Geralmente também está associado o formaldeído a estes compostos mas, nos testes cutâneos dermatológicos, ele não costuma ser relevante6.
Estes profissionais geralmente exercem em turnos prolongados e têm contato com vários agentes químicos que podem ser irritantes ou sensibilizadores, nomeadamente a nível respiratório. Além disso, estes locais de trabalho, por vezes, não têm ventilação adequada (ou esta simplesmente não existe) e, por isso, a qualidade do ar ambiente é inferior à desejável9.
Riscos considerados para as consumidoras destes serviços
A alergia aos (met)acrilatos também tem vindo a aumentar na população consumidora destes serviços1,5, até porque cada vez mais se usam kits domiciliários para fazer unhas de gel1,3, colar unhas e colocar extensões de pestanas. Para além disso, alguns destes dispositivos têm também radiação ultravioleta1. Está recomendado que se aplique um creme de proteção solar (para a cliente), mas raramente isso ocorre na realidade, porque essa informação quase nunca é dada2. Alguns investigadores colocam a hipótese de a exposição a radiações UVA nestes procedimentos dê um risco acrescido de carcinoma escamoso cutâneo, contudo, a relevância parece ser superior para a cliente versus profissional. Ainda assim, mesmo que possível, considera-se que esse risco é reduzido, até para a cliente7.
As reações alérgicas neste contexto associam-se geralmente aos acrilatos, como já se mencionou. Contudo, um caso clínico, associado a kit usado em domicílio, encontrou também cobalto, que originou uma alergia (não ficando claro se este também poderá existir em contexto profissional), até porque parte dos produtos não têm a composição totalmente discriminada. Estes produtos são cada vez mais frequentes, dado o interesse crescente da população e a facilidade de encontrar vídeos na internet que explicam como fazer em casa. Neste caso específico, a semiologia caraterizou-se sobretudo por eczema periungueal e palmar pruriginoso, com início dois meses depois de ter feito o procedimento pela primeira vez. O afastamento do produto fez reverter totalmente a semiologia em quatro semanas5.
Semiologia mais relevante
A semiologia mais frequente caracteriza-se por (ainda que os sintomas possam surgir anos após o contato inicial):
- espessamento ungueal (hiperqueratose) 6,8
- alteração da cor8
- perda ungueal1
- descolamento/divisão da unha (onicólise)
- infeção cutânea periungueal (paroníquia) 1,3,6
- alterações do crescimento1
- eritema dos antebraços6
- fissuras dolorosas (pulpite) 1,3,6
- dermografismo8
- eritema retroauricular e malar
- eritema cervical6
- eritema do dorso dos pés6
- sibilos
- pieira
- maior suscetibilidade a infeções9
- erupção periorbitária6
- vesículas3
- parestesias4
- irritação ocular9.
Contudo, após algumas semanas de afastamento, a semiologia pode regredir totalmente4,8.
EPI (equipamentos de proteção individual)
Estes compostos penetram com alguma facilidade nas luvas de latex. O profissional poderá optar por usar dois pares ou então luvas de nitrilo, que conseguem dar proteção por cerca de uma hora1 (ainda que alguns investigadores recomendem o uso de dois pares em simultâneo, mesmo neste material)6. As luvas mais seguras são construídas por trilaminado de polietileno1,6 (e funcionarão por cerca de quatro horas1,4) mas, dado serem não elásticas e aderirem mal à mão, não são adequadas a estas tarefas laborais1.
A nível de equipamentos de proteção está também recomendada a máscara4.
DISCUSSÃO
Finalizada a análise dos artigos selecionados percebeu-se que o único fator de risco mencionado para esta classe profissional foi o químico e com grande destaque para os (met)acrilatos, ou seja, quase sem mencionar outros agentes presentes (as exceções foram o formaldeído e o cobalto).
Na literatura consultada não foram encontradas referências ao ruido eventualmente existente no posto de trabalho (sobretudo se o gabinete de trabalho estiver em open space no interior de um cabeleireiro), das vibrações de algumas das máquinas utilizadas, das radiações ultravioletas que possam atingir o profissional, da postura sentada mantida, eventuais movimentos repetitivos, bem como turnos prolongados e com poucas ou nenhumas pausas.
Mais recentemente surgiram instrumentos de trabalho que trocaram a luz ultravioleta por luzes led (cujas eventuais consequências médicas laborais não foram estudadas), ainda que tal não tenha sido mencionado na bibliografia selecionada.
Por sua vez, a nível de medidas de proteção coletiva, não foram encontradas quaisquer indicações; poder-se-á supor que neste contexto seria relevante:
- sugerir a estipulação de normas perante o tempo máximo recomendado para trabalhar sem pausas
- incentivar a rotatividade de tarefas entre diferentes profissionais (se em contexto de cabeleireiro e se os indivíduos assumirem cargos diferentes) ou pelo menos rotatividade a nível de técnicas/materiais de construção da unha, para minimizar alguns fatores de risco laborais)
- divulgar e promover técnicas de Ginástica Laboral orientadas por algum funcionário ou pelo próprio
- estruturar regras de uso de EPIs (a nível de modelos, materiais e tempos de uso)
- fomentar condições para uma adequada ventilação do local de trabalho, definindo parâmetros mínimos a serem cumpridos neste contexto
- organizar um programa adequado de sessões formativas de temas relevantes a nível de saúde ocupacional pertinentes para este setor
- promover o acesso aos exames de Saúde Ocupacional com o Médico do Trabalho
- contratar serviços do Técnico de Segurança no Trabalho para avaliar as condições e o patamar de risco, incluindo a realização dos doseamentos que forem pertinentes.
Por sua vez, a nível de EPIs, não foram encontradas referências ao uso de farda/bata/avental, gorro ou equivalente e manguitos.
Os (met)acrilatos estão também presentes em tintas, próteses dentárias1,3,4,6,8 e em produtos usados em procedimentos ortopédicos cirúrgicos1,3,4,8, bem como na produção de plásticos3 resistentes/endurecidos6, indústria gráfica, tintas, adesivos, têxteis3 e fibra de vidro8. Contudo, devido ao uso cada vez mais frequente das extensões ungueais, esta situação passou a ser mais frequente1,3 globalmente e mais frequente neste setor profissional, em contexto ocupacional1. Ainda assim, o setor da medicina dentária corresponde a 45,2% dos casos de alergias aos acrilatos, a nível ocupacional3. Paralelamente, os procedimentos médicos dentários e ortopédicos cirúrgicos serão cada vez mais frequentes no contexto de uma população mais envelhecida1.
Quanto ao que está descrito a nível laboral, para outras classes profissionais, em relação aos acrilatos, encontram-se artigos que realçam os efeitos nocivos que estes podem ter a nível do setor da produção de tintas/pinturas10-13, colas14, plásticos15, peocedimentos dentários12-18 ou ortopédicos14,19,20 e móveis21.
Para a generalidade dos restantes fatores de risco ocupacionais presentes neste setor, é muito abundante a literatura genérica para outras classes profissionais, pelo que não fará sentido destacar exemplos concretos a mesma.
LIMITAÇÕES
Os autores desenvolveram esforços no sentido de tentar que a sua pesquisa fosse exaustiva mas, uma vez concluída, perceberam que não encontraram dados relevantes sobre:
- doseamento de agentes químicos relevantes nestes ambientes de trabalho; nem indicação de quais técnicas são possíveis utilizar e quais as preferenciais
- doseamento biológico (quando aplicáveis) numa amostra geral de profissionais do setor, expostos a este agente; nem referências ao tipo de amostra mais adequado a cada situação
- avaliação do risco global associado, em função dos doseamentos obtidos e restante análise ao posto de trabalho
- descrição de medidas de proteção coletiva.
CONCLUSÃO
Os técnicos de unhas artificiais estão sujeitos a vários fatores de risco e riscos relevantes, para os quais não estão, por vezes, acauteladas as medidas de proteção coletiva e individual adequadas.
Seria muito pertinente que surgissem equipas motivadas para estudar melhor este setor e colmatar parte das limitações encontradas, não desenvolvidas na literatura internacional.