INTRODUÇÃO
Portugal é o maior produtor mundial de cortiça (1) (2) (ocupando cerca de 11.000 (3) a 16.000 (1) trabalhadores). Em França este setor emprega algumas centenas de indivíduos, geralmente inseridos em empresas de pequena dimensão, um pouco por todo o país, geralmente para produzir rolhas (4). A suberose é endémica nos países produtores de cortiça (Portugal, Espanha, França e Itália) (5).
A cortiça deriva do sobreiro (quercus suber) e é constituída por células mortas com celulose (4).
As tarefas com mais carga geralmente são atribuídas ao sexo masculino e as mais minuciosas/ repetitivas ao feminino (6); ou seja, tarefas de seriação, processamento e transformação são geralmente entregues ao sexo masculino; por sua vez, as etapas finais geralmente ficam a cargo do sexo feminino. Tal implica uma diferente exposição ocupacional, mais suave para as últimas- aliás, exposições de maior risco geralmente ocorrem exclusivamente em postos ocupados pelo sexo masculino (5).
A generalidade dos estudos do setor foi efetuada em empresas com boas condições de trabalho, pelo que as conclusões poderão não ser significativas para a generalidade dos trabalhadores da cortiça (5).
A primeira referência à Suberose (cortiça= suber) foi em 1947 (1).
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores a exercer no setor da Cortiça.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre as eventuais consequências para a Saúde relativas à exposição à Cortiça
-C (context): saúde ocupacional nas empresas do setor da Cortiça
Assim, a pergunta protocolar será: O que está descrito na bibliografia das últimas décadas relativamente à Suberose?
Foi realizada uma pesquisa em outubro de 2020 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
Nas primeiras bases de dados foram realizadas duas pesquisas utilizando os termos “suberose” (dado Portugal ser o país que mais trabalha a cortiça) e “suberosis”; dada a escassez de documentos não foram colocadas quaisquer restrições (como data, acesso a texto completo ou resumo) e foram obtidos 5 e 37 documentos, respetivamente. Da base de dados RCAAP utilizou-se o termo “suberose” e surgiram dois artigos. No global foram considerados 14 documentos.
CONTEÚDO
Fatores de Risco/ Riscos Laborais no setor da Cortiça
Apenas um dos artigos selecionados fez uma menção sumária aos fatores de risco laborais genericamente existentes neste contexto, nomeadamente os turnos noturnos (sobretudo nos funcionários mais jovens), corte, postura de pé mantida, cargas, movimentos repetitivos, ritmo de trabalho imposto pela equipa, desconforto térmico, poeiras, bem como agentes químicos e biológicos (6).
Equipamentos de Proteção Individual para o setor da Cortiça
A este nível, apenas um documento entre os consultados mencionou dados e realçou o papel das luvas, proteção auricular (sobretudo para máquinas tipo balancé) e máscara (6).
Medidas de Proteção Coletiva para o setor da Cortiça
A incidência da Suberose diminuiu com a potenciação das medidas de higiene (incluindo ventilação e controlo da humidade), segundo um dos documentos (7). Não se encontrou menção a qualquer outra medida equivalente na bibliografia selecionada. Na discussão da revisão os autores tentam desenvolver esta questão.
Sinistralidade no setor da Cortiça
Não se encontraram quaisquer dados publicados relativos aos acidentes de trabalho no setor da Cortiça.
Etiologia da Suberose
Os primeiros artigos relativos ao setor da Cortiça destacam o papel que alguns microrganismos têm, nomeadamente o bolor causado pela estirpe Penicillium glabrum (PG (1) (3) (8) (10) (11) (antigamente designado por frequentans) (1) (9) (11) (12)- este foi primeiramente isolado da cortiça em Inglaterra, em fábricas deste setor (7); documentos mais recentes acrescentam a Chrysonilia Sitophila (CS) (1) (9) (10) e Mucor (11). Em locais com menos humidade a concentração fúngica diminui (4) (12). Trabalhadores com Suberose desenvolveram reações cutâneas ao fungo PG e a inalação dos respetivos aerossóis originou a sintomatologia caraterística (7).
Alguns autores também acreditam que determinados ácaros poderão ter alguma relevância na asma de corticeiros (como o P notatum, Cladosporium (1), A fumigatus (1) (12), Alternaria alternata, Acarus siro e Tyrophagus putrescentiae) (1).
A suberina, que existente de forma abundante na cortiça, também poderá estar associada a alguns sintomas (1) (12).
Os trabalhadores ficam expostos ainda ao pó da cortiça. A diminuição de poeiras é por isso fundamental para prevenir as doenças associadas (4). Estas são menos prevalentes nos ambientes de trabalho que os fungos e têm dimensões geralmente maiores (7).
Por vezes, também se usa tolueno para produzir aglomerados de cortiça (4) e alguns investigadores não excluem que tal possa contribuir para alguma sintomatologia.
Alterações Pneumológicas
A suberose é uma patologia do interstício pulmonar provocada pela exposição repetida ao pó e bolor da cortiça; aliás, é a doença do interstício pulmonar mais prevalente na zona norte do país (5).
A Pneumonite de Hipersensibilidade (PH) é uma doença pulmonar mediada por alterações imunológicas, que pode resultar da inalação repetida de diversos agentes ambientais (incluindo poeiras orgânicas, microrganismos e agentes químicos); ainda que existam diferentes apresentações clínicas e/ ou alterações em alguns exames auxiliares de diagnóstico (como no Líquido do Lavado Broncoalveolar- LLBA) (8). A PH também pode ser designada por Alveolite Alérgica Extrínseca (AAE) (1) (7) (13) e é uma doença granulomatosa do pulmão. A inalação repetida de antigénios leva a uma reação de hipersensibilidade em alguns casos (1); contudo, também a asma (7) (9) (10) (14) pode estar associada com uma menor prevalência (2). Consoante a dimensão dos esporos fúngicos será mais provável surgir asma ou PH, ou seja, se mais pequenos (1 a 2 micrómeros) surgirá mais frequentemente uma resposta alveolar (alveolite); se maiores provavelmente ocorrerá uma resposta brônquica, ou seja, asma. Na distinção semiológica entre asma ocupacional e PH, deve-se considerar os aspetos do quadro seguinte. Ainda que não seja frequente, ambas as situações poderão estar presentes no mesmo trabalhador (1). Os esporos do PF têm dimensão adequada para atingir os alvéolos, ao contrário das poeiras da cortiça (7).
Asma | PH | |
---|---|---|
Sintomas | Dispneia, tosse, sibilância | Dispneia, tosse, mialgias, emagrecimento |
Início | Imediato ou após 4 a 6 h | Gradual até 4 a 8h |
Auscultação | Normal ou com sibilos expiratórios | Crepitações inspiratórias bibasais |
Provas de função respiratória | Obstrução, DLCO normal | Restritivo, DLCO anormal |
LLBA | Eosinófilos | Linfócitos, neutrófilos |
TAC | Normal | Vidro despolido |
Antigénios fúngicos | Não IgE moderada | PG e CS (1) |
Alguns autores também descrevem a possibilidade de surgir um quadro equivalente a Bronquite (4) (7) (14) ou Bronquite Crónica com bronquiectasias (7) (13) e fibrose pulmonar progressiva (7).
O primeiro exemplo descrito de PH foi associado ao feno com bolor (“Pulmão do Fazendeiro”, na década de 30). Trata-se de uma reação inflamatória imunológica, mais grave geralmente na região do interstício alveolar e bronquíolos terminais. Noutros países as PHs mais frequentes são a do Fazendeiro e as associadas aos criadores de aves ou até à madeira inserida na construção de casas; em Portugal as mais prevalentes são a Suberose (9 a 19% dos trabalhadores da indústria da cortiça apresentam-na), sobretudo no norte do país e a PH dos criadores de aves (1).
Numa empresa deste setor avaliada numa investigação, por exemplo, 11 em 33 trabalhadores expostos apresentavam PH, mas sem grandes alterações nas provas de função respiratória (4).
Apresentação Clínica da Suberose
A PH em geral apresenta três formas: aguda, subaguda e crónica. A primeira destas costuma cursar com febre, mialgias, tosse sem expetoração e dispneia, quatro a oito horas após a exposição e desaparecendo a semiologia em 24 a 48 horas após o término da exposição. O quadro pode prolongar-se até uma semana e incluir febre, taquipneia, crepitações nas bases pulmonares e, às vezes, insuficiência respiratória. A versão crónica cursa com semiologia intermitente, ao longo de vários anos, sem lesão pulmonar progressiva ou com fibrose sem sintomatologia pertinente. Cerca de 20 a 40% apresentam sintomas de bronquite crónica. A forma subaguda é semelhante à aguda, mas mais prolongada. A patologia varia com a intensidade e frequência de exposição ao antigénio (8); ou seja, alguns investigadores acreditam que exposições de baixa intensidade e longas poderão levar a PH subaguda ou crónica; por sua vez, muito intensas e de curta duração já serão mais prováveis as formas agudas. Os indivíduos com hiperatividade brônquica podem apresentar asma. O atingimento na função respiratória na Suberose é geralmente menos intenso que noutras PHs (1).
A melhoria da semiologia com o afastamento dos antigénios também contribui para o diagnóstico, embora haja casos onde tal não aconteça (1); no entanto, geralmente ocorre melhoria clínica e funcional após a evicção dos antigénios. No global, a tosse e dispneia foram os sintomas mais prevalentes (12).
Exames auxiliares de Diagnóstico relativos à Suberose
Em contexto de imagiologia, na fase aguda da PH, o Rx de Tórax pode apresentar opacidades micronodulares difusas, predominantes nos lóbulos inferiores; contudo, estas alterações costumam desaparecer com o término da exposição. Este exame pode não ser muito útil a distinguir as PHs das outras doenças intersticiais; até pode ser normal ou ter um padrão nodular ou fibrótico (1).
A Tomografia Axial Computadorizada (TAC) é mais sensível e específica, além de contribuir para direcionar uma eventual biópsia pulmonar. Mesmo com o Rx normal, ela pode apresentar alterações, nomeadamente micronódulos na zona central dos lóbulos, com padrão de vidro polido. Por sua vez, na versão crónica, são mais frequentes as opacidades lineares e nodulares difusas, compatíveis com fibrose- a TAC poderá revelar o “Pulmão em Favo” e enfizema (1).
A produção de anticorpos secundários aos antigénios inalados é um aspeto fulcral nas PHs; logo, a identificação de anticorpos no soro ou LLBA é muito importante (11). A alveolite subclínica poderá representar um estadio mais precoce da patologia. O LLBA pode apresentar uma alveolite linfocítica intensa, bem como aumento dos mastócitos e plasmócitos. Alguns autores consideram que a junção da semiologia a estas alterações no LLBA será o suficiente para o diagnóstico (1).
A nível histológico são caraterísticos os granulomas não caseosos, de pequena dimensão e irregulares, existindo geralmente na proximidade um infiltrado intersticial linfocítico difuso, com plasmócitos e macrófagos nos espaços alveolares. A fibrose das paredes alveolares também pode existir, os mastócitos podem ser encontrados ainda nos septos alveolares, nas formas agudas. Também poderá ocorrer bronquiolite obliterante com pneumonia organizativa (1).
A existência de precipitinas para o antigénio era no passado considerada o ponto gold-standard para diagnóstico; presentemente considera-se como marcador de exposição ao antigénio e não de patologia (1).
A biópsia pulmonar transbrônquica ou por toracoscopia geralmente não é necessária na medida em que os achados não são patognomónicos; quando muito poderá ter utilidade em situações mais graves ou atípicas (1).
Nas provas de provocação inalatória são utilizados aerossóis com o antigénio e o teste é considerado positivo quando surge semiologia da forma aguda, três a oito horas após (ou seja, febre, diminuição superior ou igual a 15% da difusão de monóxido de carbono, crepitações, linfocitose e neutrofilia no LLBA). No caso da suberose pode-se obter uma resposta bifásica: inicialmente “obstrutiva” e, depois, “intersticial” tardia. Contudo, tratam-se de testes difíceis de estandardizar e apresentam algum risco. Poderá ser útil nas situações duvidosas (1).
As provas de função respiratória geralmente apresentam um padrão restritivo. Uma exposição suave implica um risco de surgir um padrão restritivo cinco vezes superior aos não expostos; a exposição moderada aumenta tal para nove e a intensa quinze vezes. Para exposições de curta duração (até quinze anos) não foram obtidos resultados estatisticamente significativos e, entre quinze e trinta anos, o risco de desenvolver um padrão restritivo é nove vezes superior em relação aos não expostos; exposições mais prolongadas aumentam esse risco onze vezes (5).
Diagnóstico de Suberose
A nível de critérios de diagnóstico de PH existem diferenças entre autores; no geral; este deve basear-se na exposição a um agente capaz, semiologia caraterística e informação laboratorial concordante. O diagnóstico resulta então da conjugação de dados entre a semiologia (dispneia, tosse sem expetoração, crepitações inspiratórias, diminuição do peso, astenia, mialgias e/ ou síndroma ventilatório restritivo), alterações radiológicas e em testes imunológicos (1).
Tratamento
O tratamento fica facilitado com o diagnóstico atempado e a evicção da exposição; medidas de proteção coletiva baseadas na higiene e EPI como máscaras também são relevantes. Poderão ser prescritos corticoides para os sintomas agudos, graves e/ ou progressivos, inalados ou orais, com mais benefício momentâneo que a longo prazo (1).
Prognóstico
O prognóstico varia muito; por vezes, até ocorre uma boa evolução, mesmo mantendo-se a exposição ao antigénio (1).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que não mencionados na bibliografia selecionada, os autores acrescentam, a nível de EPIs pertinentes, a eventual utilidade de farda/ bata/ avental, manguitos, calçado de segurança e viseira, variável com o processo produtivo em específico.
Por sua vez, em relação às Medidas de Proteção Coletiva, os autores podem acrescentar alguns aspetos genéricos, como sinalização dos principais perigos e informação fixa nos postos de trabalho relativa aos EPIs obrigatórios/ recomendados por secção e/ ou tarefa, isolamento das áreas com tarefas mais perigosas: de forma física (por encapsulamento ou equivalente) ou organizacional (proibição de circulação para além dos funcionários mínimos obrigatórios), exclusão clara para alguns postos/ tarefas de trabalhadores com problemas médicos passiveis de se agravarem com determinadas exposições, máquinas e equipamentos em bom estado de manutenção e modernos, bem como a máxima rotatividade possível entre tarefas (sobretudo as mais danosas).
A indústria da cortiça está razoavelmente desenvolvida em algumas zonas do país, mas nem sempre abundam os conhecimentos relativos à Suberose. Seria importante que todos os profissionais nas Equipas de Saúde Ocupacional com clientes nesta área estivessem confortáveis em abordar o setor; para além disso, é muito relevante desenvolver investigação recente, divulgando a mesma internacionalmente, até porque Portugal é o país que mais investiu e inovou o setor, mundialmente.