Sumário: 1. Da legitimidade ordinária; 2. Da legitimidade extraordinária; 3. Da legitimidade negociada no Código de Processo Civil de 2015; 4. Da legitimidade da ação civil pública; 5. O art. 16 da ação civil pública. 6. Referências.
1 Da legitimidade ordinária
O ordenamento pátrio assegura que qualquer pessoa pode buscar o Poder Judiciário, a fim de obter um provimento jurisdicional. Com o escopo de resguardar essa prerrogativa, a Constituição Federal e o Código de Processo Civil prescrevem que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito3, por consequência, é possível afirmar que aquele a quem a lei atribui o poder de propor efetivamente a ação e aquele contra quem o pedido deverá ser realizado serão, de fato, as pessoas consideradas legítimas4.
Em sentido lato, a legitimidade corresponde, consoante aos ensinamentos de Donaldo Armelin5, à idoneidade do sujeito para a prática de determinado ato ou para suportar seus efeitos, os quais emergem, em regra, da titularidade de uma relação jurídica ou de uma situação de fato com efeitos jurídicos. Deste modo, a legitimidade é, para o direito processual, a condição de ser o detentor do direito buscado. É dizer, a condição de ser legítimo para a propositura da demanda, pleiteando ou restaurando o direito que lhe pertence.
No mesmo sentido, aduz Humberto Theodoro Júnior6:
Legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão. Em síntese: como as demais condições da ação, o conceito da letigimatio ad causam só deve ser procurado com relação ao próprio direito de ação, de sorte que a legitimidade não pode ser senão a titularidade da ação.
Consoante determinação do Código de Processo Civil atual, a legitimidade ad causam constitui-se como um requisito cuja ausência tem o condão de possibilitar a extinção do feito sem julgamento do mérito7. Desta feita, enquanto matéria de ordem pública, a ilegitimidade poderá ser declarada até mesmo de ofício pelo magistrado, em qualquer tempo e grau de jurisdição, sem configurar preclusão8.
Com efeito, a legitimidade ad causam distingue-se da capacidade de ser parte, a qual constitui-se como a possibilidade de uma pessoa física ou jurídica figurar como autor ou réu em uma demanda. Nesse sentido, Araken de Assis9 refere-se à capacidade de ser parte como “à aptidão genérica e abstrata para figurar em qualquer processo”.
À guisa de ilustração, a personalidade jurídica é o requisito essencial para que uma sociedade empresária figure como parte em um processo. Há também a figura dos entes despersonalizados que podem estar em algum dos polos processuais, como é o caso da massa falida, do espólio, do condomínio e do Ministério Público.
A legitimidade não se confunde com a capacidade processual, a qual corresponde a possibilidade de o autor ou o réu atuarem em juízo sem necessidade de assistência ou representação, fazendo-se necessária, para tanto, a capacidade civil. Calmon de Passos10 faz referência à capacidade processual ou legitimatio ad processum como um pressuposto processual de admissibilidade ou validade.
Sobre a legitimidade para a causa, cabe ressaltar, de início, que tão somente ao titular de um direito substancial será atribuída legitimidade para defendê-lo em juízo, vale dizer, o interesse em demandar ou em confrontar o interesse demandado coincidirá, em regra, com a titularidade do direito material. Estar-se-á, nessa hipótese, diante da legitimação ordinária, onde o legitimado irá postular em nome próprio afirmando direito que também lhe é próprio.
Será ordinária a legitimidade, por consequência, quando o titular do direito material o qual se tem por escopo proteger for o mesmo titular do direito instrumental de ação utilizado como mecanismo jurídico para sua efetivação11. Na legitimidade ordinária “coincidem as figuras das partes com os polos da relação jurídica, material ou processual, real ou apenas afirmada, retratada no pedido inicial”12-13.
A legitimidade ad causam, portanto, está atrelada à pertinência subjetiva da ação, consistindo no exame da existência de um vínculo entre os sujeitos que compõem a demanda e a situação jurídica afirmada. Ordinariamente, os legitimados para a causa serão os sujeitos da lide, os titulares dos interesses em conflito, ressalvadas as hipóteses de legitimação extraordinária, conforme se verá a seguir.
2 Da legitimidade extraordinária
Conforme informado anteriormente, via de regra, o polo ativo de uma relação jurídico-processual pertencerá ao próprio titular do direito material perseguido, estampando, deste modo, a legitimidade para a causa perante o julgador. Não obstante, existem situações específicas nas quais, em defesa de direito material que originalmente não lhe pertence, vem o sujeito a juízo em seu próprio nome, estando validamente legitimado perante o ordenamento jurídico.
Há legitimação extraordinária, também conhecida como legitimação anômala ou substituição processual, quando não houver correspondência absoluta entre a situação que confere legitimidade e a situação jurídica submetida à apreciação do juiz. Legitimado extraordinário, portanto, será aquele sujeito que defende em nome próprio, interesse de outro titular de direito14.
Conforme dispõe o art. 18 do Código de Processo Civil, “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”, razão pela qual a legitimação extraordinária deve ser excepcional e expressa, decorrendo, por consequência, de autorização do ordenamento jurídico pátrio.
Ao analisar referido dispositivo legal, Arruda Alvim15 esclarece que seria possível a atribuição de legitimação extraordinária sem previsão expressa em lei, desde que fosse possível identificá-la no ordenamento jurídico, assim considerado como sistema.
Importa ressaltar que existem casos em que ao legitimado extraordinário é conferida a possibilidade de atuar em juízo com absoluta independência em relação à pessoa ordinariamente legitimada, em papel semelhante que caberia ao titular ordinário, instaurando-se o contraditório em face tão somente do legitimado extraordinário. Trata-se, na hipótese, de legitimação extraordinária autônoma.
Em outros casos, por sua vez, o acompanhamento pelo legitimado ordinário é indispensável à regularidade do contraditório, razão pela qual o legitimado extraordinário somente poderá atuar em conjunto com o ordinário, intervindo em processo anteriormente instaurado por este ou em face deste, configurando hipótese de legitimação extraordinária subordinada.
Há que se mencionar também os casos de legitimação concorrente entre o titular da pretensão e o substituto processual, hipóteses em que atuação de um titular não excluirá a performance do outro, sendo, portanto, atuações concorrentes.
Cabe ainda destacar, que o Código de Processo Civil atual traz uma outra fonte normativa para a legitimação extraordinária, que será abordada em momento ulterior.
Com efeito e para o que nos interessa, os casos mais comuns de legitimidade extraordinária ocorrem nas ações coletivas em sentido geral, nas quais entes como o Ministério Público, Defensoria Pública, Fazenda Pública e Associações constituídas há mais de um ano podem, concorrentemente ao titular do direito material afetado, propor ações, como a ação civil pública e a ação civil coletiva, a depender da modalidade de direito que se deseja tutelar.
No processo coletivo, a legitimação dos entes supracitados advém, à título exemplificativo de leis como o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/9016) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/8517), a qual será mais bem explorada adiante.
3 Da legitimidade negociada no código de processo civil de 2015
À luz do Código de Processo Civil de 197318, não era permitida a chamada legitimidade extraordinária negocial, isto é, quando, por um negócio jurídico, as partes têm a possibilidade de atribuir a um terceiro estranho à lide, a legitimação para defender seus interesses em juízo. Destarte, o art. 6º do diploma anterior determinava a lei como a única fonte normativa de legitimidade extraordinária19.
Em sentido contrário, o já mencionado art. 18 do atual Código de Processo Civil exige, para atribuição da legitimação extraordinária, a autorização do ordenamento jurídico, e não mais apenas da lei. Ao encontro desta regra, podemos destacar a leitura do caput do art. 19020-21 do mesmo diploma, o qual aduz que:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Por meio de aludida norma jurídica, o Código de Processo Civil consagrou a atipicidade da negociação processual, na qual as partes podem alterar e regular o procedimento judicial da forma que julgarem mais adequado à satisfação de seus interesses. Nesse sentido, o negócio jurídico desponta como fonte de norma jurídica, que, de forma complementar, também compõe o ordenamento jurídico. Sob esse prisma, o negócio jurídico também poderá ser considerado uma fonte normativa da legitimação extraordinária.
Cabe destacar que o negócio jurídico é processual, na medida em que atribui a alguém o poder de conduzir validamente um processo. Nessa seara de pensamento, não há qualquer obstáculo, a priori, para a legitimação extraordinária de origem negocial. E, assim sendo, é possível concluir que o direito processual civil brasileiro passou a permitir a legitimação extraordinária atípica, de origem negocial.
Desta maneira, por meio da análise da chamada cláusula geral de negócio processual22-23, trazida pelo art. 190, o legislador ordinário passou a permitir, por meio de um acordo de vontades, a transferência da legitimidade processual para terceiro que, ao aceitar, atuará como substituto processual.
De fato, é mais usual a negociação que abranja a legitimidade extraordinária ativa, haja vista que não exige outro requisito além dos exigidos para os negócios processuais em geral. O acordo de vontades poderá determinar a transferência ao terceiro da legitimidade propriamente dita ou apenas estender a ele essa legitimidade. É possível, por consequência, a ampliação da legitimação ativa, permitindo que terceiro também tenha legitimidade para defender, em juízo, direito alheio, formando, portanto, uma hipótese de legitimação extraordinária ativa concorrente.
É possível, ademais, negociação que tenha por escopo transferir a legitimidade ad processum para um terceiro, sem transferir o próprio direito, permitindo que esse terceiro possa ir a juízo, em nome próprio, defender direito alheio pertencente àquele que lhe atribui negocialmente a legitimação extraordinária.
4 A legitimidade da ação civil pública
Apesar do art. 129, inc. III, da Constituição Federal de 1988, prever como função institucional do Ministério Público a propositura de ação civil pública, este não é o único legitimado ativamente para tal ato.
Nessa esteira, o art. 5º da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 11.448/07, assevera que são legitimados ativos à propositura da ação civil pública: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; e, por fim, V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Em linhas gerais, a atribuição dessa ampla legitimidade ativa para a propositura da ação civil pública parte do pressuposto de que esses entes poderão exercer de forma mais adequada a tutela jurisdicional, em se tratando de direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, garantindo-se, assim, a plena efetividade da tutela coletiva.
O diploma consumerista, ao seu turno, em seu art. 82, inc. III, acrescenta ao rol dos legitimados para a propositura da ação civil pública, “as entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código”.
No processo coletivo, os legitimados supracitados não são os verdadeiros titulares dos direitos e interesses tutelados, diferentemente do que ocorre nos processos individuais24.-25. Tal fenômeno decorre do próprio objeto das ações de ordem coletiva, que têm como propósito, como regra, a tutela dos direitos metaindividuais, que não comportam identificação de seu titular, pertencendo a todos e a ninguém ao mesmo tempo26.
Destarte, cumpre destacar o pensamento de Rodolfo de Camargo Mancuso27, vejamos:
Esse esquema, porém, não comporta um traslado perfeito para o campo da legitimação para agir nas ações “coletivas”, nas quais o objeto tutelado é metaindividual, como se dá na ação civil pública da Lei 7.347/85. E isso porque, simplesmente, aí não se vai encontrar o “titular”, o “dono” do interesse objetivado, dada a inviabilidade de sua “partição” ou “fracionamento” (a chamada “indivisibilidade do objeto”), e, de outro lado, por conta da impossibilidade de sua atribuição a certos “titulares”: a chamada “indeterminação dos sujeitos”.
Neste sentido, ainda, Teori Albino Zavascki28 afirma que:
Considerada a natureza transindividual dos direitos tutelados, não há como, em ação civil pública, imaginar a hipótese de legitimação ativa ordinária de que trata o art. 6º do CPC, ou seja, a legitimação pessoal de quem se afirma titular do direito material. Tratando-se de direitos difusos ou coletivos (=sem titular determinado), a legitimação ativa é exercida, invariavelmente, em regime de substituição processual: o autor da ação defende, em nome próprio, direito de que não é titular. Pode-se afirmar, por isso mesmo, que esse regime, de natureza extraordinária no sistema comum de processo civil, é o regime ordinário na ação civil pública.
Há que se falar, ademais, na existência de uma legitimação concorrente e disjuntiva, eis que qualquer das pessoas mencionadas como legitimadas ativas estão aptas ao exercício da ação. Não há preferência nessa concorrência, é dizer, “deve-se ressaltar que a lei da ação civil pública permite que cada um dos colegitimados proponha a ação, litisconsorciando-se com outros ou fazendo-o isoladamente”29.
No que se refere às associações civis, em primeiro lugar, essas representam seus associados (art. 5.º, XXI da Constituição e art. 5.º, V, da Lei da Ação Civil Pública).
A propositura de ação civil pública por associações civis depende da demonstração de que suas finalidades institucionais se alinham à proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
O Ministério Público, caso não intervenha no processo como parte, deverá atuar obrigatoriamente como fiscal da lei30-31. Ademais, em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado poderá assumir a titularidade ativa.
Cumpre salientar que fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas habilitarem-se como litisconsortes de qualquer das partes. Admite-se também o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida a Lei da Ação Civil Pública.
No que tange à legitimidade passiva, a Lei 7.347/85 não apresentou um rol taxativo para os sujeitos passivos como fez para os sujeitos ativos. No entanto, é pacífico que qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, poderá figurar no polo passivo desta ação, desde que atente contra qualquer dos bens juridicamente tutelados na ação civil pública.
Por conseguinte, consoante aduz Fernanda Marinela32, “a legitimidade passiva se estende a todos os responsáveis pelos atos que originaram a ação, podendo ser pessoas físicas, jurídicas, de direito público ou privado. Enfim, todos aqueles que de algum modo concorreram para o ato que gerou a ação”.
No tocante ao aspecto principiológico da legitimação extraordinária para a propositura da ação civil pública, cabe destacar o princípio da adequada representação, também chamado de princípio do controle judicial da legitimação coletiva, o qual preceitua que a ação civil pública deve ser proposta pelo representante adequado da categoria. Em outras palavras, só será legitimado para a propositura da ação civil pública aquele que, em consonância com os ditames do ordenamento jurídico, apresentar condições de adequadamente desenvolver a defesa em juízo dos direitos afirmados.
5 O art. 16 da lei da ação civil pública
O tema da extensão dos limites da coisa julgada, à luz do disposto no art. 16 da lei da ação civil pública, vem ganhando maior destaque nos debates jurídicos no país. A grande discussão em torno desse dispositivo centra-se na questão da limitação territorial dos efeitos da sentença.
O art. 16 da Lei 7.347/85, alterado pela Lei 9.494/97, passou a ter a seguinte redação: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
Quando a lei da ação civil pública entrou em vigor, em 1985, o trecho que limita a extensão territorial da sentença não existia. No entanto, a alteração da redação em 1997 estabeleceu que a sentença proferida em ação civil pública teria efeito erga omnes, vale dizer, produziria efeitos para além das partes integrantes do litígio, e, ao mesmo tempo, teria essa eficácia limitada à competência territorial do órgão prolator.
No tocante aos direitos difusos e coletivos stricto sensu, ao restringir os efeitos condenatórios de demandas veiculando tais direitos, o dispositivo acabava por limitar o rol dos beneficiários da decisão por meio de critério territorial, que não se coaduna com a própria finalidade constitucional da proteção dos interesses difusos e coletivos stricto sensu, considerando que, pela sua natureza, são direitos indivisíveis.
De outro lado, temos que o dispositivo é plenamente aplicável às ações veiculando direitos individuais homogêneos, que, por sua natureza, são divisíveis.
De todo modo, a matéria em apreço foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede do Recurso Extraordinário 1.101.937, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.075), julgado em 08 de abril de 202133-34.
No caso, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) ajuizou ação coletiva contra instituições financeiras tendo por escopo a revisão de contratos de financiamento habitacional35. Em sede de primeiro grau, restou determinado, de forma liminar, a suspensão da eficácia das cláusulas contratuais que autorizavam os bancos a executar extrajudicialmente as garantias hipotecárias dos contratos.
No âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região houve o acolhimento do recurso das instituições bancárias para afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, revogando, portanto, a liminar do primeiro grau36. Posteriormente, o órgão colegiado afastou a aplicação do supramencionado art. 16 da lei da ação civil pública, determinando que o direito reconhecido não deveria restringir-se a tão somente o âmbito regional, haja vista a amplitude dos interesses envolvidos.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão do Tribunal Regional Federal, determinando ser indevida a limitação da eficácia de decisões em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante37. Em sede de Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal, as instituições financeiras alegaram que, ao afastar a incidência da norma, o Superior Tribunal de Justiça violou a cláusula de reserva de plenário, não observando o rito previsto para a declaração incidental de inconstitucionalidade, o qual exige o julgamento pelo Órgão Especial.
Em abril de 2020, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do Recurso Extraordinário, determinou a suspensão nacional de todos os processos em andamento sobre o tema, à luz do art. 1.035, §5º do Código de Processo Civil38-39. Para o Ministro, caberia ao Supremo Tribunal Federal definir se o art. 16 da lei da ação civil pública estava em conformidade e harmonia com a Constituição Federal de 1988.
Ato contínuo, o Ministro Alexandre de Moraes desproveu o aludido Recurso Extraordinário, propondo a seguinte tese40: É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/85, alterado pela Lei 9.494/97. Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, inc. II do Código de Defesa do Consumidor. Isto é, em casos de ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos, ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local na capital do estado ou do Distrito Federal, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
No mesmo sentido entendeu a Ministra Rosa Weber41, ao frisar que os limites territoriais se referem aos efeitos da decisão derivados do exercício da jurisdição, que é una em todo o território, não cabendo ao legislador ordinário, em nenhuma hipótese, restringi-la. Desse modo, a Ministra Rosa Weber entendeu que o art. 16 da lei da ação civil pública, ao limitar a competência territorial, acabou por regulamentar os limites dos efeitos da sentença, apresentando solução jurídica incompatível com a sistemática constitucional.
Ao final do julgamento, o Supremo Tribunal Federal veio a acompanhar o relator, Ministro Alexandre de Moraes, declarando a inconstitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 9.494/97, e o consequente restabelecimento do texto original do dispositivo, qual seja: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
Firmou-se, ademais, a seguinte tese: “I - É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas”.