A consciência ambiental na América Latina está em crescimento. Gustavo Petro, o primeiro Presidente de esquerda da Colômbia, foi eleito a 19 de junho de 2022 em parte devido à promessa de instituir uma moratória sobre atividades de mineração e hidrocarbonetos. A preocupação na Colômbia com a devastação provocada pelo sobredesenvolvimento não é um caso isolado. Gabriel Boric, o novo Presidente do Chile, também se comprometeu com uma atuação ambiental forte. Um dos seus primeiros atos enquanto presidente foi assinar o Acordo de Escazú, que estabelece garantias sólidas para os direitos ambientais.
Enquanto grande parte da Europa ainda se vê a braços com os impactos da pandemia e com as novas ondas de refugiados que fogem da guerra na Ucrânia, a América Latina lida com outro tipo de fluxo - o de investidores que procuram beneficiar da alta dos preços das mercadorias, governos que procuram criar novos projetos infraestruturais e outros promotores que visam lucrar com as oportunidades existentes. As consequências deste desenvolvimento têm sido, muitas vezes, devastadoras - rios contaminados, perda de terras, derramamentos de petróleo e fontes de água poluídas, poluição do ar e sonora, e ausência do direito à informação, à participação nas decisões e ao recurso à justiça. As comunidades afetadas muitas vezes não têm a capacidade financeira, a experiência, os contactos, o conhecimento, a informação e outros recursos para defender os seus direitos.
A crescente emergência ambiental na América Latina está profundamente ligada à Europa, a outras partes da bacia atlântica e mesmo ao resto do mundo. Neste artigo, analiso algumas destas ligações e como elas influem nos esforços dos países latino-americanos para responder a uma das suas áreas políticas mais frágeis, a do Estado de direito ambiental, ou EDA. O EDA pode ser definido como a existência de «leis adequadas e implementáveis, acesso à justiça e informação, participação pública, equidade e inclusão, responsabilização, transparência, responsabilidade por danos ambientais, aplicação das leis de forma razoável e justa, e direitos humanos»3. Debilidades sérias no EDA, combinadas com governança insuficiente, violência generalizada e mudanças ambientais motivadas pelo clima têm levado um grande número de migrantes a pro- curar uma vida melhor noutros países, especialmente nos Estados Unidos.
O Acordo de Escazú entrou em vigor em 2021 e comprometeu 12 países da América Latina e Caribe com os direitos previstos no Princípio 10 (P10), relativos a informação, participação e justiça. Estes direitos são «fundamentais na relação entre ambiente e direitos humanos, e constituem a base da democracia ambiental e da boa governança»4. Os direitos do P10 resultam do acordo Rio 1992 e estão incluídos enquanto direitos humanos na maioria das constituições latino-americanas. Na Europa, a Convenção de Aarhus criou obrigações semelhantes para os Estados-Membros, e entrou em vigor em 2001.
Aarhus serviu de modelo para Escazú, mas este vai mais longe (apesar de não incluir todos os países da América Latina). Dá aos cidadãos o direito de contribuir para decisões sobre o uso da terra e dos recursos naturais, bem como acesso à justiça quando surgem disputas. Cria também um mecanismo de participação dos cidadãos, uma cláusula de «não repetição», uma definição de grupos e cidadãos vulneráveis, e proteções para os defensores do ambiente. Nalguns países, irá encorajar novas medidas legislativas para fortalecer o P10 e o enquadramento legal dos estudos de impacto ambiental (EIA), propiciar uma responsabilização mais eficaz por crimes ambientais, e incentivar promotores públicos e tribunais mais robustos, com varas especializadas.
O Acordo de Escazú visa responder às debilidades crónicas de muitos países latino-americanos no que diz respeito ao Estado de direito, direitos humanos e justiça ambiental. Chega numa altura em que cresce de forma acelerada a atenção internacional às questões de EDA. O EDA inclui questões de direitos humanos e assuntos gerais relativos a conformidade regulatória, como licenciamento e certificação. Direitos humanos ambientais incluem o direito a um ambiente saudável, água limpa e acesso a determinados recursos ou territórios, bem como direitos do P10. As populações indígenas têm garantias especiais no que diz respeito ao direito de consentimento livre, prévio e informado (CLPI), garantias essas que estão previstas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)5. Ainda assim, muitos Estados signatários na América Latina não implementam estes direitos de forma efetiva, mesmo depois de ratificarem as convenções relevantes e de as codificarem na legislação interna, e apesar de terem grandes segmentos da população que se encontram frequentemente em posições de marginalização e precarização económica.
Várias organizações internacionais têm recentemente reportado sobre a situação do EDA na América Latina e não só6. Existe também alguma bibliografia académica recente sobre EDA e direitos de populações indígenas7, bem como um número crescente de trabalhos sobre processos legais em governança ambiental, como os EIA8.
As pressões de desenvolvimento na América Latina são intensas, e os conflitos têm aumentado à medida que proliferam projetos de desenvolvimento de grande escala9. Em 2018, a Comissão Económica para a América Latina e Caribe (CEPAL) lançou um aviso sobre «a degradação do ambiente e ecossistemas e a pilhagem de recursos naturais associados às dinâmicas contemporâneas de produção e consumo»10. Na sua primeira avaliação global do EDA (em 2019), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente afirmou que, apesar do crescimento generalizado de leis e instituições ambientais, a aplicação efetiva continua a ser um ponto fraco. O programa apontou para a inexistência de critérios e mandatos claros, financiamento e vontade política insuficientes, falta de atenção para com a segurança dos defensores do meio ambiente, e poucos recursos para a sociedade civil11. Os riscos são grandes, não só para os recursos naturais e o ambiente, mas também para aqueles que os defendem: o ano de 2020 foi o pior já registado em termos de assassinatos de defensores ambientais, com 227 mortes em todo o mundo12.
Muitas comunidades indígenas e de agricultores rurais na América Latina vivem perto de «megaprojetos» de grande escala e sofrem com as externalidades que lhes estão associadas13. As pressões de desenvolvimento são muitas: mineração, hidrocarbonetos e energias renováveis, infraestrutura de transportes e comunicações, e turismo, por exemplo. A extração mineira produz mais conflitos que outros setores14, embora seja menos relevante em alguns países, como o Brasil, a Argentina e a Costa Rica, onde a agricultura, a energia e o turismo causam mais conflitos15. Mais de metade das medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para questões ambientais entre 1997 e 2017 estava relacionada com projetos de mineração16. Casos de especial importância incluem o conflito do Santurbán, na Colômbia, relativo à mineração num páramo protegido; e o caso Cajamarca, também na Colômbia, que envolve uma mina de ouro. Projetos energéticos também se destacam na escala de conflito; incluem-se aqui o projeto hidroelétrico Hidroaysén, na Patagónia chilena, e a barragem de Belo Monte, no Brasil. Ambos envolveram conflitos socioambientais sérios e prolongados com comunidades vizinhas.
Teoricamente, o Estado é o árbitro entre os interesses desenvolvimentistas e os ecoculturais ou conservacionistas, e deve assegurar que o Estado de direito prevaleça, uma vez que ambos os interesses têm validade socioeconómica e apoio político. Porém, é comummente aceite que os governos latino-americanos falharam nesta questão.
Frequentemente, os líderes políticos não fornecem informação completa e atempada às partes afetadas e não as integram no processo de consulta. Não avaliam os riscos e danos ambientais, não têm em consideração as comunidades afetadas, não consideram alternativas ou medidas de mitigação e não mantêm uma vigilância posterior para monitorar o cumprimento das regras. Muitas vezes, os reguladores e procuradores encontram-se extremamente subfinanciados e sofrem com falta de pessoal. As autoridades legais são por vezes insuficientes para fazer cumprir as leis. Os tribunais e outras instituições carecem de competências especializadas em questões ambientais.
Os observadores culpam a corrupção ou a falta de vontade política, mas estas questões escondem um desequilíbrio estrutural de poder mais profundo, através do qual os interesses desenvolvimentistas se beneficiam da influência dos ministérios da economia, das finanças e do desenvolvimento, em detrimento dos ministérios do ambiente. Para que seja eficaz, o Estado necessita de instituições ambientais que sejam simultaneamente robustas a nível interno - isto é, com capacidades e autonomia apropriadas - e envolvidas com a sociedade civil. Na ausência destes atributos, o EDA ressente-se, exacerbando desigualdades e injustiças17. Dado este estado de coisas, não surpreende que tenha havido uma explosão de interesse no EDA. Porém, os analistas tendem a concentrar-se nas pressões internacionais e nas reformas institucionais internas quando analisam o EDA, enquanto a atenção dada ao papel dos atores da sociedade civil é relativamente escassa.
Não existe uma medida confiável que permita comparações precisas do EDA em diferentes países18. Um estudo recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento liga os conflitos ambientais à capacidade institucional, medida pelo índice de Estado de direito do World Justice Project, produto interno bruto per capita, posição no índice de desenvolvimento humano, no índice de democracia da Economist Intelligence Unit e no índice de democracia ambiental do World Resource Institute19. Os números indicam que, entre os países da América Latina, o Chile tinha uma forte capacidade institucional e um nível baixo de escalada e consequências decorrentes de conflitos, enquanto a Colômbia, o Peru e o México se mantinham juntos a meio da tabela, e as Honduras apresentavam o pior desempenho em termos de capacidade institucional e conflito. Uma versão atualizada do estudo, publicada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pelo World Justice Project, apresentou indicadores de governança ambiental para dez países da América Latina e do Caribe20. Os indicadores são substantivos (resultados ambientais) e processuais (o processo para alcançar resultados). Os resultados, derivados de pesquisas com especialistas, variam de acordo com o indicador em questão, mas, em geral, mostram que a Costa Rica e o Uruguai tiveram um bom desempenho na governança ambiental enquanto El Salvador e a Bolívia tiveram um mau desempenho.
Um outro estudo apresenta uma perspetiva diferente. A Access Initiative e o World Resources Institute criaram um «Índice de Democracia Ambiental» com resultados de desempenho P10 para cerca de 70 países, e que coloca o Panamá e a Colômbia como os mais bem cotados na Améria Latina, sendo que o Belize e o Paraguai ocupam as piores posições21. Existem, no entanto, grandes discrepâncias entre os três indicadores dos países, com a participação pública a apresentar os piores resultados em praticamente todos os Estados (ver figura 1). É interessante notar que os países com pontuação mais alta no índice de governança ambiental (Uruguai e Costa Rica) tiveram os piores resultados neste índice. Talvez devido ao facto de os indicadores não serem os mesmos (governança não é o mesmo que Estado de direito ou direitos processuais), ou porque os anos de estudo foram diferentes, observamos resultados muito divergentes em termos de classificação do país e, portanto, há poucas certezas sobre o desempenho dos países e sobre as causas das variações nos indicadores. É, portanto, difícil ter uma noção clara da dimensão do problema do EDA, ou uma medida consistente dos sucessos e fracassos relativos de cada país.
Pressão internacional para melhorar o EDA
As pressões externas para melhorar o EDA trouxeram algumas mudanças, sendo que Escazú é o exemplo mais recente. Os países da América Latina estão sujeitos às decisões e às opiniões do sistema interamericano, e são monitorizados de perto por outras organizações e atores internacionais, incluindo ONG, grupos de reflexão e países ocidentais. Por exemplo, o Tribunal Interamericano emitiu uma opinião segundo a qual EIA são necessários em territórios de populações indígenas, e devem também ser realizados nos casos em que a atividade de desenvolvimento pode ter «um impacto adverso significativo no ambiente»22. No caso Reyes vs. Chile, o Tribunal decidiu que a legislação internacional de direitos humanos protege o acesso à informação23. Em 2007, no caso Povo Saramaka vs. Suriname, decidiu que garantias são aplicáveis na proteção de povos indígenas nos casos que envolvam grandes projetos de desenvolvimento, e que aqueles têm o direito de participar no planeamento, de usufruir de benefícios razoáveis e de tirar partido de estudos independentes de impacto social e ambiental. O Tribunal também considerou que a informação e comunicação são essenciais, assim como as consultas feitas de boa-fé, realizadas de forma temporalmente justa (isto é, no início do processo) e culturalmente apropriada (por exemplo, com lideranças tribais reconhecidas), tendo em vista alcançar um acordo24.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) também emitiu decisões sobre governança ambiental nos países que aspiram à adesão. Em 2005, a OCDE e a CEPAL emitiram um relatório sobre as instituições e normas ambientais chilenas, incluindo direitos do P10, e fizeram recomendações antes da adesão do Chile25. A Organização das Nações Unidas criou um relator especial para o ambiente e os direitos humanos26 e, em 2007, efetuou uma declaração não vinculativa sobre os direitos dos povos indígenas. O gabinete do provedor do Comité de Finanças Internacionais do Banco Mundial fez um relatório sobre os investimentos que apoiou na região. Acordos comerciais com os Estados Unidos resultaram em requisitos para melhorar as estruturas institucionais ou legais de forma a garantir uma governança ambiental adequada. Além disso, tanto a União Europeia como a França promulgaram os chamados regulamentos de «devida diligência», que exigem às empresas que tenham em consideração direitos humanos e riscos ambientais nas suas cadeias globais de abastecimento, e que apresentem soluções sempre que houver danos27.
Pressões institucionais internas para melhorar o EDA
Estas e outras pressões vindas do exterior resultaram em mudanças nas agendas internas, nas posições oficiais dos governos e nas instituições, políticas e procedimentos seguidos por estes. No entanto, as pressões para a melhoria das proteções ambientais e da justiça socioambiental também emanaram dos próprios países latino-americanos. Reformas institucionais e legais foram promovidas pelas pressões de democratização a partir da década de 1980. Porém, as instituições ambientais continuam a ser fracas no sentido weberiano do termo, ou seja, carecem de autoridade, capacidade e recursos28. São também fracas num sentido funcional - tribunais, procuradores, auditores, agências de transparência, ministérios do ambiente e outros são frequentemente ultrapassados por ministérios da economia fortes29.
Ainda assim, existem alguns pontos positivos a nível institucional. O Peru e o Brasil criaram provedorias que ganharam reputações sólidas por abrirem o acesso à justiça30. A Colômbia apoiou financeiramente a defesa legal de grupos pobres, e alguns países obrigam a que as línguas indígenas sejam incluídas na documentação oficial31. Alguns países estabeleceram observatórios de conflitos ambientais, bem como uma rede latino-americana de procuradores ambientais, com provedores e procuradores-gerais. O Peru criou em 2008 um gabinete independente de procuradoria ambiental, com cerca de 150 procuradores ambientais especializados espalhados pelo país32. Reduziu a intervenção dos ministérios da economia e mineração na fiscalização ambiental, ainda que sofra com a falta de especialistas33 e não tenha conseguido controlar atividades ilegais (como o garimpo de ouro) em regiões remotas34.
No Brasil, o Ministério Público é um promotor e provedor formidável, com competência cível e criminal, poder para investigar e processar casos, e para negociar acordos com infratores ambientais35. Empreende litígios estratégicos e processos relativos a casos específicos. Outro êxito institucional são os tribunais ambientais criados no Chile em 2012, com poderes de resolução de disputas administrativas. A sua competência especializada melhorou a aplicação da lei e a qualidade da justiça36. Outros países não possuem tribunais ambientais especializados, embora os tribunais constitucionais da Colômbia e da Costa Rica tenham feito muito para defender os direitos humanos ambientais.
Os tribunais da Costa Rica têm um posicionamento muito amplo e custos baixos para quem alega danos ambientais37. O Tribunal Constitucional da Colômbia é amplamente visto como progressista e interventivo, tendo emitido várias decisões transformadoras. Decide sobre a constitucionalidade da legislação e em casos específicos de alegado dano38. Num caso de 1997, decidiu que o povo indígena U’Wa tem o direito de participar diretamente nas decisões que afetam o seu território, e que o Estado tem de proteger a sua diversidade cultural e coletiva39. O caso dizia respeito a uma disputa relacionada com prospeção de petróleo em terras indígenas. Uma década depois, o Tribunal decidiu pela consulta prévia do povo indígena, estabelecendo uma distinção entre impactos na sociedade indígena e impactos na sociedade em geral40. Porém, apesar das reformas legislativas e institucionais, problemas de aplicação e conformidade continuam a afetar a governança ambiental. Os governos têm prioridades contraditórias, os interesses económicos passam à frente das instituições fracas, e organizações criminosas ameaçam os defensores ambientais que interferem com as suas atividades.
O papel das ONG de especialistas
Fortalecer as instituições ambientais estatais não irá, por si só, solucionar os problemas do EDA, pelo menos no curto prazo. Qualquer que seja o nível de capacidade institucional, existe um conflito de interesse intrínseco entre os objetivos de desenvolvimento e os ambientais. Os atributos weberianos não nos dizem muito sobre a lógica de atuação institucional - os Estados querem desenvolvimento, e isso implica que o ambiente seja afetado. Para além disso, mesmo com toda a vontade do mundo, os recursos são limitados e a corrupção e o crime são problemas perenes. Felizmente, em muitos casos esta lacuna é preenchida por OnG ambientais compostas por profissionais ou especialistas41. Estas ONG são «de especialistas» na medida em que são compostas por pessoas com formação e experiência em questões legislativas, de comunicação, organização e outras capacidades relevantes. O seu objetivo é fornecer os recursos necessários para que as comunidades defendam os seus direitos, obtenham aconselhamento e acompanhamento legal, serviços de relações públicas e comunicação, e investigação científica. Estas ONG disseminam informação sobre problemas de conformidade, trazem à luz questões de governança e fazem a pressão necessária para motivar agências estatais42. No entanto, apesar do papel central que assumem, é surpreendente que não exista muita investigação sobre a sociedade civil e o Estado de direito, sendo que a investigação existente tende a debruçar-se sobre segurança e crime, ou sobre desenvolvimento internacional em termos gerais43.
As ONG de especialistas recorrem a vários métodos para fortalecer o EDA. Organizam as comunidades locais, efetuam investigações independentes, comunicam, constroem redes e iniciam desafios legais. Têm criado coligações para fazer lóbi por mudanças de políticas ou pela definição de novas prioridades (incluindo conservação e atuação para responder às mudanças climáticas), e têm recorrido a cientistas e tecnocratas, que estão em posição de oferecer aos governos alternativas políticas viáveis. A organização, a mobilização e a atuação em rede permitem às alianças fazer bom proveito das suas diferentes capacidades - legais, comunicacionais, estratégicas, análise de dados, científicas, educacionais, contactos, capacidade de lóbi, redes sociais, disseminação e outras. A recolha independente de informação permite às ONG detetar divergências entre as exigências da legislação ambiental e o comportamento real das agências ambientais. A comunicação permite que os assuntos sejam enquadrados discursivamente. Através do litígio, atores sociais têm evidenciado a discrepância entre as exigências legais e o comportamento oficial, questionando dessa forma os incumprimentos, a corrupção e a impunidade44. Estas ONG não são agrupamentos espontâneos de ativistas de rua ou investigadores ou organizações de conservação, nem se restringem a um determinado local. Pelo contrário, são permanentes e de âmbito nacional ou seminacional. Algumas das suas atividades a nível jurídico são pensadas para promover o interesse público entendido em termos gerais, seja através de litígio estratégico ou através de atividades de educação ou consciencialização ou outros. Outras atuações legais defendem direitos em casos individuais ou em relação a comunidades específicas. As ONG de especialistas variam de país para país, e também dentro dos países. Um exemplo é o CEMDA (Centro Mexicano de Direito Ambiental), uma ONG mexicana cujas atividades estão voltadas para o litígio na defesa de comunidades, embora esta organização também acompanhe as comunidades e as capacite em estratégias jurídicas. O PODER (Projeto sobre Organização, Desenvolvimento, Educação e Investigação), uma outra organização mexicana, faz investigação para contrabalançar o poder dos investi- dores em indústrias extrativas. Em parceria com outras ONG, publicou um estudo de impacto em direitos humanos, um documento detalhado que procurava ser um EIA alternativo para avaliar um projeto de mineração no estado de Puebla45. O grupo chileno FIMA (Fiscalía del Medio Ambiente [Procuradoria do Meio Ambiente]) envolve-se principalmente em litígio estratégico, em vez de litigar casos específicos. Procura consciencializar e melhorar a comunicação sobre direitos humanos e questões ambientais. Faz investigação aprofundada e publica o seu próprio periódico. Outras ONG chilenas incluem a Defensoria Ambiental, que trabalha em questões de conflito socioambiental e defesa de comunidades, e a Geute, que faz atividades de conservação, consultoria e investigação jurídica no sul do Chile46. Uma das ONG mais importantes no Peru é a SPDA (Sociedade Peruana de Direito Ambiental), com um gabinete de apoio ao litígio que oferece aconselhamento sem se envolver diretamente em atividades de litigância. Criou em 2020 uma unidade de justiça ambiental para dar assistência técnica.
No Brasil, movimentos ambientalistas criaram na década de 2000 redes de apoio organizativo e jurídico em áreas rurais para tentar impedir que as empresas construtoras contornassem as responsabilidades previstas nos regulamentos47. O caso da barragem de Belo Monte demonstrou como instituições estatais fortes podem estruturar a atuação da sociedade civil: a mobilização legal foi feita por agências estatais (incluindo o Ministério Público) e não por ONG. ONG como o Movimento dos Atingidos por Barragens restringiram as suas atividades a estratégias nos meios de comunicação social, ação direta e defesa de direitos48.
É importante entender as implicações desta variedade de atividades das ONG. Qual é o seu papel na capacitação das comunidades locais e das instituições estatais, como se relacionam com grupos aliados, que mecanismos usam e que diferença fazem? A participação pode assegurar a inclusão de comunidades afetadas, mas poderá ser efetiva sem ONG de especialistas? Para além disso, temos de saber como as suas estratégicas podem ser ajustadas à estrutura de oportunidades num determinado local49. Algumas estruturas de oportunidades fomentam mais ativismo e atividade de lóbi, outras propiciam mais representação ou investigação jurídica, enquanto outras abrem mais espaço para educação e formação.
Uma das contribuições mais importantes das ONG de especialistas para o EDA acontece durante os EIA. O EIA é uma forma de conciliar objetivos de desenvolvimento com os direitos das pessoas afetadas50. Muitas organizações internacionais e muitos académicos fizeram estudos comparativos de EIA. Em 2015, o Banco Mundial publicou informação sobre o enquadramento legal para os estudos de impacto ambiental na América Latina51. Esta publicação contém descrições de 17 indicadores, e inclui os nomes das autoridades ambientais responsáveis por realizar o EIA, os tipos de instrumentos de EIA, os requisitos de triagem e delimitação de escopo, alternativas, participação de cidadãos, monitorização, comunicação, entre outros. O relatório da CEPAL de 2018 comparou EIA na América Latina, e concluiu que todos exigem avaliações de impacto, publicidade e informação, e participação pública que leve em conta as diferentes opiniões do público52. No entanto, existem algumas diferenças importantes: o Chile e o México têm limites temporais para a participação. O Chile, a Colômbia e o Peru exigem que a participação dos cidadãos seja desenhada e implementada de forma adequada às comunidades indígenas. Os regulamentos chilenos de EIA, de 2012, exigem que as estratégias de participação se adaptem aos contextos sociais, económicos, culturais e geográficos das áreas e populações em questão. O Chile tem-se movido de forma proativa para incluir a participação pública na atuação climática. Porém, a maioria dos países não tornou a participação pública vinculativa para agências estatais e empresários. A literatura académica encontrou variações de acordo com critérios de seleção e delimitação do âmbito de projetos, requisitos de participação, requisitos de transparência, e responsabilidades ministeriais53. Relatórios de organizações internacionais e trabalhos académicos apontam para a existência de numerosos critérios de boas práticas em EIA54. Para além disso, ONG têm feito lóbi de forma reiterada para que os processos legais sejam fortalecidos55.
Capacitação da sociedade civil
Um problema destes estudos é o pressuposto de que a responsabilidade de ajudar as comunidades afetadas é fundamentalmente do Estado. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente afirma:
«Por vezes, o envolvimento da população exige a capacitação do público para que este se relacione de forma ponderada e significativa com o governo e os proponentes dos projetos. É necessário, como primeiro passo, educar o público sobre o seu direito de aceder à informação e participar, e fornecer apoio direcionado quando uma comunidade não tem capacidade de se envolver deve ser considerado parte da responsabilidade do governo. Isto pode construir uma cidadania mais robusta para apoiar um governo e um Estado de Direito mais fortes».56
Apesar disto, tem sido dada pouca atenção à forma como estas ONG podem ser apoiadas. A participação dos cidadãos é frequentemente apresentada em termos passivos, nomeadamente que o Estado deve providenciar informação e oportunidades de participação57. De igual modo, o relatório EDI afirma que «os Estados devem fornecer os meios para a capacitação, incluindo educação e consciencialização ambiental, para promover a participação pública nas tomadas de decisão relativas ao ambiente»58. O relatório não dá indicações sobre como isto seria feito ou mensurado, nem quais recursos, pessoal, formação e incentivos seriam necessários para implementar corretamente os requisitos de participação pública.
No seu relatório de 2018, a posição da CEPAL relativa à participação era que os Estados latino-americanos deveriam clarificar as suas obrigações legais e definir de forma mais precisa o âmbito dos requisitos de participação. Deveriam esforçar-se por começar as consultas cedo, com informação adequada e de fácil compreensão, limites temporais apropriados, apoio (financeiro e técnico) às comunidades afetadas e uma interpretação generosa de quem pode participar59. Porém, num cenário em que a informação é detida pelos promotores dos projetos e a participação é controlada pelo Estado, simplesmente abrir as portas não permitirá obter os benefícios desejados se a sociedade civil não tiver a capacidade de se envolver nos mesmos termos que os interesses de desenvolvimento. O envolvimento nestes relatórios não parece muito diferente de uma consulta, ou de partilha de informação, e não é claro como pode fortalecer a capacidade da sociedade civil, ou que mecanismos e ferramentas seriam necessários. Para atingir os objetivos, as agências estatais deveriam promover oficinas, ajudar na interpretação das implicações de um projeto, esclarecer o contexto alargado e fornecer uma série de alternativas exequíveis ao desenho do projeto, comprometer-se com diálogo permanente, revelar os precedentes de outros casos, indicar o que os regulamentos dizem e permitem, e estar disponível para consultas periódicas. Na América Latina, praticamente todos os projetos de capacitação vieram de ONG de especialistas, e não do Estado.
Em vez de tentarem garantir sozinhos um EDA perfeito, os Estados devem focar-se em apoiar as ONG de especialistas. A ideia seria fortalecer o conhecimento legal e das políticas, melhorar as competências de comunicação e os recursos financeiros e informacionais dos grupos ambientais, de direitos humanos, indígenas e comunitários, que são claramente o elo mais fraco nas disputas de desenvolvimento. Além disso, o Estado deveria envolver-se proativamente com os promotores de projetos e seus opositores, estar aberto a soluções inovadoras para os conflitos, fornecer informação completa sobre os projetos propostos, incluindo sumários não técnicos, de forma atempada e nas línguas indígenas relevantes, bem como em espanhol ou português, e comunicar boas práticas60. Pode ser que isto seja pedir muito, dadas as insuficiências ao nível de recursos e capacidades, mas é provavelmente uma estratégia mais sustentável uma vez que significaria que as agências estatais não teriam de envolver e treinar as comunidades locais uma de cada vez. Em vez disso, os Estados poderiam ajudar a capacitar ONG importantes, e estas por sua vez poderiam oferecer esta formação61. As instituições de ativistas fariam com que a governança ambiental fosse conduzida no terreno, através de uma colaboração estreita com atores sociais para levar a cabo as atividades necessárias - avaliação, licenciamento, investigação, processos judiciais, arbitragem, resolução de conflitos, e por aí adiante.
É necessária uma maior atenção à compreensão destas dinâmicas. Os parceiros atlânticos na Europa e na América do Norte podem fazer muito para ajudar, incluindo financiamento e consciencialização, pressões legais, investigação e divulgação. A segurança de todos os parceiros da bacia atlântica depende desta questão fundamental.
Tradução: João Reis Nunes