INTRODUÇÃO
Rolstad e Boarini (1996) citado por Bland et al (2015) 2 definem a hérnia paraestomal como “um abaulamento da pele estomal, indicando a passagem de um ou mais ciclos de intestino através de um defeito da fáscia ao redor do estoma e do tecido subcutâneo”. Segundo estes autores, a hérnia paraestomal representa a complicação mais comum associada à confeção de estomas intestinais.
A cirurgia abdominal e a confeção de um estoma provocam um trauma na musculatura abdominal anterior. A Associação de Enfermeiras de Estomaterapia do Reino Unido (ASCN-UK) em 20161, recomendou que todas as pessoas portadoras de uma ostomia fossem sujeitas a um programa de exercício abdominal apropriado após a cirurgia, para fortalecimento da musculatura abdominal e do soalho pélvico para, desta forma, reduzir o risco de desenvolvimento de hérnias.
O presente trabalho tem como objetivos:
Sensibilizar para a temática hérnias paraestomais;
Identificar estratégias que permitam à pessoa portadora de ostomia reduzir a probabilidade de desenvolver hérnias paraestomais no pós-operatório;
Contribuir para a melhoria dos cuidados de Enfermagem na prevenção das hérnias paraestomais;
Promover qualidade de vida da pessoa portadora de ostomia;
Contribuir para o desenvolvimento da prática de Enfermagem de Reabilitação;
Contribuir para o desenvolvimento da prática de Enfermagem de Estomaterapia.
MÉTODO
Revisão simples da literatura existente acerca do tema, com recurso a pesquisa booleana, devido à dificuldade em encontrar literatura sobre a temática, tendo por base as palavras-chave: hérnia paraestomal, guidelines, pessoa portadora de ostomia, publicados entre janeiro de 2009 e outubro de 2017.
RESULTADOS
Apesar dos avanços tecnológicos e científicos na área cirúrgica, as complicações pós-operatórias continuam a existir e constituem uma das principais barreiras à adaptação da pessoa aos novos processos de transição que as cirurgias implicam.
Na área da Estomaterapia, as complicações podem ocorrer nos primeiros dias após a cirurgia (complicações precoces ou imediatas) ou algumas semanas/meses depois (complicações tardias). Assim sendo, o reconhecimento dos sinais e sintomas de uma complicação, bem como a implementação de intervenções o mais precocemente possível, são fundamentais para garantir uma adaptação mais eficaz da pessoa à ostomia com consequente melhoria na sua qualidade de vida.
De acordo com um estudo realizado em pacientes num Hospital Universitário na Suíça por Carlsson et al3 (2016)3, a hérnia parastomal foi a complicação cirúrgica mais comum (20%), e significativamente mais nas mulheres (69%) e nas cirurgias de emergência, ocorrendo em pacientes com colostomia e ostomia de ≤ 5 mm.
Num estudo efetuado no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra por Melo et al (2014) 4, a incidência da hérnia parastomal foi de 40,6% e outras complicações de 6,25% (infeção da ferida operatória, estenose do estoma, ou outras).
De acordo com os dados previamente apresentados, as hérnias paraestomais surgem como a principal complicação tardia após a confecção de uma ostomia. Segundo Devlin (1983) citado por Târcoveanu et al (2014) 5, existem 4 tipos de hérnia paraestomal: intersticial, na qual ocorre a passagem de um ou mais ciclos de intestino herniado ao lado do estoma, penetrando entre os planos intermusculares; subcutânea, a mais comum, aparece da mesma forma que a anterior mas atinge o tecido subcutâneo; intraestomal (geralmente ocorre na ileostomia) que ocorre ao longo do intestino para o estoma; periestomal o estoma encontra-se prolapsado e surgem ciclos de intestino herniado pelo estoma.
De acordo com a ASCN-UK (2016) 1, as hérnias paraestomais tem uma etiologia multifatorial. No entanto, existem alguns factores de risco para os quais os profissionais de saúde devem estar alerta:
Tipo, localização e tamanho do estoma;
Obesidade (alto índice massa corporal);
Levantamento de pesos no exercício profissional;
Múltiplas cirurgias abdominais;
Tipo de cirurgia (emergente ou programada);
Infeção da ferida operatória;
Patologias que desencadeiam um aumento da pressão abdominal (ascite, hipertrofia da próstata, etc.);
Idade avançada;
Tosse crónica ou vómitos;
Obstipação;
Estilo de vida (hábitos tabágicos ou sedentarismo).
Segundo Meleis e colaboradores (2000) 6, “todas as transições desencadeiam mudança e para compreendê-la é fundamental identificar os efeitos e seus significados. Estas devem ser exploradas segundo a sua natureza, temporalidade, gravidade e expectativas pessoais, familiares e sociais. A mudança pode estar relacionada com eventos críticos ou desequilíbrios que levam a alterações nos ideais, percepções, identidades, relações e rotinas”.
O processo de ensino-aprendizagem da pessoa portadora de ostomia deve começar no pré-operatório, com a finalidade de este conseguir uma adaptação mais célere às mudanças eventualmente necessárias no seu do estilo de vida, sem esquecer da ajuda na consciencialização do estado de saúde e apoiando no percurso das condições de transição.
Assim sendo, e tendo em consideração os principais factores de risco para o desenvolvimento de hérnias paraestomais previamente identificados, são várias as intervenções de Enfermagem que podem ser implementadas ao nível do ensino/instrução/treino da pessoa portadora de ostomia, com vista à sua recuperação total o mais precoce possível.
Intervenções de Enfermagem no pós-operatório
Ensinar/instruir/treinar os cuidados ao estoma e à pele perístoma;
Ensinar a apoiar a área abdominal quando tossir ou espirrar, durante o período pós-operatório;
Aconselhar o uso de cinta, pelo menos 3 meses pós cirurgia, sem orifício (ASCN-UK, 2016) 1;
Evitar levantar pesos (mais de 2,5Kg) durante as primeiras 6 a 8 semanas após a cirurgia;
Promover o reinício de exercício físico 6 semanas após a cirurgia e após indicação da equipa multidisciplinar (ASCN-UK, 2016) 1;
Promover uma hidratação e nutrição adequada, ajustadas ao tipo de ostomia e às características específicas da pessoa portadora de ostomia (ASCN-UK, 2016) 1;
Ensinar/instruir/treinar exercícios de fortalecimento da musculatura abdominal e do soalho pélvico, bem como a manter a postura corporal correta, com alinhamento corporal (ASCN-UK, 2016) 1;
Ensinar a identificar sinais e sintomas indicativos de hérnia paraestomal: diminuição da saída de fezes, dor, cólicas, náuseas ou vómitos, alteração da cor do estoma.
No que concerne à atividade física, em 2005 e novamente em 2007, Thompson e Trainer7, duas enfermeiras especialistas em Estomaterapia da Irlanda, implementaram em consulta um programa de exercícios e cuidados na prevenção das hérnias paraestomais, antes e após a cirurgia, bem como conselhos de estilos de vida saudáveis. Este programa incidia sobre 3 tópicos: consciência do potencial desenvolvimento de hérnias paraestomais, exercícios abdominais para fortalecimento dos músculos e o uso de cintos de suporte abdominal para levantamento de objetos pesados durante 1 ano após a cirurgia. Estas autoras descobriram que a maioria das hérnias ocorreram nos primeiros meses após a confeção de estoma. A qualidade de vida dos doentes foi monitorizada nos momentos: aquando da alta, após 3 meses, 6 meses e 1 ano.
Outros autores como Williams (2003), Harris et al (2004), Cottam e Richards (2006) citado por Varma (2009) 8, verificaram que depois de implementarem um programa de exercícios abdominais e aconselhamento do uso de vestuário ou cintos de apoio abdominal, houve uma redução da incidência da hérnia paraestomal de 28% para 15%.
Para García et al (2016) 9, a incidência de hérnias paraestomais pode ser reduzida através da implementação de um programa de prevenção não invasivo que inclui a diminuição de manobras que aumentem a pressão abdominal (a tosse, carregar pesos) durante os três primeiros meses do pós-operatório imediato. Posteriormente, devem ser realizados exercícios abdominais hipopressivos para o fortalecimento da musculatura abdominal e o uso de roupa e/ou dispositivos que ajudem a homogeneizar a pressão abdominal (como a faixa abdominal) desde o pós-operatório imediato.
DISCUSSÃO
A educação para a saúde é um processo de ensino/instrução/treino que o enfermeiro faz com os utentes, com o objetivo de o dotar de estratégias que o ajudem a minimizar o impacto que os processos de transição acarretam no seu dia-a-dia, contribuindo para a sua recuperação e o seu bem-estar, tentando identificar o valor que dá à situação e os padrões de resposta para avaliação do seu envolvimento.
Com a realização deste trabalho foi constatado a existência de pouca literatura e estudos de investigação sobre esta temática. Assim, torna-se pertinente implementar formação e investigação nesta área, dado o aumento da incidência de pessoas portadoras de ostomia em grupos etários mais jovens e ativas.
De acordo com a revisão da literatura previamente efetuada, a realização de exercícios de fortalecimento da musculatura abdominal antes da cirurgia constitui uma das intervenções mais importantes para reduzir o risco de desenvolvimento de hérnia parastomal. Estes devem ser iniciados depois de uma avaliação pela equipa multidisciplinar e realizados diariamente. Nas primeiras 6 semanas os exercícios deverão suaves e mantidos de acordo com a capacidade física da pessoa.
Assim, em colaboração com as enfermeiras especialistas em reabilitação e tendo em conta as recomendações dos peritos internacionais obtidas através da literatura consultada, foi-nos possível desenvolver alguns exercícios práticos para posterior ensino à pessoa portadora de ostomia, com o intuito de reduzir a incidência de hérnias paraestomais na instituição onde desenvolvemos a nossa atividade profissional.
Programa de exercícios para fortalecimento da musculatura abdominal e pélvica
Exercício abdominal (deitado com cabeça apoiada numa almofada)
Com as mãos suavemente apoiadas na barriga, inspirar pelo nariz e ao expirar, puxar suavemente a barriga para baixo em direção à coluna vertebral. À medida que sentir que os músculos são contraídos, segurar por 3 segundos e depois expirar normalmente.
Inclinação pélvica (deitado com cabeça apoiada numa almofada)
Posicionar as mãos atrás, na região lombar. Contrair os músculos da barriga como no exercício anterior e com ajuda das mãos elevar a anca durante 3 segundos e depois expirar normalmente.
Rotação lombo-sagrada (deitado com cabeça apoiada numa almofada)
Contrair os músculos da barriga como nos exercícios anteriores. Com as pernas fletidas e pés apoiados no chão rodar a região lombo-sagrada e pernas para um lado e para o outro. Regressar lentamente à posição inicial e relaxar.
Exercício abdominal (em pé)
De pé e com as costas apoiadas na parede e os pés encostados, contrair os músculos da barriga e manter as costas em contacto com a parede. Manter por 3 segundos e relaxar.
De acordo com a ASCN-UK (2016) 1, manter o plano de exercício durante pelo menos 12 semanas após a cirurgia reduz o risco de desenvolvimento de hérnias paraestomais.
CONCLUSÃO
A hérnia paraestomal continua a ser uma preocupação para os profissionais de saúde e para a pessoa portadora de ostomia. O enfraquecimento da musculatura abdominal aumenta o risco de formação de hérnia, logo o fortalecimento desta com um programa específico de exercícios parece ser a melhor opção.
O programa de prevenção não invasiva inclui a diminuição de manobras que aumentem a pressão abdominal durante os três primeiros meses do pós-operatório imediato. Posteriormente, devem ser realizados exercícios abdominais para o fortalecimento da musculatura abdominal e o uso de roupa e/ou dispositivos que ajudem a homogeneizar a pressão abdominal.
Se a pessoa portadora de uma ostomia for cognitivamente capaz, deve ser realizado ensino/instrução/treino dos exercícios que deve efetuar regularmente para fortalecer e manter a força da musculatura abdominal. Os exercícios são fáceis, confortáveis e sem custos acrescidos, sem necessidade de suporte adicional (cintas ou roupa interior subida para suporte).
Estes exercícios para além de reduzirem o risco de hérnia paraestomal, otimizam problemas biomecânicos e posturais, de equilíbrio e coordenação, aumentam a capacidade de suporte da pressão intra-abdominal, o bem-estar e a confiança.
Dada a falta de bibliografia e investigação nesta área, torna-se emergente a realização de estudos que fundamentem a implementação destes cuidados específicos em consulta, dirigidos à pessoa portadora de ostomia.