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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754
Nascer e Crescer vol.21 no.3 Porto set. 2012
Microbiota e cultura de arranque
Helena Canário1
1 Medical Advisor Nestlé Materno Infantil
A mucosa do trato gastrintestinal (trato GI) constitui a maior interface de contacto entre o organismo humano e o ambiente externo. Através da mucosa intestinal, o hospedeiro interage com uma população microbiana de dimensão substancial que está presente no lúmen intestinal e que se denomina de microbiota intestinal incluindo tanto a microflora intestinal (microrganismos residentes) como todos os microrganismos ingeridos pelo hospedeiro.
Uma vez que o trato GI funciona como uma barreira e, simultaneamente, é uma superfície de interação com o ambiente, não é surpreendente que nele esteja presente a maior proporção de tecido linfoide do organismo. Cerca de 80% de todas as células produtoras de imunoglobulinas encontram-se precisamente no trato GI, compondo o tecido linfoide associado à mucosa intestinal (GALT Gut Associated Lymphoid Tissue), um órgão imunológico major.
O crescente corpo de evidências científicas continua a elucidar-nos acerca dos potenciais benefícios do consumo de microrganismos vivos, geralmente referidos como probióticos. Através da modificação da composição da microflora intestinal, e melhoria do equilíbrio microbiano, os probióticos conferem benefícios ao hospedeiro, sobretudo através da modulação das respostas imunológicas do GALT. Os probióticos podem assim ser definidos genericamente como microrganismos não patogénicos presentes nos alimentos capazes de conferir benefícios para a saúde do hospedeiro através de vários mecanismos. É ainda de salientar que a palavra probiótico significa, literalmente, para a vida.
Bactérias probióticas comuns incluem-se sobretudo nos géneros Lactobacillus e Bifidobacterium, sendo este último componente predominante da microflora presente no cólon de lactentes alimentados com leite materno. O leite materno contém inúmeros componentes, incluindo prebióticos (oligossacáridos). Estes, tal como outros tipos de oligossacáridos presentes na alimentação de crianças e adultos, podem favorecer o crescimento de Bifidobactérias e Lactobacillus.
In utero, o tracto GI é estéril. Imediatamente após o nascimento, inicia-se a colonização bacteriana do tracto GI. Nos primeiros 2 dias de vida extra-uterina o tracto GI do recém-nascido é rapidamente colonizado com bactérias, maioritariamente enterobactérias. A alimentação influencia o desenvolvimento da microflora intestinal, verifi cando-se um grande aumento de bifido-bactérias, a par de aumentos, menos marcados, de Lactobacilli e Bacteroides e diminuição do número de enterobactérias. De salientar que lactentes alimentados com leite materno verifica-se uma predominância de espécies pertencentes ao género Bifidobacterium (80 a 90% da microfl ora total).
Assim, em lactentes alimentados com leite materno, a microflora intestinal é bifidodominante, estando também presentes espécies de Lactobacillus e algumas espécies de Staphylococcus. Pelo contrário, lactentes alimentados com fórmula com idades compreendias entre 1 e 4 meses apresentam uma microflora mais complexa, dominada por coliformes e Bacteroides (Figura 1). Com a diversificação alimentar, a microflora intestinal do lactente começa a assemelhar-se à do adulto, variando de indivíduo para indivíduo, mas permanecendo relativamente estável no próprio indivíduo.
De que modo é que o tipo de parte poderá influenciar a microbiota intestinal? O começo não é igual para todos os bebés. Assim, podemos dizer que este começo estará dependente do tipo de parto, tempo de gestação (prematuridade), bem como se o bebé é sujeito a tratamento com antibióticos. Por outro lado, o que se verifica é que os bebés que nascem por cesariana têm um tipo de microbiota diferente dos bebés que nascem de parto vaginal, tendo estes últimos uma contagem total de bifidobacterias mais elevada. A colonização nos bebés nascidos por cesariana é mais lenta. A questão que se coloca é: que impacto tem na saúde futura do lactente? Parece haver uma correlação entre tipo de parto e determinadas patologias tais como: asma, alergia alimentar, infeções gastrintestinais etc.
Então qual será a melhor forma para modular a microbiota intestinal? Obviamente que o leite materno é a melhor forma e a mais natural. No entanto, face a novas evidências qual será a melhor atitude a tomar? Repensar a alimentação dos bebés não amamentados ou continuar a fornecer uma alimentação estéril?
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