No início do século XIX, os hospitais conheciam apenas duas profissões de saúde diferentes: medicina e enfermagem. Hoje, com o impacto das crescentes possibilidades de cuidados voltados ao bem-estar das pessoas, desenvolvimentos sociais e desenvolvimentos nas profissões de saúde criaram muitos papéis. Neste novo contexto, diferentes profissionais de saúde trabalham em hospitais, incluindo uma variedade de terapeutas, técnicos, economistas, assistentes sociais e até palhaços.
Não é muito diferente quando se trata de promoção da saúde nas comunidades - os centros de saúde no Brasil, trabalhando na atenção primária à saúde da população brasileira, englobam ações de carácter preventivo, curativo, cuidados de reabilitação e medidas de promoção da saúde - e dispõe de equipes multiprofissionais para promover e cuidar da saúde dos brasileiros. É nesta última modalidade que figura este relato de experiência, dentro de uma organização complexa dos cuidados em saúde, onde a colaboração é essencial para atender as necessidades de saúde dos pacientes e para promover o bem-estar da coletividade.
Para que a coordenação e as responsabilidades sejam claras, significa que os diferentes profissionais devem estar cientes da sua contribuição para o processo de saúde de todos os envolvidos. No Brasil (2007), o Programa Saúde na Escola (PSE), instituído em 2007, faz parte da política intersetorial da Saúde e da Educação, integrando e articulando as políticas e ações de educação e saúde, com a participação da comunidade escolar, envolvendo as equipes de saúde da família (Picon et al., 2012) e da Educação Básica (Costa et al., 2011) - políticas voltadas às crianças, adolescentes, jovens e adultos da educação pública brasileira, unidas para promover saúde e educação integral, por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde, garantindo ou resgatando a cidadania (Pinto, 2019).
Entretanto, é bastante raro constatar a movimentação da escola à procura das unidades básicas de saúde para realizar trabalhos multiprofissionais, nos moldes que se apresentam neste relato de experiência. Em outras palavras, na maioria das vezes, as escolas oferecem espaço para a atuação dos programas do PSE, sem que haja a participação direta dos profissionais da instituição de ensino. Neste trabalho, porém, a unidade de saúde local acolheu a proposta apresentada pelos professores da escola do bairro, e trabalhou junto deles, oferecendo materiais, mão de obra e dados sobre o agravo escolhido para a ser desenvolvido: Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).
A HAS, uma doença crônico-degenerativa não transmissível, de natureza multifatorial, é um mal silencioso que afeta jovens e adultos. Considerada de saúde pública (Almeida et al., 2021) na maioria dos casos, é assintomática e compromete fundamentalmente o equilíbrio dos sistemas vasodilatadores e vasoconstritores (Picon et al., 2012). Na prática, este agravo é caracterizado pelo aumento dos níveis pressóricos acima do que é recomendado para uma determinada faixa etária - pressão arterial sistólica maior ou igual a 140 mmhg e pressão arterial diastólica maior ou igual a 90 mmhg, em indivíduos que não estão fazendo uso de medicação anti-hipertensiva (Costa et al., 2011).
É uma condição clínica caracterizada pelo nível elevado e sustentado da pressão arterial, associada frequentemente às alterações funcionais e/ou metabólicas, com aumento do risco de eventos cardiovasculares, fatais ou não (Malta et al., 2014). Daí a importância de promover ações educativas para incentivar hábitos e estilos de vida adequados e, desta forma, melhorar a qualidade de vida dos alunos, já que a hipertensão arterial sistêmica (HAS) se tornou um problema de saúde pública, pelo impacto econômico e ônus que acarreta ao sistema social e de saúde, refletindo na qualidade e expectativa de vida dos indivíduos. Então, a prevenção de alterações irreversíveis no organismo exige controle continuado, além de ações individuais e coletivas, que devem estar presentes também na escola (Bove et al., 2020).
A hipertensão arterial é considerada um grande risco para a doença cardiovascular, especialmente enfarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e doença renal crônica. Estima-se que a pressão arterial sistólica (> 115 mm Hg) contribui para 49% de todas as doenças coronárias e 62% de todos os ataques cardíacos (Mackay & Mensah, 2004). Assim, a carga de morbidade e mortalidade por hipertensão e doenças não transmissíveis relacionadas é atualmente um dos problemas mais urgentes de saúde pública em nível mundial. Como as doenças não transmissíveis podem levar anos e décadas para se manifestar (Rangel, 2009), retardar o aparecimento delas pode melhorar a vida.
A pressão arterial durante infância tem uma associação significativa com a pressão arterial durante a idade adulta (Soares et al., 2018). Além disso, a pressão arterial elevada na infância contribui para a patologia da doença cardiovascular nesta faixa etária. Assim, abordar e tratar o problema da elevação da pressão arterial e outros fatores de risco para doenças não transmissíveis na infância, é crucial para combater tais agravos, que podem se manifestar mais tarde na vida (Bove et al., 2020; Werneck et al., 2019).
No mundo são 600 milhões de hipertensos (Wong & Moran, 2014) e, no Brasil, estima-se que haja 30 milhões de hipertensos, cerca de 30% da população adulta; 7% são crianças e adolescentes e 25% negros. Entre as pessoas com mais de 60 anos, mais de 60% têm hipertensão (Gomes, Silva & Santos, 2010). Vale enfatizar que HAS não tratada apresenta complicações específicas, tais como:
doença cardiovascular hipertensiva: a hipertrofia ventricular esquerda é encontrada em 10-30% dos hipertensos, dependendo do nível da pressão sanguínea e da duração HAS (Bernardi et al., 2017);
doença cerebrovascular hipertensiva: a hipertensão arterial é o maior fator predisponente aos A.V.Cs, incluindo as hemorragias ou infartos cerebrais (Brito et al., 2017);
doença hipertensiva renal: a hipertensão crônica determina a nefroesclerose, causa comum de insuficiência renal (Vassalotti et al., 2016);
dissecção da aorta: a hipertensão é a maior causa determinante da exacerbação da dissecção da aorta (Brito et al., 2017).
Nesta linha de pensamento, o objetivo científico deste trabalho é verificar se as pesquisas e ações educativas multidisciplinares entre professores e profissionais da saúde podem melhorar a integração entre a escola, a UBS local e a comunidade, com a finalidade de conscientizar o aluno sobre a importância em manter os níveis adequados de sódio, que devem fazer parte da alimentação diária de cada indivíduo. Os objetivos didático-pedagógicos, terapêuticos e educacionais, gravitaram em torno de: a) trabalhar de maneira multidisciplinar, b) pesquisar sobre o panorama da HAS - em nível mundial e nacional; c) investigar, na Unidade Básica de Saúde (UBS), a quantidade de hipertensos no bairro; d) ilustrar, através de gráficos, a realidade da hipertensão familiar de cada turma; e) construir maquetes ilustrativas sobre os malefícios do sal para a saúde; f) incentivar hábitos e estilos de vida adequados; g) expor os resultados deste trabalho na feira de ciências da escola.
A ideia de trabalhar a HAS, foco desta pesquisa, partiu da queixa da maioria dos alunos de uma escola de educação básica, na periferia de Florianópolis-SC, relacionada à merenda escolar, que na opinião deles, era pobre em sal. Então, os comentários trouxeram à luz a ideia de trabalhar as razões pelas quais a merenda é assim preparada e servida, uma vez que as refeições realizadas dentro da escola podem contribuir para agravar ou atenuar problemas de saúde pública (Paiva et al., 2011). Assim, com base nas queixas relativas ao baixo teor de sal na merenda diária, decidiu-se que seria interessante realizar um trabalho integrado entre a escola e a UBS local, com a finalidade de esclarecer sobre as razões para a oferta de alimentos com preparação pobre em sódio.
A UBS local possui um cadastro das famílias do bairro, alimentado pelos agentes comunitários de saúde (ACS). Nele estão cadastrados 8.850 usuários, que utilizam tanto o Sistema Único de Salde (SUS) quanto o sistema privado. Do total de usuários, 647 pacientes têm diagnóstico de HAS. Os registros apontam que os fatores de risco mais observados são: idade avançada, obesidade e hereditariedade, associados ao sedentarismo e estresse.
Quanto a não adesão a formas não farmacológicas, a dificuldade maior está relacionada à mudança do estilo de vida (MEV), que incluem atividade física regular, principalmente exercícios aeróbios, para melhoria da função cardíaca e alimentação saudável como menos ingestão alimentar principalmente de sal, gorduras e carboidratos. A equipe de saúde desta unidade oferece grupo de caminhadas e atividade física desenvolvida por um educador físico, sem restrição de acesso.
Ainda, a UBS também tem grupos de alimentação saudável e apoio psicológico com vistas ao manejo do estresse. Assim, a equipe de saúde tem como alternativa o encaminhamento para os grupos existentes na unidade local, facilitando o acesso aos usuários do bairro.
Método
Participantes
A proposta de trabalho foi apresentada a 250 alunos do ensino Fundamental II, de uma escola pública da periferia de uma cidade do estado de Santa Catarina - Brasil. Foi trabalhada a conceituação do termo “sódio” e a diferença entre este elemento e o sal de cozinha, com leituras e atividades. Durante as aulas expositivas, os alunos identificaram a quantidade de sódio presente em vários tipos de alimentos. Foram feiras discussões referentes à redução do consumo de sódio, com indicação de alimentos saudáveis e como preparar temperos que utilizam menos sal. Dessa maneira, os estudantes dos últimos anos das séries finais do Ensino Fundamental, junto aos seus professores, gestores escolares, famílias e profissionais da UBS do bairro, participaram deste trabalho.
Procedimento
Este trabalho, de caráter multidisciplinar, constitui-se no relato de uma experiência resultante da pesquisa-ação, que objetivou estimular e promover a prática multidiscplinar entre a escola e a a UBS do bairro onde estas estão localizadas. Também, envolveu um projeto investigativo de pequena escala sob a responsabilidade de profissionais da educação e da saúde, ancorado em quatro fases: planejamento, ação, observação e reflexão - que, na literatura especializada, é considerado como uma pesquisa-ação (Richards & Lockhart, 1996).
A ideia do trabalho investigativo foi explorar um problema comum - merenda “sem” sal - em um contexto específico - escola -, a fim de obter entendimento, criar significado, melhorar as práticas educacionais e familiarizar-se com o trabalho em educação para a saúde, desenvolvido pelos profissionais da UBS do bairro. Assim, esta pesquisa objetivou estimular e promover a prática multidisciplinar entre a escola e a UBS do bairro onde estas estão localizadas. Para isso, houve movimento da escola no sentido de: a) contatar a UBS local para investigar a situação dos hipertensos, usuários da atenção básica; b) convidar a nutricionista da prefeitura para dar palestras para os alunos; c) reunir professores e gestores para discutir os assuntos pertinentes ao tema a ser estudado interdisciplinarmente.
Na busca por dialogar e construir ações cooperativas, para aperfeiçoar o fazer pedagógico, além dos assuntos abordados pela nutricionista, cada disciplina elencou os conteúdos a serem abordados nas disciplinas do currículo escolar, conforme Quadro 1.
Os alunos foram acompanhados ao longo de todas as atividades, o que permitiu observar o que cada um aprendeu e como eles caminharam em direção aos objetivos almejados. Os trabalhos tiveram a duração de um bimestre letivo e vários foram os recursos e as técnicas de abordagem do assunto durante as aulas: documentários, pesquisas, avaliação e análise de rótulos de embalagens de produtos alimentícios, paródias, jogos sobre a origem dos produtos enlatados, bingo, produção de textos, preparo de alimentos na cozinha da escola; degustação de algumas preparações elaboradas com os temperos preparados, etc.
Ainda, a produção intelectual, e artística, foi coroada com uma exposição na feira de ciências da escola, aberta à visitação da comunidade. Nesta oportunidade, os alunos foram convidados a expor, para suas respectivas famílias e outros visitantes, tudo o que aprenderam sobre o tema. Quanto à avaliação global do trabalho, foi relatada e discutida a experiência da equipe envolvida - participantes de dentro e de fora dos portões da escola. Isto incluiu não somente o relato das atividades, mas também a interação entre os participantes e a parceria entre as instituições, bem como os relacionamentos e a comunicação entre pares de trabalho, uma vez que "Saber conviver, colaborar e compartilhar experiências e ideias uns com os outros é uma preparação para a vida democrática e, ao mesmo tempo, permite uma boa inserção na aula e no mundo social" (Parrat-Dayan, 2008, p. 130). Os resultados da experiência estão relatados a seguir.
Resultados
Desde o auge da revolução industrial que os efeitos negativos das más condições de vida na saúde das pessoas têm sido documentados (Engels, 2010; Merlo & Lapis, 2007). De lá para cá, com a evolução do conhecimento em várias esferas, o impacto das possibilidades crescentes dos cuidados em saúde - com desenvolvimentos nas áreas sociais e profissionais - gerou muitos papéis, levando a novas profissões e estimulando a preocupação no que tange ao cuidado com a saúde física e emocional.
A percepção de que a saúde pode ser socialmente produzida e sua distribuição por classe, gênero e geração pode ser medida para mostrar desigualdades na morbimortalidade, moldou a política e a prática das organizações nacionais de saúde e bem-estar. Dentro dessa nova concepção, as escolas, enquanto espaços sociais, possuem funções importantes tais como prevenir agravos à saúde dos alunos, já que muitos destes discentes vêm de diferentes lugares, muitos considerados de risco.
A nova lei que rege a educação no Brasil - Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - baseia-se em competências gerais, que devem servir como âncora para dar sustentação aos conteúdos e às ações pedagógicas, tendo o aluno como centro do processo de ensinar-aprender. Dentre essas competências, que visam a uma educação integral, está o cuidado com a saúde física e emocional. Está, então, sob a responsabilidade da escola o grande desafio de como criar, dentro da força de trabalho existente, habilidades para trabalhar assuntos de tal complexidade e relevância para a vida.
A evolução dos trabalhos relacionados à HAS, e realizados em parceria com profissionais de outras áreas, alivou a carga de preocupações dos profissionais docentes e ocupou-se das lacunas que a escola, sozinha, não se sentiu capacitada para preencher. Entretanto, um novo desafio se impôs: capacidade de colaboração multiprofissional eficaz. Neste caso, a colaboração entre profissionais da UBS local (enfermeira), da prefeitura (nutricionista) e da escola (gestores e professores), que esteve voltada para a principal queixa dos alunos: merenda "sem" sal. É importante ressaltar o acolhimento e a parceria da enfermeira responsável pela UBS do bairro, que se envolveu integralmente e comprometidamente com todas as etapas da aplicação dos trabalhos - tanto teóricos quanto práticos. Assim, alguns comportamentos do trabalho em equipe multidisciplinar e profissional, foram constatados e estão listados a seguir.
Definição de papéis e limites
Observou-se que diferentes profissionais, porque possuem diferentes públicos-alvo, diferentes pontos de vista sobre os cuidados adequados e diferentes percepções sobre como lidar com eles, têm mais condições de oferecer cuidados mais adequados e melhores práticas cuidando/ensinando com mais abrangência. Respeitando os diferentes tipos de conhecimento de uma equipe multiprofissional, a intersetorialidade entre a escola e o serviço de saúde fortaleceu a prática de produção e promoção da saúde.
Houve autonomia com interdependência entre os membros da equipe. Todos os participantes souberam valorizar as contribuições de cada um. Emoções e egos não obstaculizaram o caminho durante os contatos e discussões sobre como organizar, produzir e operacionalizar o trabalho. Toda ação tomada teve uma visão compartilhada de todos os membros da equipe e a consideração do espaço escolar como ambiente potencial para a produção de práticas de saúde cresceu e foi percebida, pelos alunos, como um diferencial no cotidiano da escola.
Dinâmica de relacionamento
Embora dinâmicas de poder possam afirmar a identidade profissional de alguns colegas sobre outros, e podem ser uma ameaça, verificou-se que não houve disputa de poder nesta equipe multidisciplinar, onde certos membros da equipe competem para ter controle e mais status. Os profissionais partilharam uma língua comum, sem jargões alienantes, adequada ao trabalho em equipe multiprofissional (professores e profissionais da saúde) e ao público-alvo. Houve certa uniformidade de discurso no sentido de promover educação em saúde, enfatizando as ações específicas consideradas importantes.
O conhecimento específico de cada especialidade profissional, levado para a escola, foi precioso e fundamental. Nesta experiência, o respeito ao saber do outro, incluindo os alunos, foi um aprendizado vital entre os componentes do grupo multiprofissional e a escola, em seu contexto mais amplo, como agente fornecedor da possibilidade de educar por meio da construção de conhecimentos resultantes do confronto e adição dos diferentes saberes em um mesmo trabalho.
Atitudes positivas em relação à aprendizagem compartilhada
Cada profissional organizou o seu próprio conteúdo ciente do que foi ensinado/aprendido em outras áreas. Para isso, houve consulta e compartilhamento de ideias e materiais entre os diferentes atores. Houve movimento em direção aos seguintes fenômenos interativos: a) Multiprofissional - cada profissional olhou para o tema proposto da perspectiva de sua própria profissão, b) Interprofissional - cada um olhou para o conteúdo abordado, a partir da perspectiva de sua área e das outras áreas envolvidas e c) Transprofissional - todo o processo esteve baseado, também, na experiência aprendida no mundo real, que forneceu subsídios substanciais para a aprendizagem dos alunos, com contribuições simultâneas para as ciências sociais (conhecimento) e para mudanças sociais (trabalho prático).
A colaboração mostrou-se essencial para cobrir a demanda e garantir o alinhamento dos cuidados e informações inequívocas aos alunos. Isso significou que os profissionais estavam cientes da contribuição específica de cada área de conhecimento para o processo de promoção de saúde de todos os envolvidos.
Valorização do trabalho pelos pares
Todos os profissionais se engajaram com as atividades desenvolvidas, fazendo perguntas, incentivando e apoiando as várias reflexões resultantes do processo de ensinar/aprender sobre saúde. Além disso, foram bons ouvintes, ofereceram sugestões e conselhos, sem impor julgamentos pessoais ou avaliações e advogaram para o sucesso dos trabalhos. Esses comportamentos indicam que os profissionais estavam cientes da contribuição de cada área profissional ao processo de saúde de todos os envolvidos. Mais que isso: houve a sensação de um reconhecimento crescente de que as políticas de saúde, cada vez mais, não podem continuar confinadas aos serviços clínicos e médicos. Do mesmo modo, encapsulado nesse reconhecimento, estava o fato de que a saúde, além de depender também do estilo de vida e do ambiente físico dos indivíduos, depende ainda do esforço coletivo.
Verificação da importância da escola enquanto locus de promoção da saúde
A escola tem sido considerada como espaço propício à formação de hábitos alimentares saudáveis e à construção da cidadania, que ultrapassam as fronteiras da instituição, com resultados positivos nos programas de prevenção à saúde, estendendo-se a toda a comunidade escolar (Cervato-Mancuso et al., 2016). Os profissionais engajados em trabalho multiprofissional e interdisciplinar têm a tarefa de oferecer acesso à informaçãoe incrementar o conhecimento para o autocuidado.
No caso do profissional de Nutrição, estimular o contato e a experimentação de alimentos que sejam de fácil acesso e preparo, simultaneamente saudáveis e agradáveis aos sentidos, proporcionando prazer e respeitando a cultura dos indivíduos e de seu grupo social, constitui-se em um desafio no contexto escolar, já que poucos nutricionistas atuam em atividades de educação nutricional desenvolvidas por eles - de forma sistematizada e com conhecimentos da área divulgados (Cervato-Mancuso et al., 2016).
Neste trabalho, a escola foi a grande protagonista de toda a ação que envolveu os estudos sobre a HAS. Aqui vale destacar os vários tipos de conhecimento veiculados dentro dessa instituição escolar: a) os conhecimentos científicos veiculados pelas diferentes disciplinas do currículo; b) os saberes trazidos pelos alunos e suas respectivas famílias, com crenças e valores culturais próprios; c) as informações divulgadas pelos meios de comunicação, nem sempre devidamente alcançadas e compreendidas; d) os conhecimentos trazidos pelos professores, oriundos de experiência e vivências pessoais e profissionais, os quais também envolvem crenças e valores, que são manifestados em atitudes e comportamentos; e e) os saberes compartilhados na comunidade, muitas vezes fragmentados e desconexos, mas que necessitam de escuta qualificada e devem ser levados em conta por exercerem forte influência sociocultural.
Estímulo para publicização do trabalho realizado
Houve preparo de material para uma exposição na feira de ciências, compartilhando os resultados dos trabalhos e das aprendizagens, que se estenderam à comunidade. A organização da exposição incentivou a reflexão, auxiliou a organizar pensamentos e conclusões. Quando esforços colaborativos são usados como parte do plano de crescimento profissional, ou em um projeto de melhoria da escola, a exposição final serve para resumir as atividades do projeto e destacar os resultados dos trabalhos.
Vale lembrar que as queixas dos alunos (impulso democrático) e, neste caso, a identificação e a vigilância de práticas de risco por parte da escola, articularam uma insatisfação, que serviu de pontapé para a execução deste trabalho. Então, eles foram considerados parte da equipe de ensino/aprendizagem multidisciplinar, que discutiu o bem-estar de todos. Observou-se que, apesar de não ter sido planejado para ser uma pesquisa-ação, este trabalho reuniu ingredientes contemplados neste delineamento metodológico (Beck, 2017; McNiff, 2013; McNiff, 2010; Thiollent, 1985) e envolveu: a) pergunta conduzindo à geração de conhecimento; b) conjunto de práticas que respondeu ao desejo dos alunos e incentivou-os a agir criativamente em face de uma questão inquietante; c) utilização de uma situação e um contexto específico; d) indivíduos/equipe com um propósito comum; e) participação e colaboração de todos os envolvidos; f) reflexão com base em interpretações feitas pelos participantes; e g) abertura de espaços comunicativos em que o diálogo e o desenvolvimento prosperaram.
Em termos pedagógicos, do ponto de vista do conhecimento ensinado/aprendido em ambiente escolar, após a implementação do trabalho pode-se observar que a maioria dos alunos nunca tinha trabalhado esse tema. Porém, durante os trabalhos, esse tópico gerou envolvimento e curiosidade e muitos deles foram além das demandas organizadas para os trabalhos realizados em sala de aula. Os alunos passaram a ter conhecimento oriundo da ciência, em substituição às informações do senso comum, apresentadas inicialmente.
Além disso, o papel da nutricionista e da enfermeira foram fundamentais para as discussões e para as várias atividades realizadas. O trabalho delas foi fundamental na apresentação de documentários e fornecimento de dados e informações mais específicas sobre o assunto, o que despertou o interesse dos alunos. Desta forma os alunos aprenderam um pouco mais sobre doenças e sintomas causados pelo uso excessivo de sódio, quando foram orientados a utilizar o conteúdo das tabelas nutricionais para evitar alimentos carregados neste componente, que favorecem a hipertensão e o possível aparecimento de determinadas doenças.
Os exercícios realizados em sala que envolveram alimentos serviram para esclarecer as dúvidas relacionadas à diferença entre sal e sódio; também, foi ampliada a percepção acerca da relação sódio e saúde, quando houve a compreensão das consequências deste elemento e seus benefícios/malefícios e a experiência de preparar um tempero em sala, além de prazerosa, foi um diferencial importante, porque os estudantes puderam levar para casa um resultado concreto do aprendizado relacionado à HAS. Os relatos indicaram que as famílias usaram e aprovaram o sabor do alimento temperado com o produto, fruto do trabalho realizado na escola. Ainda, houve repercussão positiva na instituição, uma vez que outras pessoas se interessaram em aprender o preparo do tempero.
Os adolescentes, apesar do conhecimento e da tentativa de conscientização, parecem não se importar com a questão nutricional, dando preferência para o consumo de alimentos que mais apreciam. Então, trabalhos interdisciplinares e multiprofissionais como este devem ser realizados de forma dinâmica, contínua e perene - não eventual, nem esporádica, como foi esse caso - na esperança de que haja mudanças, mesmo que sejam em longo prazo.
A compreensão de que o sal de cozinha não é composto apenas por sódio, e que este não está presente apenas em alimentos salgados, pareceu difícil para alcançar e isso está posto como um desafio que precisa ser trabalhado. Outro desafio a ser perseguido, nas turmas trabalhadas, está relacionado à diminuição do consumo de produtos industrializados, como uma possível mudança no hábito alimentar desses estudantes.
Por fim, a sensibilização, relacionada à mudança de hábitos alimentares, ainda que inicial e tímida, pareceu delinear-se durante todo o processo, principalmente porque houve preocupação na construção de alunos/cidadãos críticos, bem como estimulo à autonomia, sendo enfatizado o exercício de direitos e deveres e o controle das condições de saúde e qualidade de vida, com opção por comportamentos mais saudáveis, no que tange à formação hábitos alimentares. Os alunos foram ensinados a fazer escolhas saudáveis e responsáveis em suas refeições, já que a saúde designa um estado dinâmico que requer a participação da pessoa por meio de consciência de sua condição e vontade de agir para sustentá-la e/ou melhorá-la.
Discussão
O trabalho multidisciplinar mostrou-se não ser uma tarefa fácil, já que demandou engajamento, discussão, entrosamento e planejamento cuidadoso por parte de todos os envolvidos. Houve desenvolvimento e preparação de material didático e atividades integradas, bem como investigação e avaliação das tarefas desenvolvidas. Além disso, esse trabalho integrado exigiu exequibilidade para o deslocamento de profissionais até a escola e cada ação necessitou ser dotada de recursos adequados que, neste caso, foram fornecidos pelo poder público municipal.
O sucesso desta empreitada dependeu do apoio e compromisso de todo o pessoal envolvido e sinalizou que escolas e professores desempenham um papel fundamental na identificação de necessidades de saúde e, uma vez articulados com outros profissionais, são capazes de formar uma parceria que deve ser estruturada e solidificada, levando-se em conta as inúmeras necessidades e possibilidades de atuação oferecidas pelos espaços sociais de educação formal. Esta experiência também mostra que profissionais de saúde podem ser agendados em uma variedade de maneiras para ensinar e aconselhar os estudantes e para fornecer apoio e intervenções eficazes.
Nesse caso, a pesquisa resultou em: estímulo para o olhar investigativo e reflexivo- crítico sobre a prática educativa, construção de uma sala de aula mais atenta e perspicaz, aprimoramento para o ensino e promoção da relação dialógica entre teoria e prática. Ainda, os trabalhos promoveram práticas reflexivas sobre a importância de parcerias oriundas da própria comunidade, direcionadas ao olhar crítico e reflexivo dos profissionais envolvidos - um olhar voltado à valorização do contexto da escola, das reais necessidades dos alunos e das experiências pessoais de cada educando.
Sem dúvida, o que se observou com este trabalho foi sua excelente contribuição para a transformação de práticas profissionais, pedagógicas e de saúde como estratégias essenciais de aprimoramento de ações nestas esferas de conhecimento e intervenções. Eventuais demandas de saúde na escola devem fortalecer os vínculos multiprofissionais e corresponder às expectativas mútuas entre profissionais da saúde e da educação além de sinalizar a importância de trabalhos multiprofissionais na busca por parcerias e instrumentalização no que tange ao uso de ferramentas pedagógicas e educacionais, que podem, e devem, ser incorporadas durante a abordagem de educação e comunicação em saúde, constituindo ganhos que vão para além dos portões da escola e das paredes das UBSs locais.