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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versão impressa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.5 Lisboa out. 2016
ESTUDOS ORIGINAIS
Estudo CUMPRO: CUMPrimento do Rastreio Oncológico em profissionais de um AceS
Compliance with cancer screening among professionals in a group of health centres
Margarida Moreira,1 Aníbal Martins,2 Vera Amaral,2 Rute Mota,2 Ana Almeida,3 Carla Morna4
1Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF das Ondas
2Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Santa Clara
3Médica Especialista de Medicina Geral e Familiar. USF Santa Clara
4Médica Especialista de Medicina Geral e Familiar. USF das Ondas
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
RESUMO
Objetivo: As doenças oncológicas são a segunda principal causa de morte em Portugal. O Plano de Vigilância Oncológica Nacional contempla os rastreios do cancro colorretal (CCR), da mama e do colo do útero (CCU). O objetivo primário deste trabalho foi determinar a proporção de profissionais de um Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) que os cumpre efetivamente.
Tipo de estudo: Estudo censitário, observacional transversal descritivo.
População: Profissionais do ACeS Póvoa de Varzim/Vila do Conde elegíveis para os rastreios oncológicos referidos.
Métodos: Aplicou-se um questionário anónimo sobre a adesão ao rastreio oncológico e motivos de não adesão se aplicável. A distribuição dos questionários foi efetuada entre 9 de fevereiro e 4 de abril de 2015.
Resultados: A taxa de resposta foi de 87,0%. Foram obtidos 267 questionários de um total de 307 participantes elegíveis. Oito questionários foram excluídos. A mediana das idades situou-se nos 41 anos. Na globalidade, 82,2% dos profissionais apresentavam rastreios atualizados de acordo com a sua idade e género. Numa base individual, 77,8% dos elegíveis apresentava o rastreio do CCR atualizado, 84,1% o do cancro da mama e 87,6% o do CCU.
Conclusões: Verificou-se uma boa adesão aos rastreios oncológicos pelos profissionais. Este estudo poderá servir como termo comparativo para futuras investigações.
Palavras-chave: Deteção Precoce do Cancro; Profissionais de Saúde; Adesão a Recomendações.
ABSTRACT
Objectives: Cancer is the second leading cause of death in Portugal. The National Oncology Surveillance Plan includes screening programs for colorectal, breast and cervical cancer. The goal of this study was to assess compliance with cancer screening programs among professionals in a group of health centres.
Study design: Cross-sectional study.
Participants: All professionals in the ACeS Póvoa de Varzim/Vila do Conde group of health centres who were eligible for cancer screening.
Methods: Participants were asked to complete an anonymous questionnaire about their compliance with cancer screening programs or their reasons for non-compliance. The questionnaires were distributed between February and April 2015. Compliance was assessed based on the performance indicators for cancer screening used in primary health care in 2014.
Results: The response rate was 87.7% as 267 questionnaires were returned from 307 eligible participants. Eight questionnaires were excluded. The median age of participants was 41 years. Compliance with screening recommendations was found among 82.2%. Compliance with colorectal cancer screening was found among 77.8%, breast cancer screening in 84.1%, and cervix cancer screening in 87.6%.
Conclusions: Professionals in this population had good compliance with current cancer screening recommendations. This study may serve as a basis for comparison for future studies.
Keywords: Early Detection of Cancer; Health Personnel; Guideline Adherence.
Introdução
As doenças oncológicas constituem a segunda principal causa de morte em Portugal (apenas precedidas pelas doenças do aparelho circulatório) - 25,0% das mortes em 2014, segundo o PORDATA1 - e têm um profundo impacto nos doentes, nos familiares e na sociedade, sendo provavelmente das doenças mais temidas pela população em geral.2 Muitas das mortes por cancro seriam evitáveis através de medidas de prevenção primária e secundária (diagnóstico precoce em rastreios),3 pelo que o reconhecimento destes factos levou a estabelecer o combate contra o cancro como uma das prioridades do Plano Nacional de Saúde.2
No entanto, as recomendações para rastreio variam consoante as sociedades científicas. Em Portugal, o Plano de Vigilância Oncológica Nacional vigora desde 1990, tendo como objetivo a deteção precoce da doença oncológica, visando a redução da mortalidade por esta causa4 de acordo com a relação custo-efetividade dos rastreios. Assim, o Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas (PNPCDO) atualizado em 2012 recomenda, em pessoas sem outros fatores de risco para malignidade:
• Rastreio do cancro do colo útero (CCU) através de citologia cérvico-vaginal nas mulheres com idade entre os 25-30 e os 60 anos;
• Rastreio do cancro da mama por mamografia a cada dois anos nas mulheres dos 50 aos 69 anos;
• Rastreio do cancro colorretal (CCR) através da pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) em homens e mulheres dos 50 aos 74 anos.2-3
Adicionalmente, em relação ao rastreio oportunístico do CCR, encontra-se em discussão pública uma norma da Direção-Geral da Saúde de 2014,5 que advoga o uso da PSOF anualmente e estabelece as situações em que a colonoscopia deve ser utilizada.
De encontro ao PNPCDO e no contexto dos processos de contratualização e monitorização dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), à luz da evidência científica, normas e orientações atualmente existentes, os bilhetes de identidade dos indicadores6 utilizados neste âmbito, em 2014, tinham em consideração:
1. A proporção de mulheres entre (25; 60) anos com, pelo menos, uma colpocitologia nos últimos três anos;
2. A proporção de mulheres entre (50; 70) anos com, pelo menos, uma mamografia registada nos últimos dois anos;
3. A proporção de utentes com idade entre (50; 75) anos com rastreio de cancro do cólon e reto efetuado, contando para isso: pelo menos um resultado de PSOF nos últimos dois anos ou, pelo menos, um resultado de retossigmoidoscopia nos últimos cinco anos ou um resultado de colonoscopia nos últimos dez anos.
Não obstante os critérios utilizados, em Portugal, à semelhança do que acontece em outros países da União Europeia, a magnitude da execução do rastreio oncológico fica aquém do desejado.2 Entre os fatores que explicam as discrepâncias entre as recomendações existentes e a prática, encontram-se aqueles associados ao médico, incluindo a falta inconsciente de motivação própria para a recomendação em causa.7-8
No caso particular dos médicos de família, um estudo realizado em Israel demonstrou que 66,7% dos participantes referia não participar em qualquer atividade preventiva, apesar da importância que lhes conferia na melhoria da qualidade dos cuidados prestados, sobretudo quando instituídas como uma prática corrente.9
Neste contexto, alguns estudos internacionais versaram sobre o rastreio oncológico em profissionais de saúde e chegaram a resultados diversos. Em Portugal, os estudos sobre este tema são muito escassos, especialmente os que envolvem os vários rastreios oncológicos.
Assim, os objetivos deste trabalho foram: determinar a proporção de profissionais do Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) Póvoa de Varzim/Vila do Conde (PV/VC) com idade para realização de rastreio oncológico (CCR, cancro da mama e CCU), que o cumpre efetivamente, de acordo com os bilhetes de identidade dos indicadores mencionados; relacionar esses resultados com algumas características destes profissionais; e estudar os motivos de não cumprimento, quando aplicável.
Métodos
Realizou-se um estudo censitário, observacional, transversal e descritivo, recorrendo a um questionário original (Anexo 1), elaborado pelos autores, que foi previamente submetido a um estudo-piloto numa amostra de conveniência de um outro ACeS da Região Norte para aperfeiçoamento e retificação do documento.
A população em estudo incluiu todos os funcionários em funções no ACeS PV/VC, a ele pertencentes ou mobilizados para o mesmo com idade para rastreio oncológico. A listagem total dos profissionais foi disponibilizada pela Unidade de Apoio à Gestão (UAG) em janeiro de 2015, nela figurando 361 elementos.
Como critérios de exclusão consideraram-se: funcionários do sexo masculino com menos de 50 anos de idade (à data da recolha de dados); funcionários do sexo feminino com menos de 25 anos (à data da recolha de dados); funcionários do ACeS a exercer funções noutro local; funcionários do Instituto do Emprego e Formação Profissional; e prestadores de serviços de empresas contratadas (segurança, limpeza). Adicionalmente, questionários com dados sociodemográficos preenchidos de forma incompleta e/ou inadequada não foram considerados na análise.
Por motivos de simplificação logística foi determinado, antes de iniciar a colheita de dados, distribuir o questionário a todos os profissionais (n=361). Deste modo, os questionários correspondentes a homens com menos de 50 anos ou mulheres com menos de 25 seriam posteriormente rejeitados do tratamento de dados por apresentarem critérios de exclusão.
Em janeiro de 2015, os autores contactaram os coordenadores de todas as Unidades do ACeS (contactos fornecidos pela UAG do ACeS), no sentido de solicitar autorização para a apresentação do estudo em questão (texto padronizado e demonstração do questionário por correio eletrónico) e distribuição dos questionários, preferencialmente em reunião de serviço em data a acordar (ou, se tal não fosse possível, noutro dia a combinar, conforme a disponibilidade).
No contacto com os profissionais de saúde foi fornecido um questionário de autopreenchimento, confidencial e anónimo para preenchimento imediato ou até um prazo máximo de uma semana, que deveria depois ser colocado em urna própria, deixada para o efeito, a ser levantada pelos investigadores. Os dados foram recolhidos entre 9 de fevereiro e 4 de abril de 2015.
As variáveis estudadas foram: idade, género, estado civil, habilitações académicas, função exercida, local onde exerce (para aqueles alocados a mais que uma Unidade considerou-se aquela a que dedica mais tempo), hábitos tabágicos, hábitos etílicos, atividade física, ter médico de família, ter tido uma consulta presencial com o médico de família nos últimos três anos, estar inscrito em Unidade de Saúde Familiar (USF) do ACeS PV/VC, ter tido pelo menos uma avaliação da tensão arterial nos últimos dois anos, ter recebido vacina antigripal no ano anterior, ter vacinação antitetânica atualizada, cumprimento do rastreio do CCR, CCU e cancro da mama de acordo com o preconizado pelos indicadores contratualizados nos CSP em 20146 e motivos para o não cumprimento dos mesmos nos casos em que tal se verificava. Neste trabalho optou-se por utilizar os critérios de rastreio definidos pelos indicadores, de modo a possibilitar a comparação com os resultados obtidos no acompanhamento dos utentes do mesmo ACeS.
Relativamente aos hábitos etílicos, considerou-se consumo de baixo risco aquele não superior a sete unidades-padrão por semana na mulher ou não superior a catorze unidades por semana no homem, ou consumo excessivo aquele que ultrapassasse os números referidos.10 A atividade física foi considerada se presente, em média, durante pelo menos 30 minutos no mínimo cinco dias por semana.11
Os investigadores contaram com o consentimento presumido dos intervenientes no estudo. O presente estudo teve parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde da Administração Regional de Saúde do Norte.
Os dados recolhidos foram organizados numa base de dados utilizando o programa Microsoft Office Excel 2011®, tendo posteriormente sido validados e analisados através do programa IBM® SPSS® Statistics 19.
Os dados foram sumarizados utilizando estatísticas descritivas, nomeadamente média e desvio-padrão/mediana, mínimo e máximo para variáveis numéricas e frequências absolutas e relativas para variáveis categóricas. A análise descritiva realizada pelos autores deste estudo foi integralmente revista e validada através do Clinical Lab - Serviço de Consultoria para MGF, disponibilizado por Eurotrials® em parceria com Merck Sharp & Dohme® e com patrocínio científico da Ordem dos Médicos. Não foi realizada análise estatística inferencial por se tratar de um estudo censitário, em que se pretendeu estudar a totalidade da população-alvo.
Resultados
Foram obtidos 313 questionários respondidos. Destes, 46 foram excluídos por corresponderem a homens com menos de 50 anos.
Atendendo a que do total de funcionários do ACeS faziam parte 54 homens sem idade para rastreio, obteve-se uma taxa de resposta do público-alvo de 87,0% (267/307).
Posteriormente, foram ainda excluídos oito participantes do tratamento de dados por não terem preenchido corretamente os dados sociodemográficos, conforme exigido pelos critérios de seleção.
Caracterização da população
O Quadro I mostra a caracterização geral dos participantes. Nenhum profissional assinalou exercer numa Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados, uma vez que no ACeS em questão operam apenas USFs.
A idade dos profissionais incluídos variou entre 25 e 64 anos, com uma média de 42,4 anos e mediana de 41 anos (Figura 1). Verificou-se um predomínio de participantes do sexo feminino, casados ou a viver em união de facto e com habilitações literárias ao nível do ensino superior. No contexto profissional, aproximadamente um terço dos participantes eram enfermeiros e a maioria (81,5%) exercia em USFs. Relativamente aos estilos de vida, a maioria dos participantes referiu nunca ter fumado (69,9%) e ter hábitos etílicos de baixo risco (99,6%). Menos de metade dos participantes referiu praticar atividade física.
A maioria dos participantes referiu estar inscrita em lista de médico de família (97,3%), tendo comparecido a pelo menos uma consulta com o seu médico nos últimos três anos (86,1%). Registou-se ainda um predomínio dos profissionais inscritos numa USF deste ACeS (75,7%). Relativamente a outras medidas preventivas, a maioria tinha medido a tensão arterial nos últimos dois anos e tinha a vacinação antitetânica atualizada (98,1%). Pouco mais de metade dos participantes assinalou ter recebido a vacina da gripe no ano anterior.
Cumprimento global do rastreio oncológico
Relativamente ao cumprimento global de rastreio oncológico, 82,2% dos participantes apresentavam rastreios atualizados de acordo com a sua idade e género.
Cumprimento do rastreio do CCR
Dos 81 participantes com idade para rastreio do CCR, 77,8% (n=63) mencionaram tê-lo feito de acordo com os critérios estabelecidos. A proporção de cumprimento do rastreio do CCR foi de 78,3% nas mulheres e de 75,0% nos homens.
Quanto ao método de rastreio, 34,9% (n=22) dos participantes, dois homens e 20 mulheres, foram rastreados através de pesquisa de sangue oculto nas fezes, 44,4% (n=28), cinco homens e 23 mulheres, através de colonoscopia total e 20,6% (n=13), dois homens e 11 mulheres, através de ambos os métodos.
Nas mulheres, o motivo mais frequentemente assinalado (Quadro II) para o não cumprimento de rastreio do CCR foi «O seu médico não lhe recomendou», enquanto nos homens foi «Falta de tempo» (Quadro II).
Cumprimento do rastreio do CCU
Das 234 mulheres em idade para rastreio do CCU, 87,6% (n=205) referiram tê-lo atualizado. As razões assinaladas pelas mulheres para o não cumprimento do rastreio foram «Não quis fazer» (n=7), «Falta de tempo» (n=7), «Esquecimento» (n=5), «Sem indicação» (n=3), «Thinprep há quatro anos» (n=1), «O seu médico não recomendou» (n=1) e «Outra razão» (n=3). Duas mulheres não justificaram o motivo de não cumprimento do rastreio.
Cumprimento do rastreio do cancro da mama
Das 69 mulheres participantes com critérios para realização do rastreio do cancro da mama, 84,1% (n=58) responderam ter rastreio atualizado. Entre os motivos mencionados para não o ter, encontram-se «Não quis fazer» (n=7), «Não acha importante» (n=1) e «Outra razão» (n=2). Uma mulher não justificou o facto de não ter o rastreio atualizado.
Cumprimento do rastreio oncológico e características dos participantes
Relativamente à idade mediana, verifica-se que os profissionais que cumpriram o rastreio do CCR são quatro anos mais velhos do que os que não cumpriram; as mulheres que fizeram rastreio do CCU são oito anos mais novas do que as que não o fizeram, enquanto no cancro da mama a idade mediana das mulheres que cumpriram foi exatamente igual à das mulheres que não cumpriram.
O Quadro III apresenta a proporção de cumprimento com cada um dos rastreios, de acordo com as características do grupo de profissionais.
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Destacam-se, de seguida, as diferenças encontradas nas proporções de cumprimento dos rastreios entre profissionais com diferentes características, assumindo como critério empírico uma diferença superior a 10% (e não sendo referidas quando a maioria dos profissionais se concentrava numa única classe). No rastreio do CCR, os profissionais que frequentaram o ensino superior apresentavam uma adesão mais elevada do que aqueles com nível de escolaridade inferior (83,0% vs. 70,4%), assim como os não fumadores comparativamente aos fumadores (80,6% vs. 64,3%), os divorciados/viúvos comparativamente aos solteiros (84,2% vs. 70,0%), os médicos comparativamente aos outros profissionais (82,9% vs. 73,9%) e os profissionais que exercem em USFs comparativamente aos que exercem nas restantes tipologias (80,6% vs. 68,4%).
No rastreio do CCU, o cumprimento foi superior nos enfermeiros comparativamente aos médicos (92,7% vs. 81,9%).
No rastreio do cancro da mama, o cumprimento foi superior nos não fumadores comparativamente aos fumadores (87,7% vs. 66,7%) e nos profissionais de unidades não USF comparativamente aos profissionais em USFs (93,8% vs. 81,1%).
Discussão
Neste estudo verificou-se uma elevada proporção de profissionais do ACeS PV/VC que menciona ter o rastreio oncológico atualizado de acordo com a sua idade e género (82,2%). Relativamente ao total de 53 motivos evocados para o não cumprimento dos rastreios, destaca-se o «Não quis fazer» como o mais frequente (n=16), seguido pela «Falta de tempo» (n=11), «Outra razão» (n=10), «O seu médico não lhe recomendou» (n=8), «Esquecimento» (n=5) e «Não acha importante» (n=1).
Comparando a proporção de cumprimento de cada um dos rastreios individualmente com a proporção média obtida para os utentes do ACeS nos meses de fevereiro a abril de 2015 (dados obtidos da plataforma SIARS® para a média dos respetivos indicadores flutuantes entre fevereiro e abril de 2015) verifica-se um cumprimento claramente maior pelos profissionais em todos os rastreios (CCU - 87,6% vs. 66,2%; cancro da mama - 84,1% vs. 68,2% e CCR - 77,8% vs. 65,3%). No entanto, deve reter-se que a informação relativa aos profissionais foi autorreportada por oposição à obtida da plataforma que corresponderá a rastreios efetivos.
Quando se comparam os resultados obtidos com outros estudos efetuados com profissionais de saúde, em relação ao rastreio do CCU, o único estudo do género realizado no nosso país (PRECIT)12 teve lugar na Unidade Local de Saúde do Alto Minho e incluiu apenas médicas e enfermeiras (CSP e hospital) que reportaram uma adesão ao rastreio de 90%, um número próximo do obtido no presente estudo (87,6% no global ou 87,3% se se considerarem só estas profissionais).
Internacionalmente, estudos nigerianos que analisaram enfermeiras a trabalhar em meio hospitalar concluíram que 65,4%13 a 79,5%14 nunca tinham sido submetidas a colheita de citologia cérvico-vaginal. Já noutro estudo, decorrido na Coreia do Sul em médicas, enfermeiras e parteiras dos CSP, os resultados foram ainda mais baixos: apenas 13% tinha realizado citologia pelo menos uma vez,15 resultados próximos de um outro com enfermeiras hospitalares na Tanzânia, em que cerca de 15,3% cumpriam o mesmo requisito;16 na Índia, estudos chegaram a números entre 7 e 11,6% nas mesmas condições.17-18 Estes dados contrastam com um artigo tailandês em que a taxa de cobertura da citologia cérvico-vaginal era de 79,5% na amostra testada,19 mais próxima dos resultados deste estudo e do PRECIT.12
Não estão disponíveis estudos portugueses relativamente aos restantes rastreios nestes profissionais. Assim, no que diz respeito a estudos internacionais e ao rastreio do cancro da mama, um estudo nigeriano com trabalhadoras de um hospital (médicas, enfermeiras, farmacêuticas, radiologistas e cientistas) mostrou uma taxa de cumprimento de apenas 3,1%;20 já outros estudos com funcionárias de hospitais verificaram que entre 3,6%21 e 80,3%22 das mulheres analisadas tinha feito mamografia pelo menos uma vez. Por último, um estudo norte-americano verificou que apenas 46,6% dos médicos a exercer funções em CSP afirmavam cumprir o rastreio do CCR.23
Deste modo, os resultados extremamente variáveis tornam impossível comparar os resultados deste trabalho com os de outros, uma vez que tiveram lugar em diferentes contextos (CSP vs. hospitais), o leque de profissionais estudado diferiu e, a nível internacional, a realidade do rastreio oncológico e dos serviços de saúde também é distinta. O mesmo se pode dizer no que diz respeito aos motivos de não cumprimento e às relações encontradas no cruzamento do cumprimento dos rastreios com as características dos participantes, que não foram testadas noutros estudos pelo que não se podem estabelecer comparações.
No entanto, centrando mais a discussão nos médicos dos CSP, a adesão aos rastreios verificada contrasta com muitos resultados observados na literatura, em que apesar destes apresentarem uma atitude favorável em relação aos mesmos, acreditarem na sua importância e recomendá-los aos utentes, têm alguma reticência em cumpri-los. Dá-se, para isso, o exemplo de um estudo já referido em que a maioria dos médicos incluídos reconhecia a importância dos médicos, dos seus familiares subscreverem a realização de rastreios e dos médicos de família os recomendarem aos seus utentes, mas a maioria não cumpria o rastreio do CCR (87,2%).9 Assim, apesar de não ter sido objetivo deste estudo, tendo em conta os resultados encontrados, os verificados nos utentes do mesmo ACeS e o facto de nenhum médico ter mencionado «Não acha importante» como motivo para não cumprimento de um rastreio, poder-se-á apoiar a possibilidade de existir uma consonância favorável entre o conhecimento, a atitude, a recomendação e o próprio cumprimento dos rastreios oncológicos pelos médicos. Estas conclusões não podem ser alargadas aos outros grupos profissionais, não tão diretamente relacionados com a recomendação direta dos mesmos aos pacientes, apesar de o trabalho em equipa ser a base para a sua melhoria e de outros indicadores de desempenho com consequentes ganhos em saúde.
Identificaram-se algumas limitações neste estudo, entre elas, o facto de se ter usado um questionário não validado, que poderia induzir um erro de mensuração; para o minimizar foi realizado um estudo-piloto, dele resultando algumas alterações no questionário. Por outro lado, dependendo do autopreenchimento, poderá ter ocorrido um viés de memória, uma vez que várias questões reportavam a um período de tempo passado e um viés de desejabilidade social (apesar dos questionários serem anónimos) com os participantes a tenderem a responder o que é socialmente promovido/desejável, sobretudo tendo em conta que estes poderão estar mais informados acerca do que seria considerada a atitude correta para cada atividade ligada à prevenção da doença/promoção da saúde. Por último, poderá ter ocorrido um erro de má classificação, já que eventualmente se poderão ter considerado como não cumpridores participantes sem indicação para o rastreio; havia, no entanto, espaço para descrever essa hipótese nos motivos para o seu não cumprimento que pode, contudo, não ter sido devidamente utilizado por falta de literatura em saúde de alguns profissionais ou medo de exposição. Ainda assim, considera-se que tal não deverá ter influenciado significativamente os resultados, uma vez que se verificou um elevado cumprimento em todos os rastreios. Dando como exemplo o rastreio do CCU, ainda que se excluíssem as sete mulheres que assinalaram «Não tem colo do útero» ou «Outra razão», a percentagem de cumprimento seria de 90,3% em vez dos 87,6% encontrados.
Também não é possível excluir-se a existência de participantes que responderam mais que uma vez, o que parece pouco provável dado que a maioria foi preenchida no dia da entrega do questionário, logo após a sua distribuição por um dos investigadores (apenas sete foram colocados nas urnas).
Por outro lado, não foi possível analisar quais os fatores sociodemográficos e profissionais preditores para definição do perfil do profissional cumpridor (através de regressão logística multivariável), devido ao número reduzido de profissionais que afirmou não cumprir os rastreios. A não existência “real” de dois grupos impossibilitou a comparação multivariável das características entre os que cumprem (n elevado) e os que não cumprem (n muito reduzido) o rastreio oncológico. No entanto, realce-se que este estudo não foi potenciado para esse objetivo.
Não se considera ter existido um viés de seleção dos participantes, uma vez que se tratou de um estudo censitário com uma elevada taxa de resposta, não se pretendendo extrapolar os resultados para os não respondedores. Poder-se-á levantar a questão acerca de quais destes participantes poderão ser considerados profissionais de saúde, sendo que mesmo o Portal da Saúde poderá gerar alguma ambiguidade na sua interpretação, mas parece apontar para que todas as carreiras incluídas sejam consideradas parte deste grupo.24
Deve-se ainda ressalvar o facto de ter ocorrido um alteração do bilhete de identidade dos indicadores em 2015,25 com o acréscimo da alternativa Pelo menos um resultado de colpocitologia em meio líquido nos últimos cinco anos, que não parece que fosse ter um impacto significativo nos resultados, dados os valores encontrados.
Como pontos fortes deste trabalho destaca-se o facto de se tratar de um estudo censitário que incluiu uma população correspondente à de um ACeS com uma elevada taxa de resposta. Trata-se do primeiro estudo realizado em Portugal que avaliou o cumprimento dos três rastreios oncológicos preconizados pelo PNPCDO em profissionais de saúde e, nos casos em que era aplicável, os motivos para o seu não cumprimento. O trabalho debruçou-se exatamente sobre profissionais dos CSP. O que se torna particularmente interessante pelo facto de ser este o nível de cuidados responsável pela implementação de medidas preventivas da doença nos utentes e, deste modo, do rastreio oncológico. Assim, o estudo prima pelo facto de se focar na adesão dos profissionais a uma recomendação implementada ao nível de cuidados em que eles próprios desempenham funções. O desenho de estudo simples permite que este possa ser reproduzido noutros locais (já que este estudo não pretendeu ser inferencial para estes profissionais a nível nacional) e os resultados eventualmente comparados. A divulgação dos resultados poderá funcionar como um incentivo ao cumprimento por parte dos utentes.
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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
Margarida Moreira
Rua da Praia, nº 186, Fieiro - Aguçadoura, 4495-031 Póvoa de Varzim
E-mail: mmargmoreira@gmail.com
Agradecimentos
À Dra. Julieta Gomes e aos elementos da USF Novo Cuidar, ACeS Alto Ave Guimarães/Vizela/Terras de Basto, que colaboraram no estudo-piloto.
À Dra. Benedita Graça Moura pela colaboração no desenho do estudo e disponibilidade mostrada para o esclarecimento de dúvidas surgidas.
Aos intervenientes do Clinical Lab - Serviço de Consultoria para MGF prestado por Eurotrials, Consultores Científicos, em parceria com Merck Sharp & Dohme e com patrocínio científico da Ordem dos Médicos.
Conflito de interesses
Os autores declaram não ter conflitos de interesses.
Comissão de ética
Estudo realizado após parecer favorável da Comissão de Ética da ARS Norte.
Recebido em 05-11-2015
Aceite para publicação em 07-09-2016
Anexo 1