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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.36 no.1 Braga jun. 2023  Epub 13-Jun-2023

https://doi.org/10.21814/rpe.24687 

Leituras

Recensão da obra “El aprendizage-servicio y la educación universitária: Hacer personas competentes”

Ana Patrícia de Magalhães Ferreirai 
http://orcid.org/0000-0001-7112-2126

i Centro de Investigação & Inovação em Educação, Escola Superior de Educação do Porto, Portugal


Rego, M. Á. S., Moledo, M. L., & Núñez, Í. M. (2021). El aprendizaje--servicio y la educación universitaria: Hacer personas competentes. Ediciones Octaedro.

Olhando para a realidade universitária sem retoques cosméticos nem intuito utilitarista, este trabalho sustenta-se numa substância epistémica que visa, declaradamente, a formação de pessoas competentes, a partir de uma universidade voltada para a modernidade, a cidadania, onde docentes e alunos veem os seus papéis desafiados e transformados pelo uso da tecnologia e pelas mudanças sociais. O contexto universitário, aqui encarado como um fenómeno rico e complexo, sugere aos autores a questionação e a reflexão em torno de estratégias revitalizantes e do seu impacto educativo e social. É esse o enquadramento para o estudo da aprendizagem-serviço, metodologia em franco crescimento no contexto universitário Norte-Americano e Europeu.

A complexidade do tema, que transborda as margens da realidade académica e contacta com a vida social e comunitária, coloca em evidência a relação educativa intencional que se estabelece entre a universidade e a sociedade.

Este livro oferece-nos um trabalho profundo, atento e informado acerca das potencialidades da aprendizagem-serviço, das alternativas que oferece em relação à abordagem educativa mais convencional, e do seu contributo para uma aprendizagem de qualidade, significativa, atenta às necessidades e aos problemas que a universidade e a comunidade enfrentam, bem como ao modo como pessoas mais competentes os podem resolver.

O primeiro capítulo deste livro abarca o tema da aprendizagem nas universidades do século XXI, começando por colocar em perspetiva o impacto que a formulação e implementação de um Espaço Europeu de Educação Superior terá junto das universidades europeias, referindo a necessidade de se reconstruir estas instituições para que sejam capazes de dar resposta aos novos desafios que lhes são lançados. Essa transformação poderá, efetivamente, passar por um trabalho conjunto e flexível, de convergência, de harmonização, dos sistemas universitários, com propósitos sociais e políticos, tal como este estudo indica de forma tão pertinente.

Terminada a análise ao contexto que deu lugar ao Espaço Europeu de Educação Superior e às características que definiram a sua construção, esta obra aborda as principais consequências sociais e pedagógicas deste sistema universitário, desde logo referindo a importância da conectividade que se alcançou entre todos os intervenientes. Porém, formulam-se também críticas oportunas, nomeadamente no que diz respeito ao seu contributo para o desenvolvimento de uma cidadania europeia, de cariz humanista, efetivamente consolidada. Reflete-se de forma consistente e adequada acerca da intenção de se conseguir uma investigação e docência comprometidas com o desenvolvimento social. Indica-se que a prática docente deverá estar no epicentro da mudança pedagógica, a qual irá conduzir à convergência europeia, permitindo um desenvolvimento integral dos alunos, nomeadamente em termos profissionais e de cidadania.

Este capítulo segue, então, para o tema da inovação educativa e os novos cenários do ensino superior, reportando o facto de que as metodologias educativas tradicionais já não são suficientes para acompanhar a chamada “sociedade do conhecimento”. A inovação necessária deve ser um processo sistemático e solidamente planificado, como este trabalho tão bem afirma. Fala-se, pois, em inovação sistémica, que exige o compromisso das pessoas envolvidas e de toda a instituição no seu conjunto, possibilitando a criação de uma cultura compartilhada.

Depois de abordarem aquilo que se entende por inovação educativa, bem como as condições e fatores a ter em conta para a sua introdução na educação universitária, o livro aponta para a forma como se deveria materializar essa mesma transformação, nomeadamente em termos da modalidade de ensino, da metodologia e da avaliação, fazendo a balança pesar mais para o lado da aprendizagem do que para o lado do ensino. A tarefa docente é agora, segundo os autores, mais complexa, porque lida com maiores níveis de imprevisibilidade e de incerteza e será possível traçar diferentes perfis de docência em função da assimilação feita a partir da mudança pedagógica. Isto leva os autores até ao tema da competência da formação docente, da sua preparação e da atitude que revelam perante os alunos, aspetos a ter em conta antes de se introduzir qualquer mudança metodológica na universidade. Este primeiro capítulo termina com um olhar acerca da relação entre a educação universitária e o desenvolvimento de competências, porque a universidade do século XXI quer converter o conhecimento em competência, ligando-o à ação, à resolução de problemas concretos, oferecendo uma formação que transcende o saber e as competências específicas e indo ao encontro da habilidade processual, das atitudes e dos valores, do aprender a aprender e da aprendizagem ao longo de toda a vida.

Dissecando a definição de competência, aponta-se para uma realidade multidimensional que nos comprova que esta mudança não significa uma submissão da universidade à indústria, à economia ou ao mercado de trabalho, mas antes uma abertura do ensino superior à sociedade, numa postura dialogal que valida a colaboração entre universidades e outras organizações profissionais e sociais e que potencia as competências genéricas estabelecidas pelo Projeto Tuning, pilar do modelo formativo universitário na Europa.

O primeiro capítulo permite-nos concluir que a universidade tem vindo a reformular os seus processos formativos, quer em termos do ensino, quer em termos da aprendizagem, e que está, perante a atual conjuntura, moralmente obrigada a desenvolver iniciativas pedagógicas que assegurem que a mudança no paradigma formativo se reflita nas práticas em sala de aula e não se fique apenas pelos documentos e políticas. É por esse motivo que os autores apresentam, em seguida, a Aprendizagem-Serviço como um modelo com muito potencial dentro do contexto universitário do mundo desenvolvido, uma vez que acarreta uma visão holística da aprendizagem, a qual passa pelo aproveitamento da experiência pedagógica do contacto com o contexto e com os problemas reais, conferindo crédito e sentido prático à dimensão social e cívica da educação universitária.

O segundo capítulo deste livro trata do tema da Aprendizagem-Serviço e do potencial prático das metodologias ativas de aprendizagem, no fundo, a abordagem teórica da estratégia educativa que deu o mote a este trabalho.

Os autores apresentam um conjunto devidamente fundamentado de abordagens teóricas que comprovam que a Aprendizagem-Serviço se trata de uma metodologia adequada ao atual cenário social e pedagógico, apesar de indicarem que o próprio conceito tem merecido diferentes denominações, suscitando alguma confusão com outras atividades educativas de cariz experimental, o que motivou a necessidade de se encontrar uma definição suficientemente completa, rigorosa, diferenciadora e resultante de sólidos consensos.

Os autores reforçam a ideia de que o vínculo entre a Aprendizagem-Serviço e o currículo académico é a condição sine qua non para se poder falar da dita metodologia e apontam vários estudos que se focam no tema, precisamente tendo como ponto de partida essa relação indispensável.

O livro é extremamente enriquecedor também neste ponto, dado que presenteia o leitor com um conjunto de perspetivas e definições que possibilitam uma abordagem completa e sustentada do tema.

O estudo continua com o aprofundamento da construção teórica da Aprendizagem-Serviço, olhando para trabalhos que apresentam análises sobre a experiência da ação e a reflexão nos processos educativos, considerando sempre a comunidade e a sociedade como contextos de aprendizagem. Os autores indicam que, no fundo, a Aprendizagem-Serviço se pode definir como um tipo de programa de educação experimental onde se busca o equilíbrio entre aprendizagem e serviço, explorando, ao mesmo tempo, o seu potencial académico e social.

A parte final deste segundo capítulo explora as potencialidades da Aprendizagem-Serviço neste novo panorama e modelo do ensino superior, que procura uma cultura de responsabilidade social e compromisso cívico por parte das universidades e que encara o processo de ensino-aprendizagem como um elemento que permite estreitar laços entre a docência e a missão social, ao mesmo tempo que dá resposta a um novo modelo pedagógico que coloca o aluno no centro de todo o processo.

A Aprendizagem-Serviço converte os alunos, segundo os autores, em agentes ativos e autónomos, implicados em situações e problemas reais. Para além disso, tem presente o sentido estratégico da universidade como dínamo da sociedade do conhecimento, assente na inovação e no enquadramento normativo criado pelo Espaço Europeu de Educação Superior e fazendo do bem público o grande propósito do ensino universitário.

A Aprendizagem-Serviço terá ainda o potencial de desenvolver a função social e de serviço da universidade, orientando o trabalho académico para o desenvolvimento social, o compromisso com a sociedade, rompendo com as abordagens mais convencionais.

Os autores referem que o impacto deste compromisso poderá refletir-se na investigação, na docência e na prática, no serviço, reflexão que considero extremamente interessante e pertinente para todos os docentes e investigadores ligados a este contexto. Pensemos nas vantagens de vermos e vivermos, tal como estes autores fazem, a universidade como espaço de participação, organismo vivo e dinâmico, agência estimuladora das diferentes responsabilidades de todos os envolvidos no processo educativo.

O terceiro capítulo leva-nos, de forma natural e fluida, até à prática da Aprendizagem-Serviço na universidade, a sua operacionalização e as fases da sua implementação, o que parece ser um contributo realmente significativo para o enriquecimento do leitor, dotando-o também de uma perspetiva prática que o pode incentivar a adotar esta metodologia no seu campo de trabalho. Assim, de uma análise de diagnóstico da realidade educativa, formulando questões que irão permitir a elaboração de um projeto de Aprendizagem-Serviço, chega-se à sua execução em etapas bem delineadas, mas passíveis de reformulação. Os autores apontam ainda para a importância da nitidez com que um projeto é alinhado com uma dada disciplina ou conteúdo curricular. Enquanto leitores, somos levados também a pensar na pertinência da reflexão crítica em torno deste tipo de projeto, por parte dos alunos, uma vez que permitirá ligar as suas aprendizagens académicas com o serviço no terreno social, unindo teoria e ação.

É indicada a criação de um portefólio, enquanto evidência escrita de um processo reflexivo. Este recurso adapta-se na perfeição ao contexto educativo da Aprendizagem-Serviço, uma vez que os estudantes vão construindo todo o documento com a ajuda do professor, operacionalizando a ligação entre a Aprendizagem-Serviço e cada disciplina, ao mesmo tempo que fornecem dados para a sua avaliação, dando evidências do vínculo construído entre teoria e prática.

Este ponto leva os autores até ao tema da avaliação das aprendizagens e dos projetos em Aprendizagem-Serviço, pois é o que permite aferir aquilo que está a resultar e o que precisa de ser revisto. Uma avaliação, seja ela formativa ou sumativa, desde que adequada e bem desenhada, tal como referem, pode ser capaz de fornecer provas do potencial desta metodologia. Deve estar presente ao longo de todo o processo, empregando instrumentos coerentes com a metodologia e os resultados que se pretende alcançar.

No que se refere à avaliação dos projetos em si mesmos, é colocada a ênfase no papel da autoavaliação para aferição da qualidade, obedecendo a critérios e a dimensões, aqui indicadas, que permitem o desenvolvimento da avaliação em Aprendizagem-Serviço.

O enfoque final do terceiro capítulo recai sobre a questão do desenvolvimento de competências através da Aprendizagem-Serviço, olhando para os efeitos empíricos que esta produz. Entre as principais evidências encontram-se as iniciativas de participação cívica, as aprendizagens cívico-sociais, as que fortalecem os vínculos com a comunidade, todos os conhecimentos, capacidades e valores, fatores cognitivos e afetivos, que são sublinhados pelos autores e que se perpetuam nos alunos após a conclusão dos seus estudos.

Entre os resultados aqui evidenciados fala-se não só dos que se ligam ao desempenho académico e às classificações, mas também a variáveis como a motivação, a autonomia e o autoconceito. O texto apresenta informação válida sobre taxas de abandono, índices de graduação e classificações médias, ligando-a à construção da universidade do futuro.

O capítulo termina reportando as possibilidades que a Aprendizagem-Serviço abre em termos de desenvolvimento de competências sociolaborais, numa dimensão formativa orientada para a comunidade e o mercado de trabalho, revelando novamente a profundidade deste estudo através da referência a outras obras de fundo que o sustentam.

O livro aborda no seu último capítulo a dimensão institucional da Aprendizagem-Serviço, apelando ao compromisso por parte das diversas instituições para que esta metodologia se torne eficaz e sustentável ao nível da formação superior, assumindo um papel central na mesma. Os autores apresentam então modelos distintos que se criaram em torno da institucionalização da Aprendizagem-Serviço, demonstrando, por exemplo, a importância deste processo para salvaguardar e suportar as iniciativas dos docentes neste campo. A pertinência deste trabalho revela-se também quando os mesmos salientam que o foco da institucionalização deve englobar todas as partes envolvidas: a universidade, os docentes, os alunos e a comunidade. Um plano institucional bem desenhado e com uma base consistente, visto como um conjunto de diretrizes válidas, será capaz de assegurar o sucesso da metodologia a longo prazo, respeitando os contextos individuais de cada instituição universitária. Pautando novamente este trabalho pelo rigor e qualidade da partilha, os autores fornecem instrumentos recolhidos a partir da sua pesquisa, que enriquecem todos aqueles interessados em conhecer e implementar esta metodologia.

A Universidade de Santiago de Compostela é uma das instituições onde mais se tem trabalhado a Aprendizagem-Serviço, quer em termos teóricos, quer no campo da prática, seguindo com grande precisão as recomendações emanadas pela Conferência de Reitores das Universidades Espanholas. Isto é evidente em documentos como o seu Plano Estratégico ou a Memória Bianual de Responsabilidade Social, os quais ajudaram a formar uma massa crítica e comprometida com o conhecimento e uso da metodologia. Os três grandes pilares do desenvolvimento da Aprendizagem-Serviço na Universidade de Santiago de Compostela são aqui analisados, sendo eles a formação, os projetos de inovação educativa e o reconhecimento e disseminação. Estes contribuíram de forma decisiva para a institucionalização da Aprendizagem-Serviço naquela que é a principal instituição universitária na Galiza.

O contributo dado por dois projetos promovidos pelo Grupo de Investigação ESCULCA permitiu a validação de um modelo de institucionalização, fornecendo indicadores empíricos rigorosos da dinâmica educativa que se implementou e permitindo uma avaliação consistente e transparente ao longo de todo o processo.

Num esforço admirável de coerência e solidez, o livro termina com a apresentação de evidências dos resultados obtidos ao nível do desenvolvimento de competências nos alunos universitários e com a reflexão em torno da necessidade urgente da inovação sustentada para a otimização da formação dos alunos do ensino superior.

A obra apresenta um grau de objetividade que justifica, sem qualquer dúvida, a sua leitura por parte de todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento e progresso das instituições universitárias, contribuindo para o conhecimento desta metodologia, de forma equilibrada e fundamentada, focando os seus aspetos essenciais de forma fluida e coerente.

REFERÊNCIAS

Rego, M. Á. S., Moledo, M. L., & Núñez, Í. M. (2021). El aprendizaje--servicio y la educación universitaria: Hacer personas competentes. Ediciones Octaedro. [ Links ]

Recebido: 29 de Maio de 2021; Aceito: 03 de Janeiro de 2023; Publicado: 13 de Junho de 2023

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Ana Patrícia de Magalhães Ferreira Escola Superior de Educação, R. Dr. Roberto Frias 602, 4200-465 Porto, Portugal patriciaferreira@ese.ipp.pt

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