A pandemia COVID-19 teve impacto nacional e internacional em muitas áreas, nomeadamente ao nível da formação médica pós-graduada devido à restruturação do Sistema Nacional de Saúde. Para além da sobrecarga horária, verificaram-se menos oportunidades de aprendizagem com o cancelamento de congressos, cursos e reuniões científicas.1-3
De forma a compreender este efeito, foi comparada a atividade clínica de cinco internos do mesmo ano curricular de formação específica em Medicina Interna entre 2019 e 2020. Os dados foram obtidos através da consulta dos currículos anuais, tendo sido avaliado o número de doentes observados no internamento, o número de consultas, o trabalho extraordinário realizado, nomeadamente no Serviço de Urgência, os congressos/cursos frequentados e as apresentações científicas realizadas.
Em 2019, cada interno avaliou, em mediana, 230 doentes no internamento e realizou 276 consultas presenciais. Participou, ainda, em 10 congressos/cursos, totalizando 5 apresentações. Por outro lado, em 2020, cada interno avaliou, em mediana, 259 doentes no internamento, representando um aumento de 12,6%. No entanto, realizou 132 consultas, na sua maioria por teleconsulta, o que representa uma redução de 52,2%. Durante o ano de 2020 evidenciou-se um aumento de 133,3% no número de horas extraordinárias. Cada interno participou, ainda, em sete congressos/cursos, totalizando 2 apresentações.
Apesar de a amostra ser pequena, é percetível uma modificação da atividade clínica e científica que a pandemia COVID-19 originou na formação dos internos de formação específica. Apesar do aumento do número de doentes observados nas enfermarias de Medicina Interna, a sobrecarga originada pelo trabalho extraordinário retirou tempo de aprendizagem e disponibilidade para a participação em congressos, cursos de formação e, ainda, em estudos de investigação científica e clínica.
O cancelamento das consultas diminuiu a atividade assistencial nesse contexto, por excelência uma valência dedicada ao estudo e investigação etiológica. O facto de a maioria das consultas ser telefónica prejudicou a interação médico-doente e impossibilitou a realização de exame objetivo, realçando a importância da consulta presencial no ato médico e relacionamento médico-doente. Verificou-se, ainda, uma diminuição do número de congressos e formações, nomeadamente presenciais, com valor formativo, prejudicando a atividade científica e limitando a difusão de conhecimento e a realização de uma rede de contac-tos e de interação entre pares e instituições.
Embora necessária, a restruturação na saúde devido à pandemia causou efeitos imediatos na formação médica. No entanto, os efeitos a longo prazo continuam desconhecidos, pelo que são necessários mais estudos.
Apresentações/Presentations:
Trabalho apresentado no European Congress of Internal Medicine 2022.