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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp13 Viseu dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.29352/mill0213e.29495 

Ciências da vida e da saúde

Como melhorar a saúde das crianças e dos adolescentes? Algumas preocupações, conselhos e reflexões

How to improve the child and adolescent health? Some concerns, advice and reflection

Cómo mejorar la salud de los niños y adolescentes? Algunas inquietudes, consejos y reflexiones

1 Centro Hospitalar Baixo Vouga, Aveiro, Portugal

2 Centro Hospitalar Médio Tejo, Torre Novas, Portugal

3 Unidade de Saúde Familiar Norton de Matos, Coimbra, Portugal


Resumo

Introdução:

Os cuidados de saúde primários representam o primeiro nível de intervenção dos serviços de saúde. Em idade pediátrica, uma vigilância rigorosa é de extrema importância, pois influencia o crescimento e o bem-estar biopsicossocial, com repercussões na idade adulta.

Objetivo:

Descrever as principais preocupações sentidas nas consultas de vigilância de saúde infantil e juvenil durante o estágio de cuidados de saúde primários e fazer uma revisão das questões que deverão merecer especial atenção nestas consultas.

Métodos:

Análise retrospetiva dos parâmetros avaliados nas consultas de saúde infantil e juvenil durante um estágio de seis meses numa Unidade de Saúde Familiar modelo A.

Resultados:

Durante o estágio, realizámos 423 consultas, das quais 385 de vigilância (91%). Os principais motivos de preocupação foram erros na alimentação (n=48; 11,3%), na higiene oral (n=36; 8,5%) e nos hábitos de sono (n=52; 12,3%) e as perturbações ao nível do neurodesenvolvimento (n=32, 7,6%).

Conclusão:

Nas consultas de saúde infantil e juvenil deve ser feita uma avaliação completa de acordo com a idade e o aconselhamento para um crescimento saudável. Devem valorizar-se os cuidados antecipatórios e quando detetados sinais de alarme, a intervenção deve ser precoce. A vigilância da saúde infantil e juvenil é um importante desafio na promoção da saúde e prevenção da doença das crianças e adolescentes. É fundamental haver a cooperação entre os médicos, familiares/cuidadores e profissionais que lidam com as crianças no dia a dia.

Palavras-chave: criança; adolescente; consulta; vigilância; saúde

Abstract

Introduction:

Primary health care represents the first level of intervention in health services. In pediatrics, rigorous surveillance is extremely important, as it influences growth and biopsychosocial well-being, with repercussions in adulthood.

Objective:

Describe the main concerns felt in child and youth health surveillance consultations and review the issues that should deserve special attention in these consultations.

Methods:

Retrospective analysis of the parameters evaluated in the child and youth health consultations during a six-month internship at a model A Family Health Unit.

Results:

During the internship, we carried out 423 consultations, of which 385 were surveillance (91%). The main reasons for concern were errors in eating (n=48; 11.3%), oral hygiene (n=36; 8.5%) sleeping habits (n=52; 12.3%), and neurodevelopmental disorders (n=32, 7.6%).

Conclusion:

In child and youth health consultations, it’s crucial to undertake a complete assessment according to age and to provide advice for healthy growth and development. Anticipatory care should be valued and when warning signs are detected, early intervention needs to be provided. Child and youth health surveillance is an important challenge for health promotion and disease prevention. The cooperation between physicians, family members/caregivers, and professionals who contact children on a daily basis is essential.

Keywords: child; adolescent; consultation; surveillance; health

Resumen

Introducción:

La atención primaria representa el primer nivel de intervención en los servicios de salud. En la edad pediátrica, la vigilancia estricta es de suma importancia, ya que influye en el crecimiento y el bienestar biopsicosocial, con repercusiones en la edad adulta.

Objetivo:

Describir las principales preocupaciones sentidas en las consultas de niño sano durante la rotación en atención primaria y revisar los temas que deben merecer especial atención en estas consultas.

Métodos:

Análisis retrospectivo de los parámetros evaluados en las consultas de niño sano durante una rotación de seis meses en un centro de salud modelo A.

Resultados:

Durante la rotación realizamos 423 consultas, de las cuales 385 consultas de niño sano (91%). Los principales motivos de preocupación fueron los errores en la alimentación (n=48; 11,3%), la higiene bucal (n=36; 8,5%) y los hábitos de sueño (n=52; 12,3%) y los trastornos del neurodesarrollo (n=32, 7,6%).

Conclusión:

En las consultas de niño sano se debe realizar una valoración completa según la edad y consejos para un crecimiento saludable. Se debe valorar la atención anticipatoria y cuando se detectan signos de alarma, la intervención debe ser temprana. La vigilancia de la salud infantil y adolescente es un desafío importante en la promoción de la salud y prevención de enfermedades en niños y adolescentes. Es fundamental contar con la cooperación entre médicos, familiares/cuidadores y profesionales que atienden a los niños en el día a día.

Palabras Clave: niño; adolescente; consulta; vigilancia; salud

Introdução

Os cuidados de saúde primários (CSP) representam o primeiro nível de intervenção dos serviços de saúde ao nível individual, familiar e da comunidade.

Em idade pediátrica, as competências para uma vigilância rigorosa e eficaz são de extrema importância, pois esta influência o crescimento e o bem-estar biopsicossocial, com repercussões na idade adulta. Se uma criança cresce saudável com bem-estar físico, mental e social originará um adulto saudável, o que se traduz num enorme impacto na qualidade de vida da sociedade.

O programa do internato de formação específica em Pediatria contempla um estágio em CSP à criança e ao adolescente, com a duração de seis meses (Ministério da Saúde, 1996). Este estágio tem como objetivos de desempenho avaliar e promover o crescimento e desenvolvimento normal da criança e do adolescente na família e na comunidade, desenvolver atividades para a promoção da saúde e de estilos de vida saudáveis, identificar os desvios da normalidade, promover o aconselhamento no campo da nutrição e da imunização, e realizar ações na área da prevenção dos acidentes (Ministério da Saúde, 1996).

O presente artigo baseia-se na nossa experiência enquanto internas de Pediatria durante o referido estágio. Durante o período de seis meses, realizámos consultas de vigilância de saúde infantil e juvenil nas idades chave, segundo o Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil (PNSIJ) (Direcção Geral da Saúde, 2013) e também consultas agudas ou programadas, em colaboração com os Médicos de Medicina Geral e Familiar. O PNSIJ prevê a realização de consultas em idades-chave correspondentes a acontecimentos importantes na vida da criança ou do adolescente e a valorização dos cuidados antecipatórios como fator de promoção da saúde e de prevenção da doença, nomeadamente facultando aos pais e/ ou cuidadores, os conhecimentos necessários ao melhor desempenho, no que respeita à promoção e proteção dos direitos da criança e ao exercício da parentalidade, em particular no domínio dos novos desafios da saúde (Direcção Geral da Saúde, 2013).

Nas consultas de vigilância, as crianças e os adolescentes foram abordados de acordo com a faixa etária. Numa fase inicial da consulta, eram questionadas as intercorrências ocorridas desde a última vinda ao Centro de Saúde (CS) e esclarecidas as preocupações das crianças, assim como dos pais ou cuidadores. Posteriormente, era feita uma avaliação de vários parâmetros de acordo com a faixa etária, como a dinâmica do crescimento, o desenvolvimento psicomotor, a socialização, a escolaridade e atividades extracurriculares, a alimentação, a higiene oral, o sono, os hábitos intestinais, a vacinação, a segurança, entre outros, e realizávamos um exame objetivo completo, com especial atenção à presença de sinais de alarme (Direcção Geral da Saúde, 2013). No final da consulta, fazíamos um breve resumo sobre as recomendações necessárias com base nos cuidados antecipatórios e o aconselhamento das vacinas extraprograma Nacional de Vacinação (PNV) (Rodrigues et al., 2020) . Em alguns casos, foi feita a referenciação para consultas hospitalares.

Baseando-nos no princípio da literacia em saúde e supondo que ao identificar os principais problemas relativamente ao bem estar das crianças e adolescentes consideramos que seria possível um intervenção dirigida para capacitar os pais , incluindo-os no trabalho de equipa com vista à melhoria da saúde das crianças e adolescentes observados (Arriaga et al., 2019, 2023; Bathory et al., 2016; Macedo et al., 2019; Morrison et al., 2019; Sanders et al., 2021). Os objetivos deste artigo são relatar as principais preocupações sentidas nas consultas de vigilância de saúde infantil e juvenil realizadas e fazer uma revisão de algumas questões que merecem especial atenção por poderem comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes.

1. Métodos

Estudo retrospetivo, transversal, observacional e analítico. Amostra de conveniência constituída pelas crianças e adolescentes observados e dos parâmetros avaliados nas consultas de Saúde Infantil e Juvenil (CSIJ), durante o estágio de CSP, que decorreu entre 01 de julho de 2021 e 31 de dezembro de 2021, numa Unidade de Saúde Familiar (USF) modelo A. Foi realizada de forma retrospetiva, uma base de dados anonimizada dos parâmetros avaliados nas CSIJ. Definimos como consulta de vigilância as consultas agendadas pelos médicos nas idades previstas no PNSIJ, consultas agudas como as consultas agendadas a pedido do doente/ cuidador por patologia aguda e consultas programadas como as consultas agendadas pelos médicos para seguimento de alguma patologia previamente identificada. O estudo foi autorizado pelo Coordenador da USF em que foi efetuado. Os princípios da confidencialidade e do anonimato foram respeitados.

A análise estatística dos dados foi realizada com recurso ao programa Microsoft Excel® versão 16.66.1. As variáveis qualitativas e quantitativas categóricas foram expressas em frequência e percentagem.

2. Resultados

Durante o estágio, realizámos um total de 423 consultas, das quais 385 de vigilância (91%), 17 agudas (4%) e 21 programadas (5%). O tempo preconizado para cada consulta de vigilância foi de trinta minutos. As faixas etárias das crianças e adolescentes observados estão indicadas na Tabela 1. A mediana de idades foi 2 anos.

Tabela 1 Faixa etária das crianças e adolescentes observados nas consultas de Saúde Infantil e Juvenil durante o estágio de Cuidados de Saúde Primários numa USF modelo A. 

FAIXA ETÁRIA < 1 ano 1-3 anos 4-5 anos 6-9 anos 10-13 anos 14-17 anos Total
n (%) 135 (31,9%) 125 (29,6%) 49 (11,6%) 49 (11,6%) 45 (10,6%) 20 (4,7%) 423 (100%)

Relativamente aos parâmetros abordados nas consultas efetuadas, os principais motivos de preocupação foram a alimentação, a higiene oral, os hábitos de sono e as alterações ao nível do neurodesenvolvimento.

Os erros alimentares (definidos como os desvios da alimentação saudável preconizada de acordo com a idade (Brett et al., 2017; Direção Geral de Saúde, 2019) e as dificuldades na alimentação foram detetados em 48 consultas (11,3%). Nos primeiros 2 anos de vida, as principais queixas dos pais são a dificuldade na mastigação e a consequente recusa alimentar, principalmente quando o treino da mastigação é atrasado aquando da diversificação alimentar. Nas crianças mais velhas, os principais erros detetados foram a ingestão excessiva de alimentos calóricos (doces ou fritos), o número reduzido de refeições realizadas por dia (como por exemplo não tomar o pequeno-almoço ou saltar refeições principais) e petiscar entre refeições. Das crianças observadas, 16 (4%) apresentavam critérios de obesidade, sendo que, para além dos erros alimentares, o sedentarismo estaria também na base da doença. Detetámos ainda 16 casos (4%) de obstipação crónica associada aos erros alimentares.

A má higiene oral foi revelada em 36 consultas (8,5%), com a maioria destas crianças a lavar os dentes apenas uma vez ao dia e algumas já com presença de cáries dentárias.

Relativamente aos hábitos de sono, 52 (12,3%) das crianças e adolescentes observadas apresentavam roncopatia, insónia inicial, atraso de fase e falta de regras para uma boa higiene do sono, nomeadamente perturbações na rotina do deitar, vários despertares noturnos, sono na cama dos pais, exposição de écrans antes de dormir, entre outros.

Das crianças observadas, 32 (7,6%) apresentavam perturbações do neurodesenvolvimento, sendo as mais frequentes a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), a Perturbação de Défice de Atenção e Hiperatividade e (PDAH), perturbações de aprendizagem, perturbações da linguagem, e outras alterações de comportamento como por exemplo birras excessivas.

Realativamente às imunizações, todas as crianças avaliadas cumpriam a vacinação de acordo com o PNV:

De todas as crianças e adolescentes avaliados, referenciámos 33 (7,8%) para consultas hospitalares para uma avaliação mais especializada. Referenciámos ainda algumas crianças para rastreio oftalmológico nas unidades com convenção (n=8, 1,9%)) e atribuímos cheques dentista nas idades preconizadas (4, 7, 10 e 13 anos e adicionalmente se presença de cáries dentárias aos 2, 3, 5, 6, 8, 9, 11, 12, e 14 anos (António et al., 2021)). Nos casos de obesidade em que não existia seguimento prévio por Nutrição e Psicologia, foi realizada a referenciação para estas valências na USF (n= 5, 1,2%). Relativamente às vacinas extra Programa Nacional de Vacinação, fizemos o aconselhamento de acordo com a faixa etária e com os grupos de risco (Rodrigues et al., 2020) e verificámos que mais de 50% dos adolescentes não se encontrava imunizado contra a Neisseria meningitidis, bactéria que causa meningite.

3. Discussão

Durante as consultas de vigilância, é necessário abordar todos os parâmetros para uma vigilância completa e transmitir aos pais e/ ou cuidadores os conhecimentos necessários ao melhor desempenho no exercício da parentalidade, promovendo a saúde das crianças e adolescentes e protegendo os direitos das crianças. (Direcção Geral da Saúde, 2013) Com este estudo foi possível analisar globalmente as principais preocupações sentidas nas consultas de vigilância de saúde infantil e juvenil realizadas e fazer uma revisão narrativa de algumas questões que merecem especial atenção por poderem comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes. Apresentam-se, de seguida, sínteses das orientações relativas a cada uma das áreas abordadas.

Alimentação

No que diz respeito à alimentação, incluem-se conselhos sobre hábitos saudáveis às famílias, independentemente da idade. A educação alimentar no domicílio e o exemplos dos pais e / ou cuidadores adquire um papel fundamental na adoção de uma alimentação saudável pelas crianças e adolescentes (Direção-Geral da Saúde, 2022). Em primeiro lugar, a oferta alimentar deve ser baseada na qualidade e variedade, respeitando o apetite da criança (Brett et al., 2017; Morrison et al., 2019; Direção-Geral de Saúde, 2019) Na diversificação alimentar, que ocorre a partir dos 4-6 meses, é fundamental o treino progressivo dos sabores e o treino da mastigação (que deve ocorrer por volta dos 9 meses), para que posteriormente não haja rejeição dos alimentos. A suplementação com vitamina D (400UI/ dia) deve ser realizada pelo menos durante o 1º ano de vida. A partir dos 12 meses de vida, quando a criança integra a dieta familiar, é importante que esta se mantenha variada e equilibrada, para que haja aquisição de hábitos saudáveis. A indicação é de realizar 5 a 6 refeições por dia e a oferta nutricional deverá ter em conta as porções recomendadas. O consumo de alimentos com adição de açúcar e processados deverá ser reduzido e o consumo de água incentivado (Brett et al., 2017; Direção-Geral de Saúde, 2019). É importante que os lanches para a escola incluam alimentos saudáveis (Direção-Geral da Saúde, 2022; Rodrigues et al., 2020). Nos hábitos alimentares, a identidade cultural é um elemento a respeitar, pelo que o cumprimento das necessidades poderá ser obtido a partir de diferentes padrões alimentares. Nos casos de famílias vegetarianas, deve ser garantida a orientação por nutricionista e a suplementação vitamínica da criança (Brett et al., 2017; Pinho et al., 2016; Direção-Geral de Saúde, 2019) .

A alimentação tem também uma forte componente de socialização e os hábitos da refeição são importantes para a modelação do comportamento da criança. Assim, é crucial promover um tempo de refeição partilhado em família, com interação social e com os alimentos, sem exposição a écrans (Brett et al., 2017; Direção-Geral de Saúde, 2019) . Por fim, a prática de exercício físico aliada a uma alimentação saudável é relevante para combater o sedentarismo e prevenir algumas patologias (Direção-Geral da Saúde, 2022; Direcção Geral da Saúde, 2013; Direção-Geral de Saúde, 2019). Na população em estudo verificou-se que 4% das crianças apresentavam obesidade, sendo este valor inferior aos dados do Childhood Obesity Surveillance Initiative Portugal 2022 com 13,5% das crianças dos 6 aos 8 anos a apresentar obesidade (Rito et al., 2023).

Higiene Oral

Os hábitos alimentares devem aliar-se também a uma boa higiene oral. A cárie dentária é uma doença crónica muito comum, que influencia o bem-estar físico, psíquico e social das crianças e pode comprometer o rendimento escolar (American Academy of Pediatric Dentistry, 2023; António et al., 2021; Direção-Geral da Saúde, 2022; Krol & Whelan, 2023). A lavagem dos dentes é pertinente após o nascimento do 1.º dente, podendo fazer-se lavagem da boca com uma gaze humedecida ou dedeira antes da erupção dentária (António et al., 2021). Deve ser usada uma pasta dentífrica fluoretada (1000-1500 ppm de flúor) (American Academy of Pediatric Dentistry, 2023; António et al., 2021; Direção-Geral da Saúde, 2022) e a quantidade de dentífrico deve ser do tamanho da unha do 5.º dedo da criança (António et al., 2021; Direção-Geral da Saúde, 2022). A lavagem realiza-se pelo menos duas vezes a dia, uma delas obrigatoriamente antes de deitar (American Academy of Pediatric Dentistry, 2023; António et al., 2021; Direção-Geral da Saúde, 2022). O adulto deve lavar os dentes da criança ou supervisionar a mesma, se esta já tiver destreza manual (António et al., 2021; Krol & Whelan, 2023). A escovagem manual e com recurso a escova de dentes elétrica é semelhante desde que efetuada com a técnica correta. Indica-se, ainda, a idade dos 2-3 anos para largar a chupeta (António et al., 2021).

Sono

Relativamente ao sono, este é uma função básica para um desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes. É um estado muito complexo que permite reorganizar todas as funções. Na criança, para além de ser importante no crescimento com a produção de hormona de crescimento, o sono tem um papel fundamental no desenvolvimento do sistema nervoso central, na regulação metabólica e imunológica (Associação Portuguesa do Sono & Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020; Brett et al., 2017). Uma má higiene de sono poderá ter consequências ao nível do bem-estar físico e psíquico das crianças, assim como da aprendizagem e socialização. As famílias e os cuidadores são os principais responsáveis por cumprir as regras de higiene básicas para a higiene do sono, tais como: 1) promover um horário de deitar da criança regular cumprindo o número de horas de sono adequadas à idade e às necessidades de cada criança; 2) ter uma rotina que precede a ida para a cama que seja sempre idêntica (por exemplo, vestir pijama, lavar dentes, ler história); 3) deitar a criança ainda acordada, podendo utilizar um objeto de transição (Associação Portuguesa do Sono & Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020; Brett et al., 2017; Meltzer et al., 2021); 4) evitar adormecer fora da própria cama (Associação Portuguesa do Sono & Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020; Brett et al., 2017); 5) evitar atividade estimulante antes de dormir, como o exercício físico; 6) evitar a exposição a écrans antes de dormir. É também importante referir que uma boa higiene de sono durante a infância favorece um sono de qualidade na idade adulta (Associação Portuguesa do Sono & Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2020; Brett et al., 2017; Meltzer et al., 2021).

Perturbações do neurodesenvolvimento

As perturbações do neurodesenvolvimento podem afetar uma panóplia de funções, como a cognição, a comunicação, a linguagem, a interação social, a coordenação motora, a atenção, a aprendizagem e/ou a autonomia (Brett et al., 2017; Lipkin & Macias, 2020) . Ao nível dos cuidados de saúde primários, esta avaliação é feita de uma forma sumária, com um rastreio e deteção de sinais de alarme (Direcção Geral da Saúde, 2013; Lipkin & Macias, 2020), com recurso à escala de Mary Sheridan modificada até aos 5 cinco anos, falhando muitas vezes a abordagem em idades mais avançadas (Direcção Geral da Saúde, 2013). A avaliação do neurodesenvolvimento deverá ter em conta o contexto biopsicossocial que, muitas vezes, influencia as funções das criança e adolescentes e, se estas necessitarem de uma avaliação mais global e formal, deverão ser referenciadas (Direcção Geral da Saúde, 2013; Lipkin & Macias, 2020).

Vacinas

A vacinação contemplada no PNV implica imunizações em idade pediátrica e tem por objetivo proteger os indivíduos e a população em geral contra as doenças com maior potencial para constituírem ameaças à saúde pública e individual e para as quais há proteção eficaz por vacinação (Direcção Geral da Saúde, 2013) (Freitas et al., 2020) . O cumprimento do PNV deve ser garantido em todas as consultas.

Por fim, no que diz respeito às vacinas extra PNV, existem algumas vacinas disponíveis para crianças com e sem fatores de risco. Na maioria das situações, o objetivo principal é a proteção individual e baseia-se numa decisão individual. Destaca-se a importância da recomendação das vacinas contra Rotavírus (Gastroenterite) e contra Neisseria meningiditis dos grupos A, B, C, W e Y (meningite). Estas vacinas devem ser administradas nos primeiros meses de vida e no caso das vacinas contra Neisseria meningiditis, devem ser aconselhadas não só nos lactentes e crianças nos primeiros anos de vida, mas também nos adolescentes, uma vez que a bactéria coloniza a orofaringe e a doença apresenta um pico nesta faixa etária. (Rodrigues et al., 2020) .

Consideramos que os objetivos propostos neste estudo foram atingidos, uma vez que apesar dos parâmetros a avaliar em CSJI serem propostos pelo PNSIJ (Direcção Geral da Saúde, 2013), as preocupações dos pais e/ ou cuidadores e dos médicos que realizam as consultas são distintas nas várias populações e este estudo permitiu sumarizar as

as principais preocupações de quem frequentou a consulta durante o nosso período de estágio. Após essa sumarização foi ainda possível realizar uma revisão narrativa das temáticas mais prevalentes na nossa população em estudo com vista à capacitação dos pais e/ ou cuidadores desta população.

Durante o estágio realizado, sentimos que o tempo preconizado para as consultas de vigilância por vezes é escasso para permitir uma avaliação completa de todos os parâmetros, tendo em conta a subjetividade e complexidade de alguns casos.

Verificámos, ainda, que a pandemia apresentou um forte impacto na vida das famílias. Os confinamentos, a alteração das rotinas, a entrada mais tardia na creche, o estudo em casa (“telescola”) e o isolamento social tiveram uma forte influência no quotidiano da população pediátrica, o que torna mais urgente a necessidade de realizar consultas em que são abordados todos os temas, de forma a detetar precocemente alterações que tenham ocorrido no estilo de vida das crianças e adolescentes e que possam ter afetado o seu bem estar.

Consideramos que este estudo apresenta como pontos fortes o facto de termos uma amostra com uma boa dimensão e um período de seguimento de 6 meses o que permitiu avaliar em diversos momentos crianças e adolescentes em que foi detetada alguma patologia e desta forma fortalecer a relação com a família e /ou cuidadores garantido uma melhor colaboração destes.

No entanto, a análise dos resultados obtidos deve ter em consideração algumas limitações do estudo, tal como o facto destes dados serem restritos às preocupações identificadas em consultas de uma USF em específico. Em estudos futuros seria interessante avaliar as preocupações manifestadas em consultas em diversas USF/ ACES e avaliar também a literacia em saúde dos pais e/ou cuidadores e de que forma esta se prende com a prática de estilos de vida saudáveis e a uma adequada utilização dos cuidados de saúde (Arriaga et al., 2019, 2023; Bathory et al., 2016; Macedo et al., 2019; Morrison et al., 2019; Sanders et al., 2021).

Conclusão

A vigilância da saúde infantil e juvenil é um importante desafio na promoção da saúde e prevenção da doença das crianças e adolescentes. Nas consultas de saúde infantil e juvenil, deve ser feita uma avaliação completa de acordo com a idade e o aconselhamento para um crescimento saudável. Estas consultas pautam-se por valorizar os cuidados antecipatórios, detetar precocemente situações problemáticas e patológicas e, quando detetados sinais de alarme, iniciar uma intervenção e/ou referenciação que deve ser o mais precoce possível.

É fundamental a cooperação entre os médicos, familiares e /ou cuidadores e outros profissionais que lidam com as crianças no dia a dia de forma a uniformizar os cuidados às crianças e a assegurar hábitos saudáveis e uniformes em todas as dinâmicas da vida das crianças. Os estilos de vida saudáveis são determinantes no bem-estar, crescimento e desenvolvimento das crianças e jovens, com repercussões nas gerações futuras (Direcção Geral da Saúde, 2013).

Contribuições dos autores

Conceptualização, D.P., J.R., P.A. e I.P.; tratamento de dados, D.P., J.R., P.A. e I.P.; análise formal, D.P., J.R., P.A. e I.P.; aquisição de financiamento, D.P., J.R., P.A. e I.P ; investigação, D.P., J.R., P.A. e I.P.; metodologia D.P., J.R., P.A. e I.P.; administração do projeto, D.P., J.R., P.A. e I.P.; recursos, D.P., J.R., P.A. e I.P.; programas, D.P., J.R., P.A. e I.P.; supervisão, D.P., J.R., P.A. e I.P.; validação, D.P., J.R., P.A. e I.P.; visualização, D.P., J.R., P.A. e I.P.; redação - preparação do rascunho original, D.P., J.R., P.A. e I.P.; redação - revisão e edição, D.P., J.R., P.A. e I.P.

Conflito de interesses

Os autores declaram não existir conflitos de interesses.

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Recebido: 02 de Fevereiro de 2023; Aceito: 24 de Novembro de 2023

Autor Correspondente Daniela Peixoto Rua Paul Harris, 20.8, 1b 3030-508 - Coimbra- Portugal dtpeixoto@gmail.com

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