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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.64 Oeiras set. 2010

 

Nuclearidade, trabalho dos corpos e justiça

A requalificação ambiental das minas da Urgeiriça e os protestos locais

 

José Manuel Mendes* e Pedro Araújo**

* Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Observatório do Risco, sediado no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. E-mail: jomendes@ces.uc.pt

** Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Observatório do Risco. E-mail: paraujo@ces.uc.pt

 

Resumo

Este artigo analisa o longo ciclo da nuclearidade em Portugal, a partir do processo de encerramento das minas da Urgeiriça e da sua subsequente requalificação ambiental. O artigo aborda a acção dos ex-trabalhadores para se reivindicarem como contaminados, igualando o território nessa qualidade e procurando igual direito à reparação, e mostra como a presença e a dor das vítimas não adquirem a grandeza suficiente para alterar os enquadramentos técnico-políticos e administrativos. Conclui-se que o Estado consegue o fechamento parcial da controvérsia e a assunção da normalidade na governação do território a partir de dispositivos de normalização técnica e científica em torno da nuclearidade.

Palavras-chave minas de urânio, nuclearidade, requalificação ambiental, acção colectiva, Estado.

 

Nuclearity, the work of bodies and justice: the environmental rehabilitation of the Urgeiriça mines and local protest

Abstract

This article analyses the long cycle of nuclearity in Portugal on the basis of the closing-down process at the Urgeiriça mines and their subsequent environmental rehabilitation. The article addresses the action of the former workers in their claim that they are contaminated, just like the territory, and in their search for the same right to compensation. It shows how the presence and pain of the victims is not of sufficient dimension to alter the technical/political and administrative frameworks. It concludes that the state is managing to shut down the controversy, to a certain extent, and to assume normality in the governance of the territory on the basis of devices of technical and scientific normalisation regarding nuclearity.

Key-words uranium mines, nuclearity, environmental rehabilitation, collective action, state.

 

Nucléarité, travail des corps et justice: la requalification environnementale des mines d’Urgeiriça et les protestations locales

Résumé

Cet article analyse le long cycle de la nucléarité au Portugal à partir du processus de fermeture des mines d’Urgeiriça et de leur conséquente requalification environnementale. L’article aborde l’action des anciens mineurs pour être reconnus en tant que “contaminés”, comme l’a été le territoire, afin d’obtenir un même droit de réparation, tout en démontrant que la présence et la douleur des victimes n’atteignent pas suffisamment de grandeur pour modifier les encadrements techniques, politiques et administratifs. L’auteur conclut que l’État parvient à clore partiellement la controverse et à assumer la normalité dans la gouvernance du territoire à partir de dispositifs de normalisation technique et scientifique autour de la nucléarité.

Mots-clés mines d’uranium, nucléarité, requalification environnementale, action collective, État.

 

Nuclearidad, trabajo de los cuerpos y justicia: la rehabilitación ambiental de las minas de Urgeiriça y las protestas locales

Resumen

Este artículo analiza el extenso ciclo de la nuclearidad en Portugal a partir del proceso de cierre de las minas de Urgeiriça y de su subsecuente rehabilitación ambiental. El artículo aborda la acción de los ex-trabajadores para reivindicarse como contaminados, así como el territorio y procurando el mismo derecho a la reparación, y muestra como la presencia y el dolor de las víctimas no adquieren la grandeza suficiente para alterar los marcos técnico-políticos y administrativos. Se concluye que el Estado consigue el cierre parcial de la controversia y la asunción de la normalidad en la gobernación del territorio a partir de dispositivos de normalización técnica y científica alrededor de la nuclearidad.

Palabras-clave minas de uranio, nuclearidad, rehabilitación ambiental, acción colectiva, Estado.

 

Introdução

Canas de Senhorim. Uma pequena localidade da Beira Alta (distrito de Viseu, concelho de Nelas) com cerca de 4.000 habitantes, situada em “terras de Senhorim” (Loureiro, 1988: 1), à qual ficará sempre associada a longa, e muitas vezes espectacular, luta pela restauração do concelho. A história de Canas de Senhorim não se atém, porém, a esta faceta de uma “localidade da Beira em protesto” (Mendes, 2004). De facto, “no segundo decénio do século XX, o concelho de Nelas conhece os primeiros sinais de um processo de industrialização que vai estar na base da transformação da sua estrutura económica e de mudanças do seu tecido social” (Veiga, 2006: 243).[1]

A nível industrial, duas referências incontornáveis — local, nacional e internacionalmente — vieram criar em Canas de Senhorim uma “ilha operária” (Veiga, 2006: 243), habitada por um semiproletariado ainda muito ligado à terra, e alterar definitivamente o porvir do território: a Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos (CPFE) e a Empresa Nacional de Urânio (ENU). Ambas as empresas representaram importantes pólos de atracção de mão-de-obra, ambas contribuíram para, num dado momento, tornar Canas de Senhorim num dos eixos económicos mais importantes da região, ambas desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento local, ambas deixaram atrás de si um rasto de desenvolvimento e ambas um rasto de poluição. No caso da CPFE, a poluição, embora se desconheça se os seus efeitos para a saúde pública alguma vez tenham sido objecto de análise, dificilmente escapava à experiência sensorial da população. Em 1986, o encerramento da CPFE dissipará a “nuvem negra” que era a sua imagem de referência.[2] Com o fim da exploração e tratamento de urânio no complexo industrial da Urgeiriça, a “nuvem”, ao invés de se dissipar, adensou-se.

A história da exploração e tratamento de urânio na Urgeiriça é parte integrante de histórias mais latas, mais complexas, mais distantes, também, física, ideológica, política e tecnologicamente: a história do mundo nuclear; do nuclear em Portugal; e do lugar de Portugal no mundo nuclear. Não são estas, porém, as histórias que aqui nos interessam. Será aqui questão de urânio, é certo, mas num momento particular daquelas que configuram as suas temporalidades (Brunet, 2004). Vencido o “tempo áureo do urânio” — no qual não se coloca a questão ambiental e o urânio aparece como motor de desenvolvimento local e suporte de projectos de vida — é no “tempo contestado do urânio” que nos situamos. Momento em que a exploração e tratamento de urânio cessam e se torna premente a necessidade de atender ao passivo ambiental gerado pela actividade mineira em Portugal. Momento, igualmente, em que o Estado assume, enquanto dever fundamental, a responsabilidade pela reposição do equilíbrio ambiental de áreas sujeitas à actividade mineira.

Como refere S. Kroll-Smith (2009), o risco acontece sempre num tempo, num espaço e a alguém. Definido o tempo, vejamos o espaço e o quem, variáveis indispensáveis para compreender aquilo que se entende por “nuclearidade”.

A exposição ao urânio e aos produtos do seu decaimento não é imediatamente acessível aos sentidos e integra, como salienta P. Perreti-Watel (2007: 76), o grupo dos riscos tecnológicos para a apreensão dos quais a ciência se constitui como um mediador incontornável. Apenas a ciência dispõe das técnicas e instrumentos necessários para lhes conferir existência, para estabelecer a “nuclearidade do urânio”. E, porém, será a ciência suficiente? Como salienta, G. Hecht (2006; 2009), a nuclearidade da exploração de urânio é uma categoria técnico-política continuamente contestada. Os parâmetros da sua definição dependem da história e da geografia, da ciência e da tecnologia, dos corpos e das políticas, dos Estados e dos mercados. O “nuclear” — insiste G. Hecht (2009: 3) — é o resultado técnico-político de processos históricos:

A política molda-lhe as tecnologias, mas as suas tecnologias também lhe moldam as políticas. A realidade material assume, aí, uma extrema importância, […] [mas], como demonstram inúmeros estudos na área da ciência e da tecnologia, as realidades materiais emergem de redes complexas em que o social e o técnico se interligam de uma forma inextricável. […] No domínio da exposição ocupacional, por exemplo, os instrumentos, as relações laborais, as disciplinas científicas, as controvérsias entre especialistas e o saber leigo combinam-se por forma a criar aquilo a que Michelle Murphy (2006) chama “regimes de perceptibilidade”, quer dizer, conjugações de factores sociais e técnicos que tornam visíveis certos riscos e efeitos para a saúde, tornando outros invisíveis. […] A questão científica [e, ao que parece, também presentista e deslocalizada] da causalidade […] é portanto também, e sempre, uma questão histórica e geográfica.

Independentemente do significado da exploração e tratamento de urânio, do urânio em si, e dos regimes de perceptibilidade que concorrem para a emergência ou silenciamento, por um lado, da nuclearidade do urânio (Tsing, 2005; Hecht, 2006; 2009) e, por outro, da questão ambiental, duas variáveis permanecem constantes. A primeira, o território e a sua exploração por forças externas (Amundson, 2002): inicialmente uma empresa de capitais luso-britânicos e, a partir da década de 1960, o Estado português, que passa a exercer a exploração de urânio em regime de monopólio. O urânio, principalmente com a instalação, no início da década de 1950, da Junta de Energia Nuclear (JEN), esteve na base de um inaudito investimento no sector da energia nuclear, segundo Frederico Ulrich, presidente da JEN, “praticamente o único sector de alta intensidade tecnológica em que Portugal investiu no século XX” (Taveira, 2005: 7). Tal permitiu, por um lado, o alargamento dos horizontes de conhecimento nessa matéria e, por outro, que Portugal acalentasse a possibilidade de desenvolver um programa de energia nuclear. Do ponto de vista de uma elite emergente, composta por técnicos, engenheiros, académicos e cientistas, o urânio adquire potencialidades até então limitadas à “diplomacia do urânio” (Taveira, 2005; Castaño, 2006).[3]

A segunda variável, os trabalhadores do complexo industrial da Urgeiriça. Trabalhar na Urgeiriça oferecia vantagens então não generalizadas à restante população: a estabilidade do emprego; um salário mais elevado quando comparado, à excepção da CPFE, com as alternativas locais; o acesso a cuidados de saúde; o acesso à habitação; condições infra-estruturais privilegiadas (saneamento e electricidade); etc. A referência ao território deve, por isso, revestir-se de algumas cautelas. Do complexo mineiro nasceu uma comunidade dentro da comunidade, um “lugar”, como muitos dos seus habitantes insistem em chamá-lo, distinto de Canas de Senhorim. Esta distinção, extremamente marcante no período áureo do urânio e cujos efeitos não se diluíram completamente depois da cessação da actividade do complexo industrial da Urgeiriça, será, como se verá, importante para compreender o modo como, à medida que a questão dos trabalhadores da ENU ganha dimensão mediática, perde em base de apoio local.

Parte de uma história complexa, a história da Urgeiriça desenvolve-se ela própria num local complexo. Estamos aqui longe das chamadas “comunidades terapêuticas” ou “altruístas”, nas quais impera o consenso, a solidariedade e a empatia sustentadas por uma definição colectiva e partilhada da situação (Erikson, 1976). Na Urgeiriça, encontramo-nos perante uma “comunidade volátil” (Gunter e Kroll-Smith, 2006), sendo essa volatilidade definida pela presença local de diversos actores colectivos portadores de agendas e interesses que, apesar de se cruzarem em alguns momentos, permanecem, no essencial, inconciliáveis.

Assumida a requalificação ambiental pelo Estado, o significado do trabalho na ENU adquire uma nova roupagem, pelo facto de se tornarem visíveis — e, mais importante, mobilizáveis porque “certificadas” pela ciência — as consequências da exploração de urânio para o território e para os trabalhadores. O fim da ENU e a emergência da questão ambiental, por via da qual aparece o estudo epidemiológico, impulsionam a emergência dos corpos, a partir de agora irremediavelmente marcados e reivindicados como tal, por uma redescoberta nuclearidade. Os corpos — os trabalhadores — procuram, nesse sentido, igualar o território em importância, fazer valer igual direito à contaminação, igual direito à reparação, igual direito à compensação.

No entanto, e é neste ponto que o terreno revela a sua complexidade, a exposição ocupacional às radiações, as doenças oncológicas, a morte, embora presentes, não constituem a principal motivação para os protestos dos Antigos Trabalhadores da ENU, cujo fundamento assenta, mais decisivamente, no ressentimento e na injustiça originados pelo desigual tratamento do colectivo de trabalhadores pelo Estado.

Na economia deste artigo, começaremos por traçar um breve esboço da história das minas da Urgeiriça. De seguida, abordaremos os antecedentes e o enquadramento jurídico do Programa de Recuperação Ambiental das Áreas Mineiras Degradadas. Finalmente, deter-nos-emos nos protestos locais, desenvolvidos entre 2001 e 2008, dando especial enfoque à Associação Ambiente em Zonas Uraníferas (AZU) e, principalmente, aos Antigos Trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio.

O encerramento da ENU e a implementação local do Programa de Reabilitação das Áreas Mineiras Degradadas confronta-se com reacções sociais locais que não contestam o programa em si nem a definição oficial das consequências para a saúde, pública ou individual, da actividade mineira, levantando, antes, questões que encontram no processo de requalificação ambiental uma oportunidade para a ressurgência ou emergência no espaço público. A mobilização das consequências ambientais e dos efeitos para a saúde por parte dos trabalhadores constitui um eficaz trampolim para a mobilização da comunicação social e para a sensibilização dos agentes políticos,[4] que se revela incapaz, porém, de alterar o enquadramento das políticas definidas. Como veremos, a presença e a dor das vítimas não adquirem a grandeza (Boltanski e Thévenot, 1991) suficiente para alterar os enquadramentos técnico-políticos e administrativos, na medida em que configuram um grupo confinado, portador de uma agenda restrita. A reivindicação da presença no espaço público por via da corporalização da nuclearidade impede a luta dos trabalhadores de descolar da esfera local.[5]

As minas da Urgeiriça

A existência de jazigos de urânio e rádio em Portugal deu origem no início do século XX a uma indústria votada, primeiro, à produção de concentrados de rádio e, posteriormente, de urânio. A fase inicial reporta-se a 1907, com a descoberta do primeiro jazigo urano-radífero, e prolongou-se até ao início da Segunda Guerra Mundial, altura em que é abandonada a produção de rádio e se inicia a segunda fase de exclusivo interesse pelo urânio (Nunes e Alves, 2004). Na região Centro, o urânio foi explorado em diversas minas, das quais se salientam as da Urgeiriça, Bica, Castelejo, Cunha Baixa, Quinta do Bispo e Pinhal de Soto (Romão e outros, 2000: 103). Na Urgeiriça, um dos mais importantes depósitos uraníferos da Europa, a “aventura do urânio” inicia-se em 1913, com a “descoberta de uma pedra pouco vulgar […] que exames revelaram possuir elevado teor de urânio” (Veiga, 2006: 257).

De 1913 a 2001, a exploração e tratamento de rádio e, posteriormente, de urânio serão da responsabilidade da Henry Burnay & C.ª (1913-1931); da Companhia Portuguesa de Radium, Lda. (1932-1962); da Junta de Energia Nuclear (1962-1977); da Empresa Nacional de Urânio, EP (1977-1990); e, finalmente, da Empresa Nacional de Urânio, SA (1990-2001). Na Urgeiriça, nascerá e morrerá uma oficina de tratamento químico, serão instaladas diversas estruturas de índole social e o espaço e a paisagem circundante transformar-se-ão radicalmente pelas escombreiras de rejeitados que foram ganhando volume ao ritmo da produção (Veiga, 2006: 265).

Em 1990, quando a Empresa Nacional de Urânio, SA (ENU) assume a gestão do complexo industrial da Urgeiriça, o tempo é, porém, de crise — comummente associada à queda do preço do urânio no mercado internacional — e de reestruturação. Depois de ensaiadas infrutiferamente diversas estratégias de diversificação da actividade (pedreiras, rochas ornamentais, etc.), em Março de 2001, é decidido em Assembleia-Geral o início do processo de dissolução e entrada em liquidação da empresa, processo este que coincide com a implementação do enquadramento jurídico que sustenta a recuperação ambiental de áreas sujeitas à actividade mineira em Portugal.

O Programa de Recuperação Ambiental das Áreas Mineiras Degradadas: antecedentes e enquadramento jurídico

O Programa de Recuperação Ambiental das Áreas Mineiras Degradadas encontra antecedentes que remontam, pelo menos, a meados da década de 1990. De acordo com Luís Rodrigues da Costa (2000), em 1995, o Instituto Geológico e Mineiro (IGM) e a Direcção-Geral do Ambiente (DGA) celebravam um protocolo de cooperação no âmbito do qual o IGM iria desenvolver, entre meados de 1995 e finais de 1998, um estudo de três casos-tipo que possibilitasse a obtenção de experiência e conhecimento sobre os impactos ambientais correlacionáveis com a actividade mineira, para uma posterior abordagem desta problemática a nível nacional. Foram, então, seleccionadas as minas de Jales (Vila Pouca de Aguiar), da Cunha Baixa (Mangualde) e do Pejão (Castelo de Paiva) (Santos Oliveira e outros, 1999; 2002; Costa, 2000).

Em 1998, o IGM alarga os estudos às minas de S. Domingos (Mértola), Lousal-Caveira (Grândola) e Vale das Gatas (Vila Real) e, em paralelo, leva a cabo um “Estudo de Diagnóstico Preliminar” em sítios mineiros abandonados inventariados em todo o território nacional, tendo em vista obter dados que permitissem estabelecer uma hierarquização das situações e seleccionar os casos para a realização de obras de reabilitação e/ou requalificação ambiental.

No caso concreto das minas de urânio, Luís Rodrigues da Costa (2000: 168) informa que a Empresa Nacional de Urânio assumia, então, a responsabilidade “de realizar o levantamento sistemático preliminar dos sítios mineiros onde conduziu operações industriais, estendendo-se igualmente às explorações de entidades que a antecederam (Companhia Portuguesa de Radium e Junta de Energia Nuclear).

Em 1999, os ministérios da Economia e do Ambiente estabelecem um protocolo de cooperação para a recuperação ambiental e a implementação de medidas legislativas, organizacionais e financeiras para o sector mineiro. O protocolo resultou num acordo de cooperação entre a DGA, o IGM e a Empresa de Desenvolvimento Mineiro — holding que representa os interesses do Estado no sector mineiro —, com o objectivo de desenvolver um programa de recuperação das minas abandonadas e de estabelecer um enquadramento institucional para a implementação desse programa (Baptista e outros, 2005).

Dois anos mais tarde, em Fevereiro de 2001, por ocasião do lançamento do projecto de reabilitação da escombreira da mina de Jales (desactivada em 1992 e cuja requalificação se iniciou em 2002), os ministros da Economia (Mário Cristina Sousa) e do Ambiente (José Sócrates) apresentavam em Vila Pouca de Aguiar o Programa de Reabilitação Ambiental de Áreas Mineiras Abandonadas. Apontava-se, então, para a existência de 80 áreas mineiras abandonadas.

É, pois, neste contexto de “euforia reabilitadora” que aparece o Decreto-Lei n.º 198-A/2001, de 6 de Julho, um marco importante na assunção por parte do Estado da responsabilidade pela remediação do passivo ambiental provocado pela indústria extractiva e de legitimação da intervenção da empresa responsável pela requalificação, a Empresa de Desenvolvimento Mineiro, que se vê mandatada pelo Estado para cumprir uma missão de reconhecido interesse público.

Este Decreto-Lei veio reconhecer, por um lado, que o exercício da actividade mineira em Portugal gerou um passivo ambiental muito significativo e, por outro, que a recuperação das áreas degradadas do território nacional constitui um dever fundamental do Estado e uma tarefa de interesse público. Esse dever, previsto na Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril), torna-se particularmente forte no caso das minas de urânio desactivadas, entre outras razões, porque em Portugal a exploração mineira de urânio sempre foi feita […] pelo Estado, e em regime de monopólio, pelo que a responsabilização do próprio Estado pela recuperação ambiental das minas é uma decorrência natural do princípio de poluidor-pagador. Trata-se de um caso em que não há terceiros a quem, alternativamente, possam ser imputadas responsabilidades ou que possam ser co-responsabilizados pela degradação ambiental gerada. (Aragão, 2006: 126)

O exclusivo do exercício da actividade de recuperação ambiental das áreas mineiras degradadas foi, então, adjudicado, em regime de concessão, à Companhia de Indústria e Serviços Mineiros e Ambientais, SA (Exmin), detida na totalidade pela já referida Empresa de Desenvolvimento Mineiro, SGPS (EDM) (Resolução do Conselho dos Ministros n.º 93/2001, de 9 de Agosto).[6]

O referido Decreto-Lei constitui um marco importante, na medida em que fornece um sólido fundamento jurídico à missão da qual a EDM foi incumbida pelo Estado: a recuperação ambiental de antigas áreas mineiras degradadas, com vista à sua reabilitação e valorização económica. Isto permite à EDM posicionar-se numa esfera relativamente à qual todo o resto, tudo o que escapa à sua “missão”, pode ser classificado como lhe sendo estranho, ao mesmo tempo que, como se verá, lhe permite assumir posições de força relativamente a determinados aspectos que entravam o cumprimento dessa missão.

Como salienta Gaspar Nero, coordenador da intervenção da EDM nas minas abandonadas:

Nós estamos aqui num espírito de missão, missão que foi acometida por uma concessão, concessão que foi considerada como sendo de interesse público. Portanto, é nesse sentido que deve ser entendida a nossa intervenção. [Entrevista realizada por José Manuel Mendes, em 27 de Março de 2009]

Antes, porém, da requalificação ambiental das minas da Urgeiriça começar a adquirir uma materialidade que, por si só, este importante marco legislativo não lhe confere, os protestos locais encontrarão fundamento na Resolução da Assembleia da República n.º 34/2001, aprovada cerca de três meses antes no rescaldo da suspeita da existência de uma “síndrome dos Balcãs”, atribuída à contaminação com urânio das tropas da NATO em missões de paz na Bósnia e no Kosovo.

A Resolução da Assembleia da República n.º 34/2001, de 29 de Março, recomenda ao governo (XIV GC, António Guterres, PS) medidas para resolver o problema da radioactividade nos resíduos e nas minas de urânio abandonadas nos distritos de Coimbra, Guarda e Viseu, nomeadamente adoptando soluções concretas no perímetro das minas da Urgeiriça. Das recomendações ao governo contidas na resolução, retenham-se duas que irão marcar a agenda de protestos dos actores locais: submeter as comunidades locais nos três distritos (Coimbra, Guarda e Viseu) a vigilância epidemiológica activa para garantir uma minimização de riscos, tendo em conta a radioactividade e a poluição química; e contribuir para assegurar uma correcta situação social dos actuais trabalhadores da ENU, que deverão ser apoiados social e profissionalmente, em qualquer quadro futuro.

Este debate é antecedido, como se disse, da polémica levantada pela utilização de munições revestidas a urânio empobrecido pelos militares da NATO em missões de manutenção de paz nos Balcãs (Bósnia e Kosovo) e do falecimento do cabo Hugo Paulino, em Dezembro de 2000, que havia cumprido uma missão nesse território.[7] A forma como o governo gere, então, esta situação revela, como salientam Gonçalves e outros (2007), o recurso ao “discurso tranquilizador” com o objectivo de desdramatizar as situações. Uma estratégia comum na gestão política dos riscos, e que, como se verá com o estudo epidemiológico, se estende neste caso aos cientistas “oficiais”.

Os protestos locais

A partir de 2001, estavam, portanto, reunidas as condições para dar cumprimento ao Programa de Reabilitação de Áreas Mineiras Degradadas e, concretamente, para avançar com a remediação das situações mais prementes, entre as quais se encontra, desde a primeira hora, a barragem de rejeitados da Urgeiriça (a Barragem Velha), cuja perigosidade e urgência de ser intervencionada, num primeiro tempo, e a exemplaridade da execução, num segundo, serão avançadas para reforçar a qualidade técnica da execução dos objectivos do Programa de Recuperação Ambiental das Áreas Mineiras Degradadas e a firmeza da vontade política em executá-lo. Os trabalhos de “estabilização de taludes, selagem e drenagem da Barragem Velha de Rejeitados da Mina da Urgeiriça” terão início apenas em 2006 e serão inaugurados em 2008. No período compreendido entre a aprovação do Decreto-Lei n.º 198-A/2001 e a inauguração dos trabalhos da Barragem Velha, entre 2001 e 2008, o território não permanece neutro, objecto passivo de uma incursão técnica do centro.

Metodologicamente, procedeu-se, primeiro, a um ordenamento cronológico dos acontecimentos mais relevantes para a “intriga” (figura 1). Segundo, ao levantamento das notícias em diversos órgãos de comunicação social das intervenções públicas e acções de protesto relacionadas com o tema (2001-2008). Finalmente, foram realizadas entrevistas em profundidade com os líderes dos principais colectivos locais, com os ex-trabalhadores da ENU e com outros informadores privilegiados. O cruzamento entre a cronologia dos acontecimentos e a cronologia das intervenções públicas e acções de protesto permitiu dar conta da emergência de determinados actores e problemáticas na esfera pública ou, pelo contrário, do seu refluxo, à medida que o Estado vai respondendo de forma parcelar às reivindicações.

 

Figura 1 Cronologia dos principais acontecimentos

 

Entre 2001 e 2008, diversos actores locais levarão a cabo acções de protesto e actos públicos, ora visando os efeitos associados à actividade da ENU no território (a questão ambiental), ora mobilizando outras questões, que denominamos como tangenciais à requalificação ambiental. É este o caso dos antigos trabalhadores da ENU, que serão aqui objecto de uma análise mais detalhada.

Relativamente aos principais intervenientes (figura 2), na coluna da esquerda, encontram-se o Estado e a EDM que funcionam em “circuito fechado”, focalizados que estão, o primeiro, no capital político contido no Programa de Recuperação Ambiental das Áreas Mineiras Degradadas e, a segunda, exclusivamente na sua execução técnica. Os atrasos na requalificação são, notoriamente, um aspecto que introduz “ruído” na relação entre o Estado e a EDM. Na base destes atrasos estariam, para Gaspar Nero, então administrador da Exmin, a “falta de verba e uma imensidão de procedimentos administrativos” (Ferreira, 2004). Mais recentemente, o agora coordenador da intervenção da EDM nas minas abandonadas contestou uma vez mais as imposições que são feitas à EDM nos processos de avaliação de impacte ambiental e que os seus projectos tenham de se sujeitar ao escrutínio do Ministério do Ambiente (Garcia, 2009).

 

Figura 2 Principais intervenientes

 

A comunicação social e a Comissão Europeia, embora apareçam como actores indirectos, revelam-se fundamentais neste processo. A primeira enquanto veículo, para os ex-trabalhadores, da dramatização dos efeitos para a saúde associados ao urânio. A morte de ex-trabalhadores da ENU encontra-se frequentemente no espoletar das acções de protesto cobertas pela comunicação social, cada morte abrindo caminho para que o Estado assuma a responsabilidade pelos vivos. É a dimensão social, e não técnica, o interesse humano, e não o risco para a saúde pública, que atrai a atenção dos media (Sandman, 1994; Delicado e outros, 2007), facto que os ex-trabalhadores serão céleres em compreender, mantendo uma relação com a comunicação social que se poderia classificar de recíproca. Relativamente à Comissão Europeia, a sua influência aparece por via do comissário europeu do ambiente, Stavros Dimas, que, em Março de 2005, ameaça apresentar queixa contra Portugal devido aos atrasos nas obras de requalificação ambiental previstas para as minas de urânio desactivadas na região Centro (Ambiente online, 14/3/2005). Esta ameaça não se virá a concretizar, como, de resto, não se voltará a verificar uma transposição da questão ambiental para outra escala, seja nacional ou internacional.

Na coluna do centro da figura encontram-se os actores locais e os principais focos das acções de protesto desencadeadas por estes entre 2001 e 2008. No âmbito deste artigo cingir-nos-emos aos protestos originados pela dissolução da ENU e pelo processo de requalificação ambiental, procurando mostrar o trabalho dos actores locais no sentido de estender a responsabilidade do Estado para além da questão ambiental. Neste sentido, daremos particular ênfase à Associação Ambiente em Zonas Uraníferas (AZU) e aos Antigos Trabalhadores da ENU. E isso porque será na sequência do estudo epidemiológico, reivindicado pela AZU como uma vitória da sua acção, que os Antigos Trabalhadores irão encontrar fundamento para reivindicar uma responsabilização outra por parte do Estado, uma responsabilização moral que deve ser acompanhada de uma reparação ou compensação material.

Enquanto a AZU procura intervir directamente no processo de requalificação ambiental,[8] encontrando nesta o seu “grande cavalo de batalha”, os Antigos Trabalhadores da ENU levantam questões que ultrapassam as fronteiras técnico-políticas do programa de requalificação ambiental. Questões que procuram escapar ao “colete-de-forças” criado pela retórica do interesse público nacional subjacente ao programa e extensível à sua territorialização nas minas da Urgeiriça. Ao efeito de redução da problemática das consequências da exploração de minérios radioactivos e da sua remediação introduzido pelo programa, os Antigos Trabalhadores procurarão opor um efeito de ampliação da problemática, no âmbito do qual passarão a ter cabimento os direitos laborais e sociais e para a qual a doença e a morte funcionarão como importantes alavancas de mobilização e de sensibilização visando políticos mais do que políticas.

A Associação Ambiente em Zonas Uraníferas e o estudo epidemiológico

Recentemente criada por ex-trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio (ENU) e alguns notáveis locais, em 2002, a AZU, de Canas de Senhorim, apela ao cumprimento da Resolução n.º 34/2001, nomeadamente no que diz respeito à realização de um estudo epidemiológico que venha clarificar se existe, de facto, uma relação causa-efeito entre a exploração de minérios radioactivos e a constatação popular de uma concentração de casos de cancro (Lusa, 8/6/2002). Inicialmente associados à AZU, os trabalhadores da ENU irão, progressivamente, abandonar a associação pelo facto de esta, mais vocacionada para as questões ambientais, não dar prioridade às questões sociais e laborais.

Entretanto, em Março de 2003, na sequência do falecimento de um trabalhador da ENU vítima de cancro, a AZU ameaça inconsequentemente responsabilizar judicialmente o Estado pelas mortes e doenças relacionadas com a exploração de urânio. Nas palavras de António Minhoto, então porta-voz da AZU, “o Estado tem de ser responsabilizado, porque os trabalhadores estiveram expostos a perigos para os quais não foram acautelados. Apenas era conhecido o risco dos mineiros de fundo poderem vir a sofrer de silicose.” (Lusa, 7/3/2003).

Em Abril de 2003, dando resposta à resolução, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) é encarregado pelo governo (XV GC, Durão Barroso, PSD) de coordenar — em conjunto com o Instituto Tecnológico e Nuclear, o Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, o Centro Regional de Saúde Pública do Centro e o Hospital de São Teotónio (Viseu) — “a realização de estudos que (identifiquem) as eventuais repercussões das minas de urânio e seus resíduos, no ambiente e na saúde das populações a elas expostas” (Insa, 2005: 3). A AZU, pela sua parte, irá reclamar o estudo epidemiológico como uma vitória da sua acção (Jornal de Notícias, 2004a).

O estudo epidemiológico, denominado MinUrar, toma à letra a resolução e, “face à impossibilidade de estudar os eventuais efeitos associados a todas as minas de urânio” (Insa, 2005: 3), centra-se exclusivamente na comunidade local de Canas de Senhorim. O pioneirismo do MinUrar reside, inclusivamente, em abordar os efeitos aos quais as populações que vivem próximo das minas de urânio estão sujeitas e os efeitos que as escombreiras de minas de urânio e as lagunas com águas residuais ácidas ricas em metais pesados exercem sobre a saúde dessas populações, já que, relativamente aos trabalhadores, estes efeitos parecem sobejamente estabelecidos e incontestáveis.[9]

Na introdução geral do primeiro relatório do Insa (2005), relativamente às consequências para a saúde dos trabalhadores, afirma-se:

Pela exposição prolongada a que estão sujeitos, os trabalhadores de minas de urânio têm sido alvo de vários estudos que pretendem associar a sua actividade com causas específicas de mortalidade (Hornung, 2001). Uma das associações mais documentadas é a do aumento dos riscos de mortalidade por neoplasia do pulmão que deriva da inalação de produtos de decaimento do urânio. De acordo com vários autores (Woodward e outros, 1991; Tomášek e outros, 1994; Kusiak e outros, 1993; Shuttmann, 1993), o aumento da incidência de neoplasias do pulmão encontra-se positiva e significativamente relacionado com a exposição a produtos de decaimento do urânio e com a duração dessa exposição.

Apesar de o estudo MinUrar não estabelecer de forma inequívoca uma relação causal entre a exploração de urânio e a incidência aumentada de neoplasias malignas para a população de Canas de Senhorim, assume um papel preponderante no modelar da luta por vir dos Antigos Trabalhadores da ENU, para quem essa relação, apesar de o estudo não lhes ser dirigido, passa a ser incontestável e, no âmbito da sua estratégia de acção, um suporte fundamental à “enfatização” da nuclearidade da actividade mineira e, consequentemente, dos seus efeitos.

De facto, por via do MinUrar, a percepção relativamente ao trabalho na ENU modifica-se num movimento de inversão da relação entre riscos e benefícios (Slovic e outros, 2007; Figueiredo, 2008). De um meio para ganhar a vida, o trabalho no complexo industrial da Urgeiriça torna-se num meio para a perder. O que não representa em si uma novidade, na medida em que a actividade mineira está, estatisticamente, atestada como uma actividade de elevado risco (Jacinto e outros, 2007). O que é apresentado como uma novidade é a confirmação dos efeitos para a saúde, o cancro e a morte. Na sequência do encerramento do complexo industrial da Urgeiriça e por impulso do estudo epidemiológico, modifica-se a aceitabilidade do risco por parte dos trabalhadores (Barthe, 2006; Gonçalves, 2007a), o que engendra uma nova definição da situação e confere um valor moral às reivindicações dos trabalhadores, sustentado pela sua qualidade de vítimas legítimas.

A volatilidade da comunidade reforça-se aqui na medida em que os efeitos para a saúde, ou mesmo ambientais, não aparecem como uma “certeza” unanimemente partilhada pela comunidade ou mesmo pelos próprios trabalhadores. Como se verá, essa situação não se verifica relativamente aos direitos sociais e laborais dos trabalhadores da ENU que granjeiam maior simpatia, sem que, todavia, essa se transforme em solidariedade. Sem preocupações de exaustividade, apresentamos duas possíveis causas para a ausência de consenso relativamente aos efeitos para a saúde. Primeiro, a relação causal confronta-se com as excepções que interferem na sua generalização, habitantes locais que trabalharam na ENU sem contrair cancro ou, inversamente, que contraíram cancro sem trabalhar na ENU. À “força das excepções” não será estranha a própria imagem popular associada ao cancro como uma doença não totalmente compreendida pela ciência e cuja etiologia depende, entre outros factores, do destino (Balshem, 1991; Schou, 1993). Uma doença que escapa, portanto, ao controlo individual e da medicina, e à qual somos todos, sem excepção, vulneráveis.

Segundo, a “incerta realidade do urânio” confronta-se com a “certeza da terra” e com o “medo do abandono”. É a imagem e o destino de Canas de Senhorim, caso essa venha a adquirir os contornos de uma “comunidade contaminada” (Edelstein, 1988), que está aqui em causa. A posição da Junta de Freguesia é, deste ponto de vista, esclarecedora, na medida em que, ao contrário dos ex-trabalhadores da ENU, retém, à imagem do “discurso tranquilizador”, os resultados “menos drásticos” do MinUrar, ou seja, como afirma o seu presidente, Luís Pinheiro, aqueles que indicam existirem “valores alterados”, mas que não têm “nada de preocupante” (Lusa, 13/7/2005).

Das incertezas do MinUrar — apanágio dos estudos epidemiológicos e toxicológicos (Kroll-Smith e outros, 2000: 10) — o que os Antigos Trabalhadores irão reter, para melhor hiperbolizar ou enfatizar, é a “certeza” de uma relação entre trabalho na ENU e neoplasias malignas, abrindo desta forma caminho à entrada de outras questões relativamente às quais o Estado terá de assumir responsabilidade, se não pela força da lei então por uma questão moral.

Eu, no dia em que saí, quando me deram a proposta de despedimento, é que tomei consciência do perigo que era a radioactividade ou o urânio. Se eu soubesse o que era aquilo não tinha ido para lá trabalhar. Preferia andar no campo, na agricultura, do que ir para ali. E hoje vê-se. Em 13 ou 14 anos, já morreram mais de 70 ex-trabalhadores da ENU. […] Se a doença se manifestasse logo, a gente ficava logo a saber, mas só agora é que se está a manifestar. [Mário Simões, oficina de tratamento químico][10]

Ao contrário do que acontece em muitas controvérsias para as quais a ciência é convocada na avaliação do risco,[11] os resultados do MinUrar não são nem contestados, nem se verifica qualquer recurso a contraperitos para fornecer uma interpretação alternativa ou não “oficial”. Recorrendo à terminologia utilizada por J. Arriscado Nunes (2007: 51) para descrever os modos de envolvimento dos cidadãos com a ciência, o que se verifica é um “alinhamento” com a posição dominante ou “central”, que “exige dos cidadãos uma relação activa com os enunciados dos cientistas especialistas e o recurso a esses enunciados enquanto meios de argumentação”. O que se verifica, pois, é uma apropriação dos resultados do MinUrar por parte dos trabalhadores para melhor os incorporar. À aceitabilidade do risco associada ao trabalho na Urgeiriça substitui-se uma “aceitação” do risco desde que contenha e permita veicular uma nova imagem de si mesmos, a de “trabalhadores contaminados”. Uma imagem concordante com a do “território contaminado” relativamente ao qual foram assumidas pelo Estado medidas de reparação.

(Actuais e) Antigos Trabalhadores da ENU: nuclearidade, justiça e ressentimento

Para os Antigos Trabalhadores da ENU, na sequência do encerramento da actividade do complexo industrial da Urgeiriça e, mais expressivamente, após o estudo epidemiológico, a relação causa-efeito entre trabalho na ENU e riscos para a saúde passa a ser incontestável e, no âmbito da sua estratégia de acção, um suporte fundamental à “enfatização” da ameaça do urânio. Encontrando na dramatização dos efeitos para a saúde e na morte fortes aliados na produção de um efeito mediático, os Antigos Trabalhadores da ENU visam alargar o âmbito da responsabilidade e de responsabilização do e pelo Estado que este, por sua vez, procura confinar à questão ambiental. A comunicação social desempenha, como se referiu, uma importante função amplificadora, não do risco para a saúde pública em si (Sandman, 1994), mas da imagem dos “trabalhadores contaminados”, do drama, o fundamento ético e moral na base do qual os trabalhadores reclamam o alargamento da responsabilidade e responsabilização do e pelo Estado.

É fundamental, neste ponto, uma chamada de atenção relativamente ao colectivo dos trabalhadores da ENU. Estes não formam um colectivo nem uno nem unido em torno de uma “causa” comum, configurando antes um colectivo confinado. Na origem dessa fragmentação encontra-se a promulgação do Decreto-Lei n.º 28/2005, que aparece como um verdadeiro meio de “dividir para reinar”.

Em 2001, no início do processo de dissolução e liquidação da ENU, mantinham-se em actividade cerca de 40 trabalhadores, entre os quais, Albertina Guimas, porta-voz dos Actuais e Antigos Trabalhadores da ENU, que irão sustentar as suas reivindicações na Resolução da AR n.º 34/2001. Recorde-se que esta recomendava ao governo o melhor aproveitamento do know-how e do equipamento especializado existente na Empresa Nacional de Urânio e que contribuísse para assegurar uma correcta situação social dos actuais trabalhadores da ENU, que deverão ser apoiados social e profissionalmente, em qualquer quadro futuro. Aos olhos dos Actuais e Antigos Trabalhadores da ENU, isto equivale às “promessas”, por um lado, da integração dos trabalhadores das ENU nos trabalhos de requalificação e, por outro, da sua equiparação a trabalhadores do interior ou da lavra subterrânea das minas para efeitos de acesso à pensão de invalidez e de velhice.

Na sequência de diversas acções de protesto (Jornal de Notícias, 2004b; 2004c; 2004d; Bondoso, 2004; Jornal de Notícias, 2004e; 2004f),[12] o governo responde com a aprovação em Conselho de Ministros, no dia 15 de Dezembro de 2004, do Decreto-Lei n.º 28/2005, que concedia a equiparação de fundo de mina aos trabalhadores que, à data da dissolução da ENU, mantinham um vínculo profissional com a empresa, ou seja, cerca de 40 trabalhadores. A partir deste momento, a referência aos “actuais e antigos trabalhadores da ENU” deixa de fazer sentido, restringindo-se, agora, o colectivo, aos “antigos trabalhadores da ENU”. Na liderança dos protestos dos ex-trabalhadores verificam-se igualmente alterações, cedendo Albertina Guimas o lugar ao até então porta-voz da AZU, António Minhoto.

Implodido o colectivo por via da diferenciação dos trabalhadores originada pelo Decreto-Lei n.º 28/2005, o conflito cessa de opor exclusivamente os trabalhadores ao Estado e passa a opor igualmente os trabalhadores entre si. Os Antigos Trabalhadores da ENU não abrangidos pelo Decreto-Lei, para verem garantidos os seus direitos, terão que encontrar outras bases de sustentação para as suas reivindicações: a nuclearidade, a injustiça e o ressentimento. É este o momento em que os efeitos para a saúde e a morte adquirem um novo potencial de mobilização e, principalmente, de sensibilização. É como vítimas legítimas que os “trabalhadores contaminados” se passam a apresentar, encontrando na morte um meio para a afirmação da sua “causa”.

A entrada em cena das viúvas dos ex-trabalhadores da ENU, por via das indemnizações aos familiares dos trabalhadores falecidos vítimas de doenças oncológicas, representa uma extensão natural do enquadramento de injustiça acima definido. As viúvas revelam-se incapazes de transformar a sua dor numa força política autónoma e aparecem associadas aos antigos trabalhadores. Tal como acontece em relação a estes, também as viúvas não formam um colectivo aglutinador de todas as viúvas de ex-trabalhadores. Estas partilham a condição de viúva mas, acima de tudo, a necessidade de obter uma reparação financeira que complemente uma reduzida pensão de viuvez. De acordo com as viúvas entrevistadas, aquelas que não participam têm uma fonte de subsistência que lhes permite não “andar nisto”. Participar “não é um luxo”, sendo antes um imperativo de sobrevivência. Mesmo se conscientes dos ataques que sofrem localmente, que “o povo lhes morde nas costas”, vão e “irão sempre”.

Como salientam Jeff Goodwin e outros (2001: 18), “o prazer de participar traz muitas alegrias que podem, só por si, motivar a participação sem recurso à crença cognitiva de que o sucesso é possível ou provável”. Nas motivações para participar e no significado que emprestam à sua participação, a injustiça e a necessidade andam lado a lado com a alegria da participação em si. A revolta colada ao riso. Se nada vier dos protestos ficarão as “histórias”, as “aventuras”, as “viagens”. No autocarro que as conduz para as acções de protesto rompem-se fronteiras entre mundos que, de outra forma, estas mulheres nunca cruzariam. Ir a Lisboa, entrar na Assembleia da República, interpelar políticos, ser entrevistada. Percebem que transportam consigo uma carga emocional que não deixa ninguém indiferente. A visibilidade pública dá-lhes outra existência, retira-as da condição de vítima silenciosa e momentos há, nas entrevistas, em que a participação parece bastar-se a si própria. Como refere Gail Holst-Warhaft (2000: 16), não importa que o abismo do seu luto seja totalmente compreendido. A sua exposição provoca uma resposta de empatia e confere-lhes um fórum para exigir reparação.

Concluindo, na acção dos Antigos Trabalhadores da ENU, o que aparece como o elemento mais saliente é o recurso à enfatização dos efeitos para a saúde associados ao trabalho no complexo industrial da Urgeiriça, com o objectivo de estender as medidas de reparação propostas pelo Estado a outros domínios que se situam necessariamente fora do âmbito da requalificação ambiental mas que são conexos à actividade da ENU no território. Reivindicando a exposição ocupacional à radioactividade como inacessível aos trabalhadores à época da actividade do complexo e que só presentemente se começa a manifestar, os Antigos Trabalhadores da ENU visam alargar o âmbito da responsabilidade e de responsabilização do e pelo Estado. Reclamam-se, tal como é reconhecido ao território, “contaminados”.

O processo de requalificação ambiental serve, nesta medida, de amplificador para a reivindicação de questões que não têm os efeitos para a saúde como principal factor aglutinador, mas sim o ressentimento e a injustiça originados pelo Decreto-Lei n.º 28/2005.

Uma coisa [a equiparação a fundo de mina] vinha minimizar a outra [os potenciais efeitos para a saúde]. Se houvesse justiça, a gente até se esquecia que tinha trabalhado no urânio. Assim, não consigo esquecer! [Cassiano Estrela, mineiro]

A gente não quer mais dinheiro ou indemnizações, queremos a equiparação a mineiros, queremos essa justiça! Nós sofremos na carne! Famílias inteiras que têm pessoas com cancros! [Diogo Rosa, administrativo]

A enfatização dos efeitos para a saúde encontra uma importante fonte de sustentação no estudo epidemiológico MinUrar. Os Antigos Trabalhadores investem fortemente numa interpretação parcial e alinhada ou comprometida dos resultados do estudo que visa confirmar a veracidade da constatação popular de uma maior incidência de neoplasias entre os trabalhadores da ENU e legitimar as reivindicações de direitos não inscritos na proposta de reparação para o território apresentada pelo Estado, ou seja, a requalificação ambiental. O estudo epidemiológico confere argumentos para, retomando os termos de H. Becker (2006), sustentar uma “linha de acção coerente” no âmbito da qual não apenas os direitos dos trabalhadores passam a ter cabimento, como legitimidade. São as consequências “aqui” e “agora” que os Antigos Trabalhadores da ENU procuram acentuar para reclamar uma reparação que deve ser dada igualmente, “aqui” e “agora”. As declarações do seu porta-voz, António Minhoto, na sequência da morte de um ex-trabalhador vítima de cancro do pulmão são, deste ponto de vista, esclarecedoras: “Se o governo pensa que, com a morte dos trabalhadores, um a um, pode ficar descansado, engana-se. Enquanto houver um mineiro vivo, lutaremos sempre com força, cada vez com mais força.” (Bondoso, 2008a)

A inauguração das obras da Barragem Velha: encerramento político e confinamento da contestação

A 14 de Abril de 2008, são inauguradas as obras de requalificação da Barragem Velha. Acontecimento importante na medida em que proporciona, aos Antigos Trabalhadores da ENU, um palco mediático para as suas reivindicações e, à Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), uma oportunidade para tornar público o desfecho bem sucedido de um processo moroso, atravessado por diversos protestos e polémicas, mas exemplar na sua execução técnica.[13] Nas palavras de Delfim de Carvalho, presidente da EDM: “com o fim das obras de selagem da Barragem Velha ficou anulado o maior foco de contaminação radiológica resultante da actividade mineira no País”. (Bondoso, 2008b)

A sessão tem lugar no histórico Hotel da Urgeiriça. Cá fora, os ex-trabalhadores da ENU manifestam-se. No fim-de-semana que precedeu a inauguração, houvera falecido um trabalhador e um outro encontrava-se hospitalizado. Alguns ex-trabalhadores envergam camisolas pretas, como forma de luto, com três dizeres diferentes: “A dívida do Estado está por pagar”; “Justiça e direitos iguais para todos”; “Urânio continua a matar”. Outros seguram faixas: “Fomos vítimas de exposição à radioactividade. O Estado português é culpado.”

A manifestação é encabeçada por António Minhoto, na qualidade de porta-voz dos Antigos Trabalhadores da ENU, e será esse que, quando a comitiva que se encontrava no hotel se dirige ao local onde se encontra a mesa comemorativa da inauguração, interpelará os representantes das entidades oficiais. Segundo relato da comunicação social:

O porta-voz, António Minhoto, dirigiu-se ao secretário de Estado adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, pedindo-lhe apoio […]. Castro Guerra [que é natural do concelho de Viseu] convidou António Minhoto para o acompanhar. E, no momento de descerrar a mesa comemorativa, o membro do Governo pediu para que fosse acrescentado o nome da Presidente da Câmara Municipal de Nelas e a frase: Em homenagem aos ex-mineiros já falecidos. [Ferreira, 2008]

António Minhoto dirige-se, então, aos ex-trabalhadores, dizendo que a requalificação foi uma vitória dos trabalhadores.

A requalificação não foi uma vitória dos trabalhadores. Nem, na verdade, esta foi e continua a ser a sua “batalha”. E, no entanto, através deste acto simbólico, deste acto de reconciliação — cujo alcance talvez não tenha sido imediatamente inteligível para os intervenientes —, as fronteiras do Programa de Recuperação Ambiental das Áreas Mineiras Degradadas e da requalificação atenuam-se para tornar os ex-trabalhadores participantes improváveis de um objectivo que nunca foi o deles. Finalizada a requalificação da Escombreira da Barragem Velha ficam soterrados, confinados e controlados os rejeitados da mina da Urgeiriça e os seus efeitos nefastos. Soterramento, confinamento, controlo que se estende aos “mineiros falecidos” e aos seus efeitos mobilizadores, pondo, desta forma, fim ao seu “purgatório político” (Kearl, 1989: 300). Fazer dos mineiros “memória” é iniciar a sua entrada no esquecimento.[14] E toda a acção dos Antigos Trabalhadores se opõe a esse movimento, porque assenta precisamente na emergência dos mineiros contaminados e falecidos.

Para os Antigos Trabalhadores da ENU, a morte reforça a responsabilidade do Estado, por um lado, pelos falecimentos em si e, por outro, pela perpetuação de uma questão cuja resolução depende apenas da sua vontade, apenas de uma decisão política. O recurso aos mortos é uma expressão de resistência à fatalidade. “Morrer para nada”, desta “morte não natural”, é o que está em causa. Não é como memória que os trabalhadores se posicionam, mas sim como vítimas.

Até à data, o espaço na mesa comemorativa no qual deveria ter sido acrescentada a simbólica homenagem aos “mineiros falecidos” continua em branco. Talvez faça mais sentido que assim seja. Requalificada a Urgeiriça num deserto sem memória, viúvas e Antigos Trabalhadores lutam efectivamente para que os corpos não fiquem, também eles, desapossados de memória. Uma luta que revela o trabalho inacabado dos mortos.

Conclusão

O longo ciclo da nuclearidade em Portugal culmina na afirmação de um dever do Estado de recuperar o território e de gerir a situação dos ex-trabalhadores da ENU. Neste artigo, procurámos mostrar a acção inesperada dos trabalhadores para se reivindicarem como “contaminados”, igualando o território nessa qualidade e adquirindo, por aí, igual direito à reparação. Parafraseando G. Hecht (2009), infiltrando-se nos corpos dos trabalhadores, a radiação deu azo a que se abrissem possibilidades políticas, sem que estas tivessem sido aproveitadas pelos Antigos Trabalhadores da ENU. É nesse sentido que se afirma a falência na reivindicação de uma “cidadania biológica” (Petryna, 2002).

Com as reservas que a escala impõe, poderia falar-se em relação aos trabalhadores da ENU numa tentativa de aquisição de uma cidadania biológica, entendida esta como “a exigência de um acesso selectivo a uma forma de apoio social baseado em critérios médicos, científicos e legais que reconhece e recompensa os danos biológicos” (Petryna, 2002: 6). Também na Urgeiriça, os trabalhadores “recorrem ao conhecimento dos danos biológicos como um meio para negociarem a responsabilidade pública, o poder político e uma protecção estatal suplementar consubstanciada em compensações financeiras e cuidados médicos” (Petryna, 2002: 7). Trata-se, porém, de uma tentativa falhada pelo facto de, circunscrita a exploração de urânio a uma zona particular, a sua normalização técnico-política operar no sentido de a tratar como confinada a um território e a um grupo particular. Se o primeiro foi definido pelo Estado como contaminado, já os trabalhadores, ao contrário do que aconteceu com os sofredores (poterpili) do desastre de Chernobyl, revelam-se incapazes de transformar a sua condição de vítimas num direito de cidadania.

Inicialmente concebido com o intuito de tranquilizar a população de Canas de Senhorim relativamente aos riscos efectivos que representa o legado da exploração de urânio, ou seja, relativamente à nuclearidade do território, o estudo epidemiológico terá um efeito inesperado ao fundamentar a reivindicação de direitos sociais e laborais por parte dos trabalhadores da ENU numa base nova: a dos “corpos contaminados”. O trabalho político por parte do Estado e da EDM vai, pelo contrário, no sentido de conter a contaminação ao território, numa perspectiva de intervenção puramente técnica.

A verdade da ciência e a adequação da técnica não constituem objecto de contestação pelos actores locais ou pelos trabalhadores. Pelo contrário, verifica-se um alinhamento estratégico relativamente aos argumentos que aquelas “revelam”, confirmando a contaminação do território e, mais importante, dos corpos, ou seja, uma politização da contaminação, do sofrimento e da morte que nem por isso lhe permite escapar ao seu localismo.

Pelo acto de memoriar a exploração mineira do urânio no território, ou seja, pela sua redução a uma memória, o Estado visa a assunção da normalidade na governação do território e o confinamento político das reivindicações dos trabalhadores. O localismo da luta e o estatuto restrito de vítimas não outorga direitos, permanecendo os corpos contaminados um particular não portador de universalidade.

 

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Notas

[1] O artigo insere-se no âmbito do projecto de investigação “Risco, cidadania e o papel do Estado num mundo globalizado” (ref.ª PTDC/SDE/64369/2006), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

[2] A laboração da CPFE manteve-se por quase setenta anos e empregou, no seu apogeu, na década de 60, cerca de 800 operários. O seu encerramento implicou a perda do posto de trabalho para 600 trabalhadores e representa um acontecimento extremamente marcante a nível local. Para uma resenha histórica da CPFE, cf. Lóio (1996).

[3] “De facto, a mais-valia do urânio tornara-se patente em três vertentes que Portugal também iria contemplar: (1) como trunfo político nas relações internacionais propiciando a adesão do nosso País a instituições de gabarito internacional incontestável, como a Agência Internacional de Energia Atómica, de que Portugal foi membro fundador (1954), a Sociedade Europeia de Energia Atómica (1955) e a Agência Europeia de Energia Nuclear da OCDE (1957); (2) como moeda de troca para formação de pessoal e na aquisição de equipamento; (3) como matéria-prima para a eventual produção de electricidade e para a introdução de novas técnicas de melhoramento em sectores económicos primordiais para a economia e bem-estar dos portugueses.” (Taveira, 2005: 3)

[4] A partir da implementação do enquadramento legal do programa de requalificação ambiental, em 2001, até à inauguração das obras da Barragem Velha, em 2008, os protestos locais atravessam quatro governos constitucionais sem que nenhum deles tenha encerrado o caso: o XIV Governo Constitucional, de António Guterres (1995-2002), o XV Governo Constitucional, de Durão Barroso (2002-2004), o XVI Governo Constitucional, de Santana Lopes (2004-2005); e o XVII Governo Constitucional, de José Sócrates (2005-2009).

[5] Para uma análise alternativa de grupos que se mobilizam circunstancialmente, podendo adquirir grandeza, cf. Vilain e Lemieux (1998).

[6] Em 2005, na sequência da reestruturação da EDM, a Exmin fundiu-se na EDM como objectivo de criar condições mais favoráveis para o desenvolvimento coerente e integrado das suas actividades operacionais, muito em particular as de recuperação ambiental de áreas mineiras degradas.

[7] Para uma análise detalhada do caso, cf. Delicado e Bastos (2007).

[8] É importante ressalvar que as críticas da Associação Ambiente em Zonas Uraníferas às opções técnicas da EDM no processo de requalificação são francamente menos veementes do que as críticas dirigidas ao Estado devido à morosidade no arranque e concretização da requalificação.

[9] Os resultados e recomendações do estudo foram divulgados em dois relatórios científicos (Insa, 2005; 2007). A consulta do relatório pode ser feita acedendo a: http://www.onsa.pt/conteu/est_proj_minurar.html (acedido em 3/4/2009).

[10] Os nomes dos ex-trabalhadores da ENU entrevistados são fictícios. À excepção dos casos referidos, as entrevistas foram conduzidas por Pedro Araújo entre Janeiro e Abril de 2009.

[11] Para a análise de alguns dos contornos que vem assumindo a relação entre ciência e poder em Portugal, cf., entre outros, Gonçalves (2007a; 2007b), Gonçalves e outros (2007), Nunes (2007), Pereira e outros (2008).

[12] No âmbito destas acções, a venda de urânio à Alemanha e a contestação de que foi alvo por parte do Movimento para a Restauração do Concelho de Canas de Senhorim (MRCCS) foi decisiva para o evoluir da situação e constitui um momento de aproximação entre a luta dos trabalhadores e do MRCCS que não se voltará a verificar. Para uma análise detalhada deste acontecimento, cf. Mendes (2005).

[13] A qualidade técnica da requalificação da Barragem Velha e a eliminação do risco aparecem validadas pela verificação da Euratom, ao abrigo do art.º 35.º do Tratado, em 2006, que, segundo Delfim de Carvalho, irá alterar a imagem de Portugal neste domínio, conferindo-lhe uma posição de destaque, agora, pela positiva.

[14] No mesmo espírito, o anúncio por parte do presidente da EDM, Delfim de Carvalho, relativamente à intenção de criar na Urgeiriça um Centro de Conhecimento de Radiações (Radianatura — Radiação, Vida, Ambiente) que visa contribuir para a preservação da memória mineira e o apoio ao ensino, à divulgação científica e ao turismo tem por intenção, primeiro, reforçar a garantia de segurança oferecida pela requalificação da Barragem Velha e, segundo, transformar em bem aquilo que os ex-trabalhadores se esforçam em estabelecer com o mal: a nuclearidade do urânio. Um memorial ao futuro destinado a apagar o passado.

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