Introdução
Houve um aumento na prevalência de perturbação do espectro autista (PEA) nos últimos 50 anos em todo o mundo. Estima-se que uma em cada 59 crianças com idades entre 8 anos e 17 anos têm PEA (Baio et al., 2018). A literatura aponta diferentes justificativas para tal crescimento, entre elas a elevada conscientização sobre o tema, a expansão dos critérios diagnósticos, melhores ferramentas de diagnóstico e o aprimoramento das informações reportadas. Atualmente, consideram-se aspetos socioeconómicos, os quais podem influir diretamente na idade de identificação e de diagnóstico do PEA (Baio et al., 2018). As crianças com esta condição possuem características que estão associadas ao deficit na comunicação e na interação social, alterações sensoriais e padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, que podem limitar ou prejudicar o desenvolvimento das atividades da vida diária e influenciar na dinâmica familiar (Kirby et al., 2019). Entende-se que a família possui um papel determinante na construção dos hábitos alimentares dos seus filhos (Petty et al., 2019). A literatura aponta para situações importantes na vida quotidiana da família que influenciam o comportamento alimentar, como a ansiedade e stress dos pais em relação à refeição, ao consumo dos alimentos pela criança, ao reforço de padrões de alimentação negativos e às dificuldades de comunicação da criança (Schneider et al., 2019). Dadas as dificuldades apresentadas pelas famílias em lidar com a alimentação da criança com PEA, é importante estudar a maneira como as famílias lidam com as práticas e comportamentos alimentares dos seus filhos (Poulain et al., 2017) com PEA (Paula et al., 2020). As práticas e comportamentos alimentares são entendidos como: a seleção de alimentos; os aspetos referentes às técnicas, combinações, apresentações e locais onde a comida é preparada; a forma de comer; e as diferentes refeições realizadas, os tempos e lugares, além de quem desempenha estas funções e com quem estas refeições são partilhadas. Este conceito está associado a questões socioculturais, ou seja, aos aspetos subjetivos individuais e coletivos relacionados com o ato de comer e com o alimento (Poulain et al., 2017). Estudos internacionais (Pariseau-legault & Banville, 2019; Aslan & Ozcbe, 2018) destacam lacunas relacionadas com a alimentação de crianças autistas, na perspetiva de que se deve explorar a necessidade dos aspetos da rotina de vida destas famílias, considerando-as como elementos que têm impacto direto no cuidado, pois compreender as principais mudanças no comportamento alimentar é importante para garantir uma abordagem completa, segura e adequada a cada indivíduo com PEA (Paula et al., 2020). Para que isto aconteça, reforça-se a necessidade de uma rede de apoio para as pessoas com deficiência e as suas famílias, constituída por profissionais de diferentes áreas da saúde, educação, e pessoas que convivem com as famílias (Goh et al., 2021). Este estudo é de grande relevância para a enfermagem, pois os profissionais desta área visam promover o cuidado deste grupo, tendo em vista a recuperação e desenvolvimento da autonomia, proteção e melhoria na saúde individual e social (ANA Ethics Advisory Board, 2021; Mert & Köşgeroğlu, 2021), partilhando o cuidado com a família acerca do PEA com base numa relação de confiança, aceitação, apoio e compreensão. Por isso, este estudo teve como objetivo compreender as práticas e comportamentos alimentares de famílias com crianças com perturbação do espectro autista.
Enquadramento
É evidente que os comportamentos alimentares atípicos são significativamente mais comuns em crianças com PEA do que com outras doenças ou crianças com desenvolvimento típico (Kirby et al., 2019). Assim, as características da criança com PEA podem levar a situações negativas na experiência alimentar da família, ocasionando distúrbios relacionados com a alimentação e que, consequentemente, geram um desafio para a família na sua organização (Paula et al., 2020). As causas desta mudança envolvendo os alimentos consumidos por essas crianças são multifatoriais e estão relacionadas com comportamentos, aspetos fisiológicos, emocionais e cognitivos (El-Kour et al., 2020). A literatura aponta seis domínios principais relacionados com os problemas alimentares de crianças com PEA: dificuldades de mastigação e deglutição, comportamento disruptivo durante as refeições, comer compulsivamente, seletividade alimentar, recusa de alimentos e rituais, incluindo a pouca variedade de alimentos consumidos (El-Kour et al., 2020). Todos estes problemas alimentares levam à caracterização de um padrão alimentar atípico na rotina alimentar da criança com PEA, o qual pode também desencadear uma ingestão de nutrientes insuficiente e interferir no desenvolvimento da criança com a possibilidade de evoluir para um quadro de desnutrição. Este padrão atípico influencia diretamente a organização da família no que diz respeito às práticas e comportamentos alimentares saudáveis, pois no contexto doméstico também são consideradas questões relacionadas com o ambiente e com as relações sociais da criança e da família. Outro aspeto relevante é quando as crianças têm um comportamento e necessidades alimentares diferentes e a família apresenta dificuldades socioeconómicas. Esta situação gera uma preocupação extra devido às inquietações com a oferta, custo e desperdício de alimentos (Rooke et al., 2019).
Questão de investigação
Como são as práticas e comportamentos alimentares de famílias de crianças com PEA?
Metodologia
Este é um estudo qualitativo e descritivo, do tipo estudo de casos múltiplos, utilizando o referencial metodológico de Yin (2015), desenvolvido em dois serviços de atendimento à saúde especializado público, localizados num município da região Sul do Brasil, no qual foram realizadas entrevistas semiestruturadas. Os estudos de caso procuram clarificar fenómenos contemporâneos no contexto da vida real, uma vez que estes não estão claramente definidos, assim os resultados dos estudos de caso devem permitir uma visão integrada do fenómeno estudado (Yin, 2015). Neste sentido, o roteiro para entrevista preparado pelas autoras recolhe dados sociodemográficos e sobre as práticas e comportamentos alimentares através da seguinte pergunta-orientadora: “Como estão organizadas as atividades do dia a dia da família?”. Foi realizado um teste-piloto para o instrumento, com cinco famílias. Esta etapa seguiu os protocolos da recolha de dados desta investigação e as famílias cumpriram os critérios de inclusão estabelecidos neste estudo. Os dados recolhidos foram discutidos e validados por um grupo de especialistas. Os ajustes necessários foram feitos para refinar o plano de recolha de dados em relação ao conteúdo e procedimentos do estudo, tal como recomenda Yin (2015). Para definir os participantes do estudo, considerou-se como critério de inclusão o ser familiar, com mais de 18 anos na data da entrevista, de criança com diagnóstico com PEA com idades entre 4 e 10 anos, que frequentassem os locais de saúde acima referidos. A amostra deste estudo foi delimitada pela saturação teórica. Participaram do estudo 13 familiares de nove famílias de crianças com PEA, cujas crianças tinham idades entre 4 e 10 anos. Os dados foram recolhidos entre novembro de 2018 e março de 2019. As entrevistas duraram uma média de 30 minutos e foram gravadas em áudio com um gravador digital e transcritas em documentos em formato Microsoft ® OfficeWord. Após a transcrição, as entrevistas foram enviadas aos participantes que optaram pela sua devolução por e-mail ou mensagem de Whatsapp. A análise de dados nos estudos de casos requer o cumprimento de quatro fases: seleção da unidade de análise, preparação dos dados, e o delineamento das estratégias e técnicas analíticas, segundo o referencial de Yin (2015). Para este estudo, a unidade de análise era a família, e cada uma foi considerada um caso. A preparação dos dados ocorreu da seguinte forma: primeiro, foi realizada uma leitura geral dos dados para aproximação com o material, depois as entrevistas foram organizadas em matrizes para facilitar a identificação das categorias inicias, e cada entrevista foi identificada utilizando o seguinte código: “Família nº”, para garantir a confidencialidade/anonimato ético dos participantes da investigação. Depois, os dados foram agrupados em categorias temáticas, nas respetivas matrizes, para uma intensa leitura e análise do material. Seguindo as fases de análise foram escolhidas as estratégias analíticas “Tratando seus dados a partir do zero”, em que não se pensa nenhuma proposição teórica, o investigador permite-se levar pelos dados, a partir dos insights identificados, e “Desenvolvimento da descrição do caso”, esta estratégia organiza o estudo de caso com quadros descritivos, para que o investigador consiga obter a principal conclusão do estudo de caso (Yin, 2015). A técnica analítica utilizada foi a síntese cruzada dos casos, que permitiu identificar elementos entre as famílias que apontavam para a replicação ou contraste entre os casos. Para ajudar a gerir e armazenar os dados do estudo, utilizamos o Qualitative Data Analysis Software (webQDA). A partir dos dados inseridos no software, elaborou-se a nuvem de palavras, que é uma representação gráfica com as palavras mais frequentes em cada categoria. Este estudo recebeu parecer favorável nº.2.327.633 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná.
Resultados
Os participantes foram 13 familiares de nove famílias de crianças com PEA, incluindo oito mães, três avós e dois pais. A faixa etária variava entre os 30 e os 50 anos, e o tempo de estudo entre os cinco e 16 anos, sendo a média de 9,6 anos de estudo. A maioria dos participantes era casada, o rendimento familiar variava entre um e dois salários mínimos brasileiros (cada salário mínimo equivale a R$998,00 no ano de 2019) e pertencia a classes de baixa renda, tendo como ocupação principal ser cuidador da criança. As crianças com PEA das famílias entrevistadas eram cinco meninas e quatro meninos. A faixa etária variou entre quatro e seis anos, com a média de 5,4 anos. A idade das crianças quando receberam diagnóstico variou entre dois anos e meio e cinco anos. A média foi de três anos. Dos dados analisados, surgiram três categorias temáticas: Conceções e práticas alimentares; Organização das práticas alimentares da família; e Comportamento alimentar. A categoria Conceções e práticas alimentares, expressou nas falas de algumas famílias o ato de a criança se alimentar adequadamente como uma forma de garantir energia suficiente para o seu crescimento e desenvolvimento físico, social e cognitivo, contribuindo para que ela realize as suas atividades diárias adequadamente, considerando a alimentação como um elemento essencial para a criança. No entanto, outras famílias expressaram dificuldades relacionadas com as escolhas alimentares dos seus filhos devido à sua condição de realização de cuidados diários. Também mencionaram preocupações sobre a possibilidade de a criança não estar a alimentar-se adequadamente. As falas que representam esta categoria estão apresentadas na Figura 1.
A categoria Organização das práticas alimentares da família explicita as falas das famílias (Figura 2) sobre a organização das suas práticas alimentares, a qual é demandada conforme o comportamento dos seus filhos. Também expressam a inclusão da criança nas suas práticas alimentares. Destacam as dificuldades relatadas na oferta de alimentos para entender as necessidades da criança e pela necessidade desse cuidado.
A categoria comportamento alimentar refere-se aos diferentes problemas alimentares identificados pelas famílias a partir das experiências com os seus filhos e que os relacionam com as características do PEA, como a seletividade alimentar, que é exemplificada pelas famílias pelos diferentes aspetos sensoriais e de sensibilidades da criança que têm impacto nas suas práticas alimentares. Os familiares mencionam estratégias usadas para lidar com problemas alimentares, por exemplo, diálogo constante e negociação com a criança, destacando o apoio da escola para promoção de uma alimentação adequada. Entretanto, colocam como uma dificuldade atender às orientações dos profissionais para lidar com os mesmos. As falas que representam esta categoria estão dispostas na Figura 3.
Os dados empíricos inseridos no software webQDA totalizaram 516 descritores. Com estes dados foi possível elaborar uma nuvem de palavras com os descritores mais frequentes, como mostra a Figura 4.
A palavra “comer” é um verbo transitivo que se refere ao ato de se alimentar e “porque” é uma conjunção causal ou explicativa, nos relatos, ela é utilizada para explicar situações relacionadas com as conceções da família sobre a alimentação e às decisões tomadas sobre a alimentação da criança. A palavra “gosta” é derivada do verbo “gostar”, sua definição pode ser relacionada a achar saboroso, apreciar, achar agradável, sentir prazer, julgar de maneira positiva, entre outros. Por isso, a nuvem de palavras também traz os alimentos que se correlacionam ao verbo “gostar”, que aparecem com maior frequência no dia a dia das famílias, entre eles feijão, carne, banana, arroz, macarrão, frutas, mamadeira, leite e bolacha.
Discussão
Os dados referentes à caracterização sociodemográfica das famílias participantes neste estudo apresentaram que a escolaridade materna da maioria das participantes é baixa. Esta constatação corrobora com o estudo feito na Turquia por Aslan e Ozcbe (2018), que mostrou que as mães tinham uma escolaridade mais baixa (ensino primário). Neste estudo, o rendimento familiar variou entre menos de um e dois salários mínimos, sendo o valor predominante recebido entre as famílias de dois salários mínimos, os quais se aproximam dos identificados noutro estudo feito no Brasil, com 141 crianças, onde a maioria dos responsáveis participantes recebia até um salário mínimo, evidenciando a correlação do contexto sociodemográfico das famílias que influencia o cuidado da criança (Weissheimer et al., 2018). O rendimento familiar baixo descrito nos dados desta pesquisa pode estar relacionado com a necessidade da mãe em assumir as atividades do lar e de cuidado com o filho. Quanto às ocupações, observa-se que as mães que participaram neste estudo têm afazeres similares aos de outros estudos, como a realizada no Brasil por Biffi et al. (2019) e na Turquia por Aslan e Ozcbe (2018), especialmente o trabalho doméstico e o cuidado integral da criança com PEA como ocupação. Esta ocupação materna focada exclusivamente no cuidado do seu filho pode implicar dificuldades na compreensão e adaptação à realidade da criança diagnosticada, expectativas e perspetivas em relação ao futuro das crianças, visando que se desenvolvam de forma adequada e autónoma (Biffi et al., 2019). Ao comparar as idades das crianças que participaram neste estudo com as que participaram noutro, foram encontrados valores próximos a este estudo, os quais variaram entre 3 e 7 anos, com idade média entre 5,6 e 5,2 anos (Faro et al., 2019). Por outro lado, estas descobertas diferem de outra investigação feita no Sul do Brasil cuja idade média das crianças era de 9,5 anos (Weissheimer et al., 2018). Assim, pode-se averiguar que estes estudos realizados entre os anos de 2018-2019 conseguiram alcançar famílias de crianças mais novas que já estão a receber acompanhamento para o PEA. Verifica-se que nos estudos de Biffi et al. (2019) e Faro et al. (2019), a idade média do diagnóstico é próxima dos resultados encontrados neste estudo. Porém, isso remete a um diagnóstico tardio entre as crianças, dificultando uma intervenção precoce, em que as primeiras manifestações do PEA geralmente aparecem durante o segundo ano de vida da criança, mas podem ser vistas antes dos 12 meses de idade se os atrasos do desenvolvimento forem graves ou após os 24 meses se os sintomas forem mais subtis. No que diz respeito às conceções das famílias acerca das práticas e comportamentos alimentares de seus filhos com PEA, a literatura ainda é escassa quanto a esta temática. Todavia, estudos mostram que o diagnóstico precoce do PEA possibilita determinar um tratamento adequado e eficaz, o qual permite o aconselhamento e suporte para o planeamento familiar futuro (El-Kour et al., 2020). As conceções que as famílias desta pesquisa relataram quanto à alimentação da criança revelam aspetos relacionados com as práticas e comportamentos alimentares da família. Os pontos de vista dos familiares sobre o ato de a criança se alimentar são relevantes, independente da condição do PEA, pois é necessário oferecer uma alimentação saudável e adequada, visto que se trata de uma criança em desenvolvimento. Uma dieta nutricionalmente desequilibrada pode interferir na capacidade de aprender, no controle das emoções e no processamento de informações fisiológicas (El-Kour et al., 2020). A forma de preparação e consumo dos alimentos expressa as representações sociais e culturais que dão significado aos indivíduos. Esses códigos carregam relações diretas com o sabor e a sensação de prazer que os indivíduos podem perceber ao provar e desfrutar de um alimento (Poulain et al., 2017). Quando se pode explorar este fenómeno por meio da integração, para além do simples ato de ingerir nutrientes, amplia-se o olhar da dimensão biológica, suscitando questões socioculturais (Poulain et al., 2017), e que por sua vez é destacado pelas famílias como a dificuldade em lidar com as demandas alimentares dos seus filhos na organização da família. A literatura aponta (Pariseau-legault & Banville, 2019) que a partir do momento que os membros da família reconhecem as demandas alimentares das crianças, eles são capazes de lidar de forma mais positiva, pois para alguns, esse comportamento alimentar é recebido como um momento comum no seu dia-a-dia. Esta adaptação possibilita que as famílias tenham práticas alimentares mais positivas na sua organização devido à diminuição de situações de stress, conflito e ansiedade com a criança (Pariseau-legault & Banville, 2019), o que corrobora com os resultados deste estudo, no qual as famílias começam a reconhecer estas demandas no seu dia-a-dia. Outro aspeto relevante da organização alimentar é a maneira como ocorrem as refeições para a família, as quais dependem dos hábitos que as rodeiam. Um estudo que procurou explorar a natureza das refeições partilhadas em famílias com crianças com PEA, evidenciou nos resultados o stress que as famílias experienciam durante as refeições e a força que as refeições proporcionam para as mesmas (Curtiss & Ebata, 2019). Ao comparar os dados deste estudo com a literatura apresentada (Curtiss & Ebata, 2019; Pariseau-legault & Banville, 2019) pode-se fazer a seguinte correlação, as refeições destas famílias em muitos aspetos são delimitadas por ritos estabelecidos pela criança com PEA, que realiza as suas atividades da mesma maneira, e a quebra destes é entendida como um momento de tensão na família. E a força que vem do ato de se alimentar coletivamente, que fornece experiências alegres, importantes, prazerosos e com rico potencial para promover e desenvolver relações e vínculos entre os indivíduos, tratando de uma parte natural da vida social. E assim percebendo a alimentação como um ato social, que tem hábitos e histórias, é capaz de atribuir e responsabilizar papéis aos indivíduos para encontrar ou adquirir, preparar e cozinhar os alimentos. As refeições feitas em casa estão a impulsionar momentos preciosos para cultivar e fortalecer os laços entre pessoas que gostam umas das outras e, para as crianças, são oportunidades para a construção de bons hábitos alimentares (Petty et al., 2019). Isto proporciona o exercício da convivência e da partilha em sociedade (Poulain et al., 2017; Pariseau-legault & Banville, 2019). Neste estudo, são também evidenciadas as dificuldades em relação à oferta dos alimentos para entender as necessidades da criança e pela demanda desse cuidado. Estes resultados são corroborados por estudos realizados no Brasil e internacionalmente, os quais apontaram que as mães no contexto do PEA começam a readaptar as suas dinâmicas para satisfazer as necessidades da criança, o que requer renúncia e dedicação delas para oferecer cuidados aos seus filhos (Paula et al., 2020; Curtiss & Ebata, 2019; Pariseau-legault & Banville, 2019; Schneider et al. 2019). As mães comprometem sua vida pessoal e a sua qualidade de vida, respondendo assim às demandas socioculturais. Todavia, a literatura (Biffi et al., 2019; Pariseau-legault & Banville, 2019; Aslan & Ozcbe, 2018) evidencia a potencial de partilha destas atividades entre os pais e o núcleo familiar colaborativamente, o que minimiza o impacto negativo na qualidade de vida pelas demandas de cuidado da criança com PEA. Tendo em conta esta divisão de tarefas entre os pais, podem, a partir do diálogo e do planeamento, propor ações para que a criança consiga superar suas dificuldades alimentares, proporcionando estratégias positivas de promover práticas e comportamentos alimentares para seus filhos (Biffi et al., 2019; Pariseau-legault & Banville, 2019; Aslan & Ozcbe, 2018). A rede social de apoio é um dos pontos importantes de suporte às famílias com necessidades especiais. Outros membros da família extensa, como avós, tios, primos etc., podem ajudar nas atividades diárias da família, no cuidado com a criança, com apoio financeiro, afetivo e emocional aos pais, especialmente às mães (Rooke et al., 2019). Todas as famílias que participaram neste estudo referiram diversos problemas alimentares percebidos na criança, que estão relacionadas com o comportamento alimentar atípico, assim como foi encontrado noutros estudos (Paula et al., 2020; Kirby et al., 2019). Isto deve-se às características atípicas da criança com PEA, principalmente pelas suas respostas incomuns a estímulos sensoriais (Cho & Sonoyama, 2020; Kirby et al., 2019). Destaca-se a seletividade alimentar, que é entendida pela ocorrência de comportamentos, como a recusa do alimento, o impasse no consumo de novos alimentos e a ingestão de pouca variedade dos alimentos (Cho & Sonoyama, 2020). No quotidiano familiar, esse comportamento seletivo pode levar a outras dificuldades na criança, bem como refletir a respeito de atividades dentro e fora de casa, sozinhas e em comunidade, de lazer, autocuidado, mobilidade urbana e de interação social para o desenvolvimento de relações de amizade e convivência com outras pessoas (Cho & Sonoyama, 2020). Evidencia-se a necessidade de identificar o mais rapidamente possível os fatores relacionados com sensibilidade sensorial da criança com PEA a fim de possibilitar uma orientação e um tratamento individualizado abordando as principais características que afetam o desempenho ocupacional da criança e a dinâmica da sua família (Kirby et al., 2019). As famílias desta investigação evidenciaram estratégias para enfrentar essas dificuldades, tais como promover o diálogo e a negociação para a substituição de alguns alimentos menos aceites pela criança. Modificar a apresentação dos alimentos e oferecer a troca destes com a criança são estratégias bem-sucedidas para lidar com essa condição. O trabalho realizado por Pariseau-legault e Banville (2019) salienta que é possível criar as suas próprias estratégias para enfrentar as diferentes dificuldades alimentares das crianças com PEA, aproveitando a criatividade da família e proporcionando o trabalho eficaz e autónomo da mesma. Outro elemento de apoio à promoção de práticas e comportamentos alimentares saudáveis é a escola. Estes dados são demonstrados com maior capacidade de resposta da criança em ambiente escolar devido ao uso de estímulo de diferentes estratégias sensoriais e motoras (Kirby et al., 2019). As famílias relataram experiências positivas neste ambiente, pelo vínculo que foi estabelecido entre a família e a escola, e esta é percebida como um lugar que ajuda a desenvolver estratégias para enfrentar as dificuldades alimentares. Destaca-se a importância do diálogo entre a família e a escola. Quando ocorre a harmonia entre as partes (escola/família), a segurança é transmitida à criança, permitindo que ela desenvolva as suas habilidades no ambiente escolar (Valencia Medina et al., 2020). Para algumas famílias neste estudo, mesmo com a orientação de profissionais da área, a família não consegue atender às necessidades da criança quanto à alimentação. A literatura evidencia que as intervenções eficazes têm os seus valores alinhados, entre a família e os profissionais, proporcionando mudanças sustentadas em atitudes e escolhas, uma vez que conectam os indivíduos com os seus valores e sistemas de crenças (Valencia Medina et al., 2020). Tendo em conta as conclusões encontradas, pretende-se que este estudo avance na melhor compreensão das famílias para as suas práticas alimentares, bem como sirva como evidência para fomentar condutas direcionadas para compreender, melhorar e incentivar comportamentos alimentares do grupo estudado, e assim fomentando suporte teórico para a indução de políticas e diretrizes que norteiem melhor as orientações para os diferentes profissionais envolvidos no cuidado destas famílias, bem como servindo como uma ferramenta que traga informações sobre essas práticas e comportamentos para toda a sociedade, fortalecendo assim a rede de apoio social formal e informal. Como limitações, a amostra foi de famílias que já estavam inseridas num ambiente de acompanhamento multiprofissional do PEA e demonstraram uma sensibilização quanto as necessidades de seus filhos. Reitera-se que esta não é a realidade de todas as famílias que vivenciam esta condição, pois o contexto social em que estas estão inseridas não é o mesmo em todo o território nacional e internacional, pois a literatura demonstra importantes fragilidades em relação a conscientização da sociedade para o PEA. E os diferentes níveis de diagnóstico do PEA não foram considerados limitadores pois estes não eram critérios de inclusão dos participantes nesta investigação.
Conclusão
Ao estudar as práticas e comportamentos alimentares das famílias de crianças com PEA é possível compreender que estas são únicas e delimitadas pela dinâmica e contexto de cada uma. Cada família é capaz de construir a sua prática alimentar, de acordo com a sua identidade alimentar e cultural. Assim, surgem neste contexto diferentes demandas alimentares, devido às características do PEA dos seus filhos. Estas famílias relataram estratégias utilizadas para enfrentar diferentes problemas alimentares através do diálogo e da negociação para melhor aceitação da criança. Isto foi possível por estas famílias conseguirem estabelecer uma rede de apoio, composta por profissionais capacitados, que possibilitem intervenções precoces para empoderar as famílias a lidar com o PEA, ampliando, desse modo, as oportunidades para melhorar a qualidade de vida da criança e da família. Passando assim a considerar a alimentação como um elemento essencial para a criança, que tem impacto em diferentes aspetos da vida da criança, especialmente no social. Sugere-se que sejam realizados mais estudos noutras áreas geográficas, uma vez que as práticas e comportamentos alimentares são influenciados por diferentes contextos sociais e culturais.