Introdução
A relação entre o indivíduo e o trabalho é crucial para a saúde mental, mas quando é exercido em condições precárias, pode levar a consequências graves, afetar a saúde e resultar no adoecimento (Rocha et al., 2021). Infelizmente, nos últimos anos, houve aumento no índice de afastamentos desencadeados por problemas psicossociais, associados à síndrome de Burnout e ao presenteísmo (Cruz et al., 2019).
Diante disso, têm-se investigado as principais causas e consequências desses agravos pelas repercussões negativas para o desgaste físico, emocional e para a incapacidade laboral (Pereira et al., 2021). São frequentemente associados aos aspetos ocupacionais e de saúde, sendo considerados desafios emergentes para a saúde ocupacional (Li et al., 2019; Nwosu et al., 2021).
A enfermagem é uma profissão altamente vulnerável à ocorrência destes fenómenos, pois além de representarem a maior força de trabalho na área da saúde, são reconhecidos por terem um perfil altruísta, com tarefas complexas que por vezes são desempenhadas em condições precárias, e os riscos desses agravos na categoria podem levar gradualmente ao colapso das organizações de saúde (Kinman, 2019; Mohammadi et al., 2021). Desse modo, preservar a saúde mental dos trabalhadores da enfermagem é fundamental para a manter a qualidade do atendimento disponível e conseguir êxito no tratamento (Sousa et al., 2023).
É imprescindível que estes problemas sejam reconhecidos e compreendidos para viabilizar as mudanças necessárias para o contexto do trabalho e implementar ações para prevenir e reduzir esses problemas, especialmente na equipe de enfermagem, com funções cruciais para a saúde pública. Logo, o objetivo deste estudo foi investigar a associação entre a síndrome de Burnout com os aspetos ocupacionais e de saúde, o presenteísmo e a perda de produtividade em trabalhadores de enfermagem.
Enquadramento
A síndrome de Burnout é um fenómeno ocupacional que ocorre em resposta à dificuldade em gerir o stresse crónico emocional, realidade cada vez mais presente na área da saúde, especialmente na enfermagem. Esta síndrome é caracterizada pela combinação de três dimensões: i) exaustão emocional; ii) despersonalização; iii) e baixa realização profissional (Antão et al., 2022; Leiter & Maslach, 2016).
O presenteísmo é outro fator que interfere na produtividade dos trabalhadores de enfermagem. Refere-se às situações em que o indivíduo mantém a sua atividade profissional mesmo apresentando alguma condição de saúde-doença que possa refletir diretamente na sua capacidade laboral, o que pode resultar de problemas de saúde, níveis elevados de stresse, cansaço físico e mental (Nwosu et al., 2021).
O presenteísmo possui duas linhas de investigação, sendo a primeira centrada nos custos que são avaliados por meio da perda de produtividade, enquanto a segunda se concentra em identificar as motivações para o trabalhador optar por continuar no trabalho, mesmo em condições desfavoráveis (Li et al., 2019; Nwosu et al., 2021).
O presenteísmo está fortemente associado aos sentimentos de exaustão e essa associação aumenta os riscos para o trabalhador manifestar a síndrome de Burnout. Além de graves, são ainda mais preocupantes pelos desfechos para o adoecimento e redução da capacidade laboral, causando perdas financeiras superiores ao absenteísmo (Dyrbye et al., 2019).
Questão de investigação
Existe associação entre a síndrome de Burnout com os aspetos ocupacionais e de saúde, o presenteísmo e a perda de produtividade em trabalhadores de enfermagem?
Metodologia
Estudo transversal, analítico, desenvolvido com trabalhadores de enfermagem de um hospital e pronto-socorro municipal da região Centro-Oeste do Brasil.
O projeto matricial foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis, com parecer 3.217 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética 08945519.6.0000.8088. Todos os preceitos éticos e legais foram devidamente seguidos de acordo com as diretrizes e normas regulamentadoras para pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução Conselho Nacional de Saúde 466/2012).
Não foram utilizadas técnicas de amostragem para determinar a população-alvo, porque todos contratados há mais de 6 meses e que estavam no ativo foram considerados elegíveis (n = 458), dos quais 127 eram enfermeiros, 225 eram técnicos e 106 eram auxiliares de enfermagem, em funções de prestação de cuidados e de gestão de cuidados. Foram excluídos aqueles que estavam ausentes por qualquer motivo durante a colheita de dados, os trabalhadores que se recusaram participar (33,18%; n = 152) e por fim, os envelopes contendo instrumentos que não foram totalmente preenchidos (3,28%; n = 15). A amostra final foi constituída por 291 trabalhadores.
A colheita de dados ocorreu entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. O controlo do convite e da entrega dos materiais foi feito pelas escalas de trabalho da enfermagem, previamente disponibilizadas pela administração. Foi estipulado um limite de até três abordagens. Os trabalhadores foram convidados individualmente e durante os dias de trabalho, momento em que foi esclarecida a relevância do estudo, a confidencialidade dos dados e as dúvidas dos profissionais.
Aqueles que cumpriam os critérios preestabelecidos e concordaram em participar do estudo, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e receberam um envelope lacrado contendo os instrumentos e outra cópia do termo de consentimento livre e esclarecido. A devolução era negociada conforme a preferência do trabalhador e sem prejuízo para a rotina de trabalho.
Foram utilizados quatro instrumentos autoadministrados: Questionário Sociodemográfico de Condições de Trabalho e Saúde (QSCTS); Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey (MBI-HSS); Stanford Presenteeism Scale (SPS-6); e o Work Limitations Questionnaire (WLQ). A utilização dos instrumentos foi previamente autorizada pelos respetivos autores (Santos et al., 2022; Lautert, 1995; Paschoalin et al., 2013; Soárez et al., 2007). Vale ressaltar que o MBI-HSS possui direitos de autor e a licença para utilização neste estudo foi adquirida e devidamente concedida pela editora Mind Garden.
O QSCTS pretendeu caracterizar os participantes quanto às características sociodemográficas, formação profissional, estilos de vida, aspetos ocupacionais e de saúde. É semiestruturado com variáveis nominais e numéricas, contendo 38 itens distribuídos em cinco categorias. O instrumento foi validado em relação à sua estrutura e conteúdo por seis juízes com vasta experiência nas áreas de saúde do trabalhador, mental, administração em enfermagem, além de um enfermeiro e um técnico em enfermagem que atuavam há cerca de dois anos na prestação de cuidados. O índice de concordância alcançado foi 0,90 (Santos et al., 2022).
O instrumento MBI-HSS é tridimensional e específico para a área da saúde, busca investigar a ocorrência da síndrome de Burnout pela frequência com que determinadas situações foram vivenciadas. Possui 22 itens com cinco alternativas cada, distribuídos em três dimensões, sendo: nove itens para exaustão emocional; cinco para despersonalização; e oito para realização profissional (sendo esta avaliada com score reverso). Foi utilizada a versão traduzida e validada para o Brasil, com consistência interna, avaliada com o alpha de Cronbach (α), de α = 0,83, α = 0,63 e α = 0,82, respetivamente, que demonstrou ter boa confiabilidade em relação aos obtidos no estudo de validação (Lautert, 1995).
Considerando a inexistência de consenso quanto à interpretação do MBI-HSS, os valores foram calculados por quartis e posteriormente agrupados em níveis de risco. Aqueles que apresentaram, concomitantemente, alta exaustão emocional, alta despersonalização e baixa realização profissional, foram classificados com risco alto para síndrome de Burnout. No entanto, a existência de pelo menos duas dessas dimensões alteradas foi interpretada com risco moderado para a síndrome, pois sugere uma tendência a desenvolvê-la (Leiter & Maslach, 2016).
Do mesmo modo, não há consenso quanto à interpretação do presenteísmo, que possui duas linhas de investigação distintas, uma para a identificação da causa e outra para mensurar os custos desta prática. Na literatura, é altamente recomendável avaliar o presenteísmo em conjunto, ou seja, por meio das duas metodologias, mas pesquisas com essa metodologia ainda são escassas. Com base nisso, este estudo contou com dois instrumentos distintos para avaliar o presenteísmo (Li et al., 2019).
O instrumento SPS-6 foi utilizado para investigar a ocorrência do presenteísmo pois mensura a capacidade de concentração e execução de tarefas mesmo apresentando algum problema de saúde nos últimos 30 dias, o que é feito através de dois fatores relacionados às causas físicas e à capacidade de concentração. Possui duas dimensões com três itens cada, contendo cinco alternativas que variam entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente). O cálculo decorre da soma dos pontos que variam entre 6-30. Os scores baixos (entre 6-18 pontos) sugerem que houve redução no desempenho, enquanto o escore alto (entre 19-30 pontos) indica que o desempenho no trabalho foi mantido durante o período em que o trabalhador avaliado esteve afetado. Foi utilizada a versão validada para o Brasil que mostrou boas propriedades psicométricas, uma vez que a estabilidade da escala foi avaliada por meio do coeficiente de correlação intraclasse e o resultado mostrou confiabilidade quase perfeita r (número de classes) = 0,91. Já a consistência interna, por meio do alfa de Cronbach, apresentou valor superior a 0,72 no fator 1 (físicos) e de 0,71 no fator 2 (psicológicos), e a estabilidade temporal dos itens foi avaliada por meio do Kappa ponderado e variou de moderada (k = 0,61) a quase-perfeita (k = 0,94), o que conferiu à escala adequação e confiabilidade para sua utilização (Paschoalin et al., 2013).
Já o instrumento WLQ foi utilizado para avaliar os desfechos económicos, pois permite mensurar os custos do presenteísmo, avaliando se nos últimos 14 dias o trabalhador apresentou algum problema de saúde e o quanto esta condição afetou a produtividade. É composta por 25 itens agrupados em quatro domínios, assim distribuídos: cinco itens para gestão de tempo, seis para demanda física, nove para demanda mental/interpessoal e cinco para demanda de produção. A pontuação para cada domínio é calculada por uma escala de 0 (sem limitação) a 100 (limitado todo o tempo) que representa a percentagem de tempo que o desempenho do trabalhador esteve reduzido. Os escores de cada domínio e do índice global do WLQ são calculados através de fórmulas específicas que foram elaboradas pelos autores da versão original do instrumento. Neste estudo, foi utilizada a versão validada no Brasil, considerada satisfatória, com boa aplicabilidade e confiabilidade com alpha de Cronbach variando entre 0,81-0,90 nos quatro domínios (Soárez et al., 2007).
Os dados foram organizados em folhas de cálculo e posteriormente importados para o software R (R Core Team, 2021) para as análises estatísticas. Foram aplicados testes não paramétricos após verificar distribuição não normal no teste Shapiro Wilk. A avaliação da consistência interna dos instrumentos geral e por dimensões foi calculada pelo coeficiente alpha de Cronbach.
As variáveis do QSCTS foram descritas por frequências, médias, desvios-padrão (DP), mínimo e máximo; No MBI-HSS, foi utilizado estatística descritiva para o índice global, o escore geral e para os domínios. As dimensões do MBI-HSS e a síndrome de Burnout foram classificadas em níveis de risco (alto, moderado e baixo).
As associações entre os aspetos ocupacionais e de saúde com a tríade de dimensões alteradas e a síndrome de Burnout foram avaliadas pelo teste Kruskal-Wallis.
A ocorrência de presenteísmo em relação a tríade de dimensões e a síndrome de Burnout foram investigadas por meio do cálculo da odds ratio (OR) obtido por modelos de regressão logística simples, com intervalo de confiança (IC) de 95% e respeitando o nível de significância de 5% (p ≤ 0,05) para o teste de Wald e modelos de regressão multinomial.
Resultados
Do total de participantes (n = 291), houve predomínio de auxiliares/técnicos (n = 210; 72,16%), maioritariamente mulheres (n = 247, 84,88%), com média de idade de 39,3 anos (DP = 9,5), variando entre 17-65; estado civil solteiro (n = 130; 44, 70%); com filhos (n = 202; 69,4%), em média 1,85 filhos (DP = 0,81), variando entre 1-5 filhos.
Com relação à natureza da relação de trabalho, 174 (59,79%) declararam estar sujeitos ao trabalho precário, ou seja, em regime de contrato temporário, sem vínculo formal e proteção social; 106 (36,43%) eram efetivos; 11(3,78%) ocupantes de cargos preenchidos por nomeação. Entre os trabalhadores em geral, independentemente da natureza do vínculo, 251 (86,25%) trabalhavam 40 horas semanais e 43 (13,75%) trabalhavam 30 horas semanais. Um total de 73 (25,09%) trabalhadores referiu ter dois empregos na área.
Quanto aos hábitos de vida, 34 (11,68%) indivíduos autodeclararam-se tabagistas, com um consumo médio de 9,58 (DP = 5,19) cigarros por dia, variando entre 2-20. O consumo de álcool foi declarado por 83 (28,52%) participantes, com frequência média de uma vez (DP = 0,83) por semana, variando entre 1-7.
Em relação às condições de saúde, 17 (5,84%) indivíduos relataram ter diagnóstico para transtorno de ansiedade; 18 (6,19%) para depressão; 20 (6,87%) para enxaqueca; 21 (7,22%) para gastrite; 37 (12,71%) ansiedade associada à depressão. O consumo contínuo de medicações psicotrópicas foi informado por 61 (20,96%) participantes. A ausência por licença médica no último ano foi informado por 43 (14,78%) profissionais e o período médio de afastamento foi de 39 dias (DP = 50,8) variando entre 1-210 dias. Ter uma rotina de lazer foi referida por 176 (60,48%) indivíduos, com frequência semanal variando entre 1-2 dias por semana.
O presenteísmo foi identificado em 111 (38,14%) trabalhadores. Deste total, 62 (55,86%) mantiveram a produtividade, enquanto 49 (44,14%) trabalharam com o desempenho e a concentração reduzidos durante este período.
Foi constatado também que o índice de perda de produtividade geral foi 8,9% com escore global WLQ índex = 0,08, sendo a demanda física (40,27%) a mais afetada, seguida da gestão de tempo (30,78%), demanda de produção (30,38%) e por fim, demanda mental/interpessoal (29,55%).
De acordo com a classificação utilizada neste estudo, 229 (78,69%) indivíduos apresentaram baixo risco para síndrome de Burnout, enquanto 53 (18,21%) obtiveram moderado risco, ou seja, possuíam uma tendência a desenvolvê-la. A síndrome de Burnout esteve representada por nove (3,09%) trabalhadores.
Os resultados em níveis de classificação para exaustão emocional foram: alto para 76 (26,21%) participantes, moderado para 137 (47,24%) e baixo para 78 (26,80%) trabalhadores. Já para despersonalização mostraram: nível alto para 78 (26,80%) indivíduos, moderado para 137 (47,08%) e baixo para 76 (26,12%). Por fim, a realização profissional cujo escore é inverso apresentou níveis: baixo para 77 (26,46%) pessoas, moderado para 132 (45,36%) e alto para 82 (28,18%).
A Tabela 1 apresenta as associações entre os aspetos ocupacionais e saúde em relação às dimensões que levam à Síndrome de Burnout, com referência para as respostas afirmativas em relação às negativas. Houve predominância para condições preexistentes tanto no contexto profissional, como pessoal e hábitos de vida.
Essas variáveis também tiveram suas medianas comparadas (Tabela 2) e corroboraram com os resultados supracitados, pois houve associação com a existência de diagnósticos psíquicos, afastamentos por doença e os hábitos de vida mantidos.
Aspetos ocupacionais e saúde | Presença | Ausência | p | |||
Mediana | DP | Mediana | DP | |||
Exaustão emocional | ||||||
Gastrite | 30,00 | 7,14 | 22,00 | 7,61 | < 0,01 | |
Ansiedade associada a depressão | 27,00 | 8,26 | 22,00 | 7,54 | 0,01 | |
Licença saúde no último ano | 27,00 | 8,65 | 22,00 | 7,34 | < 0,01 | |
Despersonalização | ||||||
Gastrite | 14,00 | 4,76 | 9,00 | 4,01 | 0,03 | |
Ansiedade associada a depressão | 11,00 | 4,51 | 9,00 | 4,03 | < 0,01 | |
Consumo de álcool autorreferido | 11,00 | 4,60 | 9,00 | 3,90 | 0,03 | |
Ansiedade | 13,00 | 5,11 | 9,00 | 4,03 | 0,02 | |
Depressão | 11,00 | 4,35 | 9,00 | 4,11 | 0,04 | |
Enxaqueca | 12,00 | 5,04 | 9,00 | 4,04 | 0,05 | |
Realização profissional | ||||||
Contrato temporário por CLT | 27,00 | 7,99 | 30,00 | 7,21 | 0,02 | |
Rotina de lazer | 30,00 | 8,25 | 27,00 | 7,33 | 0,03 | |
Nota. DP = Desvio-padrão; CLT = Consolidação das leis trabalhistas.
Neste estudo, as análises por regressão logística não apresentaram associação entre a síndrome de Burnout e a ocorrência do presenteísmo. Entretanto, o mesmo não ocorreu com relação ao presenteísmo ocasionado pela perda de produtividade, pois foi associada a tríade de dimensões alteradas e a Síndrome de Burnout, com cálculos evidenciando uma perda de produtividade expressiva (Tabela 3).
MBI-HSS Síndome de Burnout | Índice geral | Gerência de tempo | Demanda física | Mental/ Interpessoal | Demanda de Produção | |||||||||
Mdn (DP) | p | Mdn (DP) | p | Mdn (DP) | p | Mdn (DP) | p | Mdn (DP) | p | |||||
Exaustão emocional | < 0,01 | < 0,01 | 0,05 | < 0,01 | < 0,01 | |||||||||
Baixa | 3,82 | 5,00 | 30,00 | 5,56 | 5,00 | |||||||||
(7,30) | (31,72) | (30,16) | (28,81) | (33,43) | ||||||||||
Moderada | 6,99 | 25,00 | 37,50 | 19,44 | 25,00 | |||||||||
(6,24) | (27,43) | (29,59) | (25,87) | (28,96) | ||||||||||
Alta | 10,01 | 35,00 | 41,67 | 30,56 | 40,00 | |||||||||
(6,17) | (27,34) | (28,03) | (26,73) | (29,26) | ||||||||||
Despersonalização | < 0,01 | < 0,01 | 0,13 | < 0,01 | < 0,01 | |||||||||
Baixa | 4,55 | 15,00 | 33,33 | 8,33 | 10,00 | |||||||||
(7,43) | (30,76) | (30,29) | (28,84) | (32,85) | ||||||||||
Moderada | 5,99 | 20,00 | 35,00 | 19,44 | 15,00 | |||||||||
(6,07) | (28,09) | (31,05) | (24,97) | (27,97) | ||||||||||
Alta | 11,43 | 35,00 | 41,67 | 39,76 | 40,00 | |||||||||
(6,22) | (27,71) | (25,51) | (27,21) | (30,81) | ||||||||||
Realização profissional | < 0,01 | < 0,01 | 0,46 | < 0,01 | < 0,01 | |||||||||
Baixa | 12,82 | 35,00 | 41,67 | 30,56 | 50,00 | |||||||||
(7,16) | (32,63) | (31,99) | (28,93) | (33,41) | ||||||||||
Moderada | 8,47 | 25,00 | 37,50 | 30,56 | 25,00 | |||||||||
(6,17) | (28,41) | (26,40) | (26,40) | (27,82) | ||||||||||
Alta | 3,96 | 15,00 | 35,42 | 8,33 | 5,00 | |||||||||
(5,78) | (22,51) | (31,73) | (23,43) | (26,40) | ||||||||||
Síndrome Burnout | < 0,01 | < 0,01 | 0,01 | < 0,01 | < 0,01 | |||||||||
Baixo | 5,78 | 16,88 | 33,33 | 16,67 | 15,00 | |||||||||
(6,52) | (28,79) | (29,28) | (26,91) | (29,65) | ||||||||||
Moderado | 11,86 | 40,00 | 45,83 | 30,56 | 40,00 | |||||||||
(6,10) | (28,35) | (30,17) | (25,57) | (31,65) | ||||||||||
Alto | 16,20 | 50,00 | 50,00 | 66,67 | 50,00 | |||||||||
(7,09) | (23,64) | (13,34) | (31,64) | (28,39) | ||||||||||
Nota. Mdn = Mediana; DP = Desvio padrão.
Discussão
Este estudo identificou associação entre a síndrome de Burnout com os aspetos ocupacionais, de saúde e o presenteísmo ocasionado pela perda de produtividade.
No que se refere a estes aspetos, constatou-se que problemas como a gastrite e a ansiedade associada à depressão estariam relacionados aos níveis altos de exaustão emocional e despersonalização. Já a despersonalização também foi associada àqueles que relataram ter problemas de enxaqueca, depressão e o consumo de álcool autorreferido. Houve menor realização profissional nos indivíduos que negaram ter uma rotina de lazer estabelecida e tinham vínculos temporários. A síndrome de Burnout esteve associada ao tabagismo e ao histórico de licença médica no último ano e esses aspetos também estiveram relacionados à alta exaustão emocional, resultados que corroboraram com estudos recentes (Nwosu et al., 2021; Steege & Rainbow, 2017).
A relação entre depressão e a síndrome de Burnout é frequentemente discutida na literatura, devido à semelhança que a sintomatologia depressiva possui com o Burnout (Leiter & Maslach, 2016; Pereira et al., 2021). Entretanto, a síndrome de Burnout diferencia-se por ser um fenómeno restrito às experiências vivenciadas no contexto ocupacional, enquanto a natureza da depressão é clínica, refletindo pensamentos e sentimentos pessoais (Leiter & Maslach, 2016; Pereira et al., 2021).
Cabe destacar que a síndrome de Burnout está intimamente relacionada aos transtornos mentais, principalmente a depressão, problemas frequentemente desencadeados por sentimentos como desanimo, frustração, desvalorização e baixo reconhecimento vivenciados durante as rotinas de trabalho. Estes sintomas, quando associados a outros contextos, tornam-se ainda mais preocupantes, já que causam um declínio cognitivo que podem levar a uma redução na qualidade do atendimento, do desempenho, além de aumentar episódios de desatenção e prejudicar as relações interpessoais (Leiter & Maslach, 2016; Sousa et al., 2023). Além disso, os custos anuais ocasionados por problemas de ansiedade e depressão causam prejuízos para a economia global de cerca de $1 trilhão de dólares americanos em perda de produtividade. Portanto, considerou-se que um ambiente de trabalho negativo pode resultar em problemas de saúde físicos e mentais, no abuso de substâncias, álcool, absenteísmo e na redução do desempenho laboral, todos estes importantes desfechos registados no presente estudo (World Health Organization, 2020).
O consumo de álcool e cigarro são vistos como estilos de vida que podem agravar condições psicofísicas já parcialmente comprometidas. Os efeitos relaxantes proporcionados fazem com que sejam frequentemente utilizados como estratégias de fuga para amenizar sintomas de ansiedade, depressão e exaustão potencialmente relacionados com a síndrome de Burnout, conforme ocorreu em pesquisas recentes (Cruz et al., 2019; Moss et al., 2016; Soares et al., 2021).
Os achados relacionados ao diagnóstico de gastrite demonstraram as repercussões do problema e a urgência necessária em compreender essa amplitude, pois esta condição não deve ser investigada apenas do ponto de vista físico, como ocorre rotineiramente, não só pela gravidade dos sintomas psicossomáticos do stresse, mas porque estão tipicamente correlacionados com a exaustão e, neste estudo, reduziram as habilidades para demandas cognitivas e nas relações interpessoais. Assim, a ocorrência desses distúrbios associados ao perfil frio e pouco empático pode resultar em síndrome de Burnout, reduzindo a qualidade da assistência com riscos para a segurança do doente (Soares et al., 2021).
Em relação às ausências por licença médica no último ano, observou-se que o trabalhador presenteísta com stresse crónico, sinais claros de exaustão e sintomas de uma doença, se mantido em atividade sem intervenção para remissão, pode resultar em absenteísmo, um dos desfechos da síndrome de Burnout e do presenteísmo (Leiter & Maslach, 2016; Steege & Rainbow, 2017). Neste doloroso contexto de trabalho forma-se um círculo vicioso, no qual o trabalhador já doente é afastado do trabalho, o que resulta numa sobrecarga das equipas e pode levar profissionais previamente saudáveis ao presenteísmo, exaustão e a uma doença (Soares et al., 2021).
No entanto, a manutenção de uma rotina de lazer mostrou-se um fator de proteção para a síndrome de Burnout e o presenteísmo, o que corroborou com as evidências que consideravam sua inexistência como um fator que antecede a ocorrência de problemas de saúde, como também, destes agravos (Moss et al., 2016; Rocha et al., 2021).
Este estudo demonstrou que a tríade de dimensões alteradas e a síndrome de Burnout podem afetar negativamente a produtividade geral e todas as demandas avaliadas.
Cabe destacar que os trabalhadores em moderado e alto risco para a síndrome de Burnout obtiveram resultados semelhantes, o que demonstrou coerência sobre o critério adotado neste estudo possibilitando identificar aqueles que estavam desenvolvendo a síndrome. Este olhar é de extrema relevância para intervir e alterar este desfecho.
Além do mais, este resultado é ainda mais preocupante pela categoria investigada ter um perfil autocrítico e senso de obrigação moral que dificultam perceber, compreender e aceitar o adoecimento, principalmente de origem mental. Logo, existe uma tendência em normalizar os sintomas de stresse e, muitas vezes, é confundido com cansaço e fadiga em decorrência das rotinas exaustivas (Kinman, 2019; Steege & Rainbow, 2017).
Esse cenário foi observado num estudo recente, onde os profissionais da saúde relataram que vivenciaram o presenteísmo quando trabalharam apresentando sintomas de fadiga, exaustão, enxaquecas, febre e sintomas gastrointestinais, mas durante este período, reconheceram que de facto, não tiveram a mesma produtividade. Entretanto, justificaram que não se afastaram porque não consideraram tais sintomas como doença, muito menos gravidade para resultar numa licença médica que possivelmente causaria um desfalque e sobrecarregaria a equipe, o que consideraram injusto e pouco empático, uma vez que, mesmo com a produtividade reduzida, acreditavam que ainda eram uma opção mais viável que a sua ausência completa (Steege & Rainbow, 2017).
A ocorrência simultânea do presenteísmo e da exaustão emocional foi esperada, pela similaridade apresentada e por compartilharem o mesmo ambiente causador de stresse durante as rotinas de trabalho, ocasionando um ciclo por um agravamento nos sintomas de esgotamento pode levar ao presenteísmo, que por sua vez, agrava ainda mais o quadro de exaustão. Numa resposta a um alto nível de demandas ocupacionais, os trabalhadores dedicariam ainda mais tempo e energia (Li et al., 2019).
Estudo recente constatou que condições de fadiga e de stresse crónico incontrolável reduzem a atividade do córtex pré-frontal, que é responsável pela autorregulação, o que justificaria a desmotivação, apatia, problemas comportamentais e de comunicação (Arnsten & Shanafelt, 2021). Assim, é consensual que atividades com alta demanda cognitiva são severamente afetadas pelas disfunções cognitivas ocasionadas pelas doenças em questão e consequentemente, prejudicam o desempenho no trabalho (Leiter & Maslach, 2016; Pereira et al., 2021; World Health Organization, 2020).
É válido destacar que este estudo possui algumas limitações. O desenho transversal, por exemplo, pode não permitir uma relação entre causa e efeito. Além disso, deve ser considerado que os instrumentos autoaplicáveis podem contribuir para um viés de desatenção durante o preenchimento, especialmente na temática deste estudo que é de grande importância profissional.
Entretanto, apesar das limitações, este estudo proporciona aspetos valiosos sobre o Burnout na enfermagem e sua associação com a perda de produtividade, o que é fundamental para subsidiar e fomentar estratégias para minimizar estes impactos e promover ambientes de trabalho saudáveis.
Embora já se saiba que a síndrome de Burnout pode levar a perda de produtividade e ao presenteísmo, o estudo traz novas contribuições com uma análise ampla sobre o contexto associados a esses fatores. Além disso, o artigo destaca a importância da saúde mental e das condições de trabalho para a prevenção desses fenómenos e na melhoria da produtividade desses trabalhadores. É fundamental a adoção de iniciativas para garantir que a categoria atue em ambiente seguro e saudável, livre do stresse excessivo, para assegurar uma assistência de qualidade aos doentes. O estudo reforça a necessidade de investir em programas de prevenção e gestão do Burnout com o olhar amplo para o presenteísmo e para o contexto, a fim de melhorar a qualidade de vida de toda a equipe de saúde.
Conclusão
A síndrome de Burnout foi associada aos diagnósticos de gastrite, ansiedade associada à depressão, histórico de licença saúde, ao consumo autorreferido de cigarro, ao regime de contrato temporário e à manutenção de dois vínculos.
Ficou comprovado também que a síndrome de Burnout afetou a produtividade geral e todos os domínios investigados, o que pode repercutir na qualidade da assistência, na saúde dos trabalhadores e custos financeiros para todo o contexto. Por outro lado, manter uma rotina de lazer mostrou-se um fator de proteção para estes fenómenos.
Os resultados alertaram que as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem precisam ser prontamente revistas, devido ao contingente da categoria em nível global e a responsabilidade pela saúde daqueles que cuidam dos outros e, por vezes, colocam suas vidas, saúde e bem-estar em áreas secundárias. É fundamental atentar para as questões psicossociais, especialmente para a síndrome de Burnout e o presenteísmo, problemas independentes e interligados cuja construção ou regressão dos desfechos são diretamente associados ao contexto de trabalho.
Artigo extraído da dissertação “Fatores psicossociais associados ao presenteísmo em trabalhadores de enfermagem”, 2022, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.