Introdução
As infeções associadas aos cuidados de Saúde (IACS) são um problema crescente a nível mundial (Shang et al., 2019). O doente crítico é o mais afetado por este tipo de infeção (Zaha et al., 2019), devido aos múltiplos contextos de atuação e à diferenciação dos cuidados exigidos pela necessidade de recurso a múltiplas medidas invasivas, de diagnóstico e terapêutica (Ordem dos Enfermeiros [O.E.] 2018), contribuindo para internamentos prolongados (Zaha et al., 2019). De entre os dispositivos invasivos, o cateter venoso periférico (CVP) é o mais utilizado em meio hospitalar (Marsh et al., 2021). A flebite e as complicações relacionadas com cateterismo venoso periférico são muito comuns em doentes críticos (Yasuda et al., 2022). A ausência de estudos sobre complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico em doente crítico no nosso país compromete a decisão baseada na evidência científica de tomada de medidas preventivas adequadas. Com base nesta premissa, neste estudo pretende-se analisar as complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico no doente crítico num Serviço de Medicina Intensiva de uma unidade hospitalar do norte de Portugal.
Enquadramento
O doente crítico é aquele que é incapaz de manter a sua estabilidade fisiológica ou com risco de instabilidade fisiológica, falência multiorgânica e cuja sobrevivência depende de meios de monitorização, cuidados intensivos e de terapêutica (OE, 2018). As IACS e o aumento da resistência dos microrganismos aos antimicrobianos (RAM) são duas problemáticas com implicações preocupantes para os doentes, unidades de saúde e comunidade, como o aumento da morbilidade, mortalidade, prolongamento do tempo de internamento e aumento de custos em saúde (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2019). Este problema assume particular relevância no doente crítico, a maior disponibilidade de tecnologia cada vez mais avançada e invasiva, aumenta a esperança de vida e o número de doentes submetidos a terapêutica imunossupressora, antibioterapia de largo espectro que por aumentar a sobrevida também aumenta o risco de infeção (OE, 2018). Os CVP são os dispositivos médicos invasivos mais comuns em doentes hospitalizados, mas frequentemente desenvolvem complicações e falham antes da conclusão do tratamento (Marsh et al., 2021). A flebite, a infiltração e a obstrução são algumas das complicações locais associadas ao CVP mais frequentes (Yasuda et al., 2022). Os fatores de risco são a hospitalização prolongada, duração da cateterização, frequência de acesso, farmacologia endovenosa e tempo de administração (Chen et al., 2021). Quanto maior for o tempo de permanência do CVP mais suscetível ao desenvolvimento de complicações o doente se encontra pelo favorecimento da colonização de microrganismos (Nobre et al., 2018). O género feminino tem vindo a verificar-se uma variável consistente com a presença de complicações associadas a cateterismo venoso periférico devido ao menor calibre dos vasos, diferenças hormonais e características do tecido adiposo (Marsh et al., 2021). A idade é outro fator de risco significativo pelo comprometimento da estrutura e função vascular que deriva em rigidez vascular, disfunção endotelial e hipoperfusão (Chen et al., 2021).
A flebite é um processo inflamatório localizado nas veias pela presença de sangue coagulado ou tecido lesado cujos sinais e sintomas incluem dor/sensibilidade, eritema, calor, edema, endurecimento, purulência ou cordão venoso palpável (Gorski, 2021). Em contexto de SMI os fatores de risco para flebite ainda não foram devidamente explorados (Yasuda et al., 2022). Em relação à infiltração, esta é definida como administração inadvertida de uma solução ou medicação não vesicante nos tecidos circundantes do CVP e é uma das complicações mais comuns na terapia de infusão envolvendo um CVP (Wang et al., 2022). A sintomatologia mais comum inclui edema, eritema, saída de líquido pelo local de inserção do cateter e dor local (Gorski, 2021). Esta difere do extravasamento pelo tipo de medicação ou solução que abandona o espaço intravascular, sendo de natureza irritante e/ou vesicante (Santos et al., 2022). Os enfermeiros devem fazer uma avaliação mais regular dos CVPs sujeitos a administração de fármacos irritantes ou vesicantes (Chen et al., 2021). Diferentes fármacos causam diferentes níveis de irritação nos vasos sanguíneos (Fan et al., 2022). Concentrações elevadas de farmacologia irritante podem levar a um aumento da pressão oncótica, com consequente deslocamento dos fluidos intracelulares para o espaço extravascular (Chen et al., 2021). Segundo Braga (2018), a obstrução define-se pelo mau funcionamento do CVP pela ausência de refluxo e incapacidade de administrar soluções. Em caso de obstrução a recuperação do cateter é preferível à remoção do mesmo (Gorski, 2021).
Questão de Investigação
Qual a frequência e natureza das complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico no doente crítico num Serviço de Medicina Intensiva em Portugal?
Metodologia
Foi realizado um estudo transversal analítico prospetivo. A população alvo do presente estudo foi composta por todos os doentes com uma ou mais cateterização venosa periférica, internados num SMI de Portugal durante o mês de agosto de 2022. Para obtenção da amostra foram definidos os seguintes critérios de exclusão: doentes que já possuam CVP no momento de admissão. Essa exclusão foi necessária, uma vez que não foi possível avaliar todos os fatores relacionados à colocação inicial do cateter. Após a aplicação dos critérios definidos obteve-se uma amostra final de 48 doentes. O número de CVPs varia mediante as necessidades clínicas do doente e o seu tempo de internamento, sendo que este deve ser substituído sempre após 72 horas tendo sido observados 94 CVPs. Registaram-se 173 observações no total, sendo que, 15 cateteres foram retirados nas primeiras 24 horas só obtendo uma observação, 45 nas primeiras 48 horas totalizando duas observações e 34 cateteres mantiveram-se durante as 72 horas programadas com um total de três observações. O instrumento de recolha de dados foi uma grelha de registo, elaborada pelo investigador, onde se identificou o CVP numerando-o, dados sociodemográficos e clínicos, idade, género, diagnóstico de entrada, farmacologia, calibre, tempo de permanência, motivo de retirada e local de punção, existência de complicações locais recorrendo ao uso da Escala Portuguesa de Flebite (Braga, 2016a) e da Escala Portuguesa de Infiltração (Braga , 2016b), e cumprimento das bundles de colocação, manutenção e substituição ou remoção dos CVP em vigor na instituição. Os cuidados de enfermagem no contexto do cateterismo venoso periférico são frequentemente abordados através de conjuntos de intervenções de enfermagem estruturadas (bundles), desenvolvidas para representar os cuidados de enfermagem que têm potencial impacto na manipulação adequada do CVP, visando prevenir complicações e promover a segurança e a eficácia do procedimento. Procedeu-se a análise descritiva das variáveis recorrendo a quadros de distribuição de frequências absolutas e relativas (no caso da das variáveis nominais) e ao exame de algumas medidas tais como a média, desvio padrão, mínimo, máximo e mediana (no caso das variáveis de natureza quantitativa). Para testar a relação entre a frequência de complicações locais e as variáveis terapêutica administrada, os cuidados de enfermagem, local de punção, tempo de permanência do CVP e calibre realizaram-se testes de independência do Qui-Quadrado. Para detetar diferenças estatisticamente significativas na idade consoante complicações locais efetuaram-se testes t de student para comparar amostras independentes. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software IBM SPSS Statistics, versão 28.0 para Windows 11. O Valor de significância foi de 0,05. O estudo obteve parecer favorável da Comissão de Ética (n.º 74/2022) e autorização do Diretor de Serviço. Foi solicitada a informação, anonimizada, dos dados sociodemográficos e clínicos ao diretor do serviço, que a foi fazendo chegar ao investigador, sempre que este a solicitou. Estes, dados, foram registados nas grelhas de registo pelo número de codificação. Para a observação do local do CVP e aplicação da Escala Portuguesa de Flebite (Braga, 2016a) e Escala Portuguesa de Infiltração (Braga, 2016b). O investigador deslocou-se, diariamente, pelas 10 horas ao longo do mês de agosto ao serviço. Todos estes dados foram registados em folha própria por um número de codificação, sequencial, e posteriormente transpostos para uma base de dados informática para análise e tratamento estatístico, não sendo possível qualquer identificação ao longo de todo o processo. Os dados recolhidos representam apenas os estritamente necessários.
Resultados
Os doentes são maioritariamente do género masculino (54,2%), com uma média etária de 70,13 ± 13,1 anos, sendo que 64,6% tem mais de 65 anos. Os principais diagnósticos de entrada dos doentes foram doenças infeciosas e parasitárias (33,3%), etiologia incerta (COVID-19; 16,7%), doenças do aparelho circulatório (14,6%), doenças do aparelho respiratório (10,4%) e sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte (10,4%; Tabela 1).
Variáveis | n | % | ||
---|---|---|---|---|
Género (n = 48) | ||||
Masculino | 26 | 54,2 | ||
Feminino | 22 | 45,8 | ||
Grupo etário ( n = 48) | ||||
Até 65 anos | 17 | 35,4 | ||
Mais de 65 anos | 31 | 64,6 | ||
X = 70,13 anos ( dp = 13,1); Min: 38; Max: 91 | ||||
Diagnostico de entrada ( n =48) | ||||
Doenças infeciosas e parasitárias | 16 | 33,3 | ||
Novas doenças de etiologia incerta (COVID-19) | 8 | 16,7 | ||
Doenças do aparelho circulatório | 7 | 14,6 | ||
Doenças do aparelho respiratório | 6 | 12,5 | ||
Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte | 5 | 10,4 | ||
Doenças do aparelho geniturinário | 2 | 4,2 | ||
Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas | 2 | 4,2 | ||
Doenças do sistema nervoso | 1 | 2,1 | ||
Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas | 1 | 2,1 | ||
Nota. X = Média; n = Amostra; % = Percentagem; DP = Desvio-padrão.
Na Tabela 2 podemos observar que a maior parte dos CVPs (58,5%) tinham um calibre de 20G, o local de punção mais frequente foram os membros superiores, 25,5% esquerdo e 23,4% direito. Verificou-se que em 60,6% o CVP foi retirado, devido a colocação de Cateter Venoso Central (CVC), foram realizadas 173 observações, recaindo a maior frequência de complicações locais na 1ª avaliação, às 24 horas, 26,0% à 2ª avaliação, até 48 horas e 19,7% à 3ª avaliação, até 72 horas.
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Calibre do CVP (n = 94) | |||
18G | 20 | 21,3 | |
20G | 55 | 58,5 | |
22G | 19 | 20,2 | |
Local de Punção ( n = 94) | |||
Membro superior esquerdo | 24 | 25,5 | |
Membro superior direito | 22 | 23,4 | |
Fossa ante cubital direita | 12 | 12,8 | |
Dorso mão direita | 10 | 10,6 | |
Dorso mão esquerda | 10 | 10,6 | |
Fossa ante cubital esquerda | 7 | 7,4 | |
Membro inferior esquerdo | 5 | 5,3 | |
Membro inferior direito | 4 | 4,3 | |
Cateter retirado ( n = 94) | |||
Não | 37 | 39,4 | |
Sim | 57 | 60,6 | |
Motivo da retirada ( n = 57) | |||
Colocação de CVC | 33 | 63,2 | |
Flebite | 11 | 19,3 | |
Infiltração | 4 | 7,0 | |
Óbito | 4 | 7,0 | |
Obstrução | 5 | 8,8 | |
Número de avaliações ( n = 173) | |||
1ª avaliação | 94 | 54,3 | |
2ª avaliação | 45 | 26,0 | |
3ª avaliação | 34 | 19,7 | |
Nota. CVP = Cateter venoso periférico; n = Amostra; % = Percentagem.
Como mostrado na Tabela 3 em todos os casos foi administrada farmacologia endovenosa. Em 23,1% das observações foram administrados fármacos vesicantes e em 48,0% fármacos irritantes. Foi na primeira avaliação onde se verificou maior administração de fármacos.
Variáveis | Todas as avaliações (n = 173) | 1ª avaliação (n = 94) | 2ª avaliação (n = 45) | 3ª avaliação (n = 34) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Farmacologia endovenosa | 173 | 100 | 94 | 100,0 | 45 | 100,0 | 34 | 100,0 |
Fármacos vesicantes | 40 | 23,1 | 30 | 31,9 | 8 | 17,8 | 2 | 5,9 |
Bicarbonato de Sódio | 2 | 1,2 | 2 | 2,1 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 |
Cloreto de Potássio | 13 | 7,5 | 11 | 11,7 | 2 | 4,4 | 0 | 0,0 |
Gluconato de Cálcio | 25 | 14,5 | 17 | 18,1 | 6 | 13,3 | 2 | 5,9 |
Fármacos irritantes | 83 | 48,0 | 50 | 53,2 | 21 | 46,7 | 12 | 35,3 |
Azitromicina | 6 | 3,5 | 4 | 4,3 | 1 | 2,2 | 1 | 2,9 |
Cefazolina | 3 | 1,7 | 3 | 3,2 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 |
Ceftriaxona | 14 | 8,1 | 10 | 10,7 | 3 | 6,6 | 1 | 2,9 |
Gentamicina | 13 | 7,5 | 7 | 7,4 | 4 | 8,9 | 0 | 0,0 |
Imipnem | 6 | 3,5 | 5 | 5,3 | 1 | 2,2 | 2 | 5,9 |
Piperacilina Tazobactam | 31 | 17,9 | 16 | 17,0 | 9 | 20, | 6 | 17,6 |
Sulfametoxazol | 6 | 3,5 | 1 | 1,1 | 3 | 6,7 | 2 | 5,9 |
Vancomicina | 4 | 2,3 | 4 | 4,3 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 |
Nota. n = Amostra; % = Percentagem.
Na Tabela 4 examinando todas as avaliações verificaram-se em 11,6 % das vezes complicações locais (6,4% flebites, 2,3% infiltrações e 2,9% obstruções). Foi na terceira avaliação onde se registou maior percentagem de complicações locais (20,6%).
Variáveis | Todas as avaliações (n = 173) | 1ª avaliação (n = 94) | 2ª avaliação (n = 45) | 3ª avaliação (n = 34) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Complicações locais | |||||||||
Não | 153 | 88,4 | 89 | 94,7 | 37 | 82,2 | 27 | 79,4 | |
Sim | 20 | 11,6 | 5 | 5,3 | 8 | 17,8 | 7 | 20,6 | |
Flebite | 11 | 6,4 | 0 | 0,0 | 3 | 6,7 | 8 | 23,5 | |
Grau 1 | 9 | 5,2 | 0 | 0,0 | 2 | 4,4 | 5 | 20,6 | |
Grau 2 | 1 | 0,6 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 1 | 2,9 | |
Grau 3 | 1 | 0,6 | 0 | 0,0 | 1 | 2,2 | 0 | 0,0 | |
Infiltração | 4 | 2,3 | 1 | 1,1 | 3 | 6,7 | 0 | 0,0 | |
Grau 1 | 3 | 1,7 | 1 | 1,1 | 2 | 4,4 | 0 | 0,0 | |
Grau 2 | 1 | 0,6 | 0 | 0,0 | 1 | 2,2 | 0 | 0,0 | |
Obstrução | 5 | 2,9 | 3 | 3,2 | 1 | 2,2 | 1 | 2,9 | |
Infeção concomitante | 136 | 78,6 | 79 | 84,0 | 34 | 75,6 | 23 | 67,6 | |
Nota. CVP = Cateter venoso periférico; n = População; % = Percentagem.
Na Tabela 5, verificou-se uma diferença estatisticamente significativa entre o tempo de permanência do CVP e o desenvolvimento de complicações locais (p < 0,05). Não se evidenciou essa relação com o local de punção (p = 0,400 > 0,05), com a faixa etária (p = 0,831 > 0,05), o gênero (p = 0,153 > 0,05), com a terapêutica e com os cuidados de enfermagem. Muito embora a média etária seja superior no grupo que apresentou complicações, essa diferença está longe de ser estatisticamente significativa.
Complicações Locais | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Não | Sim | ||||||
n | % | n | % | p | |||
Género | |||||||
Masculino | 19 | 39,6 | 8 | 16,6 | 0,153 | ||
Feminino | 13 | 27,1 | 12 | 25 | |||
Faixa etária | |||||||
Até 65 anos | 11 | 22,9 | 6 | 12,5 | 0,831 | ||
Mais de 65 anos | 21 | 43,8 | 10 | 20,8 | |||
X=69,8±13,7 | X=70,±12,6 | *0,819 | |||||
Calibre do CVP | |||||||
18G | 17 | 85 | 3 | 15 | 0,654 | ||
20G | 42 | 76,4 | 13 | 23,6 | |||
22G | 15 | 78,7 | 4 | 21,3 | |||
Tempo de permanência (horas) | |||||||
24 | 91 | 94,8 | 5 | 5,2 | <0,05 | ||
48 | 37 | 82,2 | 8 | 17,8 | |||
72 | 25 | 78,1 | 7 | 21,9 | |||
Local de Punção | |||||||
Dorso mão direita | 17 | 81.0 | 4 | 19,0 | 0,400 | ||
Dorso mão esquerda | 14 | 87,5 | 2 | 12,5 | |||
Fossa ante cubital direita | 18 | 100,0 | 0 | 0,0 | |||
Fossa ante cubital esquerda | 11 | 91,7 | 1 | 8,3 | |||
Membro inferior direito | 7 | 87,5 | 1 | 12,5 | |||
Membro inferior esquerdo | 9 | 100,0 | 0 | 0,0 | |||
Membro superior direito | 35 | 81,4 | 8 | 18,6 | |||
Membro superior esquerdo | 42 | 91,3 | 4 | 8,7 | |||
Fármacos vesicantes | |||||||
Não | 118 | 88,7 | 15 | 11,3 | 0,783 | ||
Sim | 35 | 87,5 | 5 | 12,5 | |||
Fármacos irritantes | |||||||
Não | 81 | 90,0 | 9 | 10,0 | 0,635 | ||
Sim | 72 | 86,7 | 11 | 13,3 | |||
Adesão as Bundles | |||||||
Não | 22 | 88,8 | 3 | 12,0 | 1,000 | ||
Sim | 131 | 88,5 | 17 | 11,5 |
Nota. CVP = Cateter venoso periférico; X = média; n = Amostra; % = Percentagem; DP = Desvio-padrão; * = Teste t de student.
Discussão
Pese embora as complicações locais associadas ao CVP tenham sido amplamente estudadas no passado, esta é a primeira vez, segundo a nossa pesquisa, que se aborda o doente crítico e a especificidade da realidade do SMI no nosso país. Foram registadas 173 observações a 94 CVPs realizadas em 48 doentes, sendo a taxa de complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico observada de 11,6%. Destas 6,4% correspondem a flebites, 2,3% a infiltrações e 2,9% a obstrução. Comparativamente, a estudos de escala internacional, em 2022, Yasuda efetuou um estudo em 23 SMI, no Japão, onde foram incluídos 2.741 doentes e 7.118 CVPs, observando uma taxa de complicações locais de 7,5% concluindo que as complicações locais associadas ao CVP foram comuns em doentes críticos. Em outro estudo realizado em SMI por Günther e colaboradores, em 2016, onde foram incluídos 628 doentes e observados 873 CVPs num estudo prospetivo, randomizado controlado num hospital periférico de França, a taxa geral de complicações foi alta, com densidade de incidência de 267 complicações com CVP o que corresponde a uma percentagem de 30,6 %, o autor explica estes valores elevados pela ausência de bundle de manutenção assim como falta de formação da equipa de enfermagem na gestão de acessos o que poderia explicar a discrepância entre os resultados do nosso estudo e do anteriormente citado. Ray-Ba (Ray-Barruel et al., 2019) efetuou uma revisão sistemática de literatura procurando perceber a efetividade dos bundles de inserção e manutenção na prevenção de complicações relacionadas ao CVP e infeção da corrente sanguínea em doentes hospitalizados, confirmando que estes podem reduzir a incidência de complicações em doentes de cuidados intensivos. Apesar de observamos uma forte adesão aos bundles instituídos, com cumprimento total do protocolo de colocação e retirada e uma taxa de adesão de 85,5% ao protocolo de manutenção, os dados sugerem que melhorando este indicador a taxa de complicações locais poderá diminuir. Foram incluídos no nosso estudo 48 doentes dos quais 26 do género masculino e 22 do género feminino. Embora a nossa amostra seja maioritariamente masculina (54,2%), verificou-se uma incidência superior de complicações locais no género feminino (20,8%). Um estudo de coorte prospetivo de 300 doentes, 145 do género masculino e 155 do género feminino, conduzido por Nassaji-Zavareh e Ghorbani (2007) mostrou uma incidência de flebite de 26 %, facto que o investigador relaciona com significância estatística com o género feminino o, sugerindo as diferenças hormonais entre os géneros como fator de risco. Uma análise secundária de doze estudos prospetivos com o objetivo de identificar fatores de risco relacionados com falha em CVPs (Marsh et al., 2021) reforça este resultado e vai mais longe identificando o género feminino como uma variável consistente associada a infiltração, obstrução e flebite. Relacionando as suas conclusões com o menor calibre dos vasos femininos em comparação aos masculinos, um estudo de coorte prospetivo de 5345 doentes de Chen et al. (2021) realizado em três hospitais periféricos da China, apresentou uma taxa de complicações locais de 30,1%. O autor explica o elevado valor encontrado pela idade avançada da população estudada correspondendo mais de 50% da mesma a doentes com mais de 60 anos sendo que o envelhecimento afeta a rigidez e a permeabilidade vascular. A idade média do nosso estudo é superior à do estudo citado, sendo que 60,4% tem mais de 65 anos podendo este ser um fator que contribui para a elevada taxa de complicações locais encontrada. Um estudo levado a cabo na Austrália e Nova Zelândia (Carr et al., 2018) onde após efetuar um estudo prospetivo de coorte em 391 doentes de dois serviços de urgência com uma amostra de 118 CVPs também estabelece a idade como um fator de risco determinante para desenvolver complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico, mostrando uma proporcionalidade direta entre o aumento de idade e aumento de risco com um intervalo de confiança de 95% (p = 0,0001). Foi na terceira avaliação, correspondente a um período compreendido no intervalo de 48 a 72 horas, onde se registou maior percentagem de complicações locais correspondendo a 20 complicações locais por cada 100 cateteres analisados nesse intervalo de tempo. São dados corroborados por um estudo levado a cabo em 2018, por Nobre, onde avalia a prevalência de flebite na venopunção periférica, em 221 observações a 78 CVPs realizadas em 58 doentes, entre a taxa de incidência de complicações locais e o tempo de permanência do CVP verificou-se que os doentes que apresentavam flebite tinham, em média, mais tempo de permanência do CVP do que os doentes que não tinham flebite. Em todos os casos foi administrada farmacologia endovenosa. Em 23,1% das observações foram administrados fármacos vesicantes e em 48,0% fármacos irritantes. Um estudo observacional e prospetivo realizado por (Liu et al., 2022) num hospital na China com uma amostra de 1.069 doentes ao longo 5 meses conclui que a infusão de fármacos irritantes esta relacionada com o incremento de taxas de flebite e infiltração. O nosso estudo não consegue estabelecer uma relação, estatisticamente significativa, entre a administração de farmacologia endovenosa constatando à semelhança de (Yasuda et al., 2022) , que medidas padronizadas de administração de fármacos em SMI podem reduzir o risco de flebite. Observamos que 63,2% dos CVPs foram retirados para colocação de CVC o que demonstra uma sensibilidade da equipa do SMI para a sua substituição em fármacos de maior risco ou tratamentos de maior duração, evitando assim a permanência do CVP ao longo de muito tempo. Existem algumas limitações na nossa análise que limitam a nossa perceção do real impacto da administração farmacológica e a existência de complicações locais associadas ao cateterismo periférico, nomeadamente a ausência de dosagem, tempo de administração e uso ou não de bomba de infusão. Observamos uma maior taxa de complicações em CVPs colocados no dorso da mão direita (19%) e no membro superior direito (18,6%) no entanto, as diferenças entre os locais de punção do CVP não foram significativas (p = 0,400). Resultados muito aproximados são corroborados por uma revisão sistemática de literatura com vinte e quatro estudos envolvendo 16.562 CVPs com o objetivo comparar a incidência de complicações relacionadas ao CVP com o objetivo de comparar a incidência de complicações locais associadas ao CVP entre punção no antebraço e dorso da mão (Fan et al., 2022) onde conclui não existirem diferenças significativas entre a colocação de CVP no antebraço ou no dorso da mão em termos de incidência de complicações. Estes dados correspondem ao encontrado por Liu et al. (2022) num estudo observacional e prospetivo num hospital na China com uma amostra de 1.069 doentes ao longo 5 meses relacionando o risco de complicações com inserção de CVP no dorso da mão e fossa antecubital. O nosso estudo revela também uma maior incidência de complicações locais em CVP de calibre 22G, algo em linha com a análise secundária de doze estudos prospetivos com o objetivo de identificar fatores de risco relacionados com falha em CVPs (Marsh et al., 2021), onde as complicações locais associadas ao CVP foram significativamente associadas aos tamanhos de cateteres 22G e 24G comparativamente aos CVP com tamanhos compreendidos entre 14G a 18G, o autor sugere que o tamanho do poliuretano poderá estar na origem desta estatística, mais curto nos CVP citados (2,5 cm e 1,9 cm, respetivamente) diminuindo o movimento do cateter no interior dos vasos sanguíneos o que pode levar a irritação ou danos dos mesmos.
Conclusão
A amostra é composta maioritariamente por elementos do género masculino (54,2%), apesar disso verificou-se uma frequência superior de complicações locais no género feminino (20,8%). A população estudada apresenta uma média de 70,13 ± 13,1 anos, sendo que 60,4% tem mais de 65 anos. A média etária revela-se superior no grupo que teve complicações locais (70,8 anos), além disso um maior número de complicações locais é verificado no grupo de doentes com mais de 65 anos de idade. Foi visível uma maior frequência de complicações no dorso das mãos e com CVP de calibre 22G. Os dados obtidos mostram ainda uma frequência superior de complicações locais quando administrados fármacos irritantes e quando não existe adesão aos bundles instituídos. Verificou-se associação entre o tempo de permanência do CVP e a frequência de complicações, quanto maior o tempo de permanência maior a probabilidade de ocorrência de complicações locais. Face aos resultados obtidos, consideramos pertinente avaliar de forma continua a necessidade de CVP e retirar o mesmo sempre que este deixe de ser essencial para o tratamento do doente e ponderar outros métodos de administração endovenosa quando necessário administrar farmacologia vesicante/irritante. As limitações do estudo são percebidas devido à amostra reduzida que foi coletada num período de tempo reduzido. Além disso, não foram considerados aspetos importantes, como a formação dos enfermeiros responsáveis pela manipulação dos CVP e a forma de administração dos fármacos, incluindo diluição e uso de bombas infusoras, entre outros. Sugerimos o desenvolver futuras investigações em contexto de doente crítico no nosso país com recurso a amostras de maior dimensão e com base nas limitações identificadas.