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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.2 Coimbra dez. 2023  Epub 23-Fev-2024

https://doi.org/10.12707/rvi22104 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Análise das complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico no doente crítico

Analysis of local complications associated with peripheral venous catheterization in critically ill patients

Análisis de las complicaciones locales asociadas al cateterismo venoso periférico en el paciente crítico

Sérgio Miguel Rodrigues Peixoto Pinto da Mota1  2 
http://orcid.org/0000-0003-4125-6435

Matilde Delmina da Silva Martins2  3 
http://orcid.org/0000-0003-2656-5897

1 Unidade Local de Saúde do Nordeste, Unidade Hospitalar de Bragança, Serviço de Medicina Intensiva, Bragança, Portugal

2 Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, Bragança, Portugal

3 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal


Resumo

Enquadramento:

A escassez de estudos sobre complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico em doente crítico em Portugal compromete a implementação de medidas preventivas adequadas.

Objetivo:

Analisar as complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico no doente crítico num Serviço de Medicina Intensiva em Portugal.

Metodologia:

Estudo transversal analítico prospetivo, realizado através da aplicação de uma grelha de registo elaborada pelo investigador a uma amostra de 48 doentes.

Resultados:

Amostra maioritariamente masculina (54,2%), com média de idade de 70,13 anos, com cateter venoso periférico de calibre 20G (58,5%), colocados no membro superior (58,5%) e com diagnóstico na admissão de doenças infeciosas e parasitárias (33,3%). As complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico foram de 11,6%, sendo 6,4% flebites, 2,3% infiltrações e 2,9% obstruções. Estas associaram-se ao tempo de permanência do cateter (p < 0,05).

Conclusão:

A frequência de complicações foi significativa e o tempo de permanência do cateter influenciou a frequência de complicações. Recomendamos reduzir o tempo de permanência do cateter ou, quando possível, utilizar uma via alternativa.

Palavras-chave: cuidados críticos; cateteres venosos periféricos; infecção

Abstract

Background:

The scarcity of studies on local complications associated with peripheral venous catheterization in critically ill patients in Portugal compromises the implementation of adequate preventive measures.

Objective:

To analyze the local complications associated with peripheral venous catheterization in critically ill patients in an Intensive Care Unit in Portugal.

Methodology:

Prospective analytical cross-sectional study, carried out through the application of a registration grid developed by the researcher to a sample of 48 patients.

Results:

Mostly male sample (54.2%), with a mean age of 70.13 years, with a 20G peripheral venous catheter (58.5%), placed in the upper limb /58.5%) and diagnosed in the admission of infectious and parasitic diseases (33.3%). Local complications associated with peripheral venous catheterization were 11.6%, with 6.4% phlebitis, 2.3% infiltrations and 2.9% obstructions. These were associated with the catheter permanence time (p < 0.05).

Conclusion:

The frequency of complications was significant and the catheter length of stay influenced the frequency of complications. We suggest reducing catheter permanence time or using an alternative route whenever possible.

Keywords: critical care; peripheral venous catheters; infection

Resumen

Marco contextual:

La escasez de estudios sobre las complicaciones locales asociadas al cateterismo venoso periférico en pacientes críticos en Portugal compromete la aplicación de medidas preventivas adecuadas.

Objetivo:

Analizar las complicaciones locales asociadas al cateterismo venoso periférico en pacientes críticos de una unidad de cuidados intensivos de Portugal.

Metodología:

Estudio transversal analítico prospectivo, realizado mediante la aplicación de una tabla de registro elaborada por el investigador a una muestra de 48 pacientes.

Resultados:

La muestra fue mayoritariamente masculina (54,2%), con una edad media de 70,13 años, con catéter venoso periférico de calibre 20G (58,5%) colocado en el miembro superior (58,5%) y con diagnóstico de enfermedad infecciosa y parasitaria al ingreso (33,3%). Las complicaciones locales asociadas al cateterismo venoso periférico fueron del 11,6%, con un 6,4% de flebitis, un 2,3% de infiltración y un 2,9% de obstrucción. Estas se asociaron a la duración de la estancia del catéter (p < 0,05).

Conclusión:

La frecuencia de las complicaciones fue significativa y el tiempo de permanencia del catéter influyó en la frecuencia de las complicaciones. Se recomienda reducir el tiempo de permanencia del catéter o, si es posible, utilizar una vía alternativa.

Palabras clave: atención crítica; catéteres venosos periféricos; infección

Introdução

As infeções associadas aos cuidados de Saúde (IACS) são um problema crescente a nível mundial (Shang et al., 2019). O doente crítico é o mais afetado por este tipo de infeção (Zaha et al., 2019), devido aos múltiplos contextos de atuação e à diferenciação dos cuidados exigidos pela necessidade de recurso a múltiplas medidas invasivas, de diagnóstico e terapêutica (Ordem dos Enfermeiros [O.E.] 2018), contribuindo para internamentos prolongados (Zaha et al., 2019). De entre os dispositivos invasivos, o cateter venoso periférico (CVP) é o mais utilizado em meio hospitalar (Marsh et al., 2021). A flebite e as complicações relacionadas com cateterismo venoso periférico são muito comuns em doentes críticos (Yasuda et al., 2022). A ausência de estudos sobre complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico em doente crítico no nosso país compromete a decisão baseada na evidência científica de tomada de medidas preventivas adequadas. Com base nesta premissa, neste estudo pretende-se analisar as complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico no doente crítico num Serviço de Medicina Intensiva de uma unidade hospitalar do norte de Portugal.

Enquadramento

O doente crítico é aquele que é incapaz de manter a sua estabilidade fisiológica ou com risco de instabilidade fisiológica, falência multiorgânica e cuja sobrevivência depende de meios de monitorização, cuidados intensivos e de terapêutica (OE, 2018). As IACS e o aumento da resistência dos microrganismos aos antimicrobianos (RAM) são duas problemáticas com implicações preocupantes para os doentes, unidades de saúde e comunidade, como o aumento da morbilidade, mortalidade, prolongamento do tempo de internamento e aumento de custos em saúde (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2019). Este problema assume particular relevância no doente crítico, a maior disponibilidade de tecnologia cada vez mais avançada e invasiva, aumenta a esperança de vida e o número de doentes submetidos a terapêutica imunossupressora, antibioterapia de largo espectro que por aumentar a sobrevida também aumenta o risco de infeção (OE, 2018). Os CVP são os dispositivos médicos invasivos mais comuns em doentes hospitalizados, mas frequentemente desenvolvem complicações e falham antes da conclusão do tratamento (Marsh et al., 2021). A flebite, a infiltração e a obstrução são algumas das complicações locais associadas ao CVP mais frequentes (Yasuda et al., 2022). Os fatores de risco são a hospitalização prolongada, duração da cateterização, frequência de acesso, farmacologia endovenosa e tempo de administração (Chen et al., 2021). Quanto maior for o tempo de permanência do CVP mais suscetível ao desenvolvimento de complicações o doente se encontra pelo favorecimento da colonização de microrganismos (Nobre et al., 2018). O género feminino tem vindo a verificar-se uma variável consistente com a presença de complicações associadas a cateterismo venoso periférico devido ao menor calibre dos vasos, diferenças hormonais e características do tecido adiposo (Marsh et al., 2021). A idade é outro fator de risco significativo pelo comprometimento da estrutura e função vascular que deriva em rigidez vascular, disfunção endotelial e hipoperfusão (Chen et al., 2021).

A flebite é um processo inflamatório localizado nas veias pela presença de sangue coagulado ou tecido lesado cujos sinais e sintomas incluem dor/sensibilidade, eritema, calor, edema, endurecimento, purulência ou cordão venoso palpável (Gorski, 2021). Em contexto de SMI os fatores de risco para flebite ainda não foram devidamente explorados (Yasuda et al., 2022). Em relação à infiltração, esta é definida como administração inadvertida de uma solução ou medicação não vesicante nos tecidos circundantes do CVP e é uma das complicações mais comuns na terapia de infusão envolvendo um CVP (Wang et al., 2022). A sintomatologia mais comum inclui edema, eritema, saída de líquido pelo local de inserção do cateter e dor local (Gorski, 2021). Esta difere do extravasamento pelo tipo de medicação ou solução que abandona o espaço intravascular, sendo de natureza irritante e/ou vesicante (Santos et al., 2022). Os enfermeiros devem fazer uma avaliação mais regular dos CVPs sujeitos a administração de fármacos irritantes ou vesicantes (Chen et al., 2021). Diferentes fármacos causam diferentes níveis de irritação nos vasos sanguíneos (Fan et al., 2022). Concentrações elevadas de farmacologia irritante podem levar a um aumento da pressão oncótica, com consequente deslocamento dos fluidos intracelulares para o espaço extravascular (Chen et al., 2021). Segundo Braga (2018), a obstrução define-se pelo mau funcionamento do CVP pela ausência de refluxo e incapacidade de administrar soluções. Em caso de obstrução a recuperação do cateter é preferível à remoção do mesmo (Gorski, 2021).

Questão de Investigação

Qual a frequência e natureza das complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico no doente crítico num Serviço de Medicina Intensiva em Portugal?

Metodologia

Foi realizado um estudo transversal analítico prospetivo. A população alvo do presente estudo foi composta por todos os doentes com uma ou mais cateterização venosa periférica, internados num SMI de Portugal durante o mês de agosto de 2022. Para obtenção da amostra foram definidos os seguintes critérios de exclusão: doentes que já possuam CVP no momento de admissão. Essa exclusão foi necessária, uma vez que não foi possível avaliar todos os fatores relacionados à colocação inicial do cateter. Após a aplicação dos critérios definidos obteve-se uma amostra final de 48 doentes. O número de CVPs varia mediante as necessidades clínicas do doente e o seu tempo de internamento, sendo que este deve ser substituído sempre após 72 horas tendo sido observados 94 CVPs. Registaram-se 173 observações no total, sendo que, 15 cateteres foram retirados nas primeiras 24 horas só obtendo uma observação, 45 nas primeiras 48 horas totalizando duas observações e 34 cateteres mantiveram-se durante as 72 horas programadas com um total de três observações. O instrumento de recolha de dados foi uma grelha de registo, elaborada pelo investigador, onde se identificou o CVP numerando-o, dados sociodemográficos e clínicos, idade, género, diagnóstico de entrada, farmacologia, calibre, tempo de permanência, motivo de retirada e local de punção, existência de complicações locais recorrendo ao uso da Escala Portuguesa de Flebite (Braga, 2016a) e da Escala Portuguesa de Infiltração (Braga , 2016b), e cumprimento das bundles de colocação, manutenção e substituição ou remoção dos CVP em vigor na instituição. Os cuidados de enfermagem no contexto do cateterismo venoso periférico são frequentemente abordados através de conjuntos de intervenções de enfermagem estruturadas (bundles), desenvolvidas para representar os cuidados de enfermagem que têm potencial impacto na manipulação adequada do CVP, visando prevenir complicações e promover a segurança e a eficácia do procedimento. Procedeu-se a análise descritiva das variáveis recorrendo a quadros de distribuição de frequências absolutas e relativas (no caso da das variáveis nominais) e ao exame de algumas medidas tais como a média, desvio padrão, mínimo, máximo e mediana (no caso das variáveis de natureza quantitativa). Para testar a relação entre a frequência de complicações locais e as variáveis terapêutica administrada, os cuidados de enfermagem, local de punção, tempo de permanência do CVP e calibre realizaram-se testes de independência do Qui-Quadrado. Para detetar diferenças estatisticamente significativas na idade consoante complicações locais efetuaram-se testes t de student para comparar amostras independentes. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software IBM SPSS Statistics, versão 28.0 para Windows 11. O Valor de significância foi de 0,05. O estudo obteve parecer favorável da Comissão de Ética (n.º 74/2022) e autorização do Diretor de Serviço. Foi solicitada a informação, anonimizada, dos dados sociodemográficos e clínicos ao diretor do serviço, que a foi fazendo chegar ao investigador, sempre que este a solicitou. Estes, dados, foram registados nas grelhas de registo pelo número de codificação. Para a observação do local do CVP e aplicação da Escala Portuguesa de Flebite (Braga, 2016a) e Escala Portuguesa de Infiltração (Braga, 2016b). O investigador deslocou-se, diariamente, pelas 10 horas ao longo do mês de agosto ao serviço. Todos estes dados foram registados em folha própria por um número de codificação, sequencial, e posteriormente transpostos para uma base de dados informática para análise e tratamento estatístico, não sendo possível qualquer identificação ao longo de todo o processo. Os dados recolhidos representam apenas os estritamente necessários.

Resultados

Os doentes são maioritariamente do género masculino (54,2%), com uma média etária de 70,13 ± 13,1 anos, sendo que 64,6% tem mais de 65 anos. Os principais diagnósticos de entrada dos doentes foram doenças infeciosas e parasitárias (33,3%), etiologia incerta (COVID-19; 16,7%), doenças do aparelho circulatório (14,6%), doenças do aparelho respiratório (10,4%) e sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte (10,4%; Tabela 1).

Tabela 1: Distribuição dos participantes por género, grupo etário e diagnóstico de entrada (n = 48) 

Variáveis n %
Género (n = 48)
Masculino 26 54,2
Feminino 22 45,8
Grupo etário ( n = 48)
Até 65 anos 17 35,4
Mais de 65 anos 31 64,6
X = 70,13 anos ( dp = 13,1); Min: 38; Max: 91
Diagnostico de entrada ( n =48)
Doenças infeciosas e parasitárias 16 33,3
Novas doenças de etiologia incerta (COVID-19) 8 16,7
Doenças do aparelho circulatório 7 14,6
Doenças do aparelho respiratório 6 12,5
Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte 5 10,4
Doenças do aparelho geniturinário 2 4,2
Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas 2 4,2
Doenças do sistema nervoso 1 2,1
Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas 1 2,1

Nota. X = Média; n = Amostra; % = Percentagem; DP = Desvio-padrão.

Na Tabela 2 podemos observar que a maior parte dos CVPs (58,5%) tinham um calibre de 20G, o local de punção mais frequente foram os membros superiores, 25,5% esquerdo e 23,4% direito. Verificou-se que em 60,6% o CVP foi retirado, devido a colocação de Cateter Venoso Central (CVC), foram realizadas 173 observações, recaindo a maior frequência de complicações locais na 1ª avaliação, às 24 horas, 26,0% à 2ª avaliação, até 48 horas e 19,7% à 3ª avaliação, até 72 horas.

Tabela 2: Distribuição dos participantes por calibre do cateter, local da punção, cateteres retirados, motivo da retirada e número de avaliações 

Variáveis n %
Calibre do CVP (n = 94)
18G 20 21,3
20G 55 58,5
22G 19 20,2
Local de Punção ( n = 94)
Membro superior esquerdo 24 25,5
Membro superior direito 22 23,4
Fossa ante cubital direita 12 12,8
Dorso mão direita 10 10,6
Dorso mão esquerda 10 10,6
Fossa ante cubital esquerda 7 7,4
Membro inferior esquerdo 5 5,3
Membro inferior direito 4 4,3
Cateter retirado ( n = 94)
Não 37 39,4
Sim 57 60,6
Motivo da retirada ( n = 57)
Colocação de CVC 33 63,2
Flebite 11 19,3
Infiltração 4 7,0
Óbito 4 7,0
Obstrução 5 8,8
Número de avaliações ( n = 173)
1ª avaliação 94 54,3
2ª avaliação 45 26,0
3ª avaliação 34 19,7

Nota. CVP = Cateter venoso periférico; n = Amostra; % = Percentagem.

Como mostrado na Tabela 3 em todos os casos foi administrada farmacologia endovenosa. Em 23,1% das observações foram administrados fármacos vesicantes e em 48,0% fármacos irritantes. Foi na primeira avaliação onde se verificou maior administração de fármacos.

Tabela 3: Distribuição dos participantes por fármacos administrados e número de avaliaçõe s 

Variáveis Todas as avaliações (n = 173) 1ª avaliação (n = 94) 2ª avaliação (n = 45) 3ª avaliação (n = 34)
n % n % n % n %
Farmacologia endovenosa 173 100 94 100,0 45 100,0 34 100,0
Fármacos vesicantes 40 23,1 30 31,9 8 17,8 2 5,9
Bicarbonato de Sódio 2 1,2 2 2,1 0 0,0 0 0,0
Cloreto de Potássio 13 7,5 11 11,7 2 4,4 0 0,0
Gluconato de Cálcio 25 14,5 17 18,1 6 13,3 2 5,9
Fármacos irritantes 83 48,0 50 53,2 21 46,7 12 35,3
Azitromicina 6 3,5 4 4,3 1 2,2 1 2,9
Cefazolina 3 1,7 3 3,2 0 0,0 0 0,0
Ceftriaxona 14 8,1 10 10,7 3 6,6 1 2,9
Gentamicina 13 7,5 7 7,4 4 8,9 0 0,0
Imipnem 6 3,5 5 5,3 1 2,2 2 5,9
Piperacilina Tazobactam 31 17,9 16 17,0 9 20, 6 17,6
Sulfametoxazol 6 3,5 1 1,1 3 6,7 2 5,9
Vancomicina 4 2,3 4 4,3 0 0,0 0 0,0

Nota. n = Amostra; % = Percentagem.

Na Tabela 4 examinando todas as avaliações verificaram-se em 11,6 % das vezes complicações locais (6,4% flebites, 2,3% infiltrações e 2,9% obstruções). Foi na terceira avaliação onde se registou maior percentagem de complicações locais (20,6%).

Tabela 4: Distribuição das frequências de complicações no local de inserção do CVP por número de observação e observações totais 

Variáveis Todas as avaliações (n = 173) 1ª avaliação (n = 94) 2ª avaliação (n = 45) 3ª avaliação (n = 34)
n % n % n % n %
Complicações locais
Não 153 88,4 89 94,7 37 82,2 27 79,4
Sim 20 11,6 5 5,3 8 17,8 7 20,6
Flebite 11 6,4 0 0,0 3 6,7 8 23,5
Grau 1 9 5,2 0 0,0 2 4,4 5 20,6
Grau 2 1 0,6 0 0,0 0 0,0 1 2,9
Grau 3 1 0,6 0 0,0 1 2,2 0 0,0
Infiltração 4 2,3 1 1,1 3 6,7 0 0,0
Grau 1 3 1,7 1 1,1 2 4,4 0 0,0
Grau 2 1 0,6 0 0,0 1 2,2 0 0,0
Obstrução 5 2,9 3 3,2 1 2,2 1 2,9
Infeção concomitante 136 78,6 79 84,0 34 75,6 23 67,6

Nota. CVP = Cateter venoso periférico; n = População; % = Percentagem.

Na Tabela 5, verificou-se uma diferença estatisticamente significativa entre o tempo de permanência do CVP e o desenvolvimento de complicações locais (p < 0,05). Não se evidenciou essa relação com o local de punção (p = 0,400 > 0,05), com a faixa etária (p = 0,831 > 0,05), o gênero (p = 0,153 > 0,05), com a terapêutica e com os cuidados de enfermagem. Muito embora a média etária seja superior no grupo que apresentou complicações, essa diferença está longe de ser estatisticamente significativa.

Tabela 5: Distribuição das complicações locais por género, faixa etária, calibre do CVP, tempo de permanência, local de punção, fármacos vesicantes, fármacos irritantes e adesão às bundle s 

Complicações Locais
Não Sim
n % n % p
Género
Masculino 19 39,6 8 16,6 0,153
Feminino 13 27,1 12 25
Faixa etária
Até 65 anos 11 22,9 6 12,5 0,831
Mais de 65 anos 21 43,8 10 20,8
X=69,8±13,7 X=70,±12,6 *0,819
Calibre do CVP
18G 17 85 3 15 0,654
20G 42 76,4 13 23,6
22G 15 78,7 4 21,3
Tempo de permanência (horas)
24 91 94,8 5 5,2 <0,05
48 37 82,2 8 17,8
72 25 78,1 7 21,9
Local de Punção
Dorso mão direita 17 81.0 4 19,0 0,400
Dorso mão esquerda 14 87,5 2 12,5
Fossa ante cubital direita 18 100,0 0 0,0
Fossa ante cubital esquerda 11 91,7 1 8,3
Membro inferior direito 7 87,5 1 12,5
Membro inferior esquerdo 9 100,0 0 0,0
Membro superior direito 35 81,4 8 18,6
Membro superior esquerdo 42 91,3 4 8,7
Fármacos vesicantes
Não 118 88,7 15 11,3 0,783
Sim 35 87,5 5 12,5
Fármacos irritantes
Não 81 90,0 9 10,0 0,635
Sim 72 86,7 11 13,3
Adesão as Bundles
Não 22 88,8 3 12,0 1,000
Sim 131 88,5 17 11,5

Nota. CVP = Cateter venoso periférico; X = média; n = Amostra; % = Percentagem; DP = Desvio-padrão; * = Teste t de student.

Discussão

Pese embora as complicações locais associadas ao CVP tenham sido amplamente estudadas no passado, esta é a primeira vez, segundo a nossa pesquisa, que se aborda o doente crítico e a especificidade da realidade do SMI no nosso país. Foram registadas 173 observações a 94 CVPs realizadas em 48 doentes, sendo a taxa de complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico observada de 11,6%. Destas 6,4% correspondem a flebites, 2,3% a infiltrações e 2,9% a obstrução. Comparativamente, a estudos de escala internacional, em 2022, Yasuda efetuou um estudo em 23 SMI, no Japão, onde foram incluídos 2.741 doentes e 7.118 CVPs, observando uma taxa de complicações locais de 7,5% concluindo que as complicações locais associadas ao CVP foram comuns em doentes críticos. Em outro estudo realizado em SMI por Günther e colaboradores, em 2016, onde foram incluídos 628 doentes e observados 873 CVPs num estudo prospetivo, randomizado controlado num hospital periférico de França, a taxa geral de complicações foi alta, com densidade de incidência de 267 complicações com CVP o que corresponde a uma percentagem de 30,6 %, o autor explica estes valores elevados pela ausência de bundle de manutenção assim como falta de formação da equipa de enfermagem na gestão de acessos o que poderia explicar a discrepância entre os resultados do nosso estudo e do anteriormente citado. Ray-Ba (Ray-Barruel et al., 2019) efetuou uma revisão sistemática de literatura procurando perceber a efetividade dos bundles de inserção e manutenção na prevenção de complicações relacionadas ao CVP e infeção da corrente sanguínea em doentes hospitalizados, confirmando que estes podem reduzir a incidência de complicações em doentes de cuidados intensivos. Apesar de observamos uma forte adesão aos bundles instituídos, com cumprimento total do protocolo de colocação e retirada e uma taxa de adesão de 85,5% ao protocolo de manutenção, os dados sugerem que melhorando este indicador a taxa de complicações locais poderá diminuir. Foram incluídos no nosso estudo 48 doentes dos quais 26 do género masculino e 22 do género feminino. Embora a nossa amostra seja maioritariamente masculina (54,2%), verificou-se uma incidência superior de complicações locais no género feminino (20,8%). Um estudo de coorte prospetivo de 300 doentes, 145 do género masculino e 155 do género feminino, conduzido por Nassaji-Zavareh e Ghorbani (2007) mostrou uma incidência de flebite de 26 %, facto que o investigador relaciona com significância estatística com o género feminino o, sugerindo as diferenças hormonais entre os géneros como fator de risco. Uma análise secundária de doze estudos prospetivos com o objetivo de identificar fatores de risco relacionados com falha em CVPs (Marsh et al., 2021) reforça este resultado e vai mais longe identificando o género feminino como uma variável consistente associada a infiltração, obstrução e flebite. Relacionando as suas conclusões com o menor calibre dos vasos femininos em comparação aos masculinos, um estudo de coorte prospetivo de 5345 doentes de Chen et al. (2021) realizado em três hospitais periféricos da China, apresentou uma taxa de complicações locais de 30,1%. O autor explica o elevado valor encontrado pela idade avançada da população estudada correspondendo mais de 50% da mesma a doentes com mais de 60 anos sendo que o envelhecimento afeta a rigidez e a permeabilidade vascular. A idade média do nosso estudo é superior à do estudo citado, sendo que 60,4% tem mais de 65 anos podendo este ser um fator que contribui para a elevada taxa de complicações locais encontrada. Um estudo levado a cabo na Austrália e Nova Zelândia (Carr et al., 2018) onde após efetuar um estudo prospetivo de coorte em 391 doentes de dois serviços de urgência com uma amostra de 118 CVPs também estabelece a idade como um fator de risco determinante para desenvolver complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico, mostrando uma proporcionalidade direta entre o aumento de idade e aumento de risco com um intervalo de confiança de 95% (p = 0,0001). Foi na terceira avaliação, correspondente a um período compreendido no intervalo de 48 a 72 horas, onde se registou maior percentagem de complicações locais correspondendo a 20 complicações locais por cada 100 cateteres analisados nesse intervalo de tempo. São dados corroborados por um estudo levado a cabo em 2018, por Nobre, onde avalia a prevalência de flebite na venopunção periférica, em 221 observações a 78 CVPs realizadas em 58 doentes, entre a taxa de incidência de complicações locais e o tempo de permanência do CVP verificou-se que os doentes que apresentavam flebite tinham, em média, mais tempo de permanência do CVP do que os doentes que não tinham flebite. Em todos os casos foi administrada farmacologia endovenosa. Em 23,1% das observações foram administrados fármacos vesicantes e em 48,0% fármacos irritantes. Um estudo observacional e prospetivo realizado por (Liu et al., 2022) num hospital na China com uma amostra de 1.069 doentes ao longo 5 meses conclui que a infusão de fármacos irritantes esta relacionada com o incremento de taxas de flebite e infiltração. O nosso estudo não consegue estabelecer uma relação, estatisticamente significativa, entre a administração de farmacologia endovenosa constatando à semelhança de (Yasuda et al., 2022) , que medidas padronizadas de administração de fármacos em SMI podem reduzir o risco de flebite. Observamos que 63,2% dos CVPs foram retirados para colocação de CVC o que demonstra uma sensibilidade da equipa do SMI para a sua substituição em fármacos de maior risco ou tratamentos de maior duração, evitando assim a permanência do CVP ao longo de muito tempo. Existem algumas limitações na nossa análise que limitam a nossa perceção do real impacto da administração farmacológica e a existência de complicações locais associadas ao cateterismo periférico, nomeadamente a ausência de dosagem, tempo de administração e uso ou não de bomba de infusão. Observamos uma maior taxa de complicações em CVPs colocados no dorso da mão direita (19%) e no membro superior direito (18,6%) no entanto, as diferenças entre os locais de punção do CVP não foram significativas (p = 0,400). Resultados muito aproximados são corroborados por uma revisão sistemática de literatura com vinte e quatro estudos envolvendo 16.562 CVPs com o objetivo comparar a incidência de complicações relacionadas ao CVP com o objetivo de comparar a incidência de complicações locais associadas ao CVP entre punção no antebraço e dorso da mão (Fan et al., 2022) onde conclui não existirem diferenças significativas entre a colocação de CVP no antebraço ou no dorso da mão em termos de incidência de complicações. Estes dados correspondem ao encontrado por Liu et al. (2022) num estudo observacional e prospetivo num hospital na China com uma amostra de 1.069 doentes ao longo 5 meses relacionando o risco de complicações com inserção de CVP no dorso da mão e fossa antecubital. O nosso estudo revela também uma maior incidência de complicações locais em CVP de calibre 22G, algo em linha com a análise secundária de doze estudos prospetivos com o objetivo de identificar fatores de risco relacionados com falha em CVPs (Marsh et al., 2021), onde as complicações locais associadas ao CVP foram significativamente associadas aos tamanhos de cateteres 22G e 24G comparativamente aos CVP com tamanhos compreendidos entre 14G a 18G, o autor sugere que o tamanho do poliuretano poderá estar na origem desta estatística, mais curto nos CVP citados (2,5 cm e 1,9 cm, respetivamente) diminuindo o movimento do cateter no interior dos vasos sanguíneos o que pode levar a irritação ou danos dos mesmos.

Conclusão

A amostra é composta maioritariamente por elementos do género masculino (54,2%), apesar disso verificou-se uma frequência superior de complicações locais no género feminino (20,8%). A população estudada apresenta uma média de 70,13 ± 13,1 anos, sendo que 60,4% tem mais de 65 anos. A média etária revela-se superior no grupo que teve complicações locais (70,8 anos), além disso um maior número de complicações locais é verificado no grupo de doentes com mais de 65 anos de idade. Foi visível uma maior frequência de complicações no dorso das mãos e com CVP de calibre 22G. Os dados obtidos mostram ainda uma frequência superior de complicações locais quando administrados fármacos irritantes e quando não existe adesão aos bundles instituídos. Verificou-se associação entre o tempo de permanência do CVP e a frequência de complicações, quanto maior o tempo de permanência maior a probabilidade de ocorrência de complicações locais. Face aos resultados obtidos, consideramos pertinente avaliar de forma continua a necessidade de CVP e retirar o mesmo sempre que este deixe de ser essencial para o tratamento do doente e ponderar outros métodos de administração endovenosa quando necessário administrar farmacologia vesicante/irritante. As limitações do estudo são percebidas devido à amostra reduzida que foi coletada num período de tempo reduzido. Além disso, não foram considerados aspetos importantes, como a formação dos enfermeiros responsáveis pela manipulação dos CVP e a forma de administração dos fármacos, incluindo diluição e uso de bombas infusoras, entre outros. Sugerimos o desenvolver futuras investigações em contexto de doente crítico no nosso país com recurso a amostras de maior dimensão e com base nas limitações identificadas.

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13Como citar este artigo:Mota, S. M., & Martins, M. D. (2023). Análise das complicações locais associadas ao cateterismo venoso periférico no doente crítico. Revista de Enfermagem Referência, 6(2), e22104. https://doi.org/10.12707/RVI22104

Recebido: 06 de Novembro de 2022; Aceito: 31 de Maio de 2023

Autor de correspondência Sérgio Miguel Rodrigues Peixoto Pinto da Mota E-mail: sergiomiguelmota@outlook.pt

Conceptualização: Mota, S. M., Martins, M. D.

Tratamento de dados: Mota, S. M., Martins, M. D.

Análise formal: Mota, S. M., Martins, M. D.

Investigação: Mota, S. M., Martins, M. D.

Metodologia: Mota, S. M., Martins, M. D.

Administração do projeto: Martins, M. D.

Recursos: Mota, S. M., Martins, M. D.

Supervisão: Martins, M. D.

Validação: Mota, S. M., Martins, M. D.

Visualização: Mota, S. M., Martins, M. D.

Redação - rascunho original: Mota, S. M., Martins, M. D.

Redação - análise e edição: Mota, S. M., Martins, M. D.

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