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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.27 no.1 Lisboa mar. 2019
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação retrospectiva de fracturas da clavícula tratadas com osteossíntese rígida: Resultados e complicações
Ana M. CoelhoI; Tiago P. MarquesI; Raul AlonsoI; Luís PiresI
I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Unidade de Cirurgia do Ombro, Hospital Beatriz Ângelo, Loures.
RESUMO
Introdução
Embora tradicionalmente as fracturas da clavícula tenham sido tratadas conservadoramente, a literatura mais recente mostra resultados funcionais menos satisfatórios com esta abordagem.
Apresentamos uma revisão de 36 doentes com fracturas da clavícula submetidos a osteossíntese primária e avaliação dos resultados funcionais e complicações.
Materiais e Métodos
Avaliação retrospectiva dos doentes com fracturas descoaptadas da clavícula submetidos a redução cruenta e osteossíntese, entre 2012-2015. As fracturas foram classificadas segundo a classificação AO e foram seleccionados os doentes jovens, com requisitos funcionais elevados.
Foi realizado seguimento para avaliação clínica, funcional (mobilidade, regresso às actividades diárias e desportivas, score funcional Quick Disabilities of Arm Shoulder and Hand - Quick-DASH) e imagiológica até consolidação da fractura e após 6-12 meses para ponderar extracção do material de osteossíntese.
Resultados
Obtivemos uma população de 36 doentes, com seguimento médio de 26 meses, idade média de 35,16 anos. Todos os doentes recuperaram arco mobilidade total, sem limitação nas suas actividades. O score funcional QuickDash médio foi 1,4 pontos. Exceptuando um caso de pseudartrose, todas as fracturas apresentaram evidência de consolidação num período médio de 3,3 (2-6) meses. Referimos ainda um caso de infecção superficial da ferida operatória, com resolução após desbridamento e encerramento da mesma
Discussão
Apesar do tratamento conservador apresentar elevadas taxas de consolidação, os resultados clínicos e funcionais podem ser subóptimos. O tratamento cirúrgico, tem demonstrado bons resultados, permitindo mobilização e retorno à actividade precoces, com baixa incidência de complicações.
Palavras chave: Fracturas da Clavícula, Tratamento Cirúrgico, Resultados Funcionais.
ABSTRACT
Introduction
Traditionally, clavicle fractures are treated conservatively. However, recent evidence shows less satisfactory functional results with conservative treatment. We present our results and complications with surgical treatment of displaced clavicle fractures in a group of 36 patients.
Materials and Methods
We evaluated retrospectively, patients with displaced clavicle fractures treated surgically with open reduction and osteosynthesis between 2012-2015. Fractures were classified according to AO classification and we selected young patients with high functional needs. Follow-up was performed with clinical and functional evaluation. Data regarding mobility, return to work and sports as well as evaluation with Quick Disabilities of Arm Shoulder and Hand (Quick-DASH) were collected. Patients were evaluated with radiographs until evidence of fracture healing and then after 6-12 month for discussing hardware removal.
Results
We present 36 patients with a mean follow-up of 26 month, mean age of 35,16 years old. All patients recovered a full mobility arch without limitation in their activities. Functional score QuickDash averaged 1,4. Except for one case of nonunion, all fractures healed in an average of 3,3 months (2-6). We report one case of a superficial infection of the surgical wound, which resolved after debridement and wound closure.
Discussion
Despite high fracture healing rates reported with conservative treatment, clinical and functional results are frequently suboptimal. Surgical treatment has shown good results, allowing for early mobilization and return to previous daily and sport activities, with a low incidence of complications.
Key words: Clavicle fracture, Fracture Fixation, Functional Results.
INTRODUÇÃO
As fracturas da clavícula são comuns, representando 2.6 a 4% das fracturas no doente adulto. As fracturas diafisárias e do terço lateral são mais frequentes constituindo 69-82% e 21-28% todas as fracturas da clavícula, respectivamente. São lesões que ocorrem mais frequentemente em doentes jovens e activos, particularmente as fracturas diafisárias1.
Tradicionalmente as fracturas da clavícula são objecto de tratamento conservador. Esta premissa é baseada em estudos que referem taxas de pseudartrose baixas comparativamente com a taxa de complicações associada ao tratamento cirúrgico, nomeadamente o estudo de Neer (1960), com uma incidência de pseudartrose de 3 em 2235 doentes com fracturas da clavícula tratados conservadoramente2.
No entanto, alguns estudos mais recentes têm contestado esta evidência, verificando-se sequelas importantes com o tratamento conservador em fracturas descoaptadas, com persistência de dor, diminuição da força muscular, parestesias e taxas de pseudartrose até 15%1,3. Por outro lado, existe evidência crescente demonstrando bons resultados funcionais, retorno precoce à função normal e baixa taxa de complicações e pseudartrose com o tratamento cirúrgico4,5. Estes dados epidemiológicos mais recentes levaram alguns autores a defenderem uma abordagem que inclui o tratamento cirúrgico inicial para todas as fracturas descoaptadas da diáfise da clavícula em doentes adultos activos4. No entanto, este continua a ser um assunto controverso em discussão.
No nosso trabalho propusemo-nos a realizar uma avaliação retrospectiva dos doentes submetidos a osteossíntese primária após fractura descoaptada da clavícula e avaliação dos resultados e complicações.
MATERIAL E MÉTODOS
Selecção de doentes
Os autores preconizam o tratamento cirúrgico para as fracturas da clavícula descoaptadas em doentes jovens e activos. Assim, foram incluídos e avaliados no estudo, todos os doentes com fracturas da clavícula descoaptadas submetidos a tratamento cirúrgico no Hospital Beatriz Ângelo e no Hospital da Luz entre 2012 e 2015.
Tratamento cirúrgico
Todos os doentes foram operados em até três semanas após o traumatismo. Os doentes com fracturas diafisárias foram submetidos a redução cruenta e osteossíntese com placa anatómica locking (Depuy-Synthes®), colocadas na vertente superior da clavícula (Figura 1). Os doentes com fracturas do terço distal da clavícula foram submetido a redução cruenta e osteossíntese com placa gancho. No caso de fracturas segmentares ou cominutivas, foi muitas vezes necessárias a redução combinada com parafuso de compressão interfragmentário ou suturas com fios de sutura de alta resistência (Orthocord®). Todos os procedimentos foram realizados por dois cirurgiões da Unidade de Cirurgia do Ombro do Hospital Beatriz Ângelo. No período pós-operatório foram imobilizados com suspensão braquial antálgica durante duas semanas, período após o qual iniciaram auto-reabilitação com mobilização passiva do ombro. Foi permitida mobilização activa sem carga após 3 semanas conforme tolerância do doente e mobilização com carga após 6 semanas e evidência de consolidação da fractura.
Colheita de dados e seguimento pós-operatório
No período pós-operatório, os doentes foram observados em consulta externa para avaliação clínica e imagiológica até consolidação da fractura, sendo posteriormente reavaliados aos 6 meses (no caso de fracturas do terço distal) ou 6-12 meses no caso das fracturas diafisárias para avaliação e ponderação de extracção do material de osteossíntese. Foram revistos os processos clínicos dos doentes para colheita de informações para caracterização demográfica (sexo, idade, tipo de traumatismo), classificação de fracturas, cirurgia realizada, evolução e complicações.
No que respeita a avaliação radiográfica, os doentes realizaram radiografia postero-anterior da clavícula pré-operatória, às 2 e 6 semanas de pós-operatório e posteriormente aos 3 e 6 meses caso não se verificasse consolidação da fractura até então. As fracturas foram classificadas segundo os critérios AO, considerando localização, orientação do traço de fractura e grau de cominução. A consolidação foi considerada aquando da corticalização superior e inferior ao nível do foco de fractura.
A avaliação clínica dos doentes englobou uma avaliação funcional tendo sido registados, a mobilidade do membro operado em comparação com o membro contralateral e o score funcional Quick-Disabilities of Arm, Shoulder and Hand (Quick-DASH). Foi ainda inquirido aos doentes a satisfação global com o procedimento, retorno às actividades normais da vida diária e retorno às actividades desportivas.
RESULTADOS
Caracterização da população
Foram incluídos 37 doentes tratados entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2015. Um doente foi perdido no follow-up. De uma população de 36 doentes verificou-se um claro predomínio do sexo masculino (91,7%), com uma idade média de 35,2 (13-63) anos. O tempo médio de seguimento foi 26 meses (6-50). Os mecanismos de lesão mais frequentes foram o acidente de viação (44%) e a queda (31%). Dum total de 36 fracturas, 6 (17%) eram do terço distal (AO 15.3) da clavícula e 30 (83%) eram diafisárias (AO 15.2). Destas, a maioria eram fracturas simples (16 fracturas do tipo AO 15.2A), apresentando-se no entanto, 14 doentes com fracturas cominutivas ou com fragmento intermédio (AO 15.2B) (Tabela 1).
Avaliação funcional
Todos os doentes apresentaram um arco mobilidade total, sobreponível ao membro contralateral, à data da última avaliação. Houve um regresso total às normais actividades diárias e desportivas, em todos os doentes. O resultado do score QuickDash médio foi de 1,4 pontos.
Avaliação radiográfica
Todos os doentes foram avaliados com radiografia acromio-clavicular até evidência de consolidação. O tempo médio para consolidação pós operatória foi de 3,3 meses (2 a 6 meses).
Complicações
Não houve registo de intercorrências durante os procedimentos cirúrgicos. Como complicações minor referimos um doente que desenvolveu, no período pós-operatório imediato, uma infecção superficial da ferida operatória com resolução após desbridamento cirúrgico, encerramento e antibioterapia. Como complicação major temos a referir um caso de pseudartrose que foi submetido a re-osteossíntese com placa e parafusos com interposição de enxerto tricortical de osso de crista ilíaca (Figura 2).
DISCUSSÃO
Tradicionalmente, as fracturas da clavícula têm sido tratadas conservadoramente. Em 1960, Neer reportou uma incidência de pseudartrose da clavícula de 3 (0,1%) em 2235 doentes tratados na sua instituição. Comparativamente, referia 2 casos (4,6%) de pseudartrose em 45 doentes tratados cirurgicamente. Este e estudos semelhantes definiram a abordagem terapêutica das fracturas descoaptadas da clavícula durante anos. No entanto, estudos mais recentes questionaram estas premissas.
Robinson et al publicaram um ensaio randomizado multicêntrico com 105 doentes comparando o tratamento conservador e cirúrgico nas fracturas descoaptadas da clavícula e verificaram uma taxa de pseudartrose de 26,1% com o tratamento conservador versus 1,2% no grupo cirúrgico. Na nossa amostra, verificámos um caso de pseudartrose (2,78%), submetido a reintervenção cirúrgica. Um doente desenvolveu no período pós operatório imediato, uma infecção superficial da sutura com necessidade de desbridamento cirúrgico e encerramento da ferida operatória, com resolução. Sendo assim, a taxa de complicações com necessidade de reintervenção cirúrgica foi baixa 2/36 (5,5%). Os autores encaram a extracção do material de osteossíntese como parte do tratamento, não referindo como complicação a dor atribuída a um possível conflito de material.
Por outro lado, encontramos na literatura estudos que revelam que o resultado funcional associado ao tratamento conservador não é o ideal em grande parte dos doentes e que existem vários factores com influência na satisfação global do doente para além da consolidação da fractura. Hill et al publicaram uma revisão de uma população jovem com 52 doentes, com idade média de 34 anos, com fracturas diafisárias descoaptadas da clavícula tratadas conservadoramente. Verificou uma taxa de satisfação global dos doentes de apenas 69%, identificando parestesias residuais em 29% dos casos e dificuldade na realização de actividades com carga com elevação da mão acima do nível do ombro em 36,5% dos doentes. Também Nowak et al, no seu estudo prospectivo verificaram que após 6 meses, 42% dos doentes não apresentavam recuperação total, com persistência de parestesias em 20% dos casos e insatisfação com o resultado cosmético.
Na nossa população, a recuperação funcional para as actividades prévias à lesão foi total, com bons resultados funcionais e de controlo de dor na óptica do doente, traduzidos pelo score QuickDash de 1,4 pontos, um valor inferior ou comparável a outras séries4,5,7. Em 2007, a Canadian Orthopaedic Trauma Society publicou os resultados do seu estudo prospectivo multicêntrico mostrando que o tratamento cirúrgico de fracturas descoaptadas da diáfise da clavícula resulta num melhor resultado funcional com menores taxas de pseudartrose e consolidação viciosa quando comparado com o tratamento incruento. Concluíram que a remoção de material constituía a principal razão de reintervenção cirúrgica neste grupo e defenderam o tratamento cirúrgico primário destas fracturas numa população adulta jovem activa. Este estudo foi um marco na mudança do paradigma do tratamento das fracturas da clavícula passando a ser cada vez mais cirúrgico4,5.
No entanto o debate mantém-se sobre o óptimo tratamento destas fracturas. Apesar da evidência acumulada sobre o risco de um resultado funcional subóptimo e risco de pseudartrose ou consolidação viciosa, o papel da cirurgia ainda não está totalmente esclarecido. Mesmo com taxas de pseudartrose até 20% é verdade que a maioria dos doentes vão apresentar consolidação da fractura com tratamento conservador e esta permanece uma opção terapêutica aceitável em muitos doentes. Neste sentido, diversos autores tentaram definir melhor as indicações cirúrgicas, identificando os factores de risco com maior efeito sob o prognóstico final. Murray et al publicou em 2013 um estudo prospectivo com 941 doentes tratados de forma incruenta, em que obtiveram uma taxa de pseudartrose de 13,3%. Identificaram vários factores de risco associados ao desenvolvimento de pseudartrose destacando três: tabagismo, grau de cominução e descoaptação da fractura. Concluíram que se todas as fracturas fossem tratadas cirurgicamente, seriam precisos 7,5 procedimentos para prevenir uma pseudartrose. Mas tratando cirurgicamente apenas fracturas com uma probabilidade de >40% de desenvolver pseudartrose, esse número diminuía para apenas 1,78.
CONCLUSÃO
Os autores crêem que o tratamento das fracturas da clavícula deve ser individualizado e orientado segundo as expectativas e requisitos funcionais do doente. O sucesso do tratamento e a satisfação do doente prende-se com mais do que a consolidação da fractura e o tratamento cirúrgico é uma opção com bons resultados funcionais, baixa taxa de complicações e permite uma reabilitação e um retorno à actividade diária e desportiva precoces.
Como tal, da perspectiva dos autores, o tratamento cirúrgico deve ser uma opção a considerar no tratamento de doentes jovens activos com fracturas descoaptadas da clavícula.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conflito de interesse:
Nada a declarar
Ana Marta Coelho
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Hospital Beatriz Ângelo
Av. Carlos Teixeira, 3
2674-514 LOURES
Telefone: 219 847 200 / 91 625 80 58
ana.mcoelho@hbeatrizangelo.pt
Data de Submissão: 2018-06-07
Data de Revisão: 2018-06-24
Data de Aceitação: 2018-10-31