Introdução
Retirar de períodos históricos e trazer em retorno o texto em desconstrução, (Derrida, 1974) este é o tema para o novo contexto da atual pesquisa. Não trazê-lo como texto/obra em situação nostálgica do passado, mas em interação com o presente. É provocação do texto, obra em momento eks-tático, momento em êxtase que a obra sai de si mesma e permiti o emergir no presente. O texto/obra se dá numa cena de representação, cena e fundo da cena.
Elabora-se aqui a práxis significativa do artista português Francisco Tropa. Praxis que evidencia a escolha do objeto, matéria, técnica, produção e coisidade da obra. Na linguagem heideggeriana (Heidegger, 1979) a obra quando em evento (ereigns), acontecimento poético, permite a sedução da interpretação (Vattimo, 1995). O artista ocupa-se em apresentar o mundo crível. Ele denuncia um determinado texto e tece um outro extraído de outros tecidos/textos.
O artista Francisco Tropa
Francisco Tropa, de Lisboa nascido em 1968, expõe desde 1990 vários trabalhos em Bienais e em múltiplas galerias. Frequentou o Royal College de Londres e foi bolsista na Fundação Alfredo Topfel na Alemanha (Figura 1).
Fez parte da Bienal de São Paulo em 1999. Participou de diversas exposições e grande parte do repertório são esculturas, objetos em instalações e cenários. Em seus trabalhos estão figuras, objetos arcaicos como relógios mecânicos e relógios d’água. Suas obras preocupam-se em percepcionar os espaços. O observador participa e reconstrói a obra.
O artista Tropa elabora uma trama de ironia fóssil e reapropriação da história em suas obras, por exemplo em Noche Triste em 2015 em Berlim (Figura 2). A instalação composta por mesas com tabuleiros de jogos com peças em bronze dispostos como peões, questiona a origem da arte e ideias fundadas na cultura ocidental como a mimese e o jogo. Tropa trabalha o assunto em relato sutil (Canclini, 2012). Como comenta Nietzsche, o homem sente a necessidade do acaso (Deleuze, 2014). O verdadeiro jogador faz do acaso um objeto de afirmação que reconduz ao lançamento de dados. O conceito de jogo propõe o aleatório abalando a ideia de origem e fim.
Noche Triste é o nome da noite de derrota/massacre sofrida pelos espanhóis em Tenochtitlán que ocorreu na América mexicana. Houve centenas de mortes para ambas as partes. Tropa, em suas obras, distancia-se do timotismo, liberta-se do estado de ira que o título da obra propõe (Sloterdijk, 2012).
Em TSAE, Tesouros Submersos do Antigo Egito em Pavilhão Branco do Museu de Lisboa em 2015, a instalação foi elaborada como um lugar submerso e obras achadas neste lugar incerto, sem tempo. Com madeira, areia em mesas com diaporana (projeções de dia positivos e som) e desenhos, Tropa faz uso do léxico da arqueologia em ficção e transforma realidade em réplica falsa com túmulos e mapas. É uma tentativa de estimular a sedução do visitante que pensa como ser um tesouro do Antigo Egito.
Em Bienal de Veneza de 2011, Tropa apresentou Scenario (Figura 3) uma grande cena escultórica com pedras, túmulos, escombros e montou cenários que permitiam ao público ser integrante dos espaços. Combinou projeções, recuperando as velhas lanternas mágicas sobre lambris de madeira, troncos, cavaletes, moscas mortas, ampulheta, folhas secas e propiciou conflitos com luz e sombras, palco e tela sem narrativa, mas abordando a relação entre o original e a cópia e a oposição entre o figurativo e o abstrato.
A Galeria Jocelyn Wolff, de Paris, apresentou as obras de Tropa na Art Basel 2015 com a exposição Observatório de Insetos. O artista preocupou-se em levar o observador a participar e reconstruir a obra. Tropa é um artista transcultural (Marcondes; Martins, 2018).
Em diálogo com o arqueólogo Sergio Carneiro, Tropa pesquisou e elaborou um diálogo entre objetos arqueológicos na instalação O Pirgo de Chaves, o jogo, o tempo, a morte. O pirgo, um objeto do período romano, foi encontrado nas recém descobertas das Termas Medicinais Romanas de Chaves, cidade ao norte de Portugal, reconstruída no I século d. C., sofreu remodelação desde início do século III d. C. As termas denominadas Aquae Flaviae possuíam piscinas, pátios, templo dedicado às ninfas. Estão conservados ainda no local restos de ossos, lamas hidromórficas, metais, restos de abóbodas de pedras e tijolos; era o mundo dos frequentadores de um período romano cujo lema era “caçar, banhar-se, jogar e rir, isto é viver” foi expressão encontrada nas escavações (Paulino; Azevedo, 2019:6).
Nos achados foram encontrados também diversos artefatos relacionados com jogos para lançar dados e tabuleiros gravados nos degraus das piscinas das termas entre eles o pirgo. O pirgo é uma torrícula que lança dados, no caso os dados eram de ossos e o resultado é mais aleatório possível (Figura 4). Esta peça é em bronze rendado, possui degraus no seu interior (Figura 5) e está sobre um tabuleiro de tecido que se dobra e desdobra com moedas, fichas e pequenos objetos, frutas, pedras e objetos similares a ossos que ocupam o centro do plano.
Esta instalação é como um templo que abre um mundo. O espaço é também formado por objetos, quadros nas paredes, luz e lanternas. E Tropa, em todos seus trabalhos não se preocupa com a narrativa linear e em propiciar uma leitura compreensiva e direta (Espacio Fundación Telefónica Lima, 2019). O artista trabalha outro conceito de tempo, e é nomeado um artista-viajante (Figura 6). Tropa recria a temporização laborando seus materiais que se movimentam em muitas exposições, variando os temas e posições dos objetos conforme ideias e espaços (Figura 7).
Conclusão
As instalações do artista Francisco Tropa não estabelecem uma margem, nem um descentro em oposição a um centro, mas o fora e o dentro reescrevem-se. Para Tropa na arquitetura opera - se por camadas até chegar ao topo e ao fundo enquanto que na arte o processo é inverso, faz-se adições à construção fazendo as coisas crescerem, uma réplica falsa de uma coisa que foi verdade. A partir de uma leitura desconstrutiva do texto artístico o significado não possui mais um lugar fixo central.
Francisco Tropa destoa, em sua poética, da crise estética que hoje afeta as formas de expressão. O repertório de artistas contemporâneos estabelece em suas obras verdadeiros panfletos de aspectos político-sociais do mundo atual. Para o artista Tropa a obra é um acontecer sim da verdade, mas com realização da verdade poética como sonhos despertos. Suas exposições estão marcadas por presença do tempo/atempo, uma presença que se desvencilha do apego. E pensa o passado rememorando-o como as “pietas”, vocábulo este que evoca mortalidade, a finitude, uma rememoração festiva.
O eterno retorno é para o artista, no sentido nietzschiano tornar ativo e potente o legado origem/história, corpo e morte sob a preocupação estética/poética; uma renovação radical do sujeito, com renegação e dissolução, em nova temporalização, uma repetição libertadora e selecionante.