Aceitei o desafio e a honra de escrever sobre a vida e carreira do Professor Luiz Miguel Santiago, desde já declarando os meus conflitos de interesse por ter sido inspirada e orientada por ele na minha carreira académica, clínica e humana. É, assim, a visão de uma natural admiradora que teve a sorte de com ele conviver, como tantos outros que também o rodeiam.

Luiz Miguel de Mendonça Soares Santiago nasceu na Freguesia de Santa Cruz, na cidade de Coimbra, em 3 de julho de 1956 e concluiu a licenciatura em Medicina em 1979. Dos tempos de liceu e faculdade podemos ouvir-lhe as aventuras das múltiplas viagens que fez e da prática de râguebi. Estas histórias são inevitavelmente seguidas das histórias de aventuras na sua prática médica à periferia e como teve de fazer desde partos a cirurgias, com os meios que havia, em alternativa a apenas haver cuidados de saúde em locais remotos. Em fevereiro/1983 concorreu à carreira médica de Clínica Geral, tendo iniciado funções em 1 de março de 1983, trabalhando nos últimos anos até à sua reforma no Centro de Saúde de Eiras, Administração Regional de Saúde do Centro, onde criou escola de formação e investigação. Em junho/2013 esteve na fundação da Unidade de Saúde Familiar Topázio no mesmo local, sendo o seu primeiro coordenador e depois membro do Conselho Técnico.

Iniciou-se na carreira académica em 1993 na cadeira de Farmácia Clínica, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, lecionando aulas práticas até 2000. Foi depois tutor de alunos do primeiro e sexto anos da nova Reforma Curricular da Licenciatura em Medicina na Universidade de Coimbra, desde novembro/2000, e participou na lecionação prática da disciplina de Informática Aplicada à Saúde. Em 2010 lecionou na disciplina de Economia e Gestão da Saúde os temas: O Mercado do Medicamento; e Farmacoeconomia e Farmacoepidemiologia. Em 2015 teve lecionação sobre Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal. Entre 2010 e 2017 esteve ligado à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, onde foi responsável pelas disciplinas de Cuidados de Saúde Primários I, II e III no curso de Medicina. Em 2017 assume a regência das disciplinas de Medicina Geral e Familiar e Métodos de Investigação e Saúde das Populações IV, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, até 2022, onde fundou a Clínica Universitária de Medicina Geral e Familiar. Foi também professor na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, onde ministrou a disciplina de Patologia Geral nas licenciaturas em Imagem Médica e Radioterapia, Ciências Biomédicas Laboratoriais e Fisiologia Clínica e ainda o módulo de Terapêutica Farmacológica no mestrado de Farmacologia Aplicada.

Completou o mestrado em Saúde Pública, em 2006, com a dissertação intitulada Determinantes e condicionantes da prescrição no ambulatório de Clínica Geral/Medicina Geral e Familiar na área da Administração Regional de Saúde do Centro de Portugal, tendo tido como arguente o Professor Doutor Alberto Pinto Hespanhol. Concluiu o doutoramento em Medicina em 11 de novembro de 2009, com a defesa da tese Medicamentos e Corpo - Consumidores de Fármacos: o que pensam e o que sabem..., aprovado por unanimidade com distinção e louvor. Desde essa altura já orientou dezenas de dissertações de mestrado e de mestrado integrado e cinco teses de doutoramento que foram defendidas nas Universidades de Coimbra e da Beira Interior. Em 31 de janeiro de 2018 concluiu as provas de agregação na Universidade da Beira Interior.

Em dezembro/1998 foi co-fundador do Núcleo Regional de Farmacovigilância do Centro e, em agosto/2003, por requisição do Infarmed, iniciou as funções de Diretor do Observatório dos Medicamentos e Produtos de Saúde (OMPS), que abandonou em fevereiro/2004 por razões de estrita ordem familiar.

Em 25 de março de 2004 foi nomeado Coordenador da Subregião de Saúde de Coimbra. Num tempo de grandes mudanças no âmbito geográfico de atuação conseguiu a criação do desenho do perfil de atuação médica e de enfermagem, através da informatização aplicada à prática de cada profissional. Cessou funções em 30 de junho de 2005. Em 2012 foi nomeado membro da Comissão de Ética para a Saúde da ARS do Centro e, em 2014, foi nomeado para a Comissão de Farmácia e do Medicamento.

Colaborou na formação de médicos de família, inicialmente no Instituto de Clínica Geral da Zona Centro, onde foi coordenador para a área da Formação em Terapêutica Medicamentosa e, mais tarde na área de Investigação em MGF. Desde 2005 é sócio da European Academy of Teachers in General Practice (EURACT), tendo participado no primeiro curso europeu de Formação de Formadores em Portugal, em Monchique, em maio/2006, e que foi replicado até hoje em diversos locais do país, onde foi várias vezes formador. Replicou o curso na cidade de Porto Alegre, no Brasil, em setembro/2010.

Teve a seu cargo a orientação de formandos, num verdadeiro centro de saúde-escola, onde tive o prazer de estar e do qual ainda se mantém viva uma lista de e-mails com discussão de artigos e casos. Ficam memórias dos desafios que colocava no dia-a-dia quando chamava todos para ver mais um caso clínico ou lançava em reunião o desafio de fazer mais um estudo ou rever mais uma novidade que tinha sido publicada. Recebeu em intercâmbio médicos brasileiros, espanhóis, franceses e búlgaros e mantém ainda regular atividade como formador nos cursos Leonardo.

Esteve sempre muito presente no associativismo. Na APMGF participou ativamente em organizações de sessões e ainda hoje podemos ter o prazer de o ver apresentar temas, lecionar em workshops, integrar júris, questionar os oradores e contribuir para a dinamização científica da especialidade, nomeadamente pela publicação regular de artigos científicos em revistas nacionais e internacionais. É um dinamizador da delegação distrital de Coimbra da APMGF. Foi editor da Revista da Associação Portuguesa dos Docentes em Medicina Geral e Familiar desde a sua fundação, por três anos, e da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar entre 2017 e 2018, mantendo atividade de revisor em várias revistas científicas.

Colaborou entre 2001 e 2006 com a Delegação Centro da Fundação Portuguesa de Cardiologia, na direção técnica e científica dos rastreios populacionais em fatores de risco e cálculo do risco a prazo. Em 2003 integrou a direção do Colégio de Medicina Geral e Familiar, onde cumpriu três mandatos, destacando-se a participação no novo currículo para a formação no Internato da Especialidade de Medicina Geral e Familiar. Na Assembleia Geral do Outono de 2005 da UEMO (União Europeia dos Médicos de Clínica Geral) integrou a equipa portuguesa que conseguiu a eleição para a direção do triénio 2007-2010. Foi na UEMO responsável pelos relatórios científicos sobre rastreios em Clínica Geral, prescrição de medicamentos em crianças e adolescentes e prevenção quaternária.

Em dezembro/2004 foi eleito membro distrital delegado na Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos e em 2023 foi eleito Presidente do Concelho Subregional de Coimbra. Integra, desde 2008, o conselho consultivo sobre a política do medicamento.

Publicou centenas de artigos em temas muito diversos, desde a consulta até à terapêutica e farmacovigilância, doença cardiovascular e mental, multimorbilidade e polifarmacoterapia, validando várias para o português europeu e criando outras.

Foi autor de diversos capítulos em livros, destacando-se o capítulo “Como utilizar a informação na consulta” do Tratado de Medicina de Família e Comunidade: princípios, formação e prática, com coordenação de Gustavo Gusso e José Mauro Ceratti Lopes. Coordenou ainda o livro Psiquiatria básica em Medicina Familiar e colaborou no Manual Prático do Médico Orientador de Formação. E coordenou, com Paulo Santos e Alberto Hespanhol, Medicina Geral e Familiar, a mais recente “bíblia” da MGF Portuguesa.

A lista poderia continuar com os vários prémios que ganhou e muitos outros feitos, que lhe são conhecidos e reconhecidos. Por onde passa deixa escola. A sua energia contagia e os que tiveram e têm a sorte de trabalhar e privar com ele (e até de o ouvir cantar por aí no Coro dos Antigos Orfeonistas) deixam-se certamente inspirar pela sua forma de estar na vida: ativo, mas também observador; contestatário, mas também construtor de caminhos; pensador fora da caixa e muitas vezes à frente do tempo, mas também muito presente quando comunica com as pessoas. Muito humano, faz valer por onde passa a medicina centrada no consulente e continua a construir toda uma vida inspiradora centrada nas pessoas. Como ele próprio diz e não esqueceremos: “as coisas mais importantes não são coisas”.