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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.133 Coimbra mar. 2024  Epub 31-Mar-2024

https://doi.org/10.4000/11pr5 

Artigos

O 25 de Abril de 1974 e a PIDE/DGS

April 25, 1974 and PIDE/DGS

Le 25 avril 1974 et la PIDE/DGS

Irene Flunser Pimentel1 
http://orcid.org/0000-0002-7727-2931

1 Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, Portugal, ireneflunserpimentel@gmail.com


Resumo

Porque possibilitou a Polícia Internacional e de Defesa do Estado/Direcção-Geral de Segurança (PIDE/DGS) a eclosão do golpe militar, em 25 de Abril de 1974? Quais foram os motivos para que a sede dessa polícia política não tivesse sido um dos primeiros alvos do Movimento das Forças Armadas nessa data que marcou o fim do regime ditatorial português? Este texto propõe-se responder a estas perguntas, abordando esse episódio menos conhecido da tomada da sede da polícia política nessa data libertadora, revelador de que, como sempre acontece num acontecimento de ruptura, terá havido diversos objectivos no golpe militar de 25 de Abril. E, no entanto, a tomada da sede da PIDE/DGS, só na manhã de 26 de Abril de 1974, marcaria o início de um processo revolucionário em Portugal.

Palavras-chave: 16 de Março 1974; 25 de Abril 1974; guerra colonial portuguesa; Movimento das Forças Armadas (MFA); PIDE/DGS

Abstract

Why did the PIDE/DGS (the Portuguese political police) make it possible for the military coup to move forward on April 25, 1974? What reasons account for why the headquarters of this political police were not one of the first targets of the Armed Forces Movement on the date that marked the end of the Portuguese dictatorial regime? This article aims to answer these questions, addressing one of the least known episodes associated with that moment of liberation, revealing that, as is usual with an event of rupture, there were several objectives in play underlying the military coup of April 25th. And yet, the takeover of the DGS headquarters, occurring only on the morning of April 26, 1974, would mark the beginning of a revolutionary process in Portugal.

Keywords: April 25 1974; Armed Forces Movement (MFA); March 16 1974; PIDE/DGS; Portuguese colonial war

Résumé

Pourquoi la PIDE/DGS [police politique portugaise] a-t-elle permis l’éclosion du coup militaire du 25 avril 1974 ? Quelles ont été les raisons pour que le siège de cette police politique n’ait pas été l’une des premières cibles du Mouvement des forces armées lors de la date qui a marqué la fin du régime dictatorial portugais ? Ce texte vise à répondre à ces questions, en abordant cet épisode moins connu de la prise du siège de la police politique à cette date libératrice, révélant que, comme cela arrive toujours en cas d’évènement de rupture, le coup d’État militaire du 25 avril avait plusieurs objectifs. Et pourtant, la prise du siège de la PIDE/DGS, seulement dans la matinée du 26 avril 1974, marquerait le début d’un processus révolutionnaire au Portugal.

Mots-clés: 16 mars 1974; 25 avril 1974; guerre coloniale portugaise; Mouvement des forces armées (MFA); PIDE/DGS

O estertor do regime ditatorial1

Em 1973, o governo de Marcello Caetano estava acossado na sua “metrópole”, onde quase toda a juventude universitária e até liceal estava em “pé de guerra” e as várias faculdades e respectivas associações estudantis tinham sido encerradas pelo governo ditatorial. Os meios operários e sindicais também se movimentavam levando a cabo greves, apesar de estas continuarem a ser proibidas. Mas, mais importante, os próprios militares, que serviam habitualmente o regime, em particular na guerra colonial, também se começavam a agitar.

1. A contestação inicial de oficiais das Forças Armadas

Os protestos começaram devido à insatisfação entre os oficiais militares intermédios, detonada pela realização do I Congresso de Combatentes, no Porto, planeada para se realizar nos primeiros três dias de Junho de 1973. O general Horácio Sá Viana Rebelo, ministro que acumulava as pastas do Exército e da Defesa Nacional, proibiu a participação dos oficiais no activo no congresso, que acabaria por se transformar na “antecâmara da conspiração” conducente à criação do Movimento dos Capitães (Afonso & Gomes, 2010, p. 26). No entanto, “o factor que verdadeiramente desencadeia a mobilização dos Capitães é a publicação dos decretos-lei n.° 353/73 (de 13 de Julho) e 409/73 (de 20 de Agosto)” (Castaño & Rezola, 2021, p. 27).

Devido à falta de oficiais formados na Academia Militar, forçados a multiplicar as suas comissões de serviço nos terrenos de guerra africanos, o Decreto-Lei n.º 353/73 propôs-se suprir a falta de candidatos à Academia Militar e assegurar que houvesse oficiais para o esforço de guerra, ao facilitar a entrada dos milicianos do Quadro Especial (QE), na escala activa (Quadro Permanente). O diploma alterou a contagem da antiguidade dos oficiais milicianos que ingressavam ou viessem a ingressar no Quadro Permanente (QP) e reduziu o curso da Academia Militar para apenas um ano lectivo, seguido de um estágio de seis meses na Escola Prática da respectiva Arma.

Os oficiais do QP, de carreira, que tinham tido de frequentar um curso de quatro anos lectivos para o mesmo efeito, consideraram os seus direitos postos em causa e pediram a remoção do decreto. Curiosamente, foi em Bissau, no Clube Militar, que teve lugar, em 18 de Agosto de 1973, uma primeira reunião de oficiais contra o Decreto-Lei n.º 353/73. Três dias depois, realizou-se, em Lisboa, um encontro de militares contestatários, com o objectivo de preparar a realização de um plenário mais alargado. Este teve lugar em 9 de Setembro de 1973 na Herdade do Monte Sobral, em Alcáçovas, no Alentejo, com a presença de 136 oficiais, que assinaram um abaixo-assinado ao Presidente do Conselho pedindo a revogação dos decretos.

Reconhecendo o erro cometido, Sá de Viana Rebelo publicou, em 20 de Agosto de 1973, o Decreto-Lei n.º 409/73, mas este não atenuou a contestação, pois, ao salvaguardar os interesses dos oficiais superiores, não tomava em conta os dos capitães (Afonso & Gomes, 2020, pp. 472-473). Marcello Caetano ver-se-ia mesmo na necessidade de substituir o ministro, desdobrando o ministério em duas pastas, respectivamente do Exército, para o qual foi nomeado o general Alberto de Andrade e Silva, e da Defesa Nacional, que ficou a cargo do civil Joaquim da Silva Cunha.

O encontro seguinte do movimento dos oficiais contestatários desdobrou-se em quatro sessões, seguindo-se duas reuniões, em 12 e 23 de Novembro de 1973, em Aveiras de Cima e em S. Pedro do Estoril. A hipótese do golpe de Estado ficara já subentendida, no encontro em Aveiras de Cima, mas foi na reunião na Casa da Cerca, em São Pedro do Estoril, na presença de 45 oficiais, que o tenente-coronel Luís Banazol o propôs pela primeira vez: “isto não vai lá com papéis, não vai lá com assinaturas. Isto só vai com um golpe militar” (Castaño & Rezola, 2021, p. 30).

No entanto, noutra reunião realizada em Óbidos, a 1 de Dezembro, essa possibilidade recolheu apenas 11 votos contra 173 votos a favor da continuação da luta legal. Para reforçar a legitimidade do movimento, os oficiais presentes elegeram, entre os dois “chefes mais prestigiados”, os generais Francisco Costa Gomes e António de Spínola, aquele que seria convidado para estar à frente do movimento, tendo o primeiro recolhido a maioria dos votos. Foi também ali adoptada a designação de Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) e eleita uma Comissão Coordenadora Executiva (CCE).

Em 5 de Dezembro de 1973, numa reunião da nova CCE, alargada a outros oficiais, nomeadamente a Ataíde Banazol, Eurico Corvacho, Vasco Gonçalves e Tomás Ferreira, realizada na Costa da Caparica, foi iniciada a redacção de um programa de acção do movimento. Foi retomada a hipótese de os oficiais enveredarem por um golpe de Estado, no caso de o governo não recuar na promulgação dos decretos contestados (Lopes & Melo, 2007) e foi eleita a direcção da CCE, constituída por Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves, ajudados por Hugo dos Santos e Pinto Soares.

2. Início de 1974, ano da revolução

Após substituir Spínola no comando da Guiné pelo general Betencourt Rodrigues, Marcello Caetano nomeou-o como primeiro Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) em Janeiro de 1974. A 21 desse mês, Spínola encontrou-se com Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço, que lhe deram conta da situação de indignação dos oficiais intermédios. O mesmo general manteve também contactos com ex-milicianos, enquanto se realizava uma reunião do Movimento, cujo objectivo foi precisamente travar a hostilidade entre os “espúrios” - os milicianos - e os “puros” - oficiais do quadro (Bernardo, 1996, pp. 216-217).

Antecipando-se ao MOFA e ao seu programa, Spínola publicou, em 22 de Fevereiro, o livro Portugal e o Futuro, onde defendia a realização de um referendo às populações das colónias em guerra e a constituição de uma federação de Estados soberanos e autónomos sob a égide de Portugal (Cruzeiro, 1998, pp. 210-212). No seio do MOFA, o livro de Spínola colocou a questão de saber se faria sentido a elaboração de um programa autónomo, mas, em 25 de Fevereiro, tentou-se chegar a um consenso relativamente aos objectivos comuns entre os oficiais.

Após serem apresentados três textos-programa de várias autorias, Ernesto Melo Antunes elaborou uma síntese dessas propostas, levada a plenário alargado do Movimento (Rezola, 2012, p. 115). O texto, intitulado O Movimento, as Forças Armadas e a Nação, foi aprovado por 112 dos 197 oficiais presentes, em 5 de Março, numa reunião em Cascais, onde participaram 24 representantes da Força Aérea e quatro elementos da Marinha, enquanto observadores. O MOFA foi então baptizado com o novo nome de Movimento das Forças Armadas (MFA) ao mesmo tempo que era dado um voto de confiança ao desenvolvimento da preparação de um golpe de Estado. Os presentes em Cascais decidiram a reeleição dos “chefes do Movimento”, mantendo-se Costa Gomes em primeiro lugar, seguido por Spínola (Rezola, 2007, p. 44).

Enquanto os capitães do MFA decidiam acelerar os preparativos do golpe, os sectores spinolistas preparavam um plano militar (Carvalho, 1991, pp. 231, 250). Em 14 de Março, o governo realizou, no Palácio de São Bento, uma cerimónia onde os oficiais de alta patente de todos os ramos das Forças Armadas declararam o seu apoio ao presidente do Conselho na defesa da continuação da guerra e do denominado Ultramar Português. Entre os participantes, foi notada a ausência de alguns oficiais superiores - posteriormente ridicularizados com a qualificação de “Brigada do Reumático” -, dois dos quais, Costa Gomes e Spínola, foram exonerados em 15 de Março.

3. O 16 de Março de 1974

No dia seguinte, um grupo de oficiais spinolistas tomou a iniciativa de sair para um golpe militar. Há diversas interpretações sobre as causas do 16 de Março, desde as que advogam ter-se tratado de uma tentativa de os spinolistas se apropriarem da liderança do Movimento ou as que, pelo contrário, a interpretam como uma tentativa para afastar os spinolistas do processo (Cervelló, 1993, p. 173; Rezola, 2012, p. 118). Embora Spínola dissesse mais tarde que o golpe de 16 de Março lhe tinha passado à margem, Otelo Saraiva de Carvalho viria a esclarecer ter sido o capitão spinolista Virgílio Varela, nas Caldas da Rainha, a preparar a unidade para sair.

Ao contrário de outros militares do MFA que recusaram tomar parte na intentona falhada de 16 de Março de 1974, Otelo participou nela, embora conseguindo escapar à repressão que caiu sobre os co-participantes. O estratega militar operacional do 25 de Abril confirmaria que a saída precoce de tropas, em 16 de Março, fugiu ao controlo da CCE do MFA (Lopes & Melo, 2007). O certo é que o 16 de Março parece ter tido uma importância fundamental para os capitães do Movimento, pois obrigou “a uma segurança muito maior, uma clandestinidade muito mais efectiva na conspiração e na preparação para um golpe” (Cruzeiro, 2009, p. 199).

Se o movimento dos oficiais analisou o fracasso do 16 de Março, também o EMGFA e a Direcção-Geral de Segurança (DGS) organizaram um plano de defesa em caso de nova tentativa, no qual os membros do governo se refugiariam no quartel de Monsanto. Na DGS, Álvaro Pereira de Carvalho queixar-se-ia de o governo, através de uma ordem do ministro da Defesa Nacional dada a Silva Pais, ter desviado a atenção dessa polícia para a contenção de um golpe militar da extrema-direita (Afonso & Gomes, 2020, pp. 420-421). Pois numa aula no Instituto de Altos Estudos Militares, em 17 de Dezembro de 1973, o tenente-coronel Carlos Fabião esvaziou esse projecto insurreccional dos generais Kaúlza de Arriaga, Joaquim Luz Cunha (CEMGFA) e Henrique Troni, ao denunciá-lo (Antunes, 1986, p. 284).

4. Como acabar com a guerra?

O regime português e as suas Forças Armadas haviam atingido “o ponto de rutura porque os militares sabiam que na guerra subversiva não há vitórias militares, mas há derrotas políticas atribuíveis aos militares” (Afonso & Gomes, 2020, p. 519). Por outro lado, as tropas estavam mal treinadas e enquadradas por “quadros mal instruídos”, não existindo qualquer “regeneração possível que sustentasse o quadro da continuação da guerra” (Afonso & Gomes, 2020, p. 519). A guerra era muito “impopular na sociedade portuguesa, onde havia elevadas percentagens de faltosos ao serviço militar, refratários e compelidos” (Afonso & Gomes, 2020, p. 535).

Entre 1972 e 1974, os jovens portugueses a prestar serviço militar compulsivo nas Forças Armadas, a maior parte dos quais nos três teatros de guerra africanos de Angola, Guiné e Moçambique, passaram de 140 mil para 150 mil. Calcula-se que, nos anos que duraram as guerras coloniais, uma média de 33% do Orçamento do Estado tenha sido canalizado para a Defesa, tendo essa percentagem mesmo ultrapassado os 40% nos anos 60 (Teixeira, 2010, pp. 46, 51-54). A guerra colonial sorvia entre 7 a 10% da população portuguesa, bem como mais de 90% da juventude masculina, obrigada ao serviço militar de dois a quatro anos, metade dos quais numa das três colónias africanas (Afonso & Gomes, 2020, pp. 303-305).

Quanto às baixas militares, conforme uma contabilização oficial, até 1974 tinham morrido 8290 soldados e oficiais, dos quais 4027 em combate (77% eram soldados recrutados na “metrópole” e os restantes localmente), 785 através de acidentes com armas de fogo, 1480 em acidentes de viação e 1998 devido a outras causas (Afonso & Gomes, 2020, p. 452). Já em relação a feridos terão sido 30 mil militares portugueses evacuados, dos quais 5120 com um grau de incapacidade superior a 60% (Brandão, 2008).

O governo ditatorial e colonialista português tinha perdido a maior parte do apoio na chamada “metrópole”, bem como a hegemonia político-ideológica em todas as forças sociais e na maioria das políticas - e até económicas (Contreiras, 2018, p. 63). Em todas as últimas reuniões do Conselho Superior de Defesa Nacional entre 1972 e 1974 a que presidiu, Marcello Caetano revelou saber que a juventude liceal e universitária lhe escapava, rebelando-se contra os valores colonialistas do regime, sob influência da “propaganda subversiva” de que a “guerra colonial” era “injusta”.2

5. A imobilidade da DGS na preparação e eclosão do 25 de Abril

Uma das perplexidades do 25 de Abril foi a não actuação da DGS contra os elementos do MFA, tanto anteriormente como no dia em que o regime foi derrubado. Alguns destes manifestariam mais tarde a opinião de que a polícia política sabia, desde Janeiro de 1974, que algo se iria passar. No entanto, como estava treinada para apenas lidar com civis, não se considerou responsável por deter oficiais das Forças Armadas, com os quais colaborava aliás nos terrenos de guerra colonial (Santos, 2004, pp. 156-157).

Por seu lado, o ex-director dos Serviços de Informação da DGS, Álvaro Pereira de Carvalho, confirmaria ter-se oposto a “vigiar os militares”. Argumentou que a DGS “trabalhava fraternalmente, lado a lado” com as Forças Armadas em África e persegui-los “na retaguarda, seria estragar essa colaboração leal” (Antunes, 1992, p. 306). O principal mentor do Programa do MFA, Ernesto Melo Antunes, assinalaria que a “cultura da PIDE era atuar contra os comunistas e elementos ligados a dirigentes ou responsáveis dos movimentos de libertação” e que, por isso, essa polícia descurara a sua acção contra os militares (Cruzeiro, 2004, p. 55). Além do mais, a DGS teve dificuldade em “compreender que oficiais do Exército”, “por um lado, o sustentáculo do regime e, por outro lado, os responsáveis pela condução de uma guerra em África, desencadeassem uma acção suficientemente profunda para abalar por completo o regime” (Cruzeiro, 2004, p. 55).

Terá havido ainda uma determinada facção da DGS que tinha boas relações com alguns dos conspiradores, sobretudo com os “spinolistas”, e teriam, por isso, pretendido aproveitar o golpe militar para “reformar” o regime (Garcia & Maurício, 1977, p. 51). Álvaro Pereira de Carvalho mencionou que o inspector adjunto Fragoso Allas, colocado na DGS da Guiné Bissau, “era mais dedicado ao general Spínola do que à própria PIDE” (Antunes, 1992, p. 354). O major Silva Pais diria que a DGS estava “por dentro” do golpe, embora, noutra ocasião, afirmasse que “a verdade é que não se contava com aquele ‘Movimento’” (Castanheira & Cruz, 2003, p. 186).

O certo é que a DGS não terá sabido o dia exacto em que o golpe iria ocorrer (Santos, 2004, p. 158), apesar de ter interceptado, em Janeiro de 1974, uma conversa telefónica do então coronel Azeredo, no Porto, a dar a entender a sua eclosão (Vasco & Cardoso, 1998, p. 136). Por outro lado, a DGS levou a cabo, em 28 de Novembro de 1973, uma escuta telefónica ao Batalhão de Caçadores 5, em Lisboa, onde ouviu um telefonema do capitão Ribeiro da Silva para o capitão Crespo, do Regimento de Infantaria 7, em Leiria. Este último deu ao primeiro o contacto da CCE do MFA.3 Na tarde de 24 de Abril, o director dos Serviços de Informação da DGS, Álvaro Pereira de Carvalho, alertou o subsecretário de Estado do Exército, coronel Viana de Lemos, de que estavam a ser desviados meios de comunicação de rádio do quartel de Artilharia de Cascais e de que havia movimentos anormais na Escola Prática de Cavalaria (EPC) de Santarém (“As últimas horas da PIDE. Se queimássemos a sede?”, 1985). Viana de Lemos revelou-se pouco preocupado e nenhuma medida foi tomada (Tíscar, 2014, p. 315).

6. O sucesso do 25 de Abril de 1974

O MFA, que derrubou o regime ditatorial e colonial português obteve uma vitória estrondosa (Cervelló, 1993, pp. 181-184) na “Operação Viragem Histórica”, como se chamou a acção militar, realizada em 19 horas, desde o primeiro sinal rádio, às 22h55 de dia 24 de Abril, até às 18h do dia 25, momento da rendição de Marcello Caetano (Carvalho, 2018, pp. 95-110). Na noite de 24 para 25 de Abril, o ministro da Defesa Nacional, Joaquim Silva Cunha, recebeu um telefonema do director da DGS, dizendo-lhe que podia “dormir descansado” (Antunes, 1992, p. 351). No entanto, no Posto de Comando (PC), instalado no Regimento de Engenharia n.º 1 na Pontinha, estavam já os oficiais que chefiavam e coordenavam as forças sublevadas do MFA - Otelo Saraiva de Carvalho, Garcia dos Santos, Sanches Osório, Fisher Lopes Pires e Vítor Crespo (Macedo, 2018, p. 439). Às 22h55, João Paulo Dinis, aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa leu a seguinte frase: “Faltam cinco minutos para as 23 horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 ‘E Depois do Adeus’”. Tratou-se do primeiro sinal para o início das operações militares a desencadear pelo MFA.

Às 0h20 do dia 25 de Abril, foi emitida a primeira quadra da canção “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso (1971), segunda senha de confirmação do arranque das operações militares. Os ministros das pastas militares do governo nada sabiam e já tinha sido tomado, pelo movimento dos capitães, o Quartel-General da Região Militar do Norte, no qual foi instalado o Posto de Comando no Norte do MFA (Carvalho, 2018, pp. 95-110).

Em Lisboa, pelas 3h16, um telefonema entre o ministro da Defesa Nacional, Silva Cunha, e o ministro do Exército, general Andrade e Silva, foi interceptado pelo Escola Prática de Transmissões (EPT) da Marinha, onde estava Carlos Almada Contreiras, em escuta às movimentações do regime. Silva Cunha, “desassossegado”, resolvera telefonar pelas 3h da madrugada ao seu colega da pasta do Exército, que acalmou o inquieto ministro da Defesa, assegurando-lhe estar “tudo sossegado” (Carvalho, 2011, pp. 80-81).

Pelas 3h30, a coluna da EPC de Santarém saiu em direcção a Lisboa, sob o comando do capitão Salgueiro Maia, com o objectivo de controlar o Banco de Portugal, a Companhia Portuguesa Rádio Marconi e o Terreiro do Paço/Praça do Comércio. Pela mesma hora, era tomado por forças do Batalhão de Caçadores 5 (BC5) o Quartel-General da Região Militar de Lisboa (QGRML). Minutos depois, estava instalado o dispositivo militar em torno do Rádio Clube Português (RCP) - alvo “México” -, sob o comando do major da Força Aérea, Costa Neves (Santos, 2004, p. 183). O controlo dessa estação foi assumido por uma força do BC5, sob o comando do major Fontão, que havia anteriormente tomado o QGRML.

Consumada a ocupação do aeroporto (alvo “Nova Iorque”), pela Escola Prática de Infantaria, o PC ordenou a transmissão do primeiro comunicado do MFA, lido no RCP por Joaquim Furtado. As forças sublevadas controlavam as fronteiras terrestres, além de terem tomado posição no alto do Cristo-Rei, nas mãos da Escola Prática de Artilharia, e no Terreiro do Paço/Praça do Comércio, onde estavam as forças da EPC de Santarém (Rezola, 2007, p. 57). Em Lisboa, já estavam ocupados também os estúdios do Lumiar da RTP (alvo “Mónaco”), desde as 3h, e da Emissora Nacional (alvo “Tóquio”).

Apenas por volta das 5h da madrugada de dia 25, o director da DGS, major Silva Pais, acordou Marcello Caetano, pelo telefone, a avisá-lo de que “a revolução” estava na rua e o caso era “muito grave” (Antunes, 1992, p. 351). A conversa, escutada pelos seus camaradas da EPT, foi relatada telefonicamente a Otelo Saraiva de Carvalho. Este ficou a “saber que o chefe do governo, a conselho do director geral da PIDE/DGS, ia sair de sua casa para se refugiar no Comando Geral da GNR [Guarda Nacional Republicana] no Largo do Carmo” (Pontes et al., 2012, p. 102).

Abra-se um parêntese para assinalar que, em 16 de Março, Marcello Caetano tinha-se deslocado para o quartel da Força Aérea de Monsanto, onde seguiu a tentativa falhada de golpe militar spinolista das Caldas da Rainha. Por isso, causou perplexidade, sobretudo entre os elementos do regime, o conselho para que o chefe do governo se refugiasse no quartel do Carmo, mais parecido com um beco sem saída no centro de Lisboa.

Fechando o parêntese, pelas 5h30, convencido de que a coluna vinda de Santarém era uma força governamental, o ministro do Exército pediu protecção a Salgueiro Maia. Este capitão não prendeu o general Andrade e Silva, solicitando por telefone ao PC da Pontinha a presença de “um oficial superior” para o deter, mas Otelo apostrofou-o, lembrando que se estava em revolução, embora perante a insistência de Salgueiro Maia tenha acabado por nomear o tenente-coronel Correia de Campos para essa tarefa, ao qual se juntou, a pedido do próprio, o major Jaime Neves (Carvalho, 2011, pp. 110-111).

6.1. A fragata Almirante Gago Coutinho

Carlos Almada Contreiras, com a missão de estabelecer as comunicações com o PC da Pontinha e escutar os adversários, foi alertado, pelas 7h30 de dia 25 de Abril, de que a fragata Almirante Gago Coutinho não tinha saído com o resto da frota e regressara ao Mar da Palha. Almada Contreiras avisou o comandante Vítor Crespo, representante da Marinha no PC da Pontinha, da ordem do Vice-Chefe do Estado-Maior da Armada, transmitida ao comandante António Seixas Louçã, da fragata Almirante Gago Coutinho, para bombardear, a partir do Tejo, as forças da EPC de Santarém.

No entanto, no interior da fragata, a “neutralidade activa” da Marinha foi garantida pelo primeiro-tenente Caldeira Ferreira dos Santos, que, com o apoio da tripulação, recusou obedecer à ordem de fogo e foi de imediato destituído por Seixas Louçã (Santos, 2018, p. 571). O certo é que, o “início da tarde, o navio fundeava no Mar da Palha, sem mais incidentes”, conforme contaria Almada Contreiras, ao qual também chegou, cerca das 9h, “a informação vinda da Estação Rádio Naval de Algés, de que a Marinha espanhola” questionava Lisboa “se era necessário algo” (Contreiras, 2018, p. 525). A “resposta imediata foi de que tudo estava calmo e que nada era necessário”, dada pelo próprio Almada Contreiras (Contreiras, 2018, p. 525).

6.2. Salgueiro Maia corre perigo na Ribeira das Naus

Do lado do regime, pelas 10h, com a sua força já diminuída pela rendição anterior de Ferrand de Almeida, o brigadeiro Junqueira dos Reis dividiu os seus homens em dois grupos, um dos quais avançou pela Avenida Ribeira das Naus. Salgueiro Maia dirigiu-se, com um lenço branco, junto de Junqueira dos Reis, propondo que os dois lados negociassem. No entanto, este ordenou o abrir fogo ao aspirante Sottomayor, que recusou obedecer e ouviu de imediato voz de prisão de Junqueira dos Reis. Este repetiu a mesma ordem aos apontadores dos carros de combate, mas um destes também recusou atirar contra Salgueiro Maia.

A fotografia deste último a cerrar os lábios, emocionado, retrata o momento revelador do início da vitória do golpe militar do MFA. Pelas 10h30, o major Jaime Neves obteve a rendição de parte do Regimento de Cavalaria 7 (RC7), que estava do lado do regime, e posteriormente da sede da Legião Portuguesa (LP) - alvo “Marrocos”. Entretanto Salgueiro Maia pedia ao PC na Pontinha para sair do Terreiro do Paço/Praça do Comércio, onde se concentravam muitas pessoas, que desobedeceram às ordens transmitidas nos comunicados do MFA de permanecer em casa. Otelo ordenou a Salgueiro Maia para se dirigir ao Largo do Carmo, à “ratoeira” do edifício da GNR, onde Marcello Caetano se encontrava (Luz, 2018, p. 145).

A coluna do EPC chegou ao objectivo, pelas 13h, mas foi cercada por forças do regime, cujo comando composto pelos ministros militares do governo, acantonado no Regimento de Lanceiros 2 (RL2), ordenou uma tentativa de cerco. Uma parte das forças do RC7, que não se tinham rendido e estavam sob o comando de Junqueira dos Reis, ocupou posições no Largo de Camões, enquanto a GNR se posicionava no Largo da Misericórdia.

Um quarto de hora depois, ao chegar à então Ponte Salazar, o esquadrão do Regimento de Cavalaria 3 (RC3) de Estremoz recebeu da Pontinha ordem para inverter o sentido da sua marcha. Estava na margem sul para libertar os oficiais spinolistas, presos em 16 de Março, encarcerados no presídio militar da Trafaria, mas a nova missão, atribuída aos capitães do RC3 Andrade Moura e Alberto Ferreira, era dirigirem as suas forças para o Largo do Carmo. Dez minutos após chegarem para reforçar a EPC de Salgueiro Maia, o brigadeiro Junqueira dos Reis abandonou o local.

No início da tarde de dia 25 de Abril foi decidido “dar o golpe de misericórdia” no regime ditatorial, conforme relatou o capitão António Rosado da Luz, que no Largo do Carmo servia de elemento de ligação do PC com Salgueiro Maia (Luz, 2018, p. 146). Este recebeu de Luz a seguinte mensagem: “Com o megafone tenta entrar em comunicação e fazer um aviso-ultimato para a rendição. Eu já ameacei o coronel Ferrari, mas ele parece não ter acreditado. Com auto-metralhadoras rebenta fechaduras do portão para verem que é a sério. Julgo que não reagirão. Felicidades. Um abraço. - Otelo” (Associação 25 de Abril.).

Dez minutos depois das 15h, esgotado o tempo concedido através de megafone para a rendição, Salgueiro Maia deu ordem para disparar duas rajadas sobre a parte superior do quartel. Sem resposta, o capitão ordenou nova rajada sobre a fachada e iniciou a contagem do ultimato de rendição. Ao gritar “dois”, “surgiram, conduzidos pelo tenente Assunção, dois civis”. Tratava-se de Pedro Feytor Pinto, director dos serviços de informação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT) e de Nuno Távora, chefe de gabinete de Pedro Corte Real Pinto, secretário de Estado da SEIT.

Horas antes, este último, resolvendo assumir a mediação entre Caetano e Spínola, reunira, no Grémio Literário, com Távora e Feytor Pinto, e enviara os dois ao quartel do Carmo, onde Marcello Caetano aceitou render-se a Spínola, para que o “poder não caísse na rua”. Távora e Feytor Pinto deslocaram-se a casa de Spínola, entregando-lhe a mensagem de rendição do chefe do governo, mas o general respondeu que não estava a chefiar “nenhuma revolução” e, por isso, deveria ser oficialmente mandatado pelos que haviam “tido a iniciativa do levantamento” (Pinto, 2011, pp. 270-271).

Após o PC da Pontinha lhe dar esse mandato e Marcello Caetano se ter rendido a Spínola juntamente com os ministros do Interior e dos Negócios Estrangeiros, Moreira Baptista e Rui Patrício, e ainda o almirante Henrique Tenreiro e o ajudante militar seguiriam para o Quartel da Pontinha na chaimite Bula (Pinto, 2011, pp. 297-298). Eram 19h35 e estava “finalmente desbloqueado aquele impasse”, conforme assinalaria mais tarde António Rosado da Luz (Luz, 2018, p. 170).

Este observaria que, durante “toda a acção militar do 25 de Abril, foram apenas dois os momentos decisivos em que um dos lados esteve à beira de ‘começar a guerra’” (Luz, 2018, p. 167). Um deles ocorrera de manhã, na Rua do Arsenal, ao ser desobedecida a ordem do brigadeiro Junqueira dos Reis de abrir fogo sobre Salgueiro Maia. O outro momento tivera lugar à tarde, no cerco ao quartel do Carmo, quando, pelas 16h30, a “anuência formal de Marcelo Caetano em se render foi o marco que formalizou a queda de um regime ditatorial fascista de meio século” (Luz, 2018, p. 170).

7. Porque não foi a PIDE/DGS um dos primeiros alvos em 25 de Abril de 1974?

O facto de a sede da DGS não ter sido um dos primeiros alvos das tropas insurrectas do MFA originou perplexidade. Otelo Saraiva de Carvalho diria, mais tarde, ter receado que os “rapazotes à paisana, armados de pistola e metralhadora” da DGS fossem “os primeiros a disparar contra a coluna (que cercaria a sede da AMC [António Maria Cardoso]), quando ela aparecesse” e, se houvesse essa reacção, “como realmente veio a verificar-se em relação à população”, não poderia ter sido evitada “troca de tiros, e sangue” (Araújo, 2005, p. 45).

Ao reconhecer que a sede da DGS não foi efectivamente um alvo do MFA (Baptista, 1975, pp. 253-254), Otelo Saraiva de Carvalho esclareceu ainda que, para participar no golpe, Jaime Neves exigira que as operações junto à DGS e à LP não fossem incluídas na lista das prioridades, por considerá-las perigosas (Araújo, 2005, pp. 40-48). Por outro lado, o comandante operacional do golpe do MFA fora informado tardiamente, ainda no dia 24, “do ‘borreganço’ do Regimento do Infantaria (RI) 1, da Amadora”, comandado pelo capitão Coelho de Lima (Castro, 2009, p. 111).

Este garantira-lhe dispor de duas companhias para tomar a sede da DGS e “cercar e tomar o Forte de Caxias, libertando de imediato os presos políticos”, mas, na véspera, recuara. O certo é que, já “no decurso das operações a 25 de Abril, as tropas do Regimento de Infantaria 1 aparecem a acompanhar os carros de combate do brigadeiro Junqueira dos Reis, do lado do ‘inimigo’” (Castro, 2009, p. 111).

7.1. A primeira tentativa da tomada da sede da DGS

Na manhã de 25 de Abril de 1974, a sede da DGS, no centro de Lisboa, repleta com membros e dirigentes dessa polícia, foi cercada por uma força de fuzileiros do MFA. Cedo, o capitão-tenente da Marinha, Eugénio Cavalheiro, recebera, na Força de Fuzileiros do Continente (FFC) do respectivo comandante Pinheiro de Azevedo, a ordem de tomar a sede da DGS, juntamente com um Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE), comandada pelo 1.º tenente Vargas de Matos. O próprio Pinheiro de Azevedo havia recebido o pedido de envio de fuzileiros para a tomada da sede da DGS, num telefonema, pelas 6h da manhã de dia 25, do “tenente Barata”.

Este era na realidade o já referido capitão da Marinha, Carlos Almada Contreiras, que confirmaria ter pedido telefonicamente, pouco depois das 7h, a Pinheiro de Azevedo a disponibilização de uma força de fuzileiros. A missão desta era “sair às ordens do Movimento” para “o cerco da sede da DGS, em Lisboa, na Rua António Maria Cardoso” (Contreiras, 2018, pp. 523-524). Para a comandar, Contreiras indicara o capitão-tenente Eugénio Cavalheiro (Contreiras, 2018, p. 524). Por seu turno, o então tenente Fernando Vargas de Matos, comandante do DFE n.º 10, relatou ter recebido de Pinheiro de Azevedo, cerca das 8h30, a missão de “cercar, tomar e segurar a sede da DGS”, na convicção de que esta estaria “praticamente desocupada, por fuga da maior parte dos agentes” (Matos, 2018, p. 550).

No entanto, ao chegar à sede da DGS, juntamente com Eugénio Carvalheiro, Vargas de Matos manifestou “grande surpresa” ao ver o local cheio de “pessoas/agentes ao contrário das informações recebidas” (Matos, 2018, p. 551). Na “janela/varanda central estava o topo da hierarquia da DGS” (Matos, 2018, p. 551), bem como o comandante Alpoim Calvão, que confrontou, na Rua António Maria Cardoso, o seu “camarada de armas” Eugénio Cavalheiro, aconselhando-o a retirar-se, antes que os “pides” fizessem “os marinheiros em carne picada” (Antunes, 1994, pp. 36-37). O destacamento de fuzileiros saiu dali, regressando Cavalheiro e Vargas de Matos à FFC, antes de se juntarem à força militar de Estremoz, junto à Ponte sobre o Tejo/Cristo Rei (Matos, 2018, pp. 552-553).

7.2. Os tiros para o “ar” e a tomada da sede da DGS

Face às notícias sobre movimentações populares (Araújo, 2005, pp. 40-48), o major Silva Pais ordenou aos cerca de 200 agentes da DGS, encurralados na sede, que fossem disparados uns tiros para o ar a fim de dispersar tais indivíduos (Castanheira & Cruz, 2003, pp. 183, 186, 187). Como se sabe, os tiros não foram “para o ar” e provocaram feridos, quatro dos quais acorreram ao hospital, onde foram presos à saída por elementos da DGS e levados para o Governo Civil de Lisboa (Godinho, 2013). Tratou-se do primeiro de dois tiroteios a partir da sede da DGS, ocorrido entre as 13h30 e as 15h, consoante as diversas versões das testemunhas.

Depois, após as 18h, no Largo do Carmo, findo o episódio da rendição de Marcello Caetano no Carmo, convergiram para a Rua António Maria Cardoso centenas de manifestantes, vitoriando as Forças Armadas (Baptista, 1975, pp. 249-250). Foi então que, às 20h20, começou “o tiroteio desencadeado pelos pides”, no qual foram atingidas 45 pessoas. Os tiros provocaram quatro vítimas mortais: Fernando Carvalho Gesteiro, empregado de comércio de 18 anos, José James Harteley Barneto, escriturário de 37 anos, João Guilherme Rego Arruda, estudante de 20 anos, e Fernando Luís Barreiros dos Reis, soldado de 24 anos (Museu do Aljube).

Ao ser informado do tiroteio no PC da Pontinha, Otelo Saraiva de Carvalho pediu a Spínola, que já ali se encontrava, para ordenar ao ex-ministro do Interior, Moreira Baptista, que estava sob prisão, a rendição dos elementos barricados na sede da DGS. Vítor Crespo relataria ter assistido, na Pontinha, à conversa exaltada entre Spínola e Moreira Baptista e à declaração de Silva Pais “disposto a capitular”, pedindo que as Forças Armadas protegessem os agentes da fúria da multidão (Santos, 2004, p. 208). No entanto, ter-se-ia de esperar a noite de 25 para 26 de Abril para que a DGS se rendesse de facto.

Na Base Naval do Alfeite, Pinheiro de Azevedo recebera, na tarde de 25 de Abril, nova instrução do “tenente Barata” e voltara a ordenar a saída de uma força com objetivo igual ao anterior, o de ocupar a sede da DGS, constituída pelo destacamento de Vargas de Matos e oficiais da reserva naval (Matos, 2018). Dessa vez, Almada Contreiras sugerira o nome de Luís da Costa Correia para comandar a força. Foi assim que este se dirigiu ao monumento do Cristo-Rei, onde o aguardava o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) comandado pelo então 1.º tenente Vargas de Matos, enquanto uma companhia de fuzileiros ad-hoc seria comandada pelo então subtenente Lobo Varela (Cavalheiro, 2018; Contreiras, 2018, pp. 524-525; Matos, 2018, pp. 550-551).

As duas companhias de fuzileiros rumaram às instalações da Marinha, junto à Ribeira das Naus, onde chegaram cerca das 20h. No Chiado, ao ver carros de combate do Exército, Costa Correia entrou em contacto, cerca das 21h, com o respectivo comandante, o capitão de cavalaria Andrade Moura (RC3 - Estremoz), combinando ambos o “dispositivo de cerco” (Carvalho, 2011, p. 173). Já Andrade Moura, após ouvir, no quartel do Carmo, cerca das 20h30, “o rátátá das metralhadoras” (Carvalho, 2011, p. 174) e ter colocado uma viatura blindada de canhão apontado à sede da DGS, disse ter recebido ordem de Spínola “para não actuar”, pois ele já tinha recebido a rendição do director da DGS (Bernardo, 1999, p. 75).

Cansado, pois não dormia havia 48 horas, Andrade Moura contou ter ido descansar no quartel do Carmo, após entregar o comando do seu Regimento ao major Campos Andrada. Este tinha entretanto surgido e havia comunicado a Andrade Moura a sua missão de “tomar conta da DGS, para a entregar à Polícia Judiciária, por ordem do General Spínola” (Bernardo, 1999, p. 75). O então capitão Alberto Ferreira, que comandava uma Secção do RC3 - Estremoz na noite de 25 de Abril, relatou que, ao cercarem o edifício da DGS, soldados abateram um “elemento dessa polícia e capturaram outros doze, até à chegada do reforço de dois destacamentos da Marinha, cerca das duas horas da madrugada de 26 de Abril” (Bernardo, 1999, p. 48).

A vítima mortal foi o servente da DGS, António Lage, que se dirigia a sua casa, perto da sede da DGS, onde trabalhava, que terá entrado em pânico e fugido. Durante essa mesma longa noite, conforme contaria Luís da Costa Correia (Antunes, 1994, p. 36), as forças de fuzileiros que comandara haviam capturado alguns agentes da DGS. Foi decidido aguardar pelo nascer do dia, tentar acalmar os ânimos da população e utilizar um dos agentes capturados para servir de medianeiro com a direcção da polícia política, que estava cercada na Rua António Maria Cardoso.

Costa Correia seleccionou o agente da DGS, J. Azevedo, para levar uma mensagem verbal ao director-geral dessa polícia, informando-o de que os sitiantes iriam entrar na sede. Pelas 8h30, este agente informara Costa Correia de que o major Silva Pais e o seu pessoal se renderiam e estavam à disposição do Comando da Força de Marinha. Costa Correia, segundo se recordava, disse ter convidado Andrade Moura, comandante da força do RC3, para o acompanhar e ambos entraram pelas 9h na sede da PIDE/DGS, quando surgira o major Campos Andrada que se juntara ao grupo (Antunes, 1994, pp. 36-37).

Alberto Ferreira confirmaria que, após ter conseguido dormir umas horas numa caserna de praças da GNR, se apercebera, na manhã de dia 26, que as suas forças estavam cercadas “por um cordão de fuzileiros” (Bernardo, 1999, pp. 48-49). Afirmou ter sido a força do RC3 “que ele próprio comandava” a entrar primeiro na sede da DGS, acompanhado pelo “então Major Campos Andrada”, que dizia ter sido nomeado pelo “General Spínola para comandar as forças que tinham a missão de ocupação da sede da então DGS” (Bernardo, 1999, pp. 48-49). Juntamente com Campos Andrada, Alberto Ferreira dera depois uma “volta pelas instalações” da DGS, ambos guiados por Álvaro Pereira de Carvalho que interpelaram, ao detectarem “vestígios de terem sido queimados papéis recentemente” (Neves, 2020, pp. 50-51).

De facto, horas antes, no interior da sede da DGS, o director dos respectivos Serviços de Informação dera ordens para destruir ficheiros de informadores e outros documentos para evitar perseguições imediatas, bem como algumas reproduções de escutas telefónicas que poderiam criar graves desavenças conjugais em alguns lares. Campos Andrada e Alberto Ferreira separaram-se e este último relatou que, ao chegar ao átrio do edifício da sede, encontrara Costa Correia. Por seu turmo, este informou Campos Andrada e Alberto Ferreira de ter ordens para “ficar a controlar aquela organização” (DGS), o que viria a ser confirmado pelo PC da Pontinha (“As últimas horas da PIDE. Se queimássemos a sede?”, 1985).

Luís da Costa Correia abordaria, por seu turno, as “versões diferentes sobre as horas a que as forças participantes no cerco entraram na sede da DGS/PIDE” (Correia, 2020). Lembrou que, na manhã de dia 26, ele próprio, acompanhado por Vargas de Matos, descera a Rua António Maria Cardoso e constatara que o major Campos Andrada “descia também a rua para se juntar ao grupo” e que entraria na sede da DGS. Ao subirem até ao gabinete do major Silva Pais, este garantira que “a Direcção-Geral de Segurança estava ao lado das Forças Armadas” (Correia, 2020). Costa Correia disse ter-lhe retorquido que então não compreendia por que “é que aqueles retratos ainda se encontram pendurados neste seu gabinete” - tratava-se Oliveira Salazar, Américo Tomás e Marcello Caetano. O major Silva Pais fizera logo menção de os ir retirar e tal viria de facto a ser “concretizado em acto cujo profundo simbolismo assinalava o termo das operações militares desencadeadas na véspera visando a deposição do regime político ditatorial vigente” (Correia, 2020).

Num “Direito de resposta” às afirmações constantes num artigo publicado na revista Referencial n.º 136 por Costa Neves, onde este citava Alberto Ferreira, Campos Andrada manteve a sua versão de que Spínola lhe terá “dado ordem de ir comandar as forças que estavam a cercar a sede da PIDE/DGS” (Andrada, 2020, p. 118). Afirmou que, ao dirigir-se, na manhã de dia 26 de Abril, para o Largo do Chiado, “apareceu uma escolta com o PIDE Coelho Dias, que informou que o Major Silva Pais se rendia ao Major Campos Andrada conforme tinha combinado com o General Spínola e que as portas já estavam abertas” (Andrada, 2020, p. 118). Só depois, ainda segundo Campos Andrada, surgira na Rua António Maria Cardoso uma força da Marinha, comandada por Costa Correia, que o questionara se podia acompanhá-lo na entrada da sede da DGS.

Na descrição do jornal República, às 9h46 de dia 26, “um destacamento do R.I. 1 entrava no edifício para desarmar os elementos da PIDE-DGS, apreender todo o material e começar as operações de transferência dos polícias, sob prisão” (“A PIDE-D.G.S. rendeu-se aos Fuzileiros Navais e a Infantaria 1”, 1974). Com o 1.º tenente Vargas de Matos e com o 2.º tenente Lobo Varela, Luís da Costa Correia montou um dispositivo de segurança em torno da ex-sede da DGS, no interior da qual ficou um pequeno grupo de fuzileiros (Correia, 2020). Meia hora depois, surgira “um estafeta portador de um documento assinado pelo general Spínola e com selo branco ilegível, no qual era nomeado como novo Director-Geral de Segurança o Inspector Superior Coelho Dias” (Correia, 2020). Após remeter a credencial e felicitar Coelho Dias, Costa Correia enviou-o, sob escolta, para casa descansar (Antunes, 1994).

Ao ocupar o edifício da sede da DGS, Costa Correia (2020) sugeriu que “o Destacamento de Marinha no edifício da Rua António Maria Cardoso passasse a ser oficialmente designado por DestacMarCardoso” e se mantivesse lá. Esse facto foi “assim o primeiro passo na intervenção da Marinha no processo de extinção da DGS/PIDE”, conforme concluiu Costa Correia (2020). Por seu turno, Almada Contreiras assinalou a importância, no day after, dessa iniciativa, ao considerar tratar-se de um passo fundamental para a extinção da DGS e também crucial para a manutenção e salvaguarda dos respectivos arquivos (C. A. Contreiras, entrevista, 22 e 25 de agosto de 2020).

8. A libertação dos presos políticos em Caxias e Peniche

A partir da meia-noite de 26 para 27 de Abril, foram libertados 128 oposicionistas das prisões de Caxias e Peniche (Antunes, 1992, p. 341). No entanto, da mesma forma que a ocupação da sede da polícia política não constituíra um objectivo militar prioritário, a tomada desses fortes não foi logo levada a cabo. Já após a sede da DGS ter sido ocupada, chegara ao Chiado, na manhã de dia 26, uma nova força de fuzileiros, comandada pelo capitão-tenente José Júlio Abrantes Serra, ao qual Costa Correia sugerira que se dirigisse para o Forte de Caxias (Correia, 2020).

Serra assim fez e montou a operação de cerco do reduto norte da prisão de Caxias. Após os guardas prisionais abrirem o portão, “a força de Marinha entrou e foi para a área de controlo da GNR”, com o intuito de “abrir as celas”, de onde saíram os reclusos, enquanto no exterior do forte se juntava uma multidão, na esperança de assistir à libertação (Santos et al., 1997, p. 84). Entretanto, ainda de manhã, duas companhias de paraquedistas vindas de Tancos, comandadas pelos capitães José Brás e Mário Pinto, já se tinham dirigido para Caxias, por ordem do PC da Pontinha e, a partir das 8h30, tinham montado a segurança, aguardando ordens da Junta de Salvação Nacional (JSN) para a libertação dos presos.

O capitão Mário Pinto terá mandando os presos novamente para dentro das celas, declarando ter instruções de que “não haveria libertação de presos e que o general Spínola iria decidir” (Tíscar, 2014, p. 119), José Júlio Abrantes Serra viria a dizer ter então agido por conta própria, ordenando a reabertura das portas das celas, sem que os presos se deslocassem para o pátio. Tinham, entretanto, chegado advogados de presos políticos para negociarem a sua libertação, com base nas fichas prisionais, encontradas no gabinete do chefe dos guardas.

Enviado por Spínola, para decidir quem era ou não libertado, o coronel Mário Dias de Lima “escolheu um grupo de agentes da PIDE/DGS” para “ajudarem à selecção dos reclusos constantes de uma lista de quem tinha ou não sido condenado por crimes de sangue, de acordo com as instruções emanadas por Spínola” (Tíscar, 2014, p. 121). Presentes na reunião, em discordância, Abrantes Serra e o major Menino Vargas abandonaram-na. No final do dia, um oficial disse aos detidos que nem todos seriam libertados, por serem “considerados criminosos comuns”, mas os 85 presos declararam em uníssono que saíam “todos, ou nenhum” (Tíscar, 2014, p. 121). Devido a ordens divergentes vindas de oficiais do MFA e também à pressão das pessoas que se encontravam no exterior da cadeia, todos foram libertados, a partir da meia-noite de dia 26 para 27, sob ordem do tenente-coronel Franco Charais, do MFA (Burchett, 1975, p. 32).

Posteriormente, foram também libertados os presos nas delegações da DGS do Porto e de Coimbra, bem como os 43 detidos políticos no Forte de Peniche, onde, logo pelas 10h30 de dia 25, chegara o Agrupamento Norte, comandado pelo capitão Gertrudes da Silva, com o objectivo de ocupar a prisão. O chefe dos guardas recusou-se a assinar a rendição e, como não conseguiu contactar o PC da Pontinha, Gertrudes da Silva deslocou-se para Lisboa, deixando “em Peniche uma companhia, comandada pelo capitão Rocha Santos” (Carvalho, 2011, p. 124).

Já no dia 26 de Abril, o major do Exército Moreira de Azevedo e o actual capitão-tenente da Marinha Carlos Machado Santos ofereceram-se para a libertação dos presos no Forte de Peniche e de um preso internado no Hospital Miguel Bombarda. De novo Spínola ordenou que os acusados de crimes de delito comum não fossem soltos. Ao chegarem pelas 22h a Peniche, os dois militares, acompanhados de advogados de defesa, libertaram todos os presos, excepto três deles, acusados de crimes de sangue.

Tratou-se de Rui d’Espiney e Francisco M. Rodrigues, sentenciados por terem morto um informador da PIDE, e de Filipe Aleixo, por participação da tomada do paquete Santa Maria em 1961. O advogado dos três, Macaísta Malheiros, apresentou uma proposta relativamente aos três e a um quarto preso, internado sob prisão no Hospital Miguel Bombarda, sugerindo que ficariam à sua responsabilidade, em sua casa, até uma decisão final (Azevedo & Santos, 2018, pp. 638-639). Os três acabariam assim por ser libertados, pelas 16h de dia 27 de Abril, enquanto o preso, internado no Hospital Miguel Bombarda, já havia recebido alta (Azevedo & Santos, 2018, p. 640).

9. O papel de Spínola

Para terminar, refira-se que, logo a partir das 20h30 de 25 de Abril, começaram os desacordos entre o MFA e o general Spínola, erguido a “herói” do golpe de Estado, com o qual nada teve a ver, a não ser ter sido escolhido pelo MFA para presidir à JSN e, por inerência, para a Presidência da República. Ao chegar a essa hora ao PC da Pontinha, juntamente com os membros do governo detidos, Spínola dirigira-se a Otelo e a outros oficiais presentes informando-os que acabava de assumir o poder no Quartel do Carmo. Ato contínuo, oficiais spinolistas começaram a dar ordens e efectuar nomeações.

Antes de ocorrer a proclamação da JSN na RTP realizou-se, na noite de 25 para 26, no quartel da Pontinha, uma reunião entre os oficiais superiores indigitados para aquela estrutura e elementos do MFA. Por um lado, o general Costa Gomes insistiu que, no chamado Ultramar, a DGS deveria “continuar a ser aproveitada no âmbito das informações enquanto as operações militares continuarem” (Carvalho, 2011, p. 179). Quanto a Spínola, quis eliminar a alínea referente à “nova política económica e à estratégia antimonopolista” e cortou palavras (Carvalho, 2011, p. 179). Com o apoio do general Silvério Marques, pretendeu “a eliminação total” da alínea que definia o “claro reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação, no âmbito dos princípios que nortearão a política ultramarina” (Carvalho, 2011, p. 179).

Franco Charais lembrou então a Spínola que se não aceitasse o Programa, que já conhecia anteriormente, os carros de combate ainda estavam na rua (Lopes & Melo, 2007). A reunião interrompida para que fossem apresentados aos portugueses, na RTP, os membros da JSN, foi retomada pelas 2h da manhã de 26 para discutir essas alterações. Foi assim eliminado do Programa, a pedido de Spínola, o “claro reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação” e introduzido no texto que a DGS permaneceria no Ultramar, passando a designar-se Polícia de Informações Militares - PIM (Cruzeiro, 1998, pp. 213-214).

Assim, o facto de Spínola, mandatado pelo PC da Pontinha, ter recebido a rendição das mãos de Marcello Caetano, aumentou o seu protagonismo, quer a nível nacional como internacional, tendo acabado por lhe dar veleidades de poder. Por isso, viria a confontar-se frequentemente com o MFA e com a sua CCE até se demitir da Presidência da República, na sequência da manifestação da “Maioria Silenciosa”, uma iniciativa falhada em apoio à sua política a 28 de Setembro de 1974, e a exilar-se no dia 11 de Março de 1975, após o fracasso de uma tentativa de golpe de Estado que terá liderado.

Notas conclusivas

O facto de a partir do final de 1973 a DGS deixar de vigiar os militares do MOFA, recebendo ordens do governo para, ao invés, seguir a actuação de Kaúlza de Arriaga e de outros generais, terá mantido a polícia política no desconhecimento da data da eclosão do golpe, em 25 de Abril. Após o golpe falhado de 16 de Março de 1974 e da prisão dos seus participantes, a DGS e o governo pensaram certamente que do Movimento dos Oficiais não viria tão cedo perigo imediato. Ora, este analisou os motivos do falhanço da tentativa spinolista de 16 de Março e não recuou, tendo começado logo a preparar as suas operações.

O facto de o MFA querer organizar uma operação estritamente militar, sem a participação de civis, onde a polícia política estava infiltrada com informadores, contribuiu também para “cegá-la”. A DGS não estava habituada, nem vocacionada - nem aliás o governo - a actuar contra os militares, que eram os principais garantes da manutenção do regime ditatorial. Houve diversas razões para a DGS não ter actuado antes e durante o golpe de Estado de 25 de Abril, uma das quais foi o facto de as Forças Armadas defenderem o regime nas colónias em guerra, onde recebiam a colaboração do serviço informativo dessa polícia.

Da mesma forma, essa colaboração nos terrenos de guerra colonial terá contribuído para que os membros do Exército no MFA não tivessem erigido a DGS enquanto alvo principal a abater. Se houve “borreganço”, no dia 24, do RI 1 comandado pelo capitão Coelho de Lima, que deveria tomar a sede da DGS e a prisão de Caxias, foi possível perceber que o comandante operacional do golpe do MFA não considerou esses objectivos como alvos prioritários. Por outro lado, havia spinolistas na própria DGS, que tinha ainda dirigentes próximos de Costa Gomes (como foi o caso de São José Lopes, pois em Angola, onde esteve, Costa Gomes tinha sido comandante-chefe).

Luís da Costa Correia afirmou que a tomada da sede da DGS, na qual participou, terá ocorrido no quadro das posições antagónicas sobre o futuro da polícia política, que vieram logo à tona do que poderia designar como operações paralelas. Uma delas, encabeçada por Spínola, pretendia a continuação de uma polícia de informação com base na maioria dos seus quadros da DGS. Outra prendeu-se com a recusa em aceitar a continuação da estrutura existente, mesmo que disfarçada pelo afastamento de notórios torcionários (Correia, 2018). Ambas as posições tiveram origem no PC da Pontinha, onde, por um lado, Spínola chegou a proceder a nomeações para a DGS, e, por outro, oficiais no cerne da conspiração do MFA tentaram evitar a continuação da polícia política.

Costa Correia aventou a hipótese de as orientações dadas à DGS, no dia 25 de Abril, terem resultado “de um acordo tácito entre o Prof. Marcelo Caetano e o então General A. Spínola”, o qual explicaria “a apressada designação, pelo último, de Rogério Coelho Dias” enquanto novo director da DGS (Correia, 2018, p. 545). Esta vontade foi, no entanto, prejudicada “pelas quatro mortes ocorridas no princípio da noite de 25 de Abril, que tiveram como consequência uma ocupação ‘manu militari’ determinada por A. Spínola, sem saber que na Pontinha e no Centro de Comunicações da Armada já se tinham muito antes dado instruções para que os Fuzileiros interviessem” (Correia, 2018, p. 545).

As versões desencontradas dos vários testemunhos dos militares envolvidos no golpe de Estado vitorioso indicam a provável existência de objectivos diferentes no interior do Movimento, nomeadamente no Exército, onde alguns actuaram sob ordens do general Spínola, quando chegou ao quartel da Pontinha, após a rendição de Marcello Caetano. É certo que a maioria dos oficiais terá obedecido às ordens de Otelo Saraiva de Carvalho, no qual Spínola tinha então toda a confiança, pois havia operado com ele na Guiné-Bissau.

Quanto a alguns oficiais da Marinha, embora declarassem nas reuniões do MFA que adoptariam uma posição de “neutralidade activa” relativamente ao golpe de Estado, alguns elementos mais politizados dessa Arma foram mais longe. Propuseram-se ocupar a sede da DGS, no próprio dia 25, assumindo Carlos Almada Contreiras (“tenente Barata”) um papel relevante na dupla saída de fuzileiros, tanto de manhã como à tarde, para a Rua António Maria Cardoso.

O hoje contra-almirante Manuel Martins Guerreiro contaria que, ao tomarem conhecimento de que a ordem da operação a ser ultimada não contemplava a sede DGS como objectivo a tomar, os elementos da Marinha queixaram-se junto de Otelo Saraiva de Carvalho. Este ter-lhes-á dito: “Se discordam façam vocês essa acção” (Guerreiro, 2018, p. 513). Fora assim decidido que a tomada da sede dessa polícia seria levada a cabo pelo destacamento operacional de fuzileiros do primeiro-tenente Vargas de Matos, comandado por Eugénio Cavalheiro, mas essa missão falhou. À tarde, Guerreiro foi informado por Almada Contreiras de que a força de fuzileiros se havia reorganizado, sob o comando de Costa Correia, e voltaria à acção junto à sede da DGS (Guerreiro, 2018, p. 517).

Conclui-se assim que, tanto no cerco e na ocupação da sede da DGS como na posterior tomada da prisão de Caxias, houve provavelmente forças militares “rivais” com missões diversas. Houve portanto diversos “25 de Abril”, tal como mais tarde haveria diferentes “11 de Março” e “25 de Novembro” de 1975. Quando os elementos do MFA ouviram na rádio as primeiras estrofes de “Grândola, Vila Morena” de José Afonso não sabiam se iriam ter êxito e até que ponto iriam encontrar resistência da parte do regime. Esta quase não existiu, embora alguns elementos da DGS, encurralados na sua sede, tivessem assassinado quatro pessoas nesse mesmo dia.

Outro dos aspectos difíceis de prever, até, porque nos comunicados do MFA transmitidos pelo RCP se aconselhava a população a não sair à rua, foi a irrupção de civis, que não só desobedeceram a essa ordem como vitoriaram desde cedo o golpe militar. Em testemunho, Carlos Almada Contreiras deu conta da sua surpresa ao ver que as pessoas saíam à rua, contra os avisos emitidos nos comunicados do MFA pela rádio (C. A. Contreiras, entrevista, 22 e 25 de agosto de 2020). O apoio popular foi crucial para que o MFA não tivesse de visar outros alvos não previstos e diminuiu ainda mais a resistência por parte do regime.

Pelas 13h foi interceptada e ouvida no PC da Pontinha uma conversa entre o general Edmundo da Luz Cunha, até então governador militar de Lisboa, no posto de comando do regime, no RL2, e o brigadeiro Junqueira dos Reis, no Largo de Camões, ao cercar as forças da EPC. Este último mencionou que “a população que o envolve no Largo de Camões como o factor decisivo que o impede de avançar” e avisou que só evitava “conflitos com a população pela suposição, por parte dos populares, de que se trata de força favorável ao derrube da ditadura” (Ferreira, 2023, p. 42).

A participação popular acabou por criar “um clima de consenso espontâneo e de entusiasmo perante a iminente queda do regime” ditatorial, que se expressaria nas enormes manifestações do 1.º de Maio que referendaram o golpe militar do MFA (Ferreira, 2023, p. 42). Assim, sem se deixar de realçar outros factores que contribuíram para a vitória do golpe de Estado de 25 de Abril - nomeadamente a rapidez com que este foi desencadeado, a organização de Otelo e o aparelho de comunicações montado por Amadeu Garcia dos Santos -, é um facto que, ao serem informados do que se estava a passar pelos comunicados do MFA, muitos portugueses saíram à rua.

Os acontecimentos na Rua António Maria Cardoso e a libertação de todos os presos políticos representaram outros dois pontos de não retorno do 25 de Abril de 1974. A partir de então, tornou-se claro que a DGS não iria continuar na “metrópole”, devido ao papel de centenas de pessoas que acorreram ao local, mas também ao assassinato de quatro portugueses e ao ferimento de dezenas de outros às suas mãos. Luís da Costa Correia sublinharia “a importância que as mortes de 4 cidadãos alvo dos disparos de pessoal da DGS/PIDE tiveram no evoluir da situação local e nas incidências respectivas no plano político geral”, acicatando este crime ainda mais a “repulsa que a generalidade do povo sentia” pela polícia política (Correia, 2018, p. 540).

Estes acontecimentos marcariam também os eventos que ocorreriam posteriormente e transformariam um golpe de Estado militar num processo revolucionário. Logo, ao subir a Rua do Carmo, pelas 13h25, para dar a ordem de Otelo a Salgueiro Maia para que atirasse uma rajada sobre o quartel da GNR, Rosado da Luz constatou de imediato que o “‘Golpe de Estado’ se tinha transformado em ‘Revolução’”, apesar de ainda faltar a rendição de Caetano e da DGS (Luz, 2018, p. 146).

Se o 25 de Abril de 1974 não foi uma revolução, mas um golpe militar, a participação da população ao lado do MFA, as mortes causadas pela DGS e a libertação de todos os presos políticos transformaram-no num processo revolucionário, com a entrada aos civis portugueses no protagonismo de um importante movimento de massas reivindicativo não previsto pelo MFA. Ernesto Melo Antunes afirmou que a “maioria dos oficiais participou num golpe militar, num pronunciamento militar, sem saber que estava a desencadear uma revolução” (Martelo, 2020, p. 101). No entanto, “para surpresa de muitos, tinha sido um ato revolucionário que derrubava o regime”, pois a participação entusiástica das massas populares convertera “o golpe em revolução” (Martelo, 2020, p. 103).

Declaração de conflitos de interesse

A autora declara não existir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

A autora não recebeu apoio financeiro para a investigação, autoria e/ou publicação deste artigo.

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Notas

1Por vontade da autora, este artigo não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990. Para uma análise mais desenvolvida da temática deste texto ver Pimentel (2024), obra na qual este artigo se baseia.

2Sessões do Conselho Superior de Defesa Nacional. (1968-1974). 3 caixas, Arquivo Histórico da Presidência da República, Lisboa, Portugal. https://www.arquivo.presidencia.pt/DetailsForm.aspx?id=1031

3Arquivo da PIDE/DGS. (1933-1976). Proc CI (3) 250, pp. 17-18, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa, Portugal.

Recebido: 31 de Maio de 2023; Aceito: 31 de Janeiro de 2024

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